sexta-feira, 6 de abril de 2012

A governança sul-americana da água

Zilda Ferreira
A América do Sul pode saciar a sede de todos os latino-americanos e socorrer quem precisar. É a região de maior reposição de água do mundo e tem três grandes aquíferos. Mas para isso é urgente que se consiga, em junho, durante a Conferência Rio+20, a criação de um organismo sul-americano capaz de impor o cumprimento da Resolução da ONU 64/292. Aprovada em julho de 2010 pela Assembleia Geral, reconhece como Direito Humano Água e Saneamento. O futuro organismo continental poderá defender nossos recursos hídricos, ameaçados de privatização.

No 6º Fórum Mundial da Água, realizado na França em março de 2012, as transnacionais da água, principalmente as francesas, defenderam um organismo internacional para gestão da água, a “Governança Global da Água”, para facilitar o processo de privatização. Relatora Especial da ONU para o Direito à Água e ao Saneamento, a portuguesa Catarina de Albuquerque se disse surpresa ao descobrir que o nenhuma menção à 64/292 nem qualquer referência a água como Direito Humano constava da declaração ministerial do Fórum.

O Conselho Mundial da Água – hegemonizado por transnacionais - não reconhecer como direito humano a água e o saneamento era previsível. Mas é preocupante que, presentes na delegação brasileira, os tecnocratas da ANA (Agência Nacional de Águas) e do CPRM-Serviço Geológico do Brasil (empresa de capital misto vinculada ao Ministério de Minas e Energia) tenham feito coro com os europeus em favor da criação da Governança Global.

Alter do Chão, Guarani e Bacia do Maranhão, três dos maiores aquíferos do mundo
Quem leu o livro Ouro Azul - como as grandes corporações estão se apoderando da água doce do planeta, de Maude Barlow e Tony Clarke, sabe que 70% do mercado da água pertence a duas empresas francesas - Suez e Vivendi. A Vivendi é dona do segundo maior conglomerado de comunicações do mundo, incluindo redes e canais a cabo de TV, jornais, editoras e operadoras de acesso à internet como a GVT, já em atividade no Brasil. A força do império Vivendi é difícil de medir, mas as empresas de exploração de água são as mais rentáveis, com tentáculos em todos os organismos multilaterais, decisivos para abrir caminho à privatização de recursos hídricos mundo afora.

Precedentes perigosos não faltam. Em 2007 a França tentou aprovar no IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) instrumento intervencionista ainda mais abrangente. O então presidente francês Jacques Chirac propos a criação de um organismo internacional para fiscalizar o meio ambiente, óbvia estratégia para viabilizar a internacionalização da Amazônia. O governo francês já deu indicações de que voltará a tentar emplacar a proposta na Rio+20.

Apelo
Diante desse quadro é fundamental que os movimentos sociais e lideranças ambientais se juntem aos líderes sul-americanos durante a Rio+20 e tentem criar um organismo regional para gerir os recursos hídricos do continente. Corremos o risco de a América do Sul, que concentra quase metade da água do planeta, conhecer a sede em larga escala, pois a voracidade do mercado europeu de recursos hídricos é inesgotável.

No Brasil já existem exemplos de como o capital é agressivo para se apropriar da água. Os habitantes de Manaus vivem sobre a maior reserva do planeta, mas quem não pode pagar não tem acesso à água. A concessionária local é subsidiária de uma multinacional francesa e o aquífero está sendo contaminado por falta de investimento.

É tarefa da educomunicação, exercida principalmente pelos professores, educadores ambientais e comunicadores, acompanhar debates, fóruns internacionais, ler a mídia e o entorno de maneira crítica, além de analisar as propostas do mercado e dos tecnocratas. É preciso conscientizar o povo a exigir seus direitos ao meio ambiente e à água, que estão sendo apropriados pelas transnacionais. Para concretizar essa tarefa se faz necessário a criação de um organismo sul-americano forte e com participação popular.

Leia ainda:
Privatização da água: o 'fracasso' melhor financiado
A Centralidade da Água
A água novamente entre a vida e a morte


A CÚPULA DOS BRICS E O BOICOTE DA MÍDIA OCIDENTAL

30/03/2012 - Mauro Santayana em seu blog

A cada ano, quando chega a época da Cúpula Presidencial dos BRICS – a quarta edição desse encontro acaba de terminar em Nova Delhi, a capital indiana – torna-se cada vez mais evidente, para o observador atento, o patético esforço da mídia “ocidental” (entre ela boa parte da nossa própria imprensa) de desconstruir a imagem de uma aliança geopólítica que reúne quatro das cinco maiores nações do planeta em território, recursos naturais e população e que está destinada a modificar a o equilíbrio de poder no mundo, no século XXI.

