segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Tempos sombrios

14/01/2014 - Tempos sombrios para os povos indígenas
- Oiara Bonilla - blogue Amazônia Real

Os ataques aos povos indígenas começaram 514 anos atrás, e sempre foram pautados pela lógica de expansão territorial e econômica do país, atingindo períodos de particular crueldade, levando ao extermínio de populações inteiras e ao desaparecimento de grande parte da diversidade sócio-cultural do país.

Hoje é possível dizer que estamos em um destes períodos.

Desde novembro do ano passado, assistimos no Brasil a uma avalanche de agressões e ataques explícitos e diretos aos povos indígenas.

A Rodovia Transamazônica (BR 230) foi construída numa época particularmente atroz para os índios.

Atravessando terras indígenas e retalhando implacavelmente a floresta, a estrada abriu brechas para a “colonização” da região, – isto é, para a extração de madeira, a criação extensiva de gado (mediante extenso desmatamento prévio) para, mais recentemente, possibilitar o plantio de soja, cana e demais commodities – hoje motores econômicos e justificativas “incontestáveis” das atrocidades mais atuais que continuam sendo cometidas.

Um dos territórios atravessados pela estrada é justamente o do povo Tenharim, que ocupou a cena nos noticiários no final do ano e continua no centro das atenções.

Atualmente, essa região, conhecida como sul do Amazonas, é campeã de desmatamento, de grilagem e de violências contra seringueiros, índios e pequenos agricultores.

Desde os anos 1970, os Tenharim estão aguardando compensações por suas terras terem sido cortadas pela estrada, e pelas mortes acarretadas ao longo do processo de sua construção.

Uma investigação aparentemente inconclusa sobre a morte mal explicada de uma das principais lideranças Tenharim, seguida do desaparecimento de três não indígenas na região provocou um levante da população local contra os índios, gerando uma onda de violências, declarações e vociferações preconceituosas e racistas sem precedentes nas ruas da cidade de Humaitá (AM).

Diversas reportagens, relatos, comentários, fotografias e vídeos (onde, por exemplo, é possível ouvir gritos de alegria e comemorações durante as ações violentas) nas redes sociais e na mídia local estamparam a brutalidade do racismo de alguns moradores não-indígenas de Humaitá.

Este fato, que poderia ser considerado como um mero caso policial, infelizmente, não deve ser tratado como um caso isolado. Ele é o último de uma série cada vez mais massiva de agressões e ações abertamente preconceituosas e violentas contra os povos indígenas no país.

Impossível não lembrar, mais uma vez, da invasão da sede da Fundação Nacional do Índio por ruralistas em Campo Grande e do discurso de uma mulher desejando aos índios: “Morram! Morram!” no contexto do Leilão da Resistência.

Organizado em dezembro de 2013 por fazendeiros e simpatizantes do agronegócio no Mato Grosso do Sul, o encontro arrecadou quase um milhão de reais para financiar milícias armadas – ou, oficialmente, “empresas de segurança privada” – destinadas a proteger as fazendas de eventuais retomadas de terra pelos Guarani, Kaiowá e Terena.

Desde o início do século XX, os Guarani e Kaiowá foram espoliados sistematicamente de suas terras e obrigados a viver em exíguas reservas, ecologicamente devastadas, sem ter nenhuma outra perspectiva a não ser servir como mão de obra barata para os mesmos latifundiários que hoje ocupam e exploram suas terras tradicionais.

Há poucos dias, também no Mato Grosso do Sul, a investigação da morte de Oziel Terena [foto] foi declarada inconclusiva pela Polícia Federal.

Em maio de 2013, o jovem indígena foi assassinado durante a reintegração de posse da Fazenda Buriti, uma das propriedades do ex-deputado Ricardo Bacha (PSDB) [foto abaixo] que incide sobre a terra indígena Buriti, declarada em 2010 como de ocupação tradicional.

No mesmo dia, proprietários de terra recusavam indenizações milionárias oferecidas pelo governo como compensação pela devolução das terras aos índios. “Vamos para o pau!”, declarou publicamente Bacha, insatisfeito com os mais de 10 milhões de reais oferecidos a ele e sua família.

Ameaças, truculência, abuso de poder, disputa judicial interminável.

A isso estão cotidianamente sujeitos os Guarani Ñandeva da terra conhecida como Yvy Katu, no município de Japorã (MS), fronteira com o Paraguai.

