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sábado, 5 de outubro de 2013

A Alemanha engana-se e engana a Europa

23/09/2013 - por Juan Torres López [*], no site Resistir.info 

Nos últimos meses foi atribuída grande importância às eleições alemãs de domingo 22/9, sendo consideradas precursoras de uma mudança de políticas na Europa mas creio que não as vão ter, pois parece-me que a situação política e económica não se alterará muito ali nem na Europa, seja qual for o resultado. 

Uma nova vitória dos conservadores não só não modificará a política de Merkel como inclusive é possível que leve a enfraquecer o impulso que o seu governo havia dado à economia nos últimos meses a fim de melhorar sua imagem diante do eleitorado e reforçar o seu fundamentalismo.


Cartoon de Fernão Campos
E não é possível esperar nem sequer alguma tímida reformulação do discurso europeu se não for endurecida com firmeza a posição de outros sócios da eurozona. 

Tão pouco mudariam muito as coisas com uma vitória social-democrata, pouco previsível, ou inclusive de Os Verdes.

Ainda que nos seus programas tentem sempre diferenciar-se dos democrata-cristãos e agora proponham o arranque de uma espécie de novos planos Marshall para reactivar as economias, se chegassem de novo a governar não se afastariam do que fez e tornará a fazer Angela Merkel. 

Será assim porque os partidos políticos governantes na Alemanha são materialmente escravos desde há muito da classe empresarial e financeira que é quem na verdade marca o passo da política naquele país.

Não se esqueça que foram os sociais-democratas que puseram em andamento as reformas reaccionárias que provocaram o grande incremento da desigualdade e a actual deterioração das classes trabalhadoras alemãs, e é bem sabido que suas posições sobre a Europa, o Euro ou a estratégia do Banco Central Europeu não diferem praticamente em nada das que são mantidas pela direita mais recalcitrante. 

Não haverá mudanças porque o que os grandes poderes económicos puseram na mesa aproveitando a crise económica e o que agora se ilustra na Alemanha e em toda a União Europeia não é outra coisa senão a mudança radical do modelo social, ou seja, uma alteração profunda do equilíbrio de forças sociais e, portanto, uma redefinição dos direitos económicos e inclusive políticos dos cidadãos. 

É um objectivo muito diferente das preferências maioritárias dos cidadãos, tal como demonstram todo tipo de inquéritos, e isso faz com que as instituições representativas onde possam reflectir-se tornam-se cada dia mais incómodas para os grandes poderes económicos.


É por isso que estes últimos vêm impulsionando por todos os meios ao seu alcance o desmantelamento da democracia em toda a Europa, como denunciou entre outros o grande filósofo alemão Jürgen Habermas [foto], pois só assim podem ser impostas as políticas que levam a essa mudança de modelo e que são tão contrárias às que desejam que se apliquem a imensa maioria da população. 

Não cabem, pois, grandes mudanças após a competição eleitoral na Alemanha. 

Os grupos de pressão tiveram muito cuidado em impedi-las, sobretudo generalizando um discurso político carregado de mentiras que pouco a pouco 
penetra toda a Europa, e particularmente na Alemanha, para ir conformando uma cidadania submissa e convencida de que o que os grandes grupos 
financeiros propõem em seu benefício é justamente o que mais interessa aos de baixo. 

As eleições gerais celebradas na Alemanha têm muito a ver com tudo isso porque são precisamente as grandes corporações e grupos financeiros desse 
país os que mais combativamente impulsionam essa mudança de modelo social e porque a população alemã foi especialmente bombardeada e convencida pelas mentiras e enganos em que foram envolvidas pela sua colocação em andamento. 

TEIA DE ENGANOS 

Se há europeus que estão a ser especialmente enganados são os alemães e se alguém engana os demais europeus são os dirigentes políticos e económicos alemães.

* Engana-se aos alemães ao fazer-lhes crer que é a Alemanha a que financia o resto da Europa, quando se verifica que suas grandes empresas e bancos foram desde há anos os grandes beneficiários de uma construção europeia e do Euro mal concebidos por ter sido feito à sua medida.