Essa estratégia – com a relativa exceção dos meios especializados em economia - vai de simplesmente ignorar o encontro, à tentativa de diminuir sua importância, ou semear dúvidas sobre a unidade dos principais países emergentes, tentando ressaltar suas diferenças, no lugar do reconhecer o que realmente importa: a política comum dos BRICS de oposição à postura neocolonial de uma Europa e de um EUA cada vez mais instáveis, que se debatem com um franco processo de decadência econômica, diplomática e social.

Para isso, a mídia ocidental – incluindo a “nossa” - ignora os despachos das agências oficiais dos BRICS, principalmente as russas e as chinesas, que ressaltam a importância do Grupo e de suas iniciativas para suas próprias nações – o Brasil inexplicavelmente ainda não possui serviços noticiosos em outros idiomas, coisa que até mesmo Angola utiliza, e muito bem – e se concentra em procurar e entrevistar observadores “ocidentais” ou pró-ocidentais situados em esses países, que se dedicam a repetir a cantilena da "impossibilidade” do estabelecimento de uma aliança geopolítica de fato entre o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, baseados nos seguintes argumentos:


- A “distância” entre o Brasil, a África do Sul, e a Rússia, a índia e a China, como se em um mundo em que a informação é instantânea e um míssil atinge qualquer ponto do globo em menos de quatro horas, isso tivesse a menor importância.

- O fato de a África do Sul, o Brasil e a Índia serem democracias, e a China e a Rússia não serem democracias “plenas ” segundo o elástico conceito ocidental, que não considera a Venezuela uma democracia “plena”, mas o Kuwait ou a Arábia Saudita – autocracias herdadas e governadas pelo direito de sangue - sim.

- A concorrência da Índia, da China e da índia no espaço asiático, como se esses três países não cooperassem, até mesmo no campo militar, e não mantivessem reuniões, há muitos anos, para resolução de problemas eventuais.

- A rotulagem desses países em “exportadores de commodities” como a Rússia e o Brasil, “provedores de serviços”, como a India, e “fábricas do mundo”, como a China, como se essa situação, caso fosse verdadeira, não pudesse ser usada a favor de uma aliança intercomplementar, ou como se Rússia, Brasil e índia também não produzissem manufaturados, e entre eles produtos industriais avançados, como aviões, por exemplo.

É óbvio que uma aliança como os BRICS, que reúne um terço do território mundial, 25% do PIB, e praticamente a metade da população humana não se consolidará, política e militarmente, de uma hora para a outra. Mas também é igualmente claro, que não se trata de um grupo heterogêneo de nações que não tenham nada a ver uma com a outra.

Se assim fosse, o Brasil não estaria fornecendo aviões-radares para a índia, não estaríamos desenvolvendo mísseis ar-ar e terra-ar com a DENEL sul-africana, ou comprando helicópteros russos de combate, ou não teríamos, há anos, um programa de satélites de sensoriamento remoto com a China.

O primeiro traço comum entre os grandes “brics” como a Rússia, a China, a Índia e o Brasil, e, em menor grau, a África do Sul, é, como demonstra a sua oposição à política ocidental para com a Líbia e a Síria, o respeito ao princípio de não-intervenção.

Porque o Brasil, a Rússia, a Índia, a China, não aceitam que se intervenha em terceiros países, em função de questões relacionadas aos “direitos humanos”, por exemplo, ou devido à questão nuclear?

Porque, como são países que prezam a sua soberania, não aceitam que, amanhã, o mesmo “ocidente” que hoje ataca a Libia, a Siria, ou o Irã, venha se unir contra um deles, qualquer deles, por causa de outras questões, como poderia acontecer conosco, eventualmente, no caso dos “ direitos” indígenas, ou da defesa da Amazônia, o “pulmão do mundo”.



Quem tem telhado de vidro não joga pedra nos outros.

Que atire a primeira quem nunca pisou na bola. Qual é o país, hoje, que pode acordar pela manhã, olhar-se, enquanto sociedade, no espelho, e dizer que não tem nenhum problema de direitos humanos?

E mais, quem arvorou à Europa e aos norte-americanos a missão de julgar o mundo? Pode um país como os Estados Unidos, que invadiu e destruiu o Iraque, por causa de outro mito intervencionista, o da existência – comprovadamente falsa - de armas de destruição em massa naquele país, falar em direitos humanos? 

