domingo, 4 de dezembro de 2011

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 5/6

Parte 1/6 - "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que.html

Parte 2/6 - NÃO SÃO SÓ ELES OS VILÕES
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_02.html

Parte 3/6 - CHUVA E ÁGUAS ÁCIDAS EM TERRAS MOLHADAS
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_5205.html

Parte 4/6 - DO ENCONTRO DAS ÁGUAS AMAZÔNICAS COM O MUNDO GLOBALIZADO
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que_03.html


 NÃO FIZEMOS A TRAVESSIA DO DISCURSO À ADOÇÃO DE PRÁTICAS

Antonio Fernando Araujo

Piratas foram intrépidos, aventureiros, alguns sedutores, outros até românticos. Ainda assim, teme-se que ocorra aqui algo semelhante ao que sucedeu no passado com aquelas cidades da Carolina do Norte e Caribe e o que vem sucedendo no presente na costa da Somália. Lá, embarcações - como os velhos corsários, contam, ainda que de forma velada, com algum tipo de proteção de um Estado, de uma corporação ou de uma nação - de frotas pesqueiras vindas da Europa ocidental (principalmente da Espanha e França) e Ásia, quase sempre sob "bandeiras de conveniência" compradas pela internet em alguns minutos e por menos de 500 euros, há anos, fazem do mar territorial daquele país miserável um celeiro gratuito de onde surrupiam toneladas de atum e outros peixes sem pagar um centavo e, pior, retirando da população a maior e talvez única fonte de proteínas de que dispõe. Ao se rebelarem - depois de inúmeras e inócuas queixas formuladas à ONU -, atacando esses modernos saqueadores, são os pescadores somalis os que receberam, da mídia internacional, a alcunha de piratas para, em seguida, serem vítimas da chamada "Operação Atalanta", organizada e financiada por Espanha e França que deslocaram seus vasos de guerra para a região para dar apoio aos seus próprios piratas enquanto reprimia os "piratas" somalis.

Que fique viva a lição da Somália. Ainda estamos longe de realizar aqui a travessia entre o discurso e a adoção de práticas que nos permitam evitar o surrupio da nossa fauna, da flora, das águas e dos minérios. Faríamos isso se - armado com garras nucleares - nosso combate à biopirataria propusesse a necessidade de investimentos maciços no esforço de transformar a imensa biodiversidade dessa região na geração de renda e emprego e não apenas apoiar o procedimento tradicional de coleta extrativa ou, quando nada disso der certo, acionar a Marinha, o IBAMA e a Polícia Florestal, já que não dispomos ainda daqueles armamentos que poderiam nos emprestar mais dignidade. A adoção de práticas que impliquem em uma contínua atividade de pesquisa e identificação de recursos genéticos e seus componentes, de consumar a domesticação das espécies mais valiosas e através de plantios racionais prover a extração dos princípios ativos seguido do respectivo patenteamento se for o caso, implicaria na criação de um parque produtivo local que, entre outros benefícios, contribuiria não apenas para evitar que nossos produtos oriundos da biodiversidade amazônica sejam patenteados como já o foram nos Estados Unidos, Japão e União Européia e que marcas com os nomes de frutas amazônicas, como cupuaçu e açaí, sejam registradas e, acima de tudo, para desestimular que outros países efetuem plantios semelhantes.

Torna-se mais visível quando sabemos que as chamadas reservas extrativistas - ainda que louváveis quando se pensa em apenas ganhar tempo enquanto não surgem alternativas econômicas mais rentáveis - apresentam apenas raras possibilidades futuras de servir como modelo para o desenvolvimento local da população, limitadas que são no objetivo de atender ao crescimento do mercado e quando se tem a plena convicção de que elas não são inesgotáveis. E quando se pensa em mercado, nosso olhar não se detém apenas "nos chás, infusões e garrafadas que se apóiam somente na disponibilidade dos recursos naturais, ainda que sejam eles que integram a lida diária das vendedoras da formidável feira do Ver-o-Peso, em Belém do Pará e em outros locais parecidos, atraente, sem dúvida, porém, mais como um saboroso apelo folclórico e turístico do que como uma atividade econômica reconhecidamente promissora e de longo alcance". O alcance que se pretende aqui visa também "sua inserção com a economia nacional, procurando equilibrá-la com as regiões mais desenvolvidas do país. A aparente prioridade que tem sido estabelecida na Amazônia não acompanha a magnitude do desafio e da propaganda que fazem dela, tanto do governo, das empresas privadas quanto dos organismos internacionais", como escreveu Homma. "A fronteira científica e tecnológica na Amazônia, prosseguiu, a despeito dos grandes avanços, ainda não provocou o impacto e as transformações que a sociedade aguarda." Como um corolário desse pensamento conclui Monteiro: "Trata-se de uma possibilidade. Todavia, distante de ser uma realidade, uma vez que isto implica confronto com interesses econômicos, visões de mundo, com o tradicionalismo de diversas ordens e instituições etc., o que requer firmeza e clareza estratégica dos dirigentes políticos, a edificação de uma institucionalidade pública na Amazônia que seja permeável à pluralidade de forças que expressam a sua diversidade social e cultural, e, sobretudo, a ampla mobilização dos diversos segmentos sociais comprometidos com um novo tipo de desenvolvimento regional."

A pirataria é tão antiga quanto a navegação e no que tem de deletéria e no interesse deste texto, ela já é visível no lado amazônico do litoral do Amapá e em dezenas de outros sítios desta região. Como se denuncia agora, ela também se exibe nos barris de resíduos tóxicos, radioativos e hospitalares despejados nos litorais desguarnecidos de alguns países africanos, além dos da própria Somália, também nos da Costa do Marfim, Nigéria, Congo e Benim, transformados em vertedouros tóxicos pelos países industrializados. Portanto, não se trata mais de uma profecia ainda que calcada numa espécie de "roteiro" futurível bastante persuasivo, mas de uma constatação dolorosa que também pode nos atingir no futuro. Só em 2011 chegaram à costa da África 600 mil toneladas desses resíduos. E aos portos brasileiros do Rio Grande e do Suape alguns "containers" mais do que suspeitos foram flagrados ao desembarcarem em 2010 e 2011 acomodando todo tipo de lixo e resíduos hospitalares norte-americanos, surpreendendo-nos com uma excêntrica "mercadoria" que até então nunca houvera sido listada entre nossos itens de importação. Quem são os que se encontram nos extremos e no meio dessa aparente cadeia de trapaceiros?


UM JOGO EM QUE NEM TODOS TRAPACEIAM

sábado, 3 de dezembro de 2011

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 4/6

Parte 1/6 - "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que.html

Parte 2/6 - NÃO SÃO SÓ ELES OS VILÕES
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Parte 3/6 - CHUVA E ÁGUAS ÁCIDAS EM TERRAS MOLHADAS
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DO ENCONTRO DAS ÁGUAS AMAZÔNICAS COM O MUNDO GLOBALIZADO

Antonio Fernando Araujo


Da varanda do apartamento do geólogo e professor Milton Matta, coordenador do Laboratório de Recursos Hídricos e Meio-Ambiente, da UFPa, no 15º andar de um prédio, vê-se uma vasta porção da Belém rumo ao sudeste. O que nos permite identificar à esquerda, desde parte do contorno da baía de Santo Antonio que banha a cidade ao norte, com algumas ilhas pelo meio e as águas iniciais da baía do Marajó, até os meandros do rio Guamá, à direita e ao sul, onde se espalham outras tantas ilhas, num total de 39. E é nas margens desse grande rio, como já vimos, que se encontram as instalações do "campus" da UFPa. Entre essa imensidão de águas, a Belém que se expande horizontalmente e cresce vertiginosamente para o alto em nada se assemelha com aquelas cidades costeiras da Carolina do Norte e das ilhas caribenhas que, dos séculos XVI ao XVIII, passaram por maus bocados sob os ataques de bucaneiros e piratas.