Eles esperam a homologação de sua terra há quase 10 anos, vivem acampados em suas próprias terras e anunciaram recentemente que resistirão até a morte à execução de reintegrações de posse ou ações de pistoleiros contra sua permanência na área.

O mesmo delegado responsável pela reintegração da Fazenda Buriti os ameaçou verbalmente na última ação realizada pela Policia Federal em Yvy Katu.

Deus abençoe vocês”, respondeu quando os índios disseram que não deixariam sua terra.

No Mato Grosso do Sul, dezenas de áreas indígenas aguardam demarcação ou homologação, em configurações semelhantes.

São inúmeros os casos, e não caberia aqui estabelecer uma lista sistemática dessa avalanche de agressões.

O que nos parece mais importante é enfatizar que as tensões e os conflitos fundiários se dão em um contexto de ataques políticos e jurídicos intensos aos povos indígenas e a seus direitos constitucionalmente garantidos.

De fato, o ano de 2013 foi também um ano de grandes ataques aos direitos indígenas no Congresso, levados a cabo principalmente pela bancada ruralista, que atualmente forma parte da base aliada do governo.

Ao menos trinta proposições sobre legislação indígena tramitam no Legislativo ou foram editadas pelo Executivo, todas afetam diretamente os povos indígenas.

Estes projetos de lei e decretos dialogam diretamente com os ataques sofridos pelos indígenas; são uma resposta positiva às demandas das oligarquias agrárias e do agronegócio, principais motores da violência contra as populações originárias.

Assim, esse verdadeiro rolo compressor – liderado e conduzido pela bancada ruralista, e praticado hoje no campo da legalidade e da ilegalidade pelo capital brasileiro e transnacional – está dando o tom da reedição da guerra de colonização.

Fonte:
http://amazoniareal.com.br/tempos-sombrios-para-os-povos-indigenas/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

domingo, 26 de janeiro de 2014

Indígenas brasileiros em águas represadas

22/01/2014 - Indígenas brasileiros convivem mal com as águas represadas
- por Mario Osava, da Inter Press Service (IPS) - Envolverde

Foz do Iguaçu e Paulo Afonso, Brasil, 22/1/2014 – A hidrelétrica de Itaparica [foto] ocupou território dos indígenas pankararu, mas enquanto outros foram compensados, a eles coube apenas perder suas terras e o acesso ao rio São Francisco, queixam-se líderes desse povo do Nordeste do Brasil.

Já não comemos pescado como antes, mas o maior dano foi a perda da cascata sagrada, onde realizávamos nossos ritos religiosos”, lamentou à IPS o cacique José Auto dos Santos.

Quase 200 quilômetros rio abaixo, a comunidade indígena xokó sofre a diminuição de água, contida acima por grandes represas que suprimiram as cheias estacionais e regulares do São Francisco, inviabilizando os arrozais de aluvião e reduzindo drasticamente a pesca.

Efeitos semelhantes são temidos no rio Xingu [foto], na Amazônia, onde a construção da central de Belo Monte desviará parte das águas do trecho conhecido como Volta Grande, o que afetará os povos juruna e arara.

Cerca de 2.500 quilômetros ao sul, os avá-guarani assentados às margens da represa de Itaipu, na fronteira com o Paraguai, se dedicaram à piscicultura para manter seu alto consumo tradicional de pescado, em uma população crescente e com escassa terra para cultivar.

Nos anos 1970 e 1980, emergiu no Brasil uma geração de indígenas de águas paradas, quando o país construiu numerosas centrais hidrelétricas, algumas gigantescas como Itaipu, compartilhada com o Paraguai, e Tucuruí [foto], na Amazônia oriental, ambas inauguradas em 1984.

No São Francisco, cujo maior trecho cruza terras semiáridas, foram instaladas cinco centrais, que alteraram seu fluxo fluvial.

Uma delas, Sobradinho [foto], exigiu uma represa de 4.214 quilômetros quadrados, um dos maiores lagos artificiais do mundo, segundo sua operadora, a estatal Companhia Hidrelétrica do São Francisco, que tem outras 13 centrais na região nordestina.

A abertura de Sobradinho, em 1982, acabou com a plantação de arroz em terras inundáveis do território xokó, cerca de 630 quilômetros rio abaixo, contaram à IPS seus moradores.