Pode uma Nação que inventou e usou, no Vietnam, centenas de toneladas de um veneno químico chamado agente laranja, contaminando para sempre o solo e as águas de milhares de hectares de selva, falar em defesa da natureza e das florestas tropicais?

Ou pode um país que jogou duas bombas atômicas sobre dezenas de milhares de velhos, mulheres e crianças desarmadas, queimando-as até os ossos - quando poderia – se quisesse – tê-las testado sobre soldados do exército ou da marinha japonesa, falar, em sã consciência, de controle de armamento atômico e da não proliferação nuclear?

A realidade por trás do discurso de defesa dos direitos humanos e da natureza é muito mais complexa do que Hollywood mostra às nossas incautas multidões em filmes como Avatar. Por mais que muitos espíritos de "vira-lata" queiram - mesmo dentro do nosso país - que Deus tivesse dado à Europa e aos Estados Unidos o direito de governar o mundo, para defender seu artificial e efêmero “american way of life”, ele não o fez.

Pequenos países, como a Espanha ou a Itália, na ilusão de se sentirem maiores, podem – assim o decidiram suas elites - abdicar de sua soberania política e econômica e bombardear a população civil na Líbia, no Iraque, no Afeganistão, em defesa de uma impossibilidade quimérica como a Europa do euro, e do mandato da “Pax Americana”.


Nações como o Brasil, a Índia, a China e a Rússia, se aferram ao direito à soberania, ao recurso à diplomacia, à primazia da negociação.

Não se pode salvar vidas distribuindo armas para um bando descontrolado de açougueiros que espanca e mata prisioneiros indefesos, desarmados e ensanguentados – mesmo que eles se chamem Khadaffi – e obriga jovens muçulmanos a desfilarem em fila, de joelhos, repetidas e infinitas vezes, sob a lente da câmera e a ameaça de armas e chicotes, para mastigar e engolir nacos de cadáveres de cães putrefatos. O futuro da humanidade no século XXI e nos próximos, depende cada vez mais da emergência de um mundo multipolar que se oponha à pretensa hegemonia “ocidental”.

E é isso – queiram ou não os jornais e comentaristas europeus e norte-americanos – que está em jogo a cada nova Cúpula dos BRICS, como a de Nova Delhi.


quinta-feira, 5 de abril de 2012

“Devemos mudar a economia”

05/4/2012 - por Rousbeh Legatis, da Inter Press Service (IPS)
reproduzido do site Envolverde

  
América Latina experimentou “luzes e sombras”, disse à IPS a secretária executiva da Cepal, Alicia Bárcena. Foto: Rousbeh Legatis/IPS

 
Nações Unidas, 05/04/2012

Depois da “década perdida” para a América Latina e o Caribe, nos anos 1980, a região experimentou um período de “luzes e sombra”, segundo a secretária executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Alicia Bárcena. O progresso real no campo social ocorreu na primeira década deste século, porque passamos de 44% da população da região vivendo na pobreza, em 2002, para 31% no ano passado”, destacou. Esta porcentagem representa 177 milhões dos 600 milhões de latino-americanos e caribenhos.

Às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que acontecerá no Rio de Janeiro em junho, 19 agências da Organização das Nações Unidas (ONU) colaboraram em um informe sobre os progressos e os desafios da região nas duas últimas décadas. Bárcena falou à IPS sobre as vias para avançar no desenvolvimento sustentável, sobre a histórica oportunidade que representa a cúpula no Rio de Janeiro para revisar as estruturas de governo globais e sobre o papel do Sul na luta contra os problemas de um futuro comum.

IPS: Quais as principais ameaças que a América Latina e o Caribe enfrentam?
Alicia Bárcena: Um dos sinais de alerta para nossa população é que as taxas de fertilidade estão caindo, em geral. Contudo, a maioria dos novos nascimentos se dá por gravidez de jovens. As mulheres jovens pobres são as que mais têm filhos. Isto é crucial, porque se nossa região não investir nas primeiras idades, de zero a cinco anos, o futuro desta região estará nas mãos da pobreza. Também analisamos ondeestão as áreas da América Latina mais vulneráveis à mudança climática, de acordo com seu impacto esperado para 2050. Por exemplo, consideramos eventos extremos e manifestações como a elevação do nível do mar ou desastres naturais, como os furacões.