Todavia, dificilmente poderemos assegurar que aquela avidez capitalista de corsários e seus patrões tenha chegado ao fim, neste instante em que a imensa biodiversidade amazônica, as reservas minerais ímpares de nióbio e tálio e até mesmo as de petróleo, bauxita, ferro, ouro e manganês, todos presentes na região, voltaram a excitar a cupidez do mercado tornado global e simétrico. Entretanto, Belém mesmo, está assentada sobre outra riqueza mineral. São nada desprezíveis reservas de água doce e potável, Pirabas e o Grupo Barreiras, as mais importantes. Todavia é na direção oeste do estado, algumas centenas de quilômetros adiante, que se inicia outra, bem mais rica, localizada cerca de 1500 metros de profundidade com uma espessura que vai de 500m a 600m. Há anos Matta dedica-se a elas. De acordo com seus estudos e de outros quatro pesquisadores (Francisco de Abreu, André Duarte, Mário Ribeiro, todos da UFPa e Itabaraci Cavalcanti, da UFCe) essa nova reserva se estende desde lá até a parte oriental do estado do Amazonas, "submersa" sob quase todo o estado do Pará e boa parte do Amapá. Começou ele a falar-me do aquífero Alter-do-Chão, com seus estimados 90 mil quilômetros cúbicos de água, "o suficiente para abastecer com folga toda a população mundial por mais de 300 anos" e que desde maio/2010, quando foi apresentado à comunidade científica, o fez exibindo-se com praticamente o dobro do volume do aquífero Guarani, na região sudeste (dividido entre Brasil, Paraguai e Argentina), tido até então como o maior do Brasil, quiçá do mundo.

E agora estamos postos diante daquilo que muitos estudiosos já consideram como a próxima e mais promissora riqueza de qualquer região, seus recursos hídricos. E se quisermos dar um significado adicional à exploração do aquífero Alter-do-Chão, agora como o maior manancial subterrâneo do planeta, devemos levar em conta que não estamos identificando aqui um procedimento tradicional, comumente associado a uma coleta extrativa como observada em muitas propostas do aproveitamento da biodiversidade amazônica. Não precisa nem levar em conta, como lembra ainda o professor, que Alter-do-Chão hoje, já abastece cidades como Manaus (mais de 10 mil poços particulares e 130 da rede pública) e diversos municípios do Pará, como o de Santarém, às margens do Tapajós, no ponto em que ele deságua no Amazonas e por cujo porto pretende-se que escoa a produção de grãos do Mato Grosso. Trata-se assim, de uma atividade que visa atender uma necessidade primordial humana e animal, voltada tanto para o consumo próprio quanto para a agricultura e a indústria. Portanto, "a Região Norte é, sem dúvida, um dos maiores símbolos da riqueza natural encontrada no Brasil. Agora, além de abrigar a floresta Amazônica e o rio Amazonas, ela pode ser conhecida por possuir a maior reserva mundial de águas subterrâneas", garante-nos a jornalista Sílvia Pacheco. "É água que não acaba mais", enfatiza.

Assim como Carajás tornou-se alvo da ambição internacional, cristalizada em seus testas-de-ferro - políticos e empresários nacionais sob a liderança do clã Sarney -, a região do rico rio Tapajós, cujas margens da estrada que ligará em definitivo Cuiabá a Santarém, já se encontram totalmente loteadas, dessa vez entre os integrantes daquilo que se poderia chamar de clã Barbalho. Assim, é perfeitamente possível entendermos que tanto a criação do estado de Carajás, quanto a do Tapajós, passa por essa constelação de interesses que nada tem a ver com melhorias significativas das condições de vida da população. Visam tão somente saciar a ambição de algumas expressivas lideranças locais e regionais, ávidas por mais poder e fortuna. Ao invés de apoiar essa inócua divisão a população, através de suas organizações sociais, deveria se mobilizar cada vez mais na exigência do governo estadual, as melhorias que almeja em cada caso. Além de não serem iludidas, não estariam assim arcando com os altos custos de instalação de uma máquina política, administrativa e judiciária que, em última instância, beneficiará exclusivamente, aquelas elites de empresários e políticos e, em número muito reduzido alguns dos seus habitantes.
Não existem mais Barbas Negras e suas naus piratas. Mas estão aí os descendentes dos que foram reis e príncipes, cientistas e empresários, governos estrangeiros e organismos internacionais e no lugar dos barcos à vela são as grandes embarcações que para atravessar os oceanos necessitam lastrear seus porões com água, muita água. E é exatamente aqui que se pode encontrar "água que não acaba mais".

Alter-do-Chão, na verdade, é apenas o nome de uma vila balneária, antiga aldeia dos índios Borari, seus primeiros habitantes, ornada de praias com areias faiscantes e, como boa parte das vilas e cidades paraenses, carrega no nome a influência portuguesa. Floresceu às margens do rio Tapajós, a 30 quilômetros ao sul de Santarém, oeste do Pará, e sob ela, estima-se, fica localizada a parte central do aquífero que ela nominou.
Alter-do-Chão tem gosto de paraíso perdido. Talvez por conta disso, "em abril de 2009, o jornal inglês The Guardian destacava-a como a melhor e a mais bela praia do Brasil. O lugar realmente é lindo e só agora começa a ser divulgado", anotou a jornalista Zilda Ferreira, do blog Educom, que em maio de 2010, durante uma semana, permaneceu na vila procurando entender porque, de uns tempos pra cá, a mídia nacional e européia começou a anunciar aquele vilarejo como o centro da região mais rica de água do planeta.

Tudo indica que a história começou quando o príncipe Charles, herdeiro da Coroa britânica, fez, parte de sua comitiva de cerca de 30 membros passar, não apenas uma semana, mas quase todo o mês de março de 2009 no balneário. Ele próprio esteve lá por um dia percorrendo de barco e de carro, ao lado do embaixador britânico no Brasil, Alan Charlton e à frente de jornalistas ingleses, cientistas e pesquisadores, além da então governadora do Estado, Ana Carepa e de representantes do Ministério das Relações Exteriores e do Itamaraty, boa parte da região, incluindo Santarém e o município vizinho de Belterra. Depois de quase 20 anos, o príncipe retornava ao Pará, onde esteve em 1991, ocasião em que visitou a Serra dos Carajás. Era a quarta vez de Charles no Brasil e há décadas ele trata de temas como desenvolvimento sustentável, gestão de recursos naturais e cooperação global para proteção do patrimônio ambiental, por meio da fundação que dirige, a Prince's Rainforest Project (Os Projetos de Florestas Tropicais do Príncipe). Belterra, às margens do Tapajós, foi o palco, em meados do século passado, da ambição frustrada do mal-aconselhado norte-americano Henry Ford, para transformar a floresta tropical brasileira crua em área de plantio. Visava a exploração de borracha de forma racional como décadas antes fizeram os ingleses na sua colônia na Malásia. Passados esses anos todos, o mais provável agora é que os olhos britânicos estejam voltados, entre outras atrações, também para as reservas hídricas de Alter-do-Chão.

Na comunidade de Maguari, o príncipe conheceu detalhes do Projeto Barco Saúde & Alegria e, empolgado, visitou a Floresta Nacional do Tapajós, uma das sete unidades de uso sustentável dos recursos naturais da região que visa compatibilizar projetos de conservação da natureza com a exploração e o aproveitamento econômico direto de forma planejada e regulamentada, alguns deles beneficiários de um mecanismo global de investimentos, baseado na quantidade de emissão de gás carbônico na atmosfera, voltado exclusivamente para países tropicais.