A Alemanha não é generosa, aproveita-se sim do seu imenso poder para tratar de submeter os demais, outra vez, num espaço económico que seus grandes grupos económicos consideram seu em toda a Europa. 

* São enganados quando se lhes faz acreditar que o desperdício e a irresponsabilidade dos cidadãos de outros países foram o que produziu a crise e os males que se sofrem, quando a verdade é que foram os bancos alemães aqueles que financiaram espontaneamente e sem medida as bolhas e os excessos que destroçaram as economias para engordar, durante anos, suas contas de resultados. 

* São enganados quando se lhes faz acreditar que são outros países que se aproveitam do esforço e dos rendimentos dos trabalhadores alemães quando na realidade são seus próprios grupos de poder económico e financeiro os que impuseram em seu favor políticas que criam desigualdade crescente e mais pobreza e o que colocaram fora da Alemanha o colossal excedente que obtiveram seus trabalhadores nos últimos anos. 

* Engana-se os alemães quando se lhes diz que seu modelo social é insustentável por culpa da Europa e do custo da solidariedade com outras nações, quando na realidade se há problemas de financiamento é pela cada vez menor contribuição dos proprietários de capitais alemães ao financiamento dos interesses colectivos e pela colocação dos excedentes que obtêm fora da Alemanha. 

São enganados quando se lhes diz que hão de trabalhar mais que os trabalhadores de qualquer outro país, quando as estatísticas mostram que apesar de serem mais produtivos nos sectores de vanguarda, pelo maior avanço das suas economias, trabalham menos, felizmente para eles, ainda que certamente com condições de trabalho e de rendimento cada vez piores. 

Engana-se os alemães e os dirigentes alemães estão a enganar os cidadãos europeus quando se lhes diz que as políticas de austeridade são a melhor forma de avançar e que além disso são necessárias pela dívida de outros países, quando a Alemanha a teve sempre mais elevada que muitos deles e quando é uma evidência clamorosa que estas políticas empobrecem toda a Europa e, por fim, os próprios trabalhadores alemães e quando só estão a servir para justificar a privatização e o desaparecimento de serviços públicos e direitos sociais. 

Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam toda a Europa quando se lhes diz que a dívida que há que reduzir deriva do excessivo de gasto público destinado ao bem estar social, quando na realidade decorre dos juros gigantescos que se pagam aos bancos privados ao impor um banco 
central na Europa que não o é e que só serve para apoiar e salvar os bancos privados. 

Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam os europeus normais e comuns quando se lhes diz que países como Grécia, Portugal ou Espanha exigem ajudas ou resgates multimilionários para levá-los em frente, quando na realidade esses resgates só servem para salvar os bancos alemães ou as grandes empresas que vivem de fazer investimentos imperiais no resto da Europa, em muitos casos promovendo e financiando todo tipo de práticas corruptas. 

Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam os europeus quando se lhes diz que há que rebaixar os salários para criar emprego e dessa forma só se consegue que aumente o lucro empresarial e a pobreza; ou que há que flexibilizar os mercados laborais, quando isso só se traduz em maior poder de negociação dos grandes empresários mas não em mais e sim em pior emprego; ou que há que reduzir a despesa pública quando são cada vez maiores suas aventuras e despesas militares ou as despesas financeiras que graciosamente se pagam aos bancos privados. 

Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam todos os cidadãos quando se apresentam como justos e eficientes reclamando estritas condições de pagamento aos agora devedores. Ocultando que países como a Grécia foram generosos com a Alemanha quando era esta quem tinha que pagar sua dívida.

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Não cabe esperar grandes mudanças destas eleições alemãs porque são celebradas em meio a um cinismo institucional gigantesco, no âmbito de um colossal roubo intelectual e político que não se pode combater no seio de instituições que deixaram de ser democráticas ou por governos que são marionetas dos grupos financeiros e grandes empresários. 

A estratégia da mentira triunfa, e desgraçadamente de forma muito particular na Alemanha, graças ao poder imenso que acumularam as classes mais ricas.

A riqueza dos 10% mais ricos da Alemanha, por exemplo, passou dos 45% do total em 1998 para 53% em 2008; as dos 40% seguintes dos 46% para 40% e a dos 50% mais pobres dos 4% para 1%. 