O ciclo anual de cheias praticamente desapareceu no Baixo São Francisco desde 1986, quando foi criada em Pernambuco a represa de Itaparica, de
828 quilômetros quadrados, que regula o fluxo auxiliar de Sobradinho.

Assim, se pôs fim ao aluvião, que fertilizava os arrozais e enchia ciclicamente de peixes os lagos conectados ao rio por um canal.

Sem corrente, o rio perde força, é um prato plano que se cruza a pé”, descreveu Lucimário Apolônio Lima [foto], o cacique xokó, com uma juventude incomum entre líderes indígenas.

O jovem cacique xokó Apolônio Lima busca novas formas de sustento para seu povo, depois que a represa de Itaparica cortou suas atividades tradicionais de agricultura e pesca, dependentes das águas do rio São Francisco.

Com 30 anos, explicou à IPS que busca para sua gente, pouco mais de 400 pessoas, um futuro sustentável. Para isso, estimula a apicultura e outras produções alternativas, luta pela revitalização do São Francisco e se opõe à transposição de suas águas para combater secas no norte, um megaprojeto do governo federal.

Antes de fazer isso, é preciso dar vida ao rio, os doentes não doam sangue para transfusões”, afirmou o cacique.

Meus avós já asseguravam que as margens do São Francisco morreriam. Eu não, mas meus netos o verão”, profetizou à IPS o xamã Raimundo Xokó, de 78 anos.

Para os pankararu, estabelecidos a cinco quilômetros da muralha que represa as águas em Itaparica, as ribeiras fluviais são coisa do passado.

Seus líderes se sentem roubados.

Não temos onde pescar, a empresa tomou nossa terra, desconhecendo nosso direito legal até a margem”, explicou à IPS o xamã José João dos Santos, mais conhecido como Zé Branco.

O ex-cacique Jurandir Freire, apelidado de Zé Índio, luta por indenizações milionárias, porque os indígenas foram excluídos das compensações por sua terra inundada, ao contrário dos municípios, cujas prefeituras recebem benefícios, e os camponeses assentados nas chamadas agrovilas com áreas irrigadas.

Zé Índio esteve preso e perdeu seu cargo por liderar, em 2001, um protesto que danificou linhas de transmissão elétrica da central, que passam por montanhas do território pankararu sem compensação alguma.

A terra fértil, em um vale e ladeiras montanhosas que favorecem uma umidade que contrasta com a semiaridez à sua volta, é outra fonte de conflitos.

Desde a demarcação da Reserva Pankararu, em 1987, os indígenas pressionam o governo para retirar os agricultores brancos que ocupam a melhor parte.

Minha avó nasceu ali e morreu aos 91 anos, isso há cinco”, disse Isabel da Silva para defender que sua família e outras vizinhas pertencem ao território pankararu há mais de um século.

“Segundo a lei, temos que sair, mas fazer isso seria uma injustiça”, disse à IPS esta funcionária do Polo Sindical de Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco, que conseguiu o reassentamento de quase seis mil famílias camponesas afetadas pela central de Itaparica.

Há 435 famílias ameaçadas de expulsão há duas décadas, em uma medida que demora por falta de terra para reassentá-las, justificam as autoridades.

O povo pankararu vive em uma reserva de 8.376 hectares e em 2003 contava com 5.584 integrantes, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), responsável pela proteção das populações originárias.

Mas outros milhares emigraram para as cidades, especialmente São Paulo, onde mantêm sua identidade e se reúnem em ritos religiosos e festas indígenas. Com terra menos escassa, muitos regressariam, espera Zé Índio.

A escassez de terra também impacta os ocoy, situados nas margens da represa de Itaipu.

São 160 famílias, cerca de 700 pessoas, que sobrevivem em apenas 250 hectares, a maioria de florestas protegidas, vedada à agricultura.

A piscicultura, impulsionada pela empresa Itaipu Binacional, surgiu como alternativa para completar sua alimentação, diante da queda da pesca tradicional e das limitações agrícolas.

Os indígenas se destacaram entre os 850 pescadores que se somaram à iniciativa, “talvez por sua cultura, vinculada à água”, destacou à IPS o diretor de coordenação e meio ambiente da companhia, Nelton Friedrich [foto].