Na Ponta de Pedras, entre as últimas línguas de sol, a fragrância de árvores e o zumbido de varejeiras abusadas, o príncipe participou de um luau amazônico, a piracaia. Os moradores prepararam para a comitiva peixe assado na brasa - curimatá e tucunaré - e frutas, enquanto meninas dançavam em volta da fogueira, sobre a terra molhada e ao som de carimbó.
No entardecer, antes de voltar para Manaus, quando na ponta do Cururu foi espiar os botos, lhe amamentaram com lendas sobre esses dóceis animais que até num passado recente e por não conhecerem predadores, eram facilmente abatidos. Hoje, tanto o cor-de-rosa quanto o tucuxi (cinza), esses golfinhos amazônicos em extinção, visitam os barcos. Ao desligarem seus motores em torno da praia os atrai e numa espécie de reverência à natureza, como se quisesse reatar com ela uma intimidade perdida o príncipe testemunhou o que pode ser descrito como o advento de um novo convívio possível entre as ambições das elites capitalistas mundiais, as mesmas que há muito exercitam com perícia a arte de não ter escrúpulos, e alguns dos habitantes mais amáveis da Terra, e por instantes deixou de lembrar as matanças de baleias no Pacífico sul, as mais de 1 bilhão de pessoas (1 em cada 5) que não tem acesso à água potável segura e os mais de 300 conflitos potenciais espalhados mundo afora por conta da água, nos quais, em quase todos, aquelas elites avidamente participam.

Por aqui, tais disputas ainda não são sangrentas. Até quando? Mídia alguma propagou o instante em que, léguas dali, grandes embarcações de bandeiras piratas - tal e qual seus ancestrais -, esvaziavam seus tanques lastreados com águas trazidas de outras regiões do globo - contaminadas inclusive com um tipo de caramujo que na foz do Amazonas não encontra predador natural -, e os reabasteciam com a água amazônica doce e quase potável, oriunda dos Andes e das dezenas dos afluentes, desde o Marañon e o Solimões até o Amazonas. - Não basta a pirataria dos espécimes dos rios, da nossa biodiversidade e dos lugarejos ribeirinhos, estamos diante também do surrupio descarado das nossas águas que são estudadas na Europa, para em seguida serem vendidas a peso de ouro, no Oriente Médio e no norte da África, onde um barril de água potável já vale mais do que um de petróleo, denunciou o professor Matta. Nos dias de hoje, e como uma espécie de subproduto da moderna pirataria, aqueles caramujos infestaram de tal forma a região costeira do Amapá voltada para a foz do Amazonas que se tornaram uma praga ambiental com a qual nem os técnicos do Ministério do Meio-Ambiente e muito menos a população sabem como lidar.


NÃO FIZEMOS A TRAVESSIA DO DISCURSO À ADOÇÃO DE PRÁTICAS

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 3/6

Parte 1/6 - "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"
http://brasileducom.blogspot.com/2011/12/um-mundo-de-aguas-minerios-e-nomes-que.html

Parte 2/6 - NÃO SÃO SÓ ELES OS VILÕES
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CHUVA E ÁGUAS ÁCIDAS EM TERRAS MOLHADAS

Antonio Fernando Araujo

- Já se cogitou até em substituir o carvão vegetal empregado nas siderúrgicas, por carvão mineral, barato e abundante, mas altamente poluente. Ela libera na atmosfera dióxido e monóxido de carbono na forma de gases do efeito estufa, atalhou Luczynski. Contudo, ao se avaliar o dano maior à atmosfera que tal alternativa provocaria, onde o dióxido de enxofre, presente nesse mineral e um dos maiores causadores da chuva ácida, entra como uma espécie de vilão oportunista, se conclui que estaríamos apenas mudando o foco das nossas preocupações, da preservação da floresta para a qualidade do ar que respiramos. Embora já se encontrem disponíveis ou em estudos, novas tecnologias - empregadas antes da combustão - de remoção de grandes proporções de enxofre e outras impurezas utilizando-se de técnicas enzimáticas e microbiológicas, entre outras, elas ainda precisarão ser consideradas tecnológica e comercialmente aprovadas para só assim se generalizarem entre as cerca de 25 mil carvoarias produtoras, espalhadas pelo entorno de Marabá. Virou-se pra mim, percebeu meu assombro e cravou, "é com isso que estamos lidando, meu caro, 25 mil".

Não entregou os pontos. Apressou-se em apontar-me outra vertente, a do gás natural. E seguiu contando-me o quanto esse gás já foi cogitado como substituto do carvão vegetal. Viria dos campos Espigão e Oeste de Canoas, da região de Barreirinhas, no Maranhão e, através de um gasoduto alcançaria Açailândia e a partir daí e 200 e pouco quilômetros mais chegaria à Marabá, sob os aplausos da floresta - ou do que restasse dela - e desses ambientalistas teimosos que sangram em silêncio como morrem as árvores e a cada mês pagam com a vida essa vontade indomável de mantê-las intactas. Ou - de outra forma -, o gás abundante seria trazido da jazida do rio Uatumã, no Amazonas, liquefeito, posto em containers e transportado em navios ou barcaças. Portanto, projetos não faltam para que se torne realidade a produção daquilo que alguns ambientalistas chamam de "gusa verde", mas ora esbarram em dificuldades quase intransponíveis de obtenção de licenças ambientais, ora se constata que não estão ainda economicamente amadurecidos, ora se vêem sujeitos às injunções políticas ou sociais que, quando não os extinguem, postergam em conjunto o avanço dessas alternativas.

Amplia-se a dimensão desse drama "com a notícia da instalação, já confirmada, de novos alto-fornos na região, e assim a produção de ferro-gusa continuará a ser expandida", como nos assegura Abreu Monteiro. "Isso implica também no aumento do consumo de carvão vegetal, que já não é nem um pouco desprezível, são pelo menos cinco milhões de toneladas. Uma demanda que estende a pressão pelo desmatamento de novas áreas, em especial com a elevação do preço do ferro-gusa registrado em 2004", concluiu em tom de lamento.

Assim, quando se constata que a "questão amazônica situa-se numa interseção particular do conjunto de possibilidades econômicas que o País dispõe, com o conjunto de seus problemas associados à concentração da renda e com, ainda, o conjunto de seus problemas ambientais" não é difícil concluirmos - "não se trata de mera suposição", escreveu o mesmo Assis Costa, num texto em que procura apontar defeitos e mostrar caminhos - que "a equação que se pretende resolver para a superação dos desafios que o Governo Federal se coloca pensando o País como um todo, podem apresentar inconsistências com os seus próprios termos na Amazônia", diante das "múltiplas faces da sua realidade", dos macro desafios postos diante dele, dos riscos ambientais e ecológicos, das racionalidades econômicas, dos antagonismos sociais, do oportunismo e, até mesmo, dos ambientes institucionais.

E é essa mesma "questão amazônica" e uma de suas "múltiplas faces" que sobressai, quando nos detemos sobre um dado no mínimo curioso, destacou o professor Milton Matta, com quem, dentro de alguns dias vou me encontrar. Hoje, assegurou-me, "20% do PIB é gerado pelo agronegócio, mas ninguém lembra que 50 a 80 bilhões de metros cúbicos da água que a cada safra irrigam o solo do centro-oeste, serrado, sul e sudeste provem da Amazônia através das correntes úmidas atmosféricas que descem da região norte pelo lado ocidental do centro-oeste em direção ao sul." Essa "generosidade" amazônica não rende um centavo aos cofres dos Estados fornecedores de um bem preciosíssimo, imprescindível, vital para a sobrevivência e pujança do agronegócio. É como uma "transfusão de sangue" em que a atmosfera tornada cúmplice de uma "pirataria", subtrai da Amazônia parcela considerável de uma riqueza que, em última instância, deveria ser motivo de, no mínimo, algumas compensações e polpudos dividendos. Algo parecido ocorre, ainda dentro do território nacional, quando se constata uma expressiva drenagem de exemplares da flora amazônica, cujas mudas são levadas para o nordeste, sul e sudeste e, nos estados dessas regiões, plantados de forma racional e extensiva assenhoreando-se assim de uma cadeia produtiva que facilmente conduzirá a uma apropriação de direitos de patentes que, de outra forma, poderia também render dividendos aos Estados do norte, originários de tais mudas.