Isso é o que explica que apesar de 70% dos alemães afirmarem estarem conscientes e reprovarem a injustiça que implicam as actuais políticas 
económicas e laborais voltem a votar, na sua grande maioria, nos partidos que as executam. 

Na Alemanha, como nos demais países europeus, conseguiram converter cidadãos e cidadãs titulares de direitos nos "súbditos dóceis" dos quais dizia o grande Thomas Mann, em A Montanha Mágica, "que demonstram em todo escritório e em todos local de trabalho o respeito devido à autoridade". 


Quando os eleitores tiverem deixado de ser dóceis e ingénuos, como vêem sendo a maioria dos alemães e europeus em geral, e quando enfrentarem com decisão as autoridades corruptas e totalitárias que nos governam, as eleições começarão a ter outro significado e então sim abrirão caminho para verdadeiras mudanças políticas.

[*] Juan Torres López é catedrático no Departamento de Teoria Económica e Economia Política da Universidade de Sevilha. O original encontra-se no Público.es de 22/Setembro/2013 e em juantorreslopez.com/...

Este artigo traduzido encontra-se em http://resistir.info/ 

Fonte:
http://resistir.info/alemanha/lopez_23set13.html

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Novo 'papado' para o capitalismo

14/02/2013 - Capitalismo global busca um novo 'papado'
- Saul Leblon - Carta Maior

Passados cinco anos de implosão da ordem neoliberal, o sistema capitalista ainda não pode dizer: 'habemus papam'. 

Entre a austeridade imposta à Europa e a liquidez contracíclica dos EUA, seus cardeais ora parecem hesitar, ora ganhar tempo. 

Nesta 4ª feira (13/02), os dois lados da crise transatlântica convergiram para um meio fio que os elucida mais que todas as palavras e aparências. 

A ideia é criar um grande 'nafta' europeu/norte-americano, 'equivalente à metade da produção mundial' (leia a reportagem de nosso correspondente em Londres, Marcelo Justo).

Labirínticos acordos de eliminação recíproca de tarifas e outras formas dissimuladas de protecionismo (legislações sanitárias, por exemplo) terão que ser vencidos para o desfecho da crise redundar nessa imensa 'pátria grande dos livres mercados'.

A bandeira motivacional é defender ambas as margens do avanço implacável da concorrência chinesa.

Do ponto de vista social significa algo do tipo: façamos com o emprego, a indústria, a agricultura e os serviços aquilo que a concorrência oriental faria de qualquer jeito.

O relevante nesse aceno do consistório conservador é o fato de dobrar a aposta na mesma lógica que jogou a humanidade na pior crise desde os anos 30.

O papel reservado a governos e Estados no processo é o de sempre.

E estrito: desregular, desbastar, escalpelar direitos, abrir espaços, pavimentar as free ways para o livre fluxo dos capitais e negócios.

E seja o que Deus quiser.

O combustível da corrida é o apetite canibal dos capitais, aguçado pela dieta da crise. Fusões e aquisições pipocam diariamente nos quatro cantos do planeta.

O canibalismo é induzido pelas inovações tecnológicas assadas em fogo alto nos laboratórios das corporações, que tem escala e capital para isso.

De novo: 'e seja o que Deus quiser'.

Externalidades como o custo adicional em pobreza e desigualdade, ademais da soberania dos povos, ficam a cargo do poder de ajuste e convencimento dos respectivos centuriões locais.

Aécios Neves estão, como sempre estiveram, disponíveis nas mais remotas latitudes.

Sua caixa de ressonância midiática, idem.

Há poucos dias a banca europeia fechou a conta de seu desempenho em 2012: 55 mil demissões.

A pátria sem fronteiras dos acionistas aplaudiu.

Ajustes e aplausos equivalentes ocorrem em todas as áreas e nos diferentes pontos cardeais do planeta, mediante a exibição de números equivalentes.

A república dos dividendos gostaria que algo parecido acontecesse com a Petrobrás no Brasil. Cortes; redução drástica de conteúdo nacional nas encomendas; bombeamento maciço de óleo para exportação; zero de novas refinarias. E por aí afora.

Um feérico exercício de musculatura está em marcha urbi et orbi.