As áreas mais afetadas serão América Central, do lado do Atlântico, México, na bacia do Caribe, algumas áreas de Equador, Peru e Colômbia, do lado do Pacífico, e a região do porto de Montevidéu, no Uruguai. É verdade que no plano social melhoramos as taxas de pobreza, mas o desemprego continua sendo um tema muito importante na América Latina e no Caribe. A taxa de 6,6% é baixa comparada com Europa ou Estados Unidos. O problema é a qualidade do emprego: em geral, é informal e sem seguridade social. Tão importante quanto reduzir a pobreza é reduzir a desigualdade.

IPS: Se considerarmos os fundamentos das economias da região, a exploração e exportação de matérias-primas e recursos naturais, como, neste cenário, a economia verde poderá obter algum impacto?
AB: A abundância de recursos naturais deve ser vista como uma benção. A maldição é não ter políticas para manejá-la. O que se necessita é investir a renda gerada pela extração desses recursos naturais em outras áreas, para construir outras formas de capital e de produtividade para as futuras gerações. E isto deve ser feito com o menor impacto possível no meio ambiente. E a renda deve ser distribuída de forma adequada. Precisamos de mecanismos que garantam isso. Portanto, estamos discutindo a governança dos recursos naturais. É o que fizeram países como Noruega, Finlândia, Austrália e Nova Zelândia, que têm abundância de recursos naturais e levaram adiante uma transição para uma sociedade mais voltada para a tecnologia, e o conseguiram graças à renda gerada pelos recursos naturais.

IPS: As experiências de economia verde são até agora apenas estudos de casos e bons exemplos. No cenário econômico dominante, como podem os governos tomar medidas como reformas fiscais e de subsídios?
AB: Antes de tudo, a expressão “economia verde” é muito polêmica em nossa região, por ser vista como uma tendência imposta pelos países do Norte industrializado sem considerar os mecanismos e os custos da transição para essa economia, e sem responder quem pagará. Isto também gera temor pelos riscos de protecionismo. O que os governos podem fazer? Creio que muito em matéria de reformas fiscais, o que seria um sinal muito poderoso. Os governos que realizam reformas fiscais dão indicações aos agentes produtivos, mas também redistribuem os recursos. Para ter êxito, uma forma do sistema tributário deve se basear em um consenso. É isto que precisamos. Não se pode impor. Tem que haver discussões internas para determinar o quanto a sociedade está disposta a pagar por esta transição. Isto é essencial.

IPS: O que se pode fazer em matéria de soluções?
AB: O que tentamos dizer aos governos é: “não precisam intervir em tudo, mas em certas coisas que são essenciais para a população”. Eletricidade, água potável, acesso à internet banda larga, transporte público e construção inteligente. Por que não construir casas com energia solar aplicando engenharia ou projetos que já estão disponíveis? Na América Latina e no Caribe pode-se melhorar o planejamento urbano. Os programas de transferência de dinheiro também tiveram muito êxito, como o Bolsa-Família do Brasil. Este programa tirou 20 milhões de brasileiros da pobreza nos últimos dez anos. Ao se expandir esses programas e as transferências condicionadas de dinheiro, pode-se buscar que não sejam apenas por educação e saúde – ou seja, levar os filhos à escola e ao médico –, dizendo à comunidade: “vamos lhes dar dinheiro, mas devem proteger o solo”, ou “usem a água desta maneira”, etc., e então também se está incluindo medidas de sustentabilidade.

IPS: No informe a senhora afirma que “os países industrializados não honram seus compromissos para fornecer financiamento e liderança”. Como é isto?
AB: Os países industrializados se comprometeram, em 1970, a destinar 0,75% de seu produto interno bruto à ajuda oficial ao desenvolvimento (ODA). Agora estamos em 0,33%, que é a metade. Muito bem, no momento da crise financeira é muito difícil alcançar esta meta. Mas, historicamente, os países industrializados se desenvolveram com um alto consumo de energia e recursos do planeta. Agora, é muito injusto impor restrições nesses aspectos aos países em desenvolvimento, quando são mais caras. A outra forma de conseguir esta transferência do Norte para o Sul é compartilhar conhecimento e tecnologia. Por isso, creio que as patentes, a capacitação e o livre intercâmbio de conhecimento poderiam ser mecanismos úteis. O investimento em ciência, tecnologia e inovação é essencial. Isto será a chave da transição para um desenvolvimento sustentável.