Não obstante nossa preocupação com a biopirataria externa, é como se estivéssemos agora, reproduzindo internamente o roubo de sementes de seringueira que ingleses perpetraram contra nós no final do século XIX, quando Henry Wickham, um conterrâneo do príncipe Charles e funcionário da Botantical Royal Gardens, em Londres, surrupiou 70 mil sementes (Hevea brasiliensis) de um lugar chamado Boim, no Vale do Tapajós e os mandou para a Inglaterra. Lá, elas produziram 2.700 mudas, uma taxa de sucesso de 3,8%, que foram então levadas para sua colônia na Malásia, no sudeste asiático. Em extensas plantações altamente produtivas, cinco décadas depois, essa pirataria provocaria a quebra definitiva da produção brasileira de seringa da região do Tapajós, cuja economia, perdida para sempre, ainda se baseava na extração predatória dos seringais nativos como continuaria a fazê-lo até os dias de hoje, em reservas extrativistas.

Mais adiante ele voltou-se para outro aspecto, dessa vez com relação ao pH das águas minerais vendidas em Belém. Para ele, esse é um problema importante. “Se você pegar qualquer garrafinha de água mineral, o pH varia de 3,6 a 4,2. Ora, isso é ácido. O pH tinha que ser entre 6.5 e 8.5, segundo a legislação vigente”. Ele conta que, a longo prazo, o consumo frequente de uma água com característica tão ácida pode causar diversos males, como gastrite, úlcera, câncer estomacal. De acordo com o professor, essa não é uma característica somente das águas minerais, isso acontece com todas as águas da Amazônia. Ainda não há incidência de chuva ácida nessa região, mas de uma maneira geral, as águas daqui são ácidas, quer sejam de poços, de rios, quer sejam minerais. Ainda que se possa assegurar que essa acidez das águas amazônicas não está relacionada com a presença de dióxido de enxofre na atmosfera, essa constatação não livra a população da convivência com essa realidade incongruente, distante dos domínios do conhecimento da grande maioria, transformada em um componente a mais dessa constelação de dramas tal como ela se apresentava aos habitantes das primeiras idades da terra.

No alvorecer do capitalismo quando ainda na sua fase mercantilista, piratas e flibusteiros saqueavam cidades e navios apoderando-se das riquezas recém descobertas no Novo Mundo, o ouro, a prata, a madeira e as pedras preciosas compunham o quadro da cobiça dos reis, governadores, príncipes e comerciantes que os patrocinavam diretamente ou confundidos com as sombras. O mundo tornava-se menor e se as ambições do capitalismo serviram de mola propulsora para sua extraordinária expansão justificando a pilhagem, o que ainda se pode dizer, decorridos cinco séculos, sobre essa atividade que fez a glória de Barba Negra e Francis Drake entre outros, é que ela continua na ordem do dia, tão ou mais rentável quanto o fora naqueles tempos e como tem sido ao longo da História.


Próxima parte - 4/6 de "Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas".
DO ENCONTRO DAS ÁGUAS AMAZÔNICAS COM O MUNDO GLOBALIZADO

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 2/6

Parte 1/6 - "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"
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NÃO SÃO SÓ ELES OS VILÕES

Antonio Fernando Araujo

Não estamos sós e "depende de nós, se esse mundo ainda tem jeito". Parte disso que um estudo de 2010 nos revelou a Revista Águas Subterrâneas, no seu volume 24, n.1: "As transformações ocorridas no espaço urbano da Região Metropolitana de Belém contribuíram não somente para a sua ocupação, através do entendimento das diferentes formas de apropriação, bem como ocasionou um intenso processo de degradação ambiental."

- Por outro lado, atalhou Batista Ribeiro, na área da extração mineral promovida pelas grandes mineradoras, não existe um estrago muito grande. Há um cuidado para que tudo seja recomposto em termos de capa vegetal após a mina estar exaurida. Lembrei-me da ironia de Collyer, em Marahú, "e como se estivessem brincando de Deus". Ainda assim, prosseguiu Batista Ribeiro, se confrontássemos - de um lado - os estragos que esses "mineradores sociais" das margens das rodovias, os posseiros que desmatam para vender a madeira e fazer pequenas roças - são cerca de 800.000 famílias em toda a Amazônia vivendo desse modo e cada uma delas podendo desmatar até 3 hectares por ano, para cultivo de subsistência, algo insignificante, mas que no conjunto tornam-se 470.000 hectares, ou seja, um problemão -, os carvoeiros do entorno de Marabá, no sudeste do estado, que produzem carvão vegetal oriundo da lenha do desmatamento da floresta primária ou de resíduos das serrarias para servir de matéria-prima termorredutora na produção do ferro gusa nas siderúrgicas da região (cerca de 20, entre médias e pequenas e que, para suas instalações, contaram com inúmeros favores governamentais), os pequenos e grandes madeireiros, legais e ilegais (são mais de 3 mil empresas cortando árvores), as citadas serrarias que também recorrem à floresta primária e os mineradores de ouro dos aluviões de praticamente todos os grandes e pequenos rios - e de outro - com as enormes escavações levadas a cabo pela Vale, tanto na província mineral de Carajás quanto na região do rio Trombetas, ao oeste do estado e, ainda mais, com o destino que tais terras tomarão quando, escasseados os minérios, liquidada a vegetação e exauridas as minas e os aluviões, pois bem, ficaríamos estupidamente surpresos ao constatar que, em termos de cuidados com a preservação da natureza até o ponto em que isso possa ter algum significado social, científico e mercadológico e assim levado em conta, principalmente no que se refere à possível preservação da biodiversidade, a maior empresa brasileira de mineração, a Vale, estará longe do risco de parecer ao mundo como o personagem mais cruel desse drama amazônico feito de desmatamentos e queimadas, num cenário em que se contrapõem pequenas propriedades rurais e imensas instalações ligadas ao agronegócio assentado na agropecuária, à extração mineral distribuída por mais de quinze unidades extrativistas e à geração de energia elétrica a partir da barragem de rios enormes e da construção de mega-usinas produtoras.

- "Vamos a Marahú", disse-me Collyer, "e eu lhe descrevo, tim-tim por tim-tim, cada uma das cores com que se pinta a tragédia por aqui, que não é feita apenas de mineração, derrubadas e queimadas da floresta, esse acervo extraordinário da biodiversidade do planeta e estabilizadora do clima mundial, mas também, porque no olho do furação encontra-se um vasto panorama de necessidades voltadas para a população nativa e imigrante que, acima de tudo, precisam ser atendidas."
O conflito social decorrente do imperativo de se atender essas necessidades e as formas modernas e sustentáveis de uso dos recursos naturais tornou-se um megadesafio que tem suscitado o surgimento de práticas ambientalmente nocivas, mas maquiadas como "sustentáveis", lado a lado com o aprofundamento de mazelas sociais que, quase sempre, excluem os mais carentes e, inevitavelmente confirmam o poder econômico e político dos mais fortes. Entram em cena então outros protagonistas, o capital humano que vai do trabalhador assalariado desqualificado ao pequeno produtor familiar, dono de uma modesta extensão de terra de onde retira com baixíssima produtividade, seu sustento.
O primeiro, quase sempre a serviço do grande capital de base latifundiária ou extrativista, assentado na monocultura de grãos, na exploração mineral ou na criação extensiva de gado, o segundo, limitado pela capacidade de trabalho da família, vêem-se forçados a tratar o bioma da floresta de forma diversa, como é diversa a maneira com a qual uma leva imensa de pequenos empreendedores, da periferia econômica dos grandes projetos minerais, metalúrgicos e agropecuários e do entorno das cidades médias e pequenas, lida com a natureza. O que vimos na região metropolitana de Belém se reproduz aqui dentro da mesma lógica dos absurdos e de estranhos mecanismos com os quais o mundo dos negócios se articula.