Dele emergirá o novo papado. A nova ordem pós-crise.

Não a dos cardeais europeus da fé ortodoxa; nem a dos discursos bonitos do cardeal Obama. Mas a das corporações globais embaladas em acirrada disputa pelo controle dos mercados no pós-crise.

O efeito em cadeia dessa recomposição de massa muscular é imaginável.

Contrapor-se à modelagem unilateral do futuro requer alguns ingredientes estratégicos.

Facilita muito dispor de um mercado interno de massa, assim como de uma base industrial capaz de competir por um naco do século 21.

Articulações regionais, como a do Mercosul e a da Unasul, idem.

Mas nada acontecerá sem um imperativo de desassombro político insubstituível: restituir algum nível de comando do Estado sobre a economia e o mercado.

A extensão dessa ordenação pública depende da equação política de cada sociedade. 

É o que o Brasil de Dilma, a Argentina, de Cristina, a Venezuela de Chávez e Maduro, a Bolívia e o Uruguai tentam implementar, de acordo com o acumulo de forças internas, caso a caso.

Não é fácil.

Estados egressos de décadas de desmonte neoliberal não foram suficientemente regenerados.

Mesmo por que não se trata simplesmente de reeditar o estatismo autoritário.

É preciso ir além.

E criar espaços de socialização do planejamento público, possibilidade concreta sinalizada pelas conferências setoriais, realizadas no governo Lula.

Na realidade concreta, porém, improvisa-se. 

Da mão para a boca; na tentativa de manter a cabeça fora d'água. E resgatar alguma capacidade de comando sobre o destino econômico e social.

Avanços e hesitações compõem a norma nessa corrida.

Um episódio resume todos os demais.

O governo Dilma acaba de redefinir a margem de retorno dos projetos de infraestrutura oferecidos à iniciativa privada.

O capital privado tem caixa e interesse em investir e o país necessita, visceralmente, desse investimento complexo de longo prazo.

O governo Dilma reajustou a taxa de retorno original considerada baixa pelo mercado. 

Não renunciou à prerrogativa de planejar o país e definir os projetos prioritários a serem implementadas, ademais de fixar o seu prazo, a qualidade e a taxa de retorno correspondente.

Mas cedeu um percentual maior na remuneração do investimento.

Poderia ter feito diferente? Poderia, em tese.

Por exemplo, ter confiscado o caixa ocioso das empresas com uma brutal taxação sobre a aplicação financeira.

Em teoria. 

Na prática, a equação política permitiu outra solução: previamente o espaço de fuga do capital ocioso foi comprimido cortando-se significativamente a taxa de juros que serviria de abrigo confortável e seguro à liquidez e ao curto prazo.

O saldo é quase o mesmo, a um custo futuro maior de tarifa pública; a fricção política, menor.

Ambas as escolhas refletem os ares do mundo.

Vive-se uma corrida contra o tempo.

O governo Dilma não escapa ao tique-taque implacável dos ponteiros.

Ou o país desencadeia um novo ciclo de investimentos pesado com algum grau de racionalidade pública - o maior possível; ou a lógica selvagem das grandes corporações acabará modelando o futuro brasileiro no pós-crise.

A esquizofrenia midiática que acusa Dilma ora de intervencionista, ora de privatizante 'à la FHC', abstrai as variáveis estratégicas em jogo.

Omite as implicações sociais distintas entre um desfecho e outro.

Na verdade, o papado de sua preferência é conhecido.

Abortado por Lula na primeira tentativa, quem sabe o país não pega o segundo bonde da 'nova grande nafta', preconizada pelos EUA e a UE como saída para a crise?

É esse o jogo de forças do consistório em marcha. 

Diante dele os países em desenvolvimento tem que articular a sua melhor resistência, no menor tempo possível.