Com 40 tanques rede [foto abaixo], a comunidade ocoy obtém quase seis toneladas de pescado por ano, segundo o vice-cacique Silvino Vass.

No entanto, esta não é sua maior fonte alimentar e poucos participam diretamente da atividade, segundo pesquisa acadêmica realizada em 2011 por Magali Stempniak Orsi.

Além disso, os indígenas dependem muito da empresa, que lhes fornece os alevinos e a alimentação para os peixes, disse a pesquisadora, segundo a qual o projeto deve promover maior participação comunitária.

Os ocoy precisam de assistência alimentar para completar suas necessidades, ao contrário de duas vizinhas comunidades avá-guarani, que contam com mais terras doadas pela Itaipu Binacional e mais produção agrícola.

Em todo caso, o apoio de Itaipu aos indígenas locais é uma exceção entre as centrais hidrelétricas.

Além de buscar alternativas de desenvolvimento para eles, cuida da sustentabilidade de toda sua sub-bacia, com o Programa Cultivando Água Boa, um conjunto de 65 ações ambientais, sociais e produtivas.

Envolverde/IPS

Fonte:
http://envolverde.com.br/sociedade/indigenas-brasileiros-convivem-mal-com-aguas-represadas/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Classe "mérdia" e seu ódio ao Brasil

22/01/2014 - Por que a classe mérdia odeia o Brasil?
- Bruno Oliveira - blogue do Carlos, Professor de Geografia

Antes que me acusem de ufanista, defensor de algum patriotismo cafona, já adianto de antemão que não acho o nosso país uma maravilha, nem concordo com muitas coisas que por aí estão.

Também não sou xenófobo, curto cultura estrangeira tanto quanto a nossa, e não acho que ser brasileiro me torna melhor ou pior do que ninguém.

Mas se tem algo que me incomoda é como, principalmente elementos da “classe mérdia” (com R mesmo pra não confundir com quem é de classe média e não merece ser generalizado com esses tipinhos), não só creem que vivemos no “pior país do mundo”, como estão sempre a se referir a todo e qualquer problema como se sua raiz fosse o fato de aqui ser Brasil, e nós sermos brasileiros.

- Tem corrupção?É a porra do Brasil”.
- Tem impunidade?Só podia ser Brasil mesmo”.
- Educação de péssima qualidade?Coisa do Bostil”.
- Tem Feriado?Brasileiro é tudo vagabundo mesmo”.
- Tem Carnaval?É por isso que o Brasil não vai pra frente”.
- Não ganhamos a copa?País de incompetentes”.
- Ganhamos a copa?Compraram o título, cambada de corruptos”.

É certo que nosso país tem problemas, mas daí achar que o resto do planeta é um paraíso, principalmente quando falamos da Europa, é típico daquele ditado “a grama do vizinho é mais verde”.

Hoje com a internet e mecanismos de pesquisa, descobrimos em rankings decentes que já estivemos pior, e que (pasmem!) em determinadas situações há dezenas de países piores do que o nosso em várias áreas.

Isso não é uma desculpa pra se justificar os nossos problemas, mas sim uma amostra que estamos longe de ser o “pior país do mundo”, como tantos querem crer por aí.

Uma das grandes perguntas que me faço é porque, se aqui é tão ruim, os incomodados não vão embora de uma vez?

Sim, eu sei que isso pode parecer muito “Ame-ou ou Deixe-o”, jargão da ditadura militar, mas naquela época o exílio era a única opção pra escapar da morte certa.

Hoje em dia qualquer um pode ficar ou partir conforme sua vontade.

E se aqui está tão ruim, e nunca vai melhorar, porque “o brasileiro é o pior povo do mundo”, então por que ficar? Todos os demais países não são melhores?

Ah eu quero lutar para melhorar as coisas aqui”, alguns podem dizer.

Então VALE A PENA LUTAR pelas coisas aqui, hein?

Então isso não pode ser uma bosta tão grande se você acha que merece melhorar.

Se é assim, qual o sentido de dizer que tudo aqui é uma bosta, se você realmente ama esse país e quer viver nele? Não faz o menor sentido.

Talvez toda a confusão seja que algumas pessoas não conseguem separar o conceito de país de governo. Pra alguns, é a mesma coisa.

Como se algum partido ou governo pudessem representar o que é um país.

Essa é uma diferença essencial com os norte-americanos, por exemplo, que são muito patriotas e não confundem essas coisas.