IPS: Qual seria um bom resultado para a Rio+20?
AB: Que fossem acordadas metas de desenvolvimento sustentável, porque isso poria muita pressão em todas e cada uma das instituições para alcançá-las. Também sugerimos uma espécie de “taxa Tobin” sobre as transações financeiras para apoiar o desenvolvimento sustentável. Com um imposto de 0,0005%, teríamos dinheiro suficiente para que o mundo atravessasse esta primeira transição (para uma economia verde). Em segundo lugar, ferramentas claras de financiamento. Em terceiro, que haja mecanismos de transferência de tecnologia e, em quarto, instituições que funcionem. Do nosso ponto de vista, em nível multilateral, o Conselho Econômico e Social (Ecosoc) das Nações Unidas deveria ser fortalecido. É preciso levar os atores econômicos ao Ecosoc para que discutam, porque o que está ruim é a economia, o meio ambiente apenas a suporta. Precisamos mudar a economia.

Envolverde/IPS


Juro no BB pode cair para até 2% ao mês e taxas na CEF a 4%

16/03/2012 - Sérgio Cruz - Jornal Hora do Povo

Presidenta quer “equilibrar taxa interna [dos juros] com a internacional” para barrar “tsunami monetário

A presidenta Dilma Rousseff afirmou, neste domingo (11/03), em entrevista ao jornalista Luis Nassif, que a “redução dos juros, pelo Banco Central, não é só para esquentar a economia brasileira”. “A intenção maior é equilibrar a taxa interna com a internacional. Hoje em dia esse diferencial é responsável pela maior arbitragem que existe no mundo”, prosseguiu Dilma, numa referência ao fato de que o juro real no país (4,2%) - ainda é o mais alto do mundo - atrai essa enxurrada de dólares dos países ricos, o que Dilma chama de “tsunami monetário”.
A média dos juros reais nas 40 economias mais relevantes está negativa (0,7%).

Com isso, o resultado é o câmbio deformado, com subsídio às importações e o encarecimento dos produtos exportados, travando o desempenho da indústria e da economia do país.

Preocupada em alavancar o desenvolvimento do país e com a ação dos juros sobre o consumo e o crédito, a presidente Dilma determinou recentemente que os bancos públicos dêm o exemplo e reduzam os juros cobrados dos seus clientes. De acordo com fontes do governo, a presidente mandou que o Banco do Brasil (BB) e a Caixa Econômica Federal (CEF) baixem os juros cobrados em vários produtos, inclusive os mais caros, como cheque especial e crédito rotativo no cartão. Os estudos visam reduzir os juros para 2% ao mês, em alguns casos, no Banco do Brasil. Hoje o banco chega a cobrar 8,47% ao mês de clientes que entram no cheque especial. Seria um corte de 76% nos juros. Há projeto semelhante na Caixa, buscando diminuir algumas taxas para 4% ao mês.

Dilma quer com isso que os bancos privados sejam levados a reduzir o spread (diferença entre o custo de captação do banco e o que ele cobra nos empréstimos), bastante alto no país. Sem dúvida isso mostraria que se os bancos podem diminuir os juros, o BC também não teria porque não fazer um corte mais drástico e necessário na taxa Selic.

Segundo um técnico do governo ouvido pela reportagem de “O Globo”, a ideia é “fazer um plano audacioso, que mexa com todo o mercado”. Pelo plano, o BB pretende cortar juros para funcionários públicos, para empresas que tenham conta no banco e para a população de baixa renda. Com isso, o BB e Caixa aumentariam seus clientes compensando a redução dos ganhos com os juros. Em contrapartida seriam exigidas algumas garantias dos clientes para terem acesso a taxas mais baixas.

PROTECIONISMO
Na entrevista concedida a Luis Nassif, a presidente Dilma também falou que a “desvalorização cambial artificial [dos países ricos] é uma forma de protecionismo feroz”. Ela disse que “há um discurso dos países centrais de que são defensores do livre comércio. Mas praticam o protecionismo mais feroz que se conhece”. “Se perguntar hoje qual é o maior cuidado do governo, respondo: é acompanhar como o Brasil se defende dessas políticas que são abertamente protecionistas praticadas pelos governos desenvolvidos”, salientou a presidenta.

Ao comentar a situação da crise nos EUA, Dilma lembrou que eles “empurraram a crise com a barriga, aumentaram a quantidade de dinheiro nos bancos, mas não rolaram as dívidas das famílias, o que poderia ter destravado o mercado interno”. “Só agora nas eleições, depois de quatro anos de crise, começam a rolar as dívidas das famílias”, lembrou.

O ‘quantitative easing’ (programa de inundação do mundo com dólares) do governo americano “é um mix de política macro, com taxas de juros lá embaixo, expansão monetária acelerada e objetivo de segurar o lado fiscal. É evidente que por trás dela há a intenção de desvalorizar o dólar e melhorar o emprego interno”. “E essa desvalorização artificial da moeda não está regulada pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Então não venham reclamar de algumas medidas absolutamente defensivas que o Brasil toma”, salientou.