Ou serão asfixiados pela fumaça que anunciar o 'habemus papam' do novo ciclo.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=6&post_id=1191

Não deixe de ler:

- O Banco do Vaticano é o principal acionista da maior indústria de armamentos do mundo, a Pietro Beretta (02/08/2012) 

- Banco do Vaticano é o principal acionista da maior indústria de armamentos do mundo, via Atrevete a pensar, texto publicado em 10/7/2012. Ver aqui em 14/02/2013, publicado no blog Limpinho & Cheiroso


Nota:

A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Depois de Leveson, a União Europeia


Na semana em que os jornalões e redes de TV nativos receberam com mau humor e agressividade a retomada de contatos entre a presidenta Dilma Rousseff e o ex-ministro da Secom Franklin Martins, organismos importantes criticaram a concentração da propriedade de mídias no Brasil e a principal rede de TV carregou nas tintas para explorar as centenas de mortes no interior gaúcho, este relatório da UE é mais um golpe duro contra os barões brasileiros. Como falar em "ameaça à democracia" para impedir o início de qualquer debate sobre regulação da mídia, após a divulgação do relatório do juiz britânico Brian Leveson e este, ainda mais completo, direto e construído sob o selo da União Europeia? O artigo é de Venício Lima.    

Por Venício A. de Lima*, no Observatório da Imprensa
Sob o ensurdecedor silêncio da grande mídia brasileira, foi divulgado em Bruxelas, na terça-feira (22/1), o relatório “Uma mídia livre e pluralista para sustentar a democracia europeia”, comissionado pela vice-presidente da União Europeia, Neelie Kroes, encarregada da Agenda Digital [veja aqui a íntegra do relatório].

Preparado por um grupo de alto nível (HLG) presidido pela ex-presidente da Letônia, Vaira Vike-Freiberga, e do qual faziam parte Herta Däubler-Gmelin, ex-ministra da Justiça alemã; Luís Miguel Poiares Pessoa Maduro, ex-advogado geral na Corte de Justiça Europeia; e Ben Hammersley, jornalista especializado em tecnologia, o relatório faz trinta recomendações sobre a regulamentação da mídia como resultado de um trabalho de 16 meses que começou em outubro de 2011. As recomendações serão agora debatidas no âmbito da Comissão Europeia.

Relatório
O relatório, por óbvio, deve ser lido na íntegra. Ele começa com um sumário das principais conclusões e recomendações e, na parte substantiva, está dividido em cinco capítulos que apresentam e discutem as bases conceituais e jurídicas que justificam as diferentes recomendações: (1) por que a liberdade da mídia e o pluralismo importam; (2) o papel da União Europeia; (3) o mutante ambiente da mídia; (4) a proteção da liberdade do jornalista; e, (5) o pluralismo na mídia.

Há ainda um anexo de 12 páginas que lista as autoridades ouvidas, as contribuições escritas recebidas e os documentos consultados. A boa notícia é que quase todo esse material está disponível online.

Para aqueles a favor da regulamentação democrática da mídia – da mesma forma que já havia acontecido com o relatório Leveson [na foto, o magistrado com o texto-bomba] – é alentador verificar como antigas propostas sistematicamente taxadas pela grande mídia e seus aliados da direita conservadora de autoritárias, promotoras da censura e inimigas da liberdade de expressão, são apresentadas e defendidas por experts internacionais, comissionados pela União Europeia. 



Fundamento de todo o relatório são os conceitos de liberdade de mídia e pluralismo. Está lá:

“O conceito de liberdade de mídia está intimamente relacionado à noção de liberdade de expressão, mas não é idêntico a ela [grifo do articulista]. A última está entronizada nos valores e direitos fundamentais da Europa: ‘Todos têm o direito à liberdade de expressão. Este direito inclui a liberdade de ter opiniões, de transmitir (impart) e receber informações e ideias sem interferência da autoridade pública e independente de fronteiras’ (...).

“Pluralismo na mídia é um conceito que vai muito além da propriedade. Ele inclui muitos aspectos, desde, por exemplo, regras relativas a controle de conteúdo no licenciamento de sistemas de radiodifusão, o estabelecimento de liberdade editorial, a independência e o status de serviço público de radiodifusores, a situação profissional de jornalistas, a relação entre a mídia e os atores políticos etc. Pluralismo inclui todas as medidas que garantam o acesso dos cidadãos a uma variedade de fontes e vozes de informação, permitindo a eles que formem opiniões sem a influência indevida de um poder [formador de opiniões] dominante.”