A inevitável constatação é que essas atividades "têm um elevadíssimo grau de antagonismo, dado que competem pelos mesmos recursos físicos, humanos e sociais, onde a dimensão mais visível dele é representada pelos conflitos fundiários", como assegura em um de seus textos o pesquisador Francisco de Assis Costa, doutor em Economia pela Universidade Livre de Berlim e hoje, diretor de Estudos e Políticas Regionais Urbanas e Ambientais do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas). Conflitos esses que assumem outras feições e proporções quando, na visão de Collyer, se observa o trem da Vale despejando na Serra do Piriá, bem próximo do imenso Complexo de Carajás, entre 30 e 40 mil garimpeiros nômades, 70% deles de origem maranhense. Quando se registra ao longos das rodovias PA-150 (Redenção-Eldorado dos Carajás), PA-279 (São Felix do Xingu-Xinguara) e PA-287 (Conceição do Araguaia-Redenção) grupos intermináveis de acampados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), milhares deles empurrados cada vez mais para o meio da mata, eles próprios tornados agentes de boa parte das queimadas na região, enquanto outros, no esforço de arregimentação entre os deserdados das minas e de mobilização dos desiludidos que aguardam assentamento, percorrem essas estradas em motocicletas no afã de lutar pelo direito moral de fazer prevalecer a vida em detrimento da lei e se tornarem assim, eles também, protagonistas de uma violência só explicável à luz de uma quase selvageria social e ambiental.

Assim se testemunha com indiferença e descaso, por exemplo, a característica poluição urbana alcançando as margens dos rios e as portas da floresta. Assim se assiste com naturalidade e festa o estouro de fogos de artifício em cavernas habitadas por morcegos brancos, descobertos em 2001, sobre os quais pouco ou nada se sabe e que, como contam, voam para a África e ainda não se descobriu quando e como voltam para procriar. Portanto não é à toa que essa região é, desde a década de 70, conhecida por seus delírios políticos, por projetos hidrelétricos grandiosos - como Tucuruí no passado e Belo Monte no presente - que alguns condenam tola e irresponsavelmente -, por outros monumentais como o são quase todos os empreendimentos aqui, pelo real e fantástico de suas histórias e por questões fundiárias explosivas, como Eldorado dos Carajás, ou seja, por um palco conflagrado por centenas de conflitos entre sem-terras, posseiros, pequenos agricultores, aventureiros, ONGs, comerciantes, índios, garimpeiros e grandes donos de terras.

De Pinto da Silva, ainda no "campus" da UFPa, ouvi então o que só dias depois em Marahú, me confirmaria Collyer. Definitivamente, embora façam parte dessa tragédia de incontáveis e diversificados atores, não são os grandes projetos minerais, os maiores responsáveis pelo envilecimento das margens dos rios e rodovias e pela pilhagem e devastação desordenada da floresta. Poder-se-ia até mesmo, como um ingrediente suplementar, sugerido por Assis Costa, acrescentar-se o fato da estratégia de longo prazo desenhada pelo governo federal, principalmente a partir dos anos Lula, primordialmente contemplar a "inclusão social e a desconcentração de renda, crescimento do produto e do emprego, dentro de um ambiente sustentável". Funcionaria como um "redutor das desigualdades regionais, dinamizado pelo mercado de consumo de massa, por investimento e pela elevação da produtividade, pela redução da vulnerabilidade externa através da expansão de atividades competitivas, tudo isso, para viabilizar esse crescimento sustentado" e assim apostar que, ao lado das grandes mineradoras, para as quais está destinado um papel de destaque na superação dos "desafios nada triviais, que certamente configurarão dilemas de grande envergadura", o governo possa, sem dúvida, vir a encontrar soluções econômicas voltadas para a desconcentração da renda (objetivo primeiro), ainda que lhe seja exigido, primeiro, em nome da tal governabilidade, uma sofisticada conciliação com os parâmetros do mercado financeiro e, segundo, em nome da coerência estratégica, um projeto político transformador, harmonizado com os parâmetros da sustentabilidade ecológica.

Foi mais ou menos nesse clima de contrastes e de otimismos que nossa conversa prosseguiu ao longo da manhã e quando Assis de Abreu lembrou que o mundo deve muito à Amazônia não pensou duas vezes ao reproduzir-me o resultado de um estudo feito pelo Ministério do Meio-Ambiente no qual se especulava que a dívida mundial para com a manutenção da floresta oscilava em torno de três mil dólares por ano por cada árvore de grande porte mantida em pé.
- Moleza, concluiu, só nos últimos vinte anos, mais de sessenta satélites foram lançados ao espaço, todos capazes de vigiar a Amazônia. E mais: o Sistema de Proteção da Amazônia, braço civil do Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia), utiliza esses equipamentos em órbita, aviões e cerca de 800 estações terrestres, tudo para monitorar a região. Ora, isso não saiu barato, mais de 1,5 bilhões de dólares já foram gastos. Sem contar com os milhões de reais empregados na modernização de centros científicos, como o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), ambos dotados de uma estrutura técnica e operacional capazes de analisar com perfeição boa parte dos dados relativos à floresta.

Mais do que nunca, "depende de nós...”, pois junto com essa modernização toda, um paradoxo: nunca se pôde ver tão de perto a destruição e jamais foi possível medi-la com tanta precisão. Todavia, não é uma equação simples assim. Diferentemente do que se possa imaginar, boa parte do processo de destruição da floresta ainda é invisível para os equipamentos que a monitoram. Hoje, com menos de 80% do seu tamanho original, não são poucas as artimanhas a que recorrem tanto o posseiro que, à procura de espécimes comerciáveis, percorre aquela rede imensa de vias clandestinas ocultas pela mata, como já foi dito, hoje estimada em cerca de 100 mil quilômetros em toda a Amazônia, segundo estudos do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia, quanto o pecuarista que por um ano mantém suas reses sob a capa da floresta, ao final desse prazo queima o capim cujas raízes não são atingidas pelo fogo que revigora o pasto e serve também para destruir, com o calor, as árvores médias. O gado volta. Fica mais um ano. Só na segunda queimada a destruição aparece para os sistemas de monitoramento. É o estouro da boiada sobre a mata, toda de uma vez. Sucesso no céu, fracasso no chão. As ações de fiscalização e os investimentos na repressão a crimes ambientais estão longe de acompanhar a tecnologia que enxerga detalhes no meio da floresta. Os espertos pecuaristas que utilizam esse processo agem em mais de uma área, mantendo cada uma em um estágio diferente. Seus bois nunca estão nos locais descobertos pela fiscalização – sempre tarde demais.


