quinta-feira, 18 de março de 2010

O futuro da mídia progressista nos Estados Unidos

Um novo livro destaca como a mídia progressista e independente chegou
a ter a maior influência de sua história nos Estados Unidos. Essa
mídia já alcança um público de milhões de pessoas todos os dias e está
decididamente mais influente do que nunca. Antigamente seria
considerado um grande sucesso se uma revista progressista obtivesse
mais de 200 mil assinantes por mês. Mas hoje há dúzias ou mais de
blogs, revistas e sites de notícias online, nos EUA, que têm mais de 1
milhão de leitores únicos por mês. O artigo é de Don Hazen.

Don Hazen - AlterNet

Enquanto o establishment jornalístico, e mesmo progressistas, como Bob
McChesney e John Nichols lutam pelo que resta do declínio dos anúncios
dirigidos ao jornalismo corporativo, os ativistas e jornalistas Tracy
Van Slike e Jessica Clark escolheram contar uma história diferente,
mais positiva, sobre o futuro da mídia nos EUA.

No seu livro "Além da Câmara de Eco: reformulando a Política através
das redes de mídia progressista" [Beyond the Echo Chamber: Reshaping
Politics Throug Networked Progressive Media] (New Press), os autores
nos levam a uma jornada pela relativamente recente (dos últimos 8 anos
para cá) surgimento da mídia progressista e independente. A conclusão
a que chegam é inegável: sob qualquer ponto de vista, o que conhecemos
por mídia progressista e netroots, alcança um público muito maior –
milhões de pessoas todos os dias - e está decididamente mais influente
do que nunca.

Antigamente seria considerado um grande sucesso se uma revista
progressista obtivesse mais de 200 mil assinantes por mês. Mas hoje há
dúzias ou mais de blogs, revistas e sites de notícias online que têm
mais de 1 milhão de leitores únicos por mês. A recém formada rede Ad
Progress www.adprogress.com, fundada por AlterNet [www.alternet.org],
The Nation [www.thenation.com] e Mother Jones [www.motherjones.com], a
qual se juntaram American Prospect [www.prospect.org], The New
Republic[www.tnr.com] e outros têm mais de um milhão de leitores. E, a
propósito, a mídia progressista não está em crise, principalmente
porque não depende de uma única fonte de receita – os anúncios -, como
acontece à mídia corporativa; em vez disso, é frequentemente
financiada por uma mistura de subvenções, doações de leitores, vendas
de anúncios e lista de parceiros do vasto setor do ativismo não
lucrativo.

Lideradas por fazedores de mídia criativa agressiva, como Robert
Greenwald, da Brave New Films, Markos Moulitsas do The Daily Kos, Jane
Hamsher do FireDogLake, John Byrne da Raw Story e Mark Karlin da
BuzzFlash, a nova mídia progressista usa uma série de estratégias e
táticas muitíssimo mais agressivas e orientadas para o ativismo do que
o pequeno universo das revistas impressas que dominaram a mídia
progressista por longo período (Heck, a Revista da The Nation, tem 145
anos).

Mas, antes que o establishment da mídia progressista se tornasse tão
convencido do seu papel, há ainda fraquezas maiores e nuvens negras no
horizonte. Clark e Van Slyke não se esquivam dos obstáculos, dedicando
a melhor metade do livro a analisar os desafios do futuro com
histórias de sucesso e promovendo modelos de redes sociais e
colaboração que eles acham que podem fortalecer a influência recém
desoberta da mídia progressista.

O que é mídia progressista?
A mídia progressista é feita por um vasto conjunto de entidades de
todos os tamanhos e formatos. Mas, com larga vantagem, sua maior
audiência é online.

A mídia progressista é ideologicamente diversa, indo do liberal ao
radical. Grosso modo, as milhares de pessoas que fazem mídia
progressista acreditam em tornar o mundo um lugar melhor através dos
seus esforços midiáticos. Elas estão lutando por uma sociedade mais
igualitária e justa, pela democratização da informação, pela
transparência no exercício do poder público e pela defesa de questões
sociais, cobrando responsabilidades e prestações de contas aos
responsáveis (para falar de alguns dos valores que os progressistas
cultivam). Muitas das entidades de mídia progressista praticam o
jornalismo de opinião e a reportagem investigativa, enquanto outras
estão muito mais voltadas para a agitação e propaganda altamente bem
sucedidas, organizando táticas para chamar a atenção para questões e
causas.