Os reaças americanos podem odiar o Obama, e 50% da população falar mal do seu governo, mas você não os verá falando mal dos Estados Unidos.

Mesmo no que sua pátria está errada, em atacar e explorar outros povos, eles se justificam, eles acreditam no seu “destino manifesto” enquanto nação.

Aqui, o que temos é o velho “complexo de vira-lata”, o brasileiro parece que se odeia (meus amigos estrangeiros vivem comentando isso comigo, eles acham muito estranho).

Isso não é um assunto novo. Já ouço falar desse complexo desde criancinha, lá nos anos 80. A classe mérdia não odeia nosso país de hoje, não é algo necessariamente ligado ao seu desprezo pelo atual governo. É algo de profundas raízes históricas e culturais.

Usando novamente os EUA como exemplo, os colonos que iam para lá muitas vezes era gente perseguida, principalmente por causa da sua prática religiosa na Grã Bretanha.

Eles iam para as colônias já sabendo que iriam viver lá pelo resto das suas vidas, sem quaisquer planos de voltar. Estavam indo com claros projetos de construir uma nova nação.

Não por acaso embora a colonização tenha sido tardia, só começado em meados do século XVII, no século XVIII já declaravam sua independência.

Já para o Brasil, os colonos portugueses vinham para cá com claros projetos de enriquecer.

Ganhar dinheiro com o pau-brasil, depois com a cana de açúcar, depois com o ouro, e se mandar para casa, para a metrópole, para a Europa onde era lugar de gente civilizada.

Os colonos portugueses odiavam tudo por aqui, o clima, os índios, a cultura local, a falta de civilização, enfim, eles não conseguiam ver isso aqui como um país.

O problema é que a maioria desses incompetentes não conseguia.

Eles ficavam por aqui, e passavam para os seus filhos, e os filhos dos seus filhos, o sonho de um dia enriquecer e finalmente voltar para a Metrópole.

O Brasil, este sempre foi uma porcaria, um lugar para se trabalhar e ganhar o que desse, mas não para viver.

Assim, os filhos dos abastados estudavam na Europa, quando casavam passavam lua de mel na Europa, e quando se aposentassem, iam passear pela Europa.

Mudam-se os tempos, e os destinos hoje são mais amplos, incluindo Miami. Mas o sentimento é o mesmo.

Continuam a detestar o clima, o povo, os hábitos, a cultura local.

Eles continuam não se sentindo brasileiros.

No seu íntimo, o grande sonho é ainda deixar esse lugar, ou que ele fosse adotado como uma colônia extra-oficial de alguma metrópole utopicamente perfeita dentro da sua concepção, no caso, muitas vezes os EUA.

Mas assim como seus antepassados, a classe mérdia não consegue enriquecer fora daqui.

E por isso não vai embora, só fica a nos azucrinar em como esse país é ruim, como esse povo é ruim, como o problema é ser Brasil e ser brasileiro.

E os seus filhos e filhos dos seus filhos, aprendem essa lição, direto da família, ou da mídia que foi construída por eles, para não nos deixar esquecer essa lição.

Claro que esse sentimento parece muito pior nos últimos tempos.

Por duas coisas:
- a primeira é que a grande mídia, que antes era alinhada com o governo central, colocava panos quentes nos problemas nacionais.

Afinal descontentamento com o país leva a descontentamento com o governo.

Agora que estão na oposição, é fácil ver a lógica: quanto mais as pessoas odiarem o país mais odiarão quem o governa (como se as duas coisas fossem uma só, esse é o maior absurdo de toda essa questão).

Então a percepção que os grandes meios de comunicação e seus articulistas dão é essa.

- A segunda razão do aumento do ódio contra o Brasil é que a classe mérdia perdeu a maior compensação do que tinha, por viver nessa terra de “gente inculta, feia, incivilizada”.

Que era justamente ser de classe mérdia. Eles eram “superiores” pois tinham um dinheirinho a mais, não se misturavam com “essa gentalha”.

Eram apenas 30 milhões de brasileiros, até o ano 2002.

Agora são 90 milhões a compartilhar do mesmo status.

- A ir pra praia no fim de semana e congestionar o tráfego.
- A pegar avião.
- A entrar pra universidade.
- A lotar o Shopping Center.
- E o pior, em até ir pra Disney, a ir pra Miami.