Próxima parte - 3/6 de "Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas".
CHUVA E ÁGUAS ÁCIDAS EM TERRAS MOLHADAS

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas - parte 1/6

 "DEPENDE DE NÓS, SE ESSE MUNDO AINDA TEM JEITO"


Antonio Fernando Araujo

- Estamos léguas de distância das minas de bauxita, láááá do Trombetas..., idem, idem da província mineral da serra dos Carajás, dos garimpeiros do Tocantins, Xingu e Tapajós que infestam com mercúrio esses rios, das siderúrgicas de ferro-gusa de Marabá, mas a apenas 15 quilômetros da nuvem de poeira mineral que, depois de flutuar sobre o porto de Vila do Conde, põe-se em movimento entre lufadas de pó que um pé-de-vento qualquer costuma mandar e depois segue ao encontro da cidade de Barcarena, berço da Cabanagem no século XIX e por onde escoa boa parte do caulim, da alumina e do alumínio, industrializados ou simplesmente beneficiados no município, disse-me entre sorridente e melancólico o professor Taylor Collyer.

Marahú é uma praia de águas doces, 70km de Belém do Pará, encravada na ilha do Mosqueiro, mais ou menos na beirada sul da baía do Marajó. Foi nesse recanto varrido por ventos que sopram desde o Atlântico que nos encontramos. Com o eterno meio sorriso nos lábios e uma paciência de camelo, o doutor Collyer procurou desenhar-me o contorno de quem seria o responsável pelo maior abalo traumático da história da Amazônia, a exploração de suas riquezas minerais.
- Mas isso, prosseguiu, parece estar bem longe das preocupações do paraense médio, do belenense em especial. Constatei isso dias depois. Fica-se com a impressão de que, o que essa atividade carrega de tragédia não passa de um drama distante que homens e máquinas, caminhões imensos, carvoeiros, comerciantes e agricultores nativos, leva de garimpeiros e escavadeiras gigantescas encenam em alguma cratera de Marte. Hoje em dia, a discreta discussão política feita por aqui gira em torno da possível divisão do Estado em mais duas unidades, Tapajós e Carajás. Ainda que, ao longo das décadas, esteja evidente que a elite paraense já tenha demonstrado ser incapaz de atentar para as paragens mais remotas de uma unidade administrativa com tamanho equivalente ao da Colômbia, embora com apenas um sexto da sua população, a maioria aqui, aparentemente demonstra estar convencida de que o eleitorado paraense não aprovará o retalhamento do seu Estado atual.

Em 2005, o professor Maurílio de Abreu Monteiro, do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia (NAEA) escreveu que "quando chega ao fim a exploração industrial de algumas minas na Amazônia oriental brasileira, como a de manganês da Serra do Navio e de outras, menos expressivas, a exemplo das de ouro, também situadas no Amapá, torna-se ainda mais necessário examinar a história da mínero-metalurgia na região, refletindo acerca da relação entre tal atividade e o desenvolvimento regional." Sua preocupação maior era porque "os processos de extração e beneficiamento de minerais acalentaram, em amplos e diversos segmentos sociais, expectativas de rápida industrialização regional."

Esse discurso do progresso para a região é o mesmo que, hoje, acalenta os que defendem a criação do estado de Carajás, ao sul do Pará. Uma região absolutamente controlada pelos interesses econômicos da Vale, cujo braço político se ancora no clã Sarney e cujos membros, com o passar dos anos, tornaram-se ali proprietários de vastas porções de terra voltadas para a agropecuária extensiva, uma delas maior que a soma de todas as áreas hoje ocupadas pelas 15 maiores províncias minerais do Pará. E se alguém ainda imagina que, com a criação do estado de Carajás o esperado progresso para a população haverá de vir pelas mãos desse clã ou mesmo de empresários e políticos visceralmente associados a ele, basta dar uma espiada no vizinho Maranhão, há décadas dominado politicamente por esse clã e tornado um dos estados mais pobres do Brasil, com a segunda pior expectativa de vida, o maior déficit habitacional do país, o segundo maior índice de mortalidade infantil e se assombrar diante do estado de penúria e abandono em que vivem quase sete milhões dos brasileiros que hoje ostentam o segundo pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre todos os Estado do país, à frente apenas de Alagoas.

Não muito longe de Marahú, do outro lado da cidade, encontram-se as instalações do "campus" da Universidade Federal do Pará (UFPa), estendendo-se pelas margens do rio Guamá que banha todo o sul de Belém. Há pelo menos 3,5 décadas é lá que se abriga o NAEA, uma experiência pioneira "cujos objetivos fundamentais são o ensino, em nível de pós-graduação, visando em particular, a identificação, descrição, análise, interpretação e solução dos problemas regionais amazônicos; a pesquisa, notadamente em assuntos de natureza sócio-econômica relacionados com a região; e a informação, através da coleta, elaboração, processamento e divulgação dos conhecimentos científicos e técnicos disponíveis sobre toda a região amazônica", escrito em seu ‘sítio’. Nosso encontro com outros dos mestres do NAEA foi marcado no Instituto de Geociências, mais exatamente na sua Biblioteca. Afixada na porta, pode-se ler a letra da canção de Ivan Lins e Vitor Martins, "Depende de Nós", e o trecho em que diz "depende de nós, se esse mundo ainda tem jeito, apesar do que o homem tem feito, se a vida sobreviverá", funcionou como se ela quisesse antecipar algumas das questões que logo mais vou debater com os professores João Batista Ribeiro, Evaldo Pinto da Silva, Francisco de Assis de Abreu e Estanislau Luczynski, todos eles doutores em suas respectivas áreas de atuação e conhecimento, graduados e pós-graduados aqui e no exterior.

Não houve uma entrevista formal, mas uma conversa descontraída onde prevaleceu a fala do Assis de Abreu que há anos dedica-se a estudar o impacto que as atividades de mineração vêm causando ao meio ambiente amazônico, em especial ao do Pará. Foi ele inclusive quem nos recomendou aquela ida à ilha do Mosqueiro e ir anotando, com a paciência de um monge, uma a uma e ao longo da estrada, as pegadas trágicas que o homem urbano vem deixando quando retira barro, areia e pedra dos vastos terrenos das margens da rodovia para empregá-los na construção civil da região metropolitana de Belém. Degradando ainda mais o já exaurido solo daquela que um dia foi a bucólica rodovia Belém-Mosqueiro, são eles que nos revelam mais uma faceta, talvez a mais desanimadora, da desordenada ocupação da terra em torno das médias e grandes cidades da Amazônia. E se isso vale para a metropolitana Belém-Mosqueiro o que pensar sobre a "colonização" das margens dos cerca de 100 mil quilômetros de estradas clandestinas que cortam a Amazônia e onde acontecem mais de 80% das queimadas?

O que fazer então perante esses cenários de terras degradadas de onde a capa florestal nunca deveria ter sido removida, desse panorama de florestas a serem preservadas, mas diante das quais se contrapõe o humano que precisa dela para assegurar sua sobrevivência, desse universo que não pode ser medido de riquezas de todos os tipos e que mexe com a cobiça, em suma desse mundo de águas, minérios, madeiras, flora e fauna em harmonia que se expressam na abundância de uma biodiversidade sem igual praticamente intacta preservando seus segredos? O que a civilização tem feito até os dias de hoje diante da exuberância dessa natureza ímpar nada mais tem sido do que subtrair dela parte dessa opulência, cuja prática recorre com frequência a variadas e pouco adequadas formas de um extrativismo que a vida dos séculos consagrou, mas que em muitos casos acabou por ferir de morte aquilo que ela tinha de mais fecundo, sua capacidade de regeneração.