E o termo progressista é um balaio de gatos. Há muitas diferenças
entre esses grupos, na filosofia, no tipo de jornalismo praticado, na
orientação ideológica e na estrutura de negócios. Algumas dessas
diferenças podem não ser tão significantes para um não-iniciado, mas
dentre os praticantes dessas mídias há alguns que merecem ser
anotados. Por exemplo, há um abismo entre o imensamente visitado
Huffington Post [www.huffingtonpost.com] e entidades menores, com foco
mais restrito, como o Grit TV www.grittv.org de Laura Flander, ou o
ColorLines Magazine[www.colorlines.com], ou ainda a reunião de alguns
em portais de mídia progressista, como Mother Jones Magazine, The
Nation e o influente programa de rádio e tevê de Amy Goodman,
Democracy Now![www.democracynow.org]. O Huffington Post, que tem dez
vezes mais visitação que os restantes (com exceção do Salon.com) está
na liderança das mídias com visão progressista, desfrutando de uma
equipe de qualidade escrevendo, e da voz influente de sua fundadora,
Arianna Huffington.

A genialidade do Huffington Post é que, virtualmente, todo
comentarista liberal progressista com algo a dizer ou uma idéia a
comunicar sente que precisa “blogar” no “Huff Po”, embora muita gente
termine levando seus textos para o site, fazendo com que muito
conteúdo fique disperso e seja perdido. Ainda, o Huffington Post é a
carteira de uma grande quantidade notícias sobre celebridades, fofocas
e coberturas desse tipo, como as infames votações em que leitores
podem escolher o “mais engraçado de Hollywood” ou o melhor decote na
entrega do prêmio Globo de Ouro. Não surpreendentemente, essas coisas
são sempre muito populares.

Embora a influência da mídia progressista seja crescente e a sua
audiência, maior do que nunca (eles chegam até a terem representação
na TV corporativa, como é o caso de Rachel Maddow, Keith Olbermann e
Ed Schulz), a defesa justificável em Beyond the Echo Chambers não é
toda a história. O fechamento recente da rádio Air America nos lembra
que nem tudo vai bem no universo da mídia progressista. De fato, há
vários problemas fundamentais muito similares [nos veículos dessa
mídia], em termos de um futuro de longo prazo.

A primeira questão é a demografia. Embora haja algumas pequenas
organizações de mídia tocadas por pessoas negras, a imensa maioria das
organizações midiáticas com recursos tem audiência predominante de
pessoas brancas, bem-educadas, quase sempre com mais de 60% de homens,
com idades que abarcam a geração baby boomer [nascidos entre 1945-63].
Isso reflete a maioria da audiência que segue mais de perto as
notícias da mídia corporativa, e a mídia de direita conservadora. Esse
fato demográfico é o que se expressa na visitação de blogs, revistas
de opinião e em sites de notícias. As consequências são duplas.
Primeiro, a mídia progressista, a despeito de seus valores, reflete o
universo masculino branco. (Há exceções óbvias de lideranças de
audiência, como Katrina vanden Heuvel, na The Nation e o time
editorial feminino de Monika Bauerlein e Clara Jeffries no Mother
Jones, enquanto o Women's Media Center – Centro de Mídia da Mulher -,
sob a nova direção de Jehmu Greene trabalha para melhorar a situação
de um longo período de desequilíbrio quando se trata de articulistas
mulheres.

A esmagadora brancura não é um valor progressista; uma falta de
diversidade embaraça a mídia progressista há décadas, como nas
questões de classe, dado que a mídia progressista tem sido sempre o
lar de elites, em sua maioria altamente educadas. Clark e Van Slyke
enfrentam esse desafio no capítulo inteligentemente intitulado “Pale,
Male and Stale” (Pálido, Masculino e Batido). Focando sempre o lado
positivo das coisas, os autores citam o crescimento da vida online da
comunidade afro-americana, com alguns blogs populares. Então, há
campanhas altamente bem sucedidas da Color of Change
(http://colorofchange.org/) [Organização cujo slogan é mudando a cor
da democracia, em inglês]. No ano passado, a organização lançou uma
campanha contra a cobertura racista da Fox News, pressionando dezenas
de anunciantes a abandonarem o programa de Glenn Beck e o ranço
diabolicamente racista do demagogo favorito de Rupert Murdoch. E,
liderados por Roberto Lovato, um veterano da mídia progressista, a
www.presente.org instrumentalizou a pressão para que o programa do
anti-imigrante Lou Dobbs saísse do ar.

Essas conquistas dão uma dimensão da influência do setor progressista
e da sua estratégia sofisticada nas questões de raça. Mas elas também
sugerem que há uma mistura fundamental entre várias organizações e
táticas de mídia online, que borram as fronteiras entre o jornalismo e
o puro ativismo. Se essa mudança é o melhor para a evolução da mídia
progressista é um debate que eu deixo para depois, mas é claramente
verdade que os nossos maiores sucessos foram alcançados via esforços
que muitos não chamariam de jornalismo, ou mesmo mídia, mas uma nova
forma de organização que usa os dispositivos da mídia na internet.