Tem “pobre” em tudo que é lugar.

Como escreveu a Danuza Leão, "qual a graça de ir pra Paris ou Nova Iorque se o seu zelador também pode?" Pois é.

- Qual a graça de comer salmão e beber vinho importado se hoje em dia isso é acessível?
- Qual a graça de ver a Copa se não precisa viajar pra isso e ela acontece bem aqui?

Os “pobres” já não estão mais tão pobres assim. É isso que tornou a vida da classe mérdia tão insuportável, a ponto de que se intimamente já odiavam o Brasil, agora queimam a bandeira em atos e manifestações.

Perderam até o gosto de torcer pela seleção brasileira.

O desprezo a nação chegou no seu limite.

Eles precisam que alguém lhes socorra, que voltem os militares, que o V de Vingança destrua os governos, que Jesus traga o apocalipse, por favor, socorro, alguém, os liberte da vida na Colônia e lhes devolva para a merecida metrópole, de onde nunca deveriam ter saído.

Original de 10/01/2014 em:
http://www.sempreupdate.com.br/2014/01/por-que-classe-merdia-odeia-o-brasil_10.html?fb_action_ids=699058716794105&fb_action_types=og.likes&action_object_map=[719566761401847]&action_type_map=[#.UtF6UupocOA.twitter

Fonte:
http://carlos-geografia.blogspot.com.br/2014/01/por-que-classe-merdia-odeia-o-brasil.html

Nota:

A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

O vale de lágrimas é aqui

21/01/2014 - Venício Lima - Carta Maior
- Artigo publicado originalmente no Observatório da Imprensa.

Assim como outros milhares da minha geração, nascidos em famílias católicas, ainda criança aprendi a popular oração “Salve Rainha” que inclui a súplica: “A vós bradamos, os degredados filhos de Eva. A vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de lágrimas” [Ad te clamamus, exsules filii Hevae, ad te suspiramus, gementes et flentes in hac lacrimarum valle].

Segundo a Wikipedia, “a autoria da oração é atribuída ao monge Hermano Contracto, que a teria escrito por volta de 1050, no mosteiro de Reichenan, na Alemanha.

Naquela época, a Europa central passava por calamidades naturais, epidemias, miséria, fome e a ameaça contínua dos povos nômadas do Leste, que invadiam os povoados, saqueando-os e matando”. 

Cresci repetindo mecanicamente esta súplica sem saber o que poderia ser “um degredado filho de Eva” ou, muito menos, por que razão estaríamos todos a “suspirar, gemer e chorar” num “vale de lágrimas”.

Com o tempo, ensinaram-me que o “pecado original” nos tornava a todos “degredados”, e que a expressão “vale de lágrimas” tinha sua origem numa passagem do Salmo 84 [na numeração da Bíblia Hebraica], conhecido como Salmo dos Peregrinos.

Anos mais tarde, me dei conta de que, no Salmo 84, o significado literal de “vale de lágrimas” é muito diferente daquele que prevalece na interpretação cristã dominante.

[Registro, embora este não seja o objetivo aqui, que palavras e expressões mudam de significação ao longo do tempo, da mesma forma que palavras são introduzidas no nosso cotidiano e passam a constituir uma nova linguagem, um novo vocabulário dentro do qual se aprisionam determinadas formas de pensar e ver o mundo.

Ver, por exemplo, “A linguagem seletiva do ‘mensalão’“.]

Baca e as lágrimas
A tradução literal da passagem do Salmo 84 no original hebraico é:

“Bem-aventurados os homens cuja força está em Ti, em cujo coração os caminhos altos passando pelo vale de Baca, fazem dele um lugar de fontes; e a primeira chuva o cobre de bênçãos.”

Na Vulgata Latina (Salmo 83), no entanto, que serve de referencia para as interpretações cristãs, o “vale de Baca” é substituído por valle lacrimarum:

Beatus vir cui est auxilium abs te ascensiones in corde suo disposuit in valle lacrimarum in loco quem posuit etenim benedictiones.”

Na verdade, a palavra hebraica “baca” significa tanto lágrima, choro, como bálsamo.

As “balsameiras” (amoreiras) são árvores que “choram” porque produzem uma resina de cheiro agradável, o bálsamo, palavra que, figurativamente, significa conforto, lenitivo, alívio.