Em 2009, na conferência da ONU sobre o clima, em Copenhague, o Brasil assumiu o compromisso de reduzir em 80%, até 2020, o desmatamento ilegal em toda a Amazônia. "Evitar desmatamentos e queimadas na Amazônia, como querem a comunidade internacional e a sociedade brasileira, dependerá do aproveitamento parcial dos 71 milhões de hectares já desmatados (dados de 2006), com atividades produtivas adequadas e que promovam a recuperação de áreas que não deveriam ter sido desmatadas, área maior que a somatória dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná", sugere-nos o pesquisador da Embrapa e doutor em Economia Rural, Alfredo Homma. Isso está muito além da simples ideia de criação de áreas extrativistas, pois implica em "tornar a agricultura local mais técnica, introduzindo novas tecnologias apropriadas, expandir a oferta de serviços de assistência técnica e de resultados tecnológicos, com vistas a atender com eficiência o produtor rural, promovendo investimentos em atividades lucrativas, que sejam competitivas e apresentem vantagens comparativas, reduzir os impactos ambientais e protegendo a biodiversidade. Esse conjunto de medidas criará condições para as pessoas permanecerem no mesmo local evitando que saiam em busca de novas áreas de floresta para derrubar ou que migrem em peso para as áreas urbanas", conclui Homma.

"Não há como brincar de Deus", disse-me Collyer, e "tentar recompor a floresta tal como ela era antes" é como se estivéssemos pregando uma ilusória volta ao passado, renegando um conjunto de problemas dramáticos do presente e esquecendo que um futuro promissor para esta região ainda terá, obrigatoriamente, que levar em conta que seus problemas não são independentes.

Como ex-Diretor de Mineração do Governo do Pará ele sabe do que está falando. Alguns daqueles problemas, por exemplo, só serão resolvidos com o combate à pobreza do Nordeste, que concentra 46% da população rural do País e de onde saem milhares de migrantes em busca de alternativa de sobrevivência. Outros, até mesmo, estão relacionados com a necessidade de mais reflorestamento no Sul e Sudeste, pois são eles que consomem 66% da madeira extraída da Amazônia. Na esfera tributária "outra possibilidade de articular a mínero-metalurgia com o desenvolvimento local é a de se ampliar, via tributação, 'lato sensu', a parte do valor criado pela mineração. A ampliação das alíquotas dos 'royalties', por exemplo, não comprometeria a competitividade internacional das 'commodities', uma vez que se encontram bem abaixo da média mundial. Poderiam ser recursos cuja destinação voltar-se-ia ao fortalecimento de processos de desenvolvimento fundamentados no estabelecimento de vantagens competitivas socialmente criadas e integradas ao uso sustentável da base natural da região" como assegura Monteiro.

Enfatizando esse ponto, em matéria publicada no Valor, Anderson Cabido, prefeito de Congonhas, cidade histórica de Minas Gerais, reforça essa posição e afirma ser injusta a alíquota dos 'royalties' do minério, equivalente a 2% sobre o lucro líquido das companhias mineradoras, enquanto a alíquota do 'royalty' do petróleo é de 10% sobre o faturamento bruto das petroleiras. Cabido, que também está à frente da Associação Nacional dos Municípios Mineradores (ANMM), oferece como exemplo dessa injustiça o fato da cidade de Macaé, no Estado do Rio de Janeiro, ter recebido R$ 1,1 bilhão em 'royalties' do petróleo em 2009, enquanto todos os municípios mineradores do país terem apurado juntos R$ 1,08 bilhão em royalties do minério. Apesar de usar a alíquota de 10% do petróleo como paradigma de um inevitável aumento dos royalties do minério, Cabido não pleiteia um tratamento igualitário para ambos os produtos minerais, petróleo e minério. A proposta dos prefeitos é de um aumento de 2% a 4% da receita bruta da mineração, e não de 2% para 10%, como seria coerente, segundo seu raciocínio comparativo entre petróleo e minério, informa-nos Luiz Begazo, na Revista Valor Econômico.



Próxima parte - 2/6 de "Um mundo de águas, minérios e nomes que parecem poemas".
NÃO SÃO SÓ ELES OS VILÕES

terça-feira, 29 de novembro de 2011

O mau cheiro do petróleo

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 Por Mauro Santayana*
 
Seria a hora de voltar novamente às ruas, como nelas estivemos há mais de meio século, e com a mesma palavra de ordem, a de que “o petróleo é nosso”. Todo o petróleo que a natureza nos destinou
 
O petróleo foi o mais importante parteiro da alucinada civilização contemporânea. A causa objetiva da Primeira Guerra Mundial já estava no controle das fontes mundiais de matérias-primas — como o petróleo — indispensáveis na corrida pela prosperidade e poder das nações.

Há maldições de que não podemos escapar: uma delas é a necessidade da corrida armamentista, a fim de garantir a incolumidade das nações. Essa competição alucinada depende de uma complexidade de operações econômicas e industriais interdependentes e, acima de tudo, do acelerado desenvolvimento tecnológico.

É preciso ter em conta que, para impedir o terrorismo bélico das nações mais poderosas de hoje, teremos que encontrar caminhos novos, que as contenham. Seus investimentos na indústria da guerra vão do aprimoramento de pistolas de combate à exploração do solo de Marte, sem falar nas atividades diplomáticas e atos criminosos clandestinos.

"Sem o petróleo, não haveria o desenvolvimento da medicina nem o aumento da expectativa de vida em países desenvolvidos"


Sem o petróleo, é fácil deduzir, não haveria bombas nucleares. Sem o petróleo, dirão outros, não haveria tampouco o desenvolvimento da medicina, e o notável aumento da expectativa de vida dos homens dos países desenvolvidos. Nem o crescimento da produção agrícola no mundo inteiro. Em suma, sem o óleo, fonte de numerosos derivados, também a química se arrastaria lentamente, e não com a extraordinária velocidade em que ela produz centenas de novas substâncias quase todos os dias.

Chegamos tarde à era do petróleo, e é constrangedor constatar que, para esse atraso, tenham contribuído muitos brasileiros. As oligarquias rurais, que dominavam o Império e a República, durante as primeiras décadas, temiam a industrialização autônoma do país, que reduziria sua força econômica e seu poder político.

Com esse perverso instinto de sobrevivência de classe, aceitavam o imperialismo britânico e sabotavam o esforço de industrialização nacional. Foi assim que chegaram a somar-se aos ingleses, no pleito que esses moveram contra Mauá — e ganharam, com a providencial ajuda do tribunal mais elevado do país no período de declínio do Segundo Reinado.

É necessário que se leia, com as devidas ressalvas, tendo em vista seu interesse pessoal no caso, o excelente ensaio de Monteiro Lobato sobre o petróleo. Ele mostra como já naquele tempo — no fim da República Velha e início do governo provisório de Vargas — os norte-americanos impediam o livre comércio dos brasileiros. Lobato conta que os soviéticos queriam trocar petróleo, que tinham em abundância, por café, cujo consumo queriam disseminar no Exército Vermelho, com o propósito de combater o alcoolismo — e o governo do paulista Washington Luiz não se dispôs ao negócio extremamente vantajoso.

O café que não trocamos pelo petróleo foi, em seguida, queimado, com a crise de 29, a fim de assegurar o preço internacional — medida que não trouxe qualquer efeito prático.

A crise, sendo capitalista, não impediria negócio de troca de mercadorias, sem o uso de moedas, como o que Moscou nos oferecia — e seria vantajoso para ambas as nações a fim de enfrentar as dificuldades dos anos 30. Quando ainda estávamos nessas indecisões, os argentinos já contavam com a YPF, empresa estatal, detentora do monopólio da exploração de seu petróleo, estabelecido no governo de Yrigoyen.

A campanha pelo petróleo foi um dos grandes momentos da história de nosso país, porque uniu, na mesma consciência de nação, altos oficiais das Forças Armadas, intelectuais, estudantes, sindicatos de trabalhadores, partidos políticos e até mesmo parlamentares conservadores. Foi um belo momento que os norte-americanos trataram de esvaziar, com a cumplicidade de seus agentes brasileiros, na primeira tentativa de golpe de Estado, que levou Vargas ao suicídio. É bom lembrar a coligação de quase todos os grandes meios de comunicação do país no combate sem tréguas ao presidente — o estadista brasileiro que melhor entendeu a necessidade de desenvolvimento econômico autônomo, como fundamento da soberania nacional.

