Por Laerte Braga
Na opinião de um arcebispo católico o “feminismo” só se justifica se as mulheres “tomarem a vida como filhas de Maria”. Não é o que pensa a “sister” Fernanda. Atendendo a um apelo da família resolveu soltar-se no programa BBB. Dançou de forma sensual. A, outra, ex-PM fez um strip tease e ficou só com a parte inferior do biquíni.
A família democrática, cristã e ocidental vota, mais de 60 milhões de ligações, para os telefones da arena contemporânea. Eliminar esse ou aquele no programa. Um frenesi “revolucionário”.
"Lembre do seu sonho e se doe a essa oportunidade: você conseguiu isso na melhor época da sua vida --solteira e começando sua profissão. Esquece o mundo aqui fora. Viva intensamente essa oportunidade surreal e não se esqueça que você é solteira e mostre o diabinho que tem dentro de você”. É um trecho da carta da irmã da “sister” interpretando o desejo e a vontade da família.
No final ao invés de uma cenoura, um milhão e meio de reais. A moça considerou a carta como uma “dica explícita”. Não só dançou, como bebeu e sem ser fumante, roubou um cigarro de um “brother” e deu umas tragadas.
É dentista, não deve conhecer aquele creme dental que protege você doze horas por dia, contra doze problemas bucais. Breve vai estar na telinha estalando os dentes.
Herbert Viana em texto postado na internet – “pelo amor de Deus, eu não quero usar ninguém, nem falar do que não sei, nem procurar culpados, nem acusar ou apontar pessoas, mas ninguém está percebendo que toda essa busca insana pela estética ideal é muito menos lipo-as e muito mais piração. Uma coisa e saúde, outra é obsessão. O mundo pirou, enlouqueceu. Hoje Deus é a auto-imagem. Religião é dieta, fé só na estética, ritual é malhação”.
Inquirido, isso mesmo, inquirido sobre as mulheres às véspera do Dia Internacional da Mulher, um deputado de sobrenome Andrada (os Andradas mamam em tetas públicas desde os tempos da loba que amamentou Rômulo e Remo) disse o óbvio do absoluto vácuo cerebral –“conquistaram seu espaço sem perder a graça e a beleza femininas de mãe”.
Celso Furtado considerou a revolução feminista a mais importante do século XX. O notável brasileiro tinha formação marxista e considerava a caminhada das mulheres de maior importância que a revolução de 1917.
Ao longo dos séculos a mulher foi propriedade privada do homem. Essa caminhada foi deixando corpos e almas estendidos por esses mesmos séculos passados, num processo de lutas que certamente não pretendia e nem pretende terminar na dança sensual de uma “sister” aconselhada a liberar-se tendo em vista a cenoura no final da vara.
Existem milhões de trabalhadoras anônimas que sustentam os pilares da família cristã, democrática e ocidental, não aparecem na televisão e nem fazem danças sensuais, sequer imaginam o que seja uma lipo, sujeitam-se a privações de toda a sorte e emergem triunfantes na extraordinária capacidade do ser humano de amar a si no reconhecer o outro.
E empunham bandeiras por reforma agrária, como empunharam pelo direito do voto. Ou terminaram em fogueiras cristãs por conta de “bruxarias”. João o Inglês. Penso que o feminino de papa, papisa, existe só por conta de Joana ou Gilberta. Disfarçada de monge, por conta de sua inteligência e seus notáveis conhecimentos, sucedeu a Leão IV com o nome de João VII.
Teria morrido apedrejada em meio a uma procissão quando dava a luz a um filho gerado por outro monge. Fora fácil disfarçar a gravidez, mas impossível evitar o parto. Os cardeais gritavam “milagre, milagre”.
O arcebispo sugere que a vida seja tomada como Maria a tomou. A papisa foi apedrejada até a morte por ter “profanado o trono de São Pedro”.
Não se trata, necessariamente, da Igreja Católica, mas do que Foucauld chama de “desatino”, no que desatino representa em seu todo, historicamente, a contestação à ordem instituída.
Na exclusão. Na ordem natural dos registros não existe a papisa. Na “foto” desses arquivos ela foi apagada.
O dilema da “revolução feminista”, para usar a expressão de Celso Furtado, está exatamente na capacidade da mulher perceber que todo esse processo não pode ser, mas está sendo, apropriado pela ordem dominante dos nossos dias.
A “revolução” busca transformar seres em objetos. Um retrocesso cruel e perverso que leva ao nada. Homens e mulheres.
Uma nova Idade Média. Os shoppings e seus imensos fossos de neon e brilhos.
Ao longo da ditadura militar tombaram várias mulheres guerreiras. Capazes de indignarem-se com a bestialidade do regime. Empunharam metralhadoras como enfrentaram fogueiras em tempos passados. Ou marcharam pelo voto.
Há dias atrás Anita Leocádio Prestes, filha de Luís Carlos Prestes e Olga Benário, recusou os favores da ordem dita democrática. Pensões, indenizações, compensações.
Permaneceu íntegra e Maria em sua essência. Não aquela forjada pelos cardeais trezentos anos depois do Cristo. E desejada pelo arcebispo nos dias de hoje. Não cruza a fronteira da liberdade para ingressar nos shoppings. E tampouco veste o hábito da hipocrisia.
Nem se estende em danças sensuais numa prostituição travestida de liberdade, escondendo o real objeto. “Cacau dá água na boca”.
Nem vou falar de Maria Madalena.
São muitas “marias”.
Irmãos e irmãs, mas companheiros e companheiras numa luta que não terminou. Não tem só a cor da “revolução feminista”.
Tem todos os matizes do ser humano na busca de um outro mundo possível, onde a “ração seja exposta ao sol e dividida”.
É uma luta que permanece e não inclui, por exemplo, Hilary Clinton. Mas mulheres palestinas vítimas da boçalidade sionista. Ou mulheres muçulmanas castradas em sua essência, no que o Profeta não disse.
E mulheres objetos no capitalismo devasso dos que jogam água suja em “vadias”, de suas janelas limpas e cristalinas da verdade vaticana vendida em qualquer loja de conveniência ou numa mesa de um centro cirúrgico de lipos. A sede é em Wall Street.
E nem é uma luta solitária. É de mulheres e homens, no mesmo passo.
É pela vida, pelo ser humano. E antes que a “revolução” seja tragada pelas elites políticas e econômicas e vire uma Kátia de Abreu da vida.
É fundamental que seja Doroty Stang.
Toda a violência contra a mulher, contra qualquer ser, tem a sua raiz no “atino” dos que constroem monstruosos “hospitais/shoppings” para os “desatinados” se atinarem.
É a hora e a vez dos desatinos.
Uma outra etapa do processo. Aí sim, será uma revolução total.
A mulher cubana, a mulher vietnamita, a mulher afegã, a mulher camponesa. A mulher operária. A mulher DASPU.
Continuam a ser apedrejadas por profanarem o trono de Wall Street.
Torna-se necessário o retomar a revolução e caminhar desatinadas/os nas cidades imersas no grito silenciado do progresso transformado em alienação/exclusão nas telas/telinhas/páginas do desodorante que não exige máscaras para que os banheiros sejam limpos.
Que banheiros? Os que eles sempre sujaram.
O Dia Internacional da Mulher é de reflexão. De todo o ser humano. Há que ser a “volta dos mortos vivos” (para lembrar o extraordinário e centenário Roberto Menezes).
Eles continuam a nos impingir os bezerros de ouro. A homens e a mulheres.