Esta é razão pela qual o vale, ao norte de Enom, recebeu o nome de Baca: é o vale das árvores que “choram”.

Ele era também a última etapa da peregrinação, na encruzilhada das estradas que vinham do norte, do oeste e do sul, com destino ao Templo em Jerusalém [foto].

Os peregrinos, que chegavam até Baca, depois de uma longa caminhada, eram bem-aventurados e poderiam transformar as chuvas em fontes (de água) e de bênçãos.

Na pregação cristã, ao contrário, o “vale das árvores que choram” foi se transformando no “vale de lágrimas” e até mesmo no “vale da morte”, uma condição inescapável da vida humana, uma sequência de sofrimento e purgação para os pecadores na busca do perdão de Deus.

Um pastor presbiteriano assim descreve o vale de Baca:

“É muito indesejável.
a) É árido. Não tem rios de alegria; os poços, cavados por alguns dos peregrinos que nos antecederam ou por nós mesmos são, muitas vezes, “cisternas rotas que não retêm as águas” (Jeremias 2.13).
b) É pedregoso. Os peregrinos conseguem remover as pedras menores, não as grandes; a caminhada é muito sofrida; muitos tropeçam e caem.
c) É escuro. As trilhas serpenteiam entre rochas de angústia e montanhas de pecado; o Sol da Justiça esconde-se por trás destas e o vale fica muito sombrio.
d) É extenso. Os peregrinos sabem que Sião está à frente, mas não podem vê-la; a caminhada parece não ter fim. Muitos ficam desencorajados.
e) É infestado. Há espíritos maus neste vale. Eles tentam; fazem insinuações malditas e sugestões blasfemas: armam ciladas, lançam os “dardos inflamados do maligno” (Efésios 6.11,16) [ver aqui].

Esta é a significação que “vale de lágrimas” (Baca) tem na oração “Salve Rainha”. É um mundo pleno de misérias e obstáculos.

Ajuda divina
Toda essa introdução é para observar que um visitante estrangeiro que desembarque no Brasil e que tome como referência as notícias diariamente veiculadas na grande mídia brasileira se convencerá de que o “vale de lágrimas” da interpretação cristã do Salmo 84 é aqui, hoje e agora.

No enquadramento padrão do jornalismo praticado entre nós, até mesmo as notícias eventualmente “boas” são acompanhadas de comentários irônicos e jocosos insinuando que alguma coisa deu ou dará errado, mantendo-se o “clima geral” de que estamos vivendo numa permanente e irrecorrível sequência de sofrimento e purgação de pecados.

Dia desses, fiz um teste assistindo ao noticiário local da concessionária de televisão líder de audiência do Distrito Federal.

Além das chamadas de abertura e passagem, nos três blocos de notícias, cada um com três matérias, todas tinham um enquadramento negativo e crítico:

- o hospital universitário, que finalmente iniciaria uma necessária reforma na sua maternidade, criava um novo problema para as grávidas, pois elas teriam que procurar outros hospitais;
- o subsecretário de Segurança era criticado (justamente) por referir-se a uma pessoa desaparecida e encontrada morta sob suspeita de ter sido assassinada por policiais como “um zé”;
- um incêndio no Cerrado, incomum nesta época do ano, tinha causado uma enorme fumaça e atrapalhado a visibilidade dos motoristas, mesmo combatido e controlado pelo Corpo de Bombeiros;
- em algumas regiões do Distrito Federal faltavam vagas para crianças de zero a cinco anos, perto de suas casas, nas creches públicas;
- as chuvas estavam provocando buracos nas ruas de uma cidade satélite onde as “bocas de lobo” estão entupidas e com as tampas quebradas;
- em outra satélite há um cruzamento onde a falta de um semáforo tem dificultado a travessia e provocado acidentes;
- e, por fim, o retrato falado de um suspeito de praticar sequestros relâmpago é divulgado com o inescapável comentário sobre a crise na segurança pública.

Por óbvio, o “vale de lágrimas” não é a única característica do jornalismo brasileiro que omite e/ou enfatiza seletivamente aquilo que atende mais ou menos aos seus interesses, implícitos e/ou explícitos.

De qualquer maneira, o noticiário televisivo do Distrito Federal, escolhido aleatoriamente, é apenas um exemplo de um padrão que se repete várias vezes ao dia, todos os dias.