Encontram-se no relatório propostas como: (1) a introdução da educação para a leitura crítica da mídia nas escolas secundárias; (2) o monitoramento permanente do conteúdo da mídia por parte de organismo oficial ou, alternativamente, por um centro independente ligado à academia, e a publicação regular de relatórios que seriam encaminhados ao Parlamento para eventuais medidas que assegurem a liberdade e o pluralismo; (3) a total neutralidade de rede na internet; (4) a provisão de fundos estatais para o financiamento da mídia alternativa que seja inviável comercialmente, mas essencial ao pluralismo; (5) a existência de mecanismos que garantam a identificação dos responsáveis por calúnias e a garantia da resposta e da retratação de acusações indevidas.

Pelo histórico de feroz resistência que encontra entre nós, vale o registro uma proposta específica. Após considerações sobre o reiterado fracasso de agências autorreguladoras, o relatório propõe:

“Todos os países da União Europeia deveriam ter conselhos de mídia independentes, cujos membros tenham origem política e cultural equilibrada, assim como sejam socialmente diversificados. Esses organismos teriam competência para investigar reclamações (...), mas também certificariam de que as organizações de mídia publicaram seus códigos de conduta e revelaram detalhes sobre propriedade, declarações de conflito de interesse etc. Os conselhos de mídia devem ter poderes legais, tais como a imposição de multas, determinar a publicação de justificativas [apologies] em veículos impressos ou eletrônicos, e cassação do status jornalístico.”

E no Brasil?
A publicação de mais um estudo oficial sobre regulamentação da mídia, desta vez pela União Europeia, menos de dois meses depois do relatório Leveson na Inglaterra, revela que o tema é pauta obrigatória nas sociedades democráticas e não apenas em vizinhos latino-americanos como a Argentina, o Uruguai e o Equador, mas, sobretudo, na Europa.



No Brasil, como se sabe, “faz-se de conta” que não é bem assim e o tema permanece “esquecido” pelo governo, além de demonizado publicamente pela grande mídia como ameaça à liberdade de expressão.

Quem se beneficia com essa situação? Até quando seguiremos na contramão da história?

*é jornalista e sociólogo; autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010) [Publisher Brasil, 2012], entre outros livros

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O colonialismo liberal europeu mostra a sua face

19/04/2012 - Eduardo Febbro*, de Paris
Tradução: Libório Junior - Carta Maior


É o cúmulo do absurdo que o Parlamento Europeu, que reúne representantes do povo, se preste a votar uma resolução contra a Argentina, em defesa dos interesses de uma multinacional.

Cristina Kirchner
O mesmo parlamento que nada faz para denunciar as empresas do Velho Continente que, em nome da segurança jurídica, investiam seus capitais em países amordaçados por regimes assassinos que, ao mesmo tempo que ofereciam segurança jurídica aos investidores, jogavam seus povos no poço da repressão, da corrupção e da pobreza."
O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris 
Catherine Ashton

Os impérios do Ocidente estão nervosos. A decisão da presidenta argentina de renacionalizar os recursos petrolíferos do país reativou nos europeus o ímpeto da ameaça e da desqualificação, assim como a política dos valores em escala variável. O santo mercado tem prerrogativas acima de qualquer oposição. Além da agressiva campanha que se desatou na Espanha em defesa de uma companhia que, na realidade, sequer é espanhola, a União Europeia somou seus votos em respaldo à multinacional. A inesgotável e esgotadora responsável pela diplomacia da UE, Catherine Ashton, advertiu que a decisão argentina “era um muito mau sinal” para os investidores estrangeiros. Por sua vez, o presidente da Comissão Europeia José Miguel Barroso, disse que estava muito “decepcionado” pela medida de Buenos Aires.

José Miguel Barroso
O vice-presidente da Comissão Europeia, o italiano Antonio Tajani, sacou um leque de ameaças: "Nossos serviços jurídicos estudam, de acordo com a Espanha, as medidas a adotar. Não se exclui nenhuma opção", disse.