O problema do petróleo retorna às preocupações brasileiras, com a descoberta das grandes jazidas situadas abaixo da camada de sal no litoral do país. Provavelmente a fim de criar a cizânia que favoreça as empresas estrangeiras, não satisfeitas com a legislação do governo neoliberal de 1995 a 2003, surgiu o problema da distribuição dos royalties. Para quem conhece a história política do mundo, trata-se de uma bem urdida manobra de diversão.

Enquanto se discute a participação dos estados produtores e não produtores na parcela que ficará com o Brasil, fatos mais graves são esquecidos. Como se sabe, a não ser que caia veto presidencial à emenda do senador Pedro Simon à lei do pré-sal, que impede a devolução dos royalties a serem pagos pelas empresas exploradoras, é um roubo contra os brasileiros. Como já é comum, assessores parlamentares e deputados amaciados pelos argumentos conhecidos dos lobistas, conseguiram o inimaginável: determinar que seja devolvido às empresas o valor dos royalties em petróleo. Trocando em miúdos: não pagarão coisa alguma — a União, isto é, o povo, é que pagará. Trata-se de entregar com uma mão e receber de volta com a outra.

Há mais: a tática é a de ganhar tempo a fim de aumentar a brecha já existente, desde a emenda que acabou com o monopólio da atividade pela Petrobras, e se conceda a licitação de áreas do pré-sal a empresas estrangeiras, em lugar de assegurá-las à empresa nacional, que deveria ser apenas estatal.

"Se no Ministério de Minas e Energia estivessem Leonel Brizola ou Itamar Franco, Moshiri seria convidado a sair do gabinete"

O episódio da Chevron vai além da desídia técnica, que ocasionou o vazamento no Campo de Frade. Mais grave ainda do que o acidente, foi a arrogância com que o dirigente mundial da empresa, Ali Moshiri, se dirigiu ao ministro Edison Lobão, ao reclamar que uma empresa do porte da Chevron não pode ser tratada da maneira com que as autoridades brasileiras a estariam tratando. Só isso bastaria para que o Brasil exigisse o fim de suas atividades imediatamente em nosso país.

Se no Ministério de Minas e Energia estivessem homens como Leonel Brizola ou Itamar Franco, o senhor Moshiri seria convidado a sair do gabinete, no mesmo momento de seu desaforo, antes que as autoridades de imigração o instassem a deixar o Brasil, como persona non grata. Aconselhamos os leitores a acompanharem os fatos pelo blog do deputado Brizola Neto, o Tijolaço.

Quando assistimos à insolência dos dirigentes da empresa petrolífera texana, constatamos como foi criminosa a política entreguista do governo dos tucanos de São Paulo. Já não basta às multinacionais do petróleo obter os lucros que obtêm em nosso país, nem causar os danos que causaram. Querem, além disso, tratar os brasileiros como um povo colonizado e de joelhos.

Seria a hora de voltar novamente às ruas, como nelas estivemos há mais de meio século, e com a mesma palavra de ordem, a de que “o petróleo é nosso”. Todo o petróleo que a natureza nos destinou.
 
 
Publicado  originalmente  no Jornal do Brasil 
Extraído da Agência Petroleira de Notícias 

Crônica do desastre anunciado



por Luciano Martins Costa*
1610 Crônica do desastre anunciadoComeçou nessa segunda-feira, dia 28, em Durban, na África do Sul, a 17a. Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas, considerado um ensaio geral para a conferência Rio+20, marcada para o ano que vem no Rio de Janeiro.
O clima é de absoluto pessimismo, não apenas porque todas as energias e recursos financeiros estão bloqueados pela crise econômica que afeta os países ricos, mas também porque, no resto do mundo, salvo algumas ilhas de tranquilidade, emergências sociais deixam em segundo plano a urgência ambiental.
Considerando-se que as mudanças climáticas têm potencial para colocar sob risco a própria sobrevivência da sociedade humana como a conhecemos, está colocada uma questão filosófica instigante para quem ainda tem estômago para tais reflexões.
A possibilidade do fracasso é admitida abertamente por alguns dos mais destacados participantes da COP-17.
Em entrevista publicada com destaque nos jornais dessa segunda-feira, o embaixador André Corrêa do Lago, diretor do Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty e principal negociador brasileiro no encontro de Durban, afirma não ter dúvidas de que a crise econômica tem um efeito muito grande porque “com ela a preocupação com o futuro do planeta diminui”.
Esse o centro da contradição que se coloca: se a emergência de uma crise financeira coloca em risco o futuro do planeta, de que servem as preocupações de curto prazo com a questão econômica?
A entrevista alinha algumas queixas dos países desenvolvidos, que exigem o compartilhamento das medidas contra os efeitos das mudanças climáticas com os países em desenvolvimento.
Em dificuldades econômicas desde 2008, os Estados Unidos e a Europa não aceitam mais ter que arcar com a maior parte das responsabilidades pelo bem-estar da humanidade, na visão de seus líderes.
Alguns emergentes, como o Brasil, aceitam assumir um papel mais relevante, por exemplo, ampliando e até mesmo antecipando algumas das metas de redução do desmatamento.
Mas relutam em transformar essas metas voluntárias em compromissos obrigatórios.
Além disso, outros países, como o Canadá, a Rússia, o Japão e a Austrália, anunciam que não pretendem assinar o compromisso de continuidade do Protocolo de Kyoto.
Se houver essa defecção, a conferência Rio+20 nasce enfraquecida e praticamente perde o sentido.
A democracia em perigo
O que representaria um fracasso absoluto da COP-17, se a Europa não encontrar rapidamente uma saída para a crise e a economia dos Estados Unidos não consolidar sua recuperação até o final de 2012?
Não há mente humana capaz de calcular as perdas para a humanidade com a combinação entre uma recessão prolongada e o agravamento das emissões de gases que provocam as mudanças climáticas, justamente na década crucial para evitar o desastre ambiental previsto pelos cientistas que acompanham a evolução do aquecimento global.
Mas alguns elementos que circulam em boletins de instituições de pesquisa e nas redes de observadores sociais ao redor do mundo permitem antever um cenário catastrófico, com graves riscos para a democracia e mesmo para o processo civilizatório.
Um relatório divulgado na semana passada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente – Pnuma – informa que a atmosfera da Terra terá em 2020, na hipótese mais otimista, 6 bilhões de toneladas de carbono acima da meta anunciada para evitar um aquecimento maior do que 2o.C neste século.
Conforme lembram os jornais, a única possibilidade de reduzir esse índice de emissões seria criada se todos os países cumprissem, nos limites mais ambiciosos, as metas que foram anunciadas no encerramento da Cúpula de Copenhague, em dezembro de 2009.
Infelizmente, essa não é a realidade.
Os países em desenvolvimento estão empenhados em consolidar suas chances de crescimento, e nem sempre suas estratégias contemplam as decisões mais corretas em termos de sustentabilidade.
Os países desenvolvidos, mergulhados em grave crise econômica, são reféns do sistema financeiro e se encontram diante do desafio de impor à suas sociedades enormes perdas em termos de bem-estar –  e os investimentos na redução das emissões de gases nocivos podem ficar em segundo plano.
Por outro lado, a humanidade não produziu líderes qualificados para articular uma reflexão sobre os riscos de escolhas erradas neste momento crucial.
E a imprensa, perdida entre os fragmentos da crise econômica, não se mostra capaz de ao menos expor o dilema que a humanidade precisa solucionar.

*publicado originalmernte no Observatório da Imprensa.
Fonte: Extraído do site Envolverde