Não haveria nada de positivo eventualmente acontecendo e merecedor de ser noticiado neste pedaço do planeta “descoberto” por Cabral?

No jornalismo do “vale de lágrimas” que vem sendo praticado pela grande mídia, salvar o Brasil, só com ajuda divina.

Vamos todos rezar o “Salve Rainha”.

(*) Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e organizador/autor com Juarez Guimarães de Liberdade de Expressão: as várias faces de um desafio, Paulus, 2013, entre outros livros

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Coluna/O-vale-de-lagrimas-e-aqui/30055

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

Leituras afins:
- Política e debates na rede - Maurício Caleiro

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Pobres e ricos no mundo do petróleo

19/01/2014 - Petróleo, Noruega e Reino Unido: o estatal milionário e o liberal sem tostão
- Fernando Brito - Tijolaço

Quarta-feira passada [15/1], cada norueguês se tornou um milionário – sem ter que levantar um dedinho sequer.

Eles devem isso ao seu litoral, e a uma enorme dose de bom senso.

Desde 1990, a Noruega foi fazendo seu caixa a partir do óleo e do gás do Mar do Norte, em um fundo para o futuro. (…)

Na semana passada, o saldo deste fundo atingiu um milhão de coroas para cada um dos 5 milhões de noruegueses, ou perto de US$ 163 mil (R$ 383 mil).

O texto acima é o início de uma reportagem do inglês The Guardian, publicada esta semana que, logo a seguir, pergunta porque os ingleses, que começaram a explorar o petróleo do Mar do Norte ao mesmo tempo que os noruegueses, no final dos anos 70, não têm praticamente nada acumulado pelos bilhões de barris que foram extraídos do leito marinho.

Para onde foi o dinheiro? “Virou corte de impostos para os ricos ou foi desaguado nas paredes das concessionárias de veículos ou dos agentes imobliários”, lamenta o Guardian.

O economista-chefe da PricewaterhouseCoopers, John Hawksworth [abaixo], admite que “não temos quaisquer novos hospitais ou estradas para mostrar: o investimento líquido do setor público caiu de 2,5% do PIB no início da era Thatcher a apenas 0,4% do PIB até 2000″.

E ele explica o destino do dinheiro: “A resposta lógica é que o dinheiro do petróleo permitiu baixar os impostos não petrolíferos”.

Claro que os sobre a renda e o capital.

Enquanto isso, a Noruega se tornou o maior PIB per capita entre os países da região, como você vê no gráfico. [abaixo]

À frente, inclusive dos “paraísos” da Dinamarca e da Suécia.


E muito à frente dos arrogantes ingleses.

O Fundo do Petróleo Norueguês é, hoje, o dono de 1% de todas as ações do mundo, em valor.

Equivale a 1,8 vezes o produto interno bruto do país.

Não que eles não gastem o dinheiro do petróleo. Gastam, inclusive o do fundo, mas apenas 4% ao ano, menos do que os rendimentos.

A riqueza veio da atividade exploratória, feita em regime de partilha e com uma empresa estatal fortalecida, a Statoil, que desenvolveu tecnologia e indústria no até então atrasado e pesqueiro país.

Hoje, a sua empresa busca petróleo em todo o mundo e o país exporta tecnologia.

Mas os noruegueses têm outra estatal: a Petoro, a Petrosal deles, que recolhe a parte estatal do petróleo e a transforma em dinheiro para o Fundo.

Trago esta história, sugerida pelo leitor Ernesto, para que os amigos e amigas fiquem atentos, quando começar a entrar os recursos do pré-sal, contra os discursos de que o dinheiro deve ser direcionado para “aquecer o mercado”, cortar impostos e distribuir perdulariamente aos municípios.

Ou que andaríamos muito mais rápido se o país permitisse mais liberdade às multinacionais, não exigindo participação da Petrobras, cotas de partilha e alto conteúdo nacional nos equipamentos exploratórios.

A obra dos “eficientes” neoliberais do petróleo do Mar do Norte está lá, bem marcada no gráfico sobre o PIB per capita do Reino Unido.

O modelo escolhido pelo Brasil para o pré-sal é o norueguês e também está lá onde ele levou o pais em quarenta anos.

O país que, mais que seu, é dos seus filhos e dos seus netos.

Fonte:
http://tijolaco.com.br/blog/?p=12771

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.