Um segundo desafio é o financiamento. Embora a mídia progressista vá
melhor das pernas do que a mídia corporativa, porque não é dependente
de anúncios, ela nunca foi bem financiada por fundações ou indivíduos
ricos (embora a sobrevivência de veículos mais antigos da mídia
progressista dependam da lealdade e da estada no poder de alguns
doadores individuais-chave). E isso que a grande recessão só está
encolhendo as doações das fundações.

Um caso de grande sucesso em financiamento é a história do Media
Matters [www.mediamatters.org], que acompanha as transgressões da
mídia corporativa e de direita. Empreendimento importante na mídia
ecológica em geral, Media Matters beneficiou-se muito de doações de
parte da Democracy Alliance www.democracyalliance.org, um grupo de
doadores progressistas com muito dinheiro.

Mas, no maior financiamento pessoal recente de mídia independente, as
bilionárias Herb e Marion Sandler escolheram criar o ProPublica
http://www.propublica.org, com 10 milhões de dólares por ano, pondo um
ex-editor do Wall Street Journal ao custo de 550 mil dólares por ano.
Propublica tende a ser fóbico quanto a todas as coisas progressistas.

Propublica emprega alguns bons jornalistas e produz um trabalho de
qualidade. Mas a organização é constituída no antigo modelo de:
“produzir trabalho investigativo e, de alguma maneira, magicamente, o
problema descoberto será resolvido”. Falta-lhes investimento
substancial em marketing, promoção e organização na internet. Todos
esses elementos são essenciais para que se consiga uma mudança
política numa era dominada por milhares de lobistas e de relações
públicas propagandistas e centenas de milhões de dólares protegendo o
interesse de todo e qualquer interesse imaginável.

O terceiro desafio é provavelmente o mais fundamental. A despeito
desses sucessos recentes, a mídia progressista ainda não está pronta
para chegar aonde pode travar uma batalha real com a mídia de direita.
Muitos estão familiarizados com o poder da Fox e de Rupert Murdoch,
com a imensa audiência de Rush Limbaugh e dezenas de outros jogadores
de direita. E há muito mais direitosos online e nas revistas.

Os conservadores sempre investiram muito dinheiro na mídia e nas
comunicações, enquanto muito do dinheiro progressista se destina a uma
miríade de questões da preferência de doadores individuais. É como se
eles de alguma maneira contassem com a mídia establishment para
fustigar a mídia de direita. Bem, nós sabemos como isso tem
funcionado. Muitas questões liberais são recepcionadas por
conservadores, e negligenciadas por uma aparentemente super tímida
administração Obama.

Uma série de números ilustra o problema. Enquanto progressistas vibram
felizes com o sucesso da MSNBC e de Rachel Maddow, e cada vez mais
estejam grudados na tevê todas as noites, o domínio continuado da Fox
News, na tv a cabo é acachapante. Eis os números da audiência
comparados no dia 27 de janeiro, quando Obama falou à nação, de acordo
com o site TV by the Numbers: Bill O'Reilly marcou 4.067 000
espectadores, Glenn Beck alcançou 3.140 000 espectadores, e Sean
Hannity obteve 3. 636 000 espectadores – audiências gigantescas,
aproximadamente três vezes o tamanho de Keith Olbermann (1. 159 000
espectadores) e Rachel Maddow (883 000 espectadores). Clark e Van
Slyke tratam do problema no capítulo “Luta contra a Direita”,
destacando o sucesso da Brave New Films perturbando a Fox News. Mas,
como sabemos muito bem, a avassaladora mídia Murdoch continua a
bradar, chafurdando na lama.

O capítulo 8 do livro "Além da Câmara de Eco", intitulado “Assembléia
do Coro Progressista”, analisa as características do trabalho do
FireDogLake [www.firedoglake.com] e inclui elementos de uma entrevista
comigo, na qual tento descrever o pensamento por trás da AlterNet.org.

Se você quiser uma visão compreensiva de muitas mídias progressistas
bem sucedidas ao longo dos últimos 8 anos, por favor compre uma cópia
de Beyond the Echo Camber. Há desafios imensos pela frente, os quais
Van Slyke e Clark conhecem muito bem. Porém, os autores insistem que
há muito mais resultado em construir alternativas e, usando as novas
ferramentas online – Facebook, Twitter e muitas outras – os
progressistas podem se mover para um estágio de luta de longo prazo
por uma sociedade melhor.

Nota da Redação: A Media Consortium (www.themediaconsortium.org) é uma
rede de mídias alternativas que criaram uma espécie de associação, nos
moldes da recém criada Altercom, no Brasil, da qual Carta Maior faz
parte.

Tradução: Katarina Peixoto