Cúmulo do absurdo, o Parlamento Europeu de Estrasburgo, que reúne os representantes do povo, se presta a votar uma resolução contra a Argentina. 
UE - Estrasburgo - França
Um traço mais da confusão que leva a uma instituição política, surgida do voto popular, a clamar pelos interesses de uma multinacional. O Parlamento Europeu nada fez para denunciar as empresas do Velho Continente que, em nome da segurança jurídica, investiam e investem seus capitais em países amordaçados por regimes assassinos que, ao mesmo tempo que ofereciam segurança jurídica aos investidores, jogavam seus povos no poço da repressão, da corrupção, do assassinato das liberdades e da pobreza.

A defesa dos interesses nacionais contra os do mercado é algo que ficou na garganta da muito liberal União Europeia. A UE revisitou seus “valores” recentemente, no ano passado: em troca da ajuda aos países árabes, a UE pede eleições democráticas, luta contra a corrupção, abertura comercial e proteção dos investimentos. Antes, não lhe importava que um punhado de ditadores e autocratas esmagassem seus povos enquanto a abertura comercial e a proteção dos investimentos estivessem garantidas. A fonte da democracia fechava os olhos enquanto suas empresas pudessem operar a seu bel-prazer.

A mesma dupla linguagem, duplo valor, envolve a escandalosa política das subvenções agrícolas da UE. Instrumento de destruição dos mercados, perverso mecanismo de falsificação dos preços internacionais, as subvenções se aplicam em apoio a uma corporação, a dos agricultores. Pouco importa que o planeta pague pela proteção de um setor. O porta-voz do Comissário Europeu para o comércio, John Clancy, disse ao canal EuroNews que a decisão da presidenta “destrói a estabilidade que os investidores procuram”.
 
Juan Manuel de Rosas

 Tocar numa empresa europeia é sinônimo de uma declaração de guerra ou de pisotear a identidade. Hoje reúnem o Parlamento Europeu, em outras épocas talvez tivessem enviado a marinha para bloquear o porto de Buenos Aires como ocorreu em 1834, quando Juan Manuel de Rosas se negou a que os súditos franceses ficassem isentos de suas obrigações militares e decidiu impor um gravame de 25% às mercadorias que chegavam do exterior com destino a Buenos Aires.

A imprensa europeia e os analistas propagam um cúmulo alucinante de omissões e mentiras.


Frases como “nacionalismo petroleiro” ou “tentação intervencionista” do Estado argentino, se tornaram uma consigna repetida em todas as colunas. Como se qualificaria então a defesa de uma empresa por parte das instituições políticas da União? Euro-nacionalismo de mercado, escudo político para os interesses privados, etnocentrismo liberal?

E, assim mesmo, o discurso do nacional contra o global, do local contra o multilateral não é uma exclusividade peronista. O próprio presidente francês, Nicolas Sarkozy, o reativou com um vigoroso discurso durante a campanha eleitoral para as eleições presidenciais do dia 22 de abril e seis de maio (primeiro e segundo turno). O presidente candidato propôs renegociar o acordo de Schengen que regula e garante a livre circulação das pessoas e revisar os acordos comerciais que ligam os 27 países membros da União Europeia.

No primeiro caso e por razões claramente eleitorais, Sarkozy considera que os acordos de Schengen não permitem regular para baixo os fluxos migratórios. No segundo, que tem dois capítulos, se trata primeiro de instaurar na Europa um mecanismo similar ao Buy Act American com um “Buy European Act” a fim de que as empresas que produzem na Europa obtenham dinheiro público em caso de licitações. Em segundo lugar, Sarkozy exigiu à Comissão Europeia que imponha um critério de reciprocidade a seus sócios comerciais. Sarkozy disse em seu discurso: “A Europa não pode ser a única região do mundo que não se defende. (…). Não podemos ser vítimas dos países mais fortes do mundo”.

Isto pode ter vigência também para o resto do planeta. O patriotismo europeu bem vale o suposto “patriotismo petroleiro”. Ali onde se encontra em desvantagem, a UE impõe seus limites, ativa seu lobby ou bota suas instituições democráticas a atuar como polícia moralizadora. O livre comércio e o direito monárquico das empresas sobre os recursos naturais, a vida humana e as geografias não é o último estado da humanidade. Há vida depois de tudo, antes e depois da Repsol.