TSUNAMI
Ela lembrou o filme ‘Muito Grande para Falir’ para mostrar que “na cena final o Secretário do Tesouro Paulson pergunta a Ben Bernanke se estava satisfeito com o fato dos grandes bancos terem absorvido os empréstimos para rolar dívidas. Bernanke, quieto, responde: não tenho certeza se eles vão emprestar”. “De fato”, lembrou Dilma, “não emprestaram: uma parte ficou depositada no próprio FED, outra parte foi devolvida”.

No caso da Europa, são um trilhão de euros emprestados a 1% ao ano, que em breve entrarão na ciranda financeira. Irão investir em títulos da Itália e Espanha, aumentando sua exposição? Não: virão fazer arbitragem aqui e em outros países. Tem uma enorme bolha a caminho”, frisou Dilma. “Hoje em dia, via tsunami monetária, está em curso no mundo a prática das desvalorizações competitivas, o que se chama de ‘empobreça seu vizinho’. É uma situação esquizofrênica na Europa, que não consegue uma solução de crescimento”, afirmou.

Dilma alertou para a gravidade da crise social nos países europeus. “Muitos países estão com graus de desemprego do ponto de vista político incompatível com sistemas democráticos abertos. A dívida grega não é financiável, assim como a de Portugal. Como conviver com nível de desemprego que chega a atingir 45% dos jovens? Destrói o tecido social, tira das pessoas a esperança”, alertou.

Sobre o Brasil, Dilma ressaltou que “as condições do mercado internacional mudaram”. “Estamos vivendo situação diferenciada. Não se pode perder a consciência do tsunami monetário. Tem que fazer avaliação sobre as estratégias a serem tomadas, e não se faz de forma abrupta e apaixonada. Com muita cautela, frieza,tranquilidade, iremos acompanhar o desenrolar da situação e tomar as medidas cabíveis”. 
Não tenho como adiantar as medidas cabíveis, mas para o governo brasileiro esta é a questão principal”, destacou. “Se perguntar hoje qual é o maior cuidado do governo, respondo: é acompanhar como o Brasil se defende dessas políticas que são abertamente protecionistas praticadas pelos governos desenvolvidos”, garantiu a presidenta.
 
Dilma falou também das medidas que pretende tomar para defender a indústria nacional. “O Brasil vai institucionalmente tomar medidas para garantir que nosso mercado interno não seja canibalizado. Tem queda na indústria, mas dá para reverter. Não daria se deixássemos continuar por dois, três anos. Agora dá e vamos fazer o possível e o impossível para defender a indústria nacional”.

Descrevendo as atividades da Feira de Tecnologia de Hannover, na Alemanha, ela disse que aproveitou bastante, que conferiu os stands alemães e destacou que quase todos eram apenas filiais de empresas coreanas. Ela disse também, ao final da entrevista, que entusiasmou-se com o sistema de controle de voo da Embraer, com a apresentação de Marcos Stefanini, de uma empresa brasileira de TI, que “mostrou o grande diferencial brasileiro: jeitinho, criatividade”.


quarta-feira, 4 de abril de 2012

O caso Demóstenes Torres e as raposas no galinheiro [e os pitacos da leitora]

"Quisera eu ter a facilidade para escrever, como a jornalista Maria Inês Nassif o faz com maestria no texto a seguir. Ainda assim pus meus pitacos que estão entre colchetes", anotou a leitora Sonia Montenegro. A Equipe do blog Educom decidiu publicar seus pitacos entremeados com os parágrafos da Maria Inês Nassif, pois tendo muito a ver, ganha o leitor. Confiamos que Maria Inês não irá torcer o nariz por essa intromissão.

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03/04/2012 -  - Maria Inês Nassif*- Carta Maior


O rumoroso caso Demóstenes Torres é uma chance única de reavaliar o que foi a política brasileira na última década, e de como ela – venal, hipócrita e manipuladora – foi viabilizada por um estilo de cobertura política irresponsável, manipuladora e, em alguns casos, venal. E hipócrita também. (Maria Inês Nassif)


[ou seja, como sempre a imprensa atuou, desde a eleição do Lula, um político que nunca foi bem-visto pela "grande" imprensa brasileira. (SM)]

Teoricamente, todos os jornais e jornalistas sabiam quem foram os arautos da moralidade por eles eleitos nos últimos anos: ...

[Demóstenes era um deles, mas também Arthur Virgílio, Tasso Jereissati, Heráclito Fortes, Mão Santa, entre outros, que perderam as eleições em seus estados em 2010, sem falar no neto de ACM, cujo DNA dispensa apresentações e o "darling" da vez, Agripino Maia, que a imprensa está poupando, mas que está sendo investigado num escândalo milionário pela operação "Sinal Fechado" da PF (SM)]


... representantes da política tradicional, que fizeram suas carreiras políticas à base de dominação da política local, que ocuparam cargos de governos passados sem nenhuma honra, que construíram seus impérios políticos e suas riquezas pessoais com favores de Estado, que estabeleceram relações profícuas e férteis com setores do empresariado com interesses diretos em assuntos de governo.
  



Foram políticos com
 esse perfil os escolhidos pelos meios de comunicação para vigiar a lisura de governos. Botaram raposas no galinheiro.


Nesse período, algumas denúncias eram verdadeiras, outras, não. Mas os mecanismos de produção de sensos comuns foram acionados independentemente da realidade dos fatos. Demóstenes Torres, o amigo íntimo do bicheiro, tornou-se autoridade máxima em assuntos éticos. Produziu os escândalos que quis, divulgou-os com estardalhaço. Sem ir muito longe, basta lembrar a “denúncia” de grampo supostamente feita pelo Poder Executivo no gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, então presidente da mais alta Corte do país. Era inverossímil: jamais alguém ouviu a escuta supostamente feita de uma conversa telefônica entre Demóstenes, o amigo do bicheiro, e Mendes, o amigo de Demóstenes.

[Para quem não lembra, esse episódio aconteceu logo depois do escândalo dos dois habeas-corpus concedidos pelo Gilmar Mendes, então presidente do STF, ao empresário condenado Daniel Dantas, em tempo recorde, com direito a horas-extras nas madrugadas. O factóide serviu para tirar a atenção das pessoas desse absurdo, e as colocar contra o governo do Presidente Lula e o chefe da ABIN, Paulo Lacerda, um delegado íntegro, que o Lula, para poupá-lo, mandou para Portugal. É importante verificar que, não importa denegrir a imagem de um homem de bem, desde que sirva para os interesses escusos de quem os promove (SM)]

Os meios de comunicação receberam a suposta transcrição de um grampo, onde Demóstenes elogia o amigo Mendes, e Mendes elogia o amigo Demóstenes, e ambos se auto-elegem os guardiões da moralidade contra um governo ditatorial e corrupto.

Contando a história depois de tanto tempo, e depois de tantos escândalos Demóstenes correndo por baixo da ponte, comunicação engoliram a estória sem precisar de água. O show midiático produzido em torno do episódio transformou uma ridícula encenação em verdade.
parece piada. Mas os meios de

A estratégia do show midiático é conhecida desde os primórdios da imprensa. Joga-se uma notícia de forma sensacionalista (já dizia isso Antonio Gramsci, no início do século passado, atribuindo essa prática a uma “imprensa marrom”), que é alimentada durante o período seguinte com novos pequenos fatos que não dizem nada, mas tornam-se um show à parte; são escolhidos personagens e lhes é conferida a credibilidade de oráculos, e cada frase de um deles é apresentada como prova da venalidade alheia. No final de uma explosão de pânico como essa, o consumo de uma tapioca torna-se crime contra o Estado, e é colocado no mesmo nível do que uma licitação fraudulenta. A mentira torna-se verdade pela repetição. E a verdade é o segredo que Demóstenes – aquele que decide, com seus amigos, quem vai ser o alvo da vez – não revela.

Convenha-se que, nos últimos anos, no mínimo ficou confusa a medida de gravidade dos fatos; no outro limite, tornou-se duvidosa a veracidade das denúncias. A participação da mídia na construção e destruição de reputações foi imensa. Demóstenes não seria Demóstenes se não tivesse tanto espaço para divulgação de suas armações. Os jornais, tevês e revistas não teriam construído um Demóstenes se não tivessem caído em todas as armadilhas construídas por ele para destruir inimigos, favorecer amigos ou chantagear governos. Os interesses econômicos e ideológicos da mídia construíram relações de cumplicidade onde a última coisa que contou foi a verdade.

Ao final dos fatos, constata-se, ao longo de um mandato de oito anos, mais um ano do segundo mandato, uma sólida relação entre Demóstenes e a mídia que, com ou sem consciência dos profissionais de imprensa, conseguiu curvar um país inteiro aos interesses de uma quadrilha sediada em Goiás.