Todo o aparato jurídico da UE se colocou em marcha para sancionar isso que o jornal espanhol El País chama “o vírus expropriador” de Cristina Fernández de Kirchner.

O “vírus” do mercado global começa a fazer seu trabalho. A UE está ofendida.


Tocaram em seu filho pródigo, a liberdade de brincar com o destino dos povos em benefício de suas empresas.

Uma guerra moderna onde o gigante vai sancionar um sócio que deixou de apostar em um tabuleiro onde só ganham os capitais que se volatilizam como os valores democráticos e de justiça que defenda a sacrossanta União.

Seu hino à liberdade é geométrico.


Contanto que a grana encha seus bancos, o sangue pode correr, como na Tunísia, Líbia, Egito e tantas outras ditaduras africanas que proporcionam o petróleo para acender as luzes de um século cujo destino está em mãos privadas e suas instituições às ordens das entidades financeiras e das empresas.

* Eduardo Febbro é correspondente da Carta Maior em Paris


sábado, 17 de março de 2012

"Privatizar a água é como vender ar em sacos de plástico"

17/03/2012 - Esquerda.net - publicado por Carta Maior (*)

A eurodeputada Marisa Matias denunciou no plenário do Parlamento Europeu que os processos de privatização da água que estão ocorrendo nos países europeus fazem utilização de um bem público através de um processo que equivale "a vender ar em sacos de plástico". Resolução da ONU, de 2010, reconhece o direito à água potável como um direito humano e apela aos Estados para que intensifiquem os esforços de modo a garantir a água potável e o seu fornecimento limpo, seguro e acessível.
Esquerda.net

Assista Marisa Matias aqui:

Os processos de privatização da água que estão ocorrendo nos países europeus fazem utilização de um bem público através de um processo que equivale "a vender ar em sacos de plástico". A declaração foi feita em Estrasburgo num debate perante a comissária Connie Hedegaard, a propósito do Fórum Mundial da Água, realizado em Marselha.

Marisa Matias, membro do Grupo da Esquerda Unitária (GUE/NGL) eleita pelo Bloco de Esquerda, tomou como exemplo na sua intervenção a situação em Portugal, onde um recurso público e financiado pelo Estado é privatizado. "É um exemplo claro", disse, "do que fazemos errado: tratar a água como uma mercadoria. Não é uma mercadoria, é um bem público e um recurso escasso; o que se passa é que os povos são obrigados a pagar para ter acesso à água, o que equivale a vender ar em sacos de plástico".

Nas suas intervenções durante o debate, os eurodeputados do GUE/NGL declararam o apoio ao fórum alternativo sobe a água, que ocorre igualmente em Marselha, e no qual estão em destaque as políticas ambientais para poupar e gerir a água em benefício dos povos e não do lucro.

Um escândalo na União Europeia
João Ferreira, deputado do GUE/NGL eleito pelo PCP [Partido Comunista Português], lembrou a resolução das Nações Unidas de Junho de 2010 que reconhece o direito à água potável como um dos direitos humanos. "A resolução", recordou, "apela aos Estados e às organizações internacionais para que intensifiquem os esforços de modo a garantir a água potável e o seu fornecimento limpo, seguro, acessível e abordável". O escândalo, assinalou João Ferreira, é que alguns Estados europeus vetaram inicialmente estes cuidados e "abstiveram-se mesmo na votação final". O eurodeputado português concluiu dizendo que "a propriedade pública e a gestão deste recurso precioso é a única maneira de proteger este direito".

A habitual receita público-privada
A eurodeputada francesa Marie-Christine Vergiat declarou que "as derivas das parcerias público-privadas são dramáticas nos nossos países, onde a água é cada vez mais cara sem que a qualidade melhore". De acordo com esta representante do GUE/NGL, a União Europeia tem largas responsabilidades nesta situação; ao mesmo tempo felicitou-se pelo facto de numerosas autarquias francesas terem decidido retomar em mãos a gestão da água das suas regiões.

(*) Artigo originalmente publicado no portal do Bloco de Esquerda no Parlamento Europeu - The Week (http://www.beinternacional.eu/pt/the-week/3029-qprivatizar-a-agua-e-como-vender-ar-em-sacos-de-plasticoq)