[Quem acreditou no que viu, leu e ouviu, passou involuntariamente a corroborar com um jogo sujo que não visava o bem do país, mas de uma quadrilha de criminosos (SM)].

Interesses da máfia dos jogos transitaram por esse esquema de poder. E os interesses abarcavam os mais variados negócios que se possa fazer com governos, parlamentos e Justiça: aprovação de leis, regras de licitação, empregos públicos, acompanhamento de ações no Judiciário. Por conta de um interesse político da grande mídia, o Brasil tornou-se refém de Demóstenes, do bicheiro e dos amigos de ambos no poder.

[Somente hoje, a Globonews começou a divulgar, embora discretamente, o envolvimento do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB) com o esquema, mas eu já estou sabendo desde o dia 19 de março, através de divulgações na internet. Para dar uma ideia, dentre as revistas desta semana, cujas capas envio em anexo, a única que traz a informação a respeito do envolvimento do governador Perillo é a Carta Capital, que, coincidentemente, foi recolhida e não circulou no estado de Goiás. Mas o envolvimento é tão relevante que, assessores próximos a Perillo e Secretários de Estado foram indicados por Cachoeira. Diga-se de passagem, a Carta Capital da semana anterior mostrava que o Demóstenes era sócio do Cachoeira, com uma participação de 30% dos negócios, com ganhos de R$ 170 milhões em 6 anos (SM)]

Não foi a mídia que desmascarou Demóstenes: a investigação sobre ele acontece há um bom tempo no âmbito da Polícia Federal e do Ministério Público Federal. Nesse meio tempo, os meios de comunicação foram reféns de um desconhecido personagem de Goiás, que se tornou em pouco tempo o porta-voz da moralidade. A criatura depõe contra seus criadores.


* Colunista política, editora da Carta Maior em São Paulo.


[continuam os pitacos de Sonia Montenegro]
 
[A criatura depõe contra seus criadores. Gostaria ainda de fazer algumas indagações que julgo pertinentes:
- Quem censura de fato a imprensa, e a livre liberdade de expressão, diante desta atitude do tucano Perillo, que é apenas um dos milhares de exemplos de interferência de políticos da atual oposição (DEM, PSDB, PPS, principalmente)?
- Se o escândalo fosse com um governador do PT, qual seria o comportamento da imprensa?
- Qual seria a capa da Veja? (SM)]

(e prosseguem)

[Existe uma explicação para isso, dentre as denúncias divulgadas pela internet, o atual diretor da sucursal da Veja em Brasília, Policarpo Jr., também foi pego nas gravações, com mais de 200 telefonemas entre ele e o Carlinhos Cachoeira. Se a intenção da nossa 'grande e imparcial' imprensa é combater a corrupção, por que protege políticos corruptos? Por que o 1º 'escândalo' do governo Lula foi uma gravação do Waldomiro Diniz pedindo propina exatamente ao Carlinhos Cachoeira, feita no mandato do Garotinho, em cargo de confiança do Estado aqui do RJ, e 2 anos antes da posse do Lula? Ainda que o citado Waldomiro fosse na ocasião acessor do José Dirceu, o crime não se deu no governo Lula, como a imprensa quis fazer crer.]

[- Quem foi o autor do "furo" do 2º escândalo do governo Lula, aquele que a imprensa diz que foi o pior da história da República? A revista Veja.
- Quem foi o autor da matéria? Policarpo Jr. Claro que depois a Globo repercutiu de forma espetaculosa, bem diferente do escândalo atual.
- Quem gravou a conversa onde o Maurício Marinho pedia propina "em nome do Roberto Jefferson"? O araponga Jairo Martins, a serviço do Carlinhos Cachoeira, preso também pela Operação Monte Carlo.
- Quem foi o autor das denúncias contra o governo Lula? O Roberto Jefferson, que criou o termo "mensalão", e foi cassado porque não conseguiu provar suas acusações.
- Por que o STF aceitou a denúncia contra o José Dirceu e demais envolvidos no caso? Um dos membros do STF disse que foi um julgamento com a "faca no pescoço", porque acompanhado de perto pela imprensa, o membro do juri que não acatasse a denúncia estaria com seu nome na lama.
- Como se defender quando toda a imprensa está, a toda hora, lhe difamando?
- Quem já foi vítima dessa mesma imprensa sabe o quão impossível é!]

[Finalmente, o que me faz acreditar nessas informações que não são divulgadas pela "grande" imprensa? Porque até hoje, tudo que não divulgaram acabou se comprovando, como se pode ver no caso presente. (SM)]