Por Carlos Aznares, originalmente publicado em "ODiario.info"
Os povos da América Latina e do resto do Terceiro Mundo estão suportando uma ofensiva de terrorismo mediático que visa não apenas manipular e desinformar o público em cada um dos aspectos político-económico-culturais que se produzem nos respectivos países, como em muitos casos - Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia, Colômbia, Palestina, Irão, Líbano, para citar os mais conhecidos – gera iniciativas desestabilizadoras e aposta forte na guerra contra os movimentos populares e os processos revolucionários.
Os meios de comunicação - a grande maioria deles - representam hoje uma das principais colunas do exército de ocupação que a chamada globalização encetou em todo o Terceiro Mundo. Corporação privilegiada e geralmente bem recompensada por aqueles que, desde Washington, construíram tanto a táctica como a estratégia intervencionista, os meios de comunicação cooperam para produzir opiniões desfavoráveis quando se trata de minar as bases de países que estão tentando construir uma alternativa independente ao discurso único e esforçam-se para dar cobertura á repressão, à tortura, ao assassinato, às prisões indiscriminadas, á guerra desigual entre opressores e oprimidos, no resto das nações do mundo.
Não é difícil para a os meios de comunicação (em geral autênticos holdings informativos, agrupando agências de notícias, rádios, TVs e cadeias de jornais numa única rede) “construir a notícia” que ajude a maquilhar as realidades de pobreza e corrupção em que vivem os nossos povos, ou criar redes golpistas para derrubar os líderes populares.
Eles são os que falam de “guerra entre dois bandos” quando se referem aos movimentos de libertação nacional, que enfrentam governos de carácter opressor e fascista. Ou “narco-guerrilha” para desacreditar a luta genuína da resistência colombiana contra uma ordem estabelecida há dezenas de anos e que mergulhou o país numa situação de extrema pobreza e desesperança.
São esses “meios assépticos e independentes” que reivindicaram o primeiro Plano Colômbia, depois o Plano Patriota e agora comungam das políticas pró-imperialistas de Juan Manuel Santos. Além disso, aplaudem as suas actividades militaristas e devastadoras para os sectores populares e do campesinato da Colômbia, e não fazem nenhuma menção das bases ianques no país.
Estes meios de comunicação e as suas sociedades de empresários como a SIP, estiveram e estão à cabeça da campanha em curso de assédio (e tentativa de derrube) contra governos como os de Cuba, Venezuela, Equador, Nicarágua e Bolívia. Daí que o que para todos significava uma agressão brutal contra a soberania de um país vizinho (como foi o bombardeio e massacre praticado pelo governo de Álvaro Uribe contra o território do Equador e os combatentes das FARC) para a Parceria dos media manipuladores da realidade, não era mais que “uma atitude de auto-defesa da Colômbia frente á agressão do eixo terrorista Farc-Venezuela-Equador”. O mesmo acontece quando esses profissionais da perversão mediática falam sobre a Palestina ocupada e criam matrizes de opinião demonizando a resistência em Gaza, apoiam o bloqueio contra o povo deste território e encorajam as falsas negociações entre o sionismo, o governo dos EUA e os palestinos ” politicamente correctos ” da ANP.
Eles não hesitam, conforme as instruções da sua casa matriz pentagonal, em acusar com falsidades a Revolução Bolivariana, como desde sempre fizeram com Cuba. E para isso usam a média nacional e internacional, que desde o dia em que o comandante Hugo Chávez tomou posse em 1999, começou a estigmatizar a sua proposta de mudança real, para logo utilizar todos os meios para atingir esse objectivo, desde o golpe de estado criminoso de Carmona e seus sequazes, do golpe do petróleo pró-EUA do final de 2002, da entrada dos paramilitares e pistoleiros a partir da Colômbia, até ás manobras de escassez, ou a pregação constante dos altos comandos da ofensiva imperialista, tentando gerar o clima de que a Venezuela é um santuário de “terrorismo internacional”, como tem afirmado o staff dos EUA de Bush até Obama. Sem dúvida que os chamados defensores da liberdade de expressão (de negócios, para sermos mais exactos), se incomodam com o processo revolucionário por acabar arrancando as raízes do discurso explorador da oligarquia venezuelana. Preocupa-os até à irritação que o bolivarianismo tente desenvolver - contra ventos e marés - uma política de transformação e valorização para os sectores que foram submersos na pobreza nos últimos 40 anos de “democracia representativa”, e propague essas ideias no continente através de uma política externa - que junto com a de Cuba - dá prioridade ao Movimento de Países Não-Alinhados, aos povos que lutam pela autodeterminação, aos que não se ajoelham diante da hegemonia imposta pelos Estados Unidos.
Se existe um exemplo que sempre permanecerá no manual da contra-revolução informativa e do terrorismo mediático na Venezuela, será o papel desempenhado pela comunicação social durante o golpe de Estado de Carmona e seus aliados ianques e espanhóis, bem como a campanha pela não renovação de licença da golpista RCTV. Ambos conseguiram, por obra e graça da imediata reacção “em cadeia” (para usar uma palavra que provoca tanta comichão á oposição venezuelana reacionária) uma grande rede de comunicação internacional. Entre os nacionais e os estrangeiros geraram uma matriz de opinião na qual o Governo mais vezes votado do mundo aparecia como uma ditadura cruel e despótica. Que se recorde, a indústria mediática conseguiu aqui um dos seus parâmetros mais elevados de impunidade, só superada pela campanha de Bush e seus jornalistas, ao denunciar a presença de armas nucleares para justificar a invasão do Iraque.
São estes meios integrantes da SIP que fizeram a campanha contra o governo venezuelano quando este decidiu a renovação do seu armamento e montaram “o show das Kalashnikov” ou dos aviões russos, alertando o mundo para que “as armas da Venezuela podem acabar nas mãos das FARC “. Insistiram em seguida, nas páginas de seus diários e nas suas redes de televisão, que Hugo Chávez tinha desprestigiado o monarca espanhol e seu espadachim Zapatero, contando ao contrário uma história que todos pudemos ver em directo em que o rei não só quis mandar calar Chávez, como nos quis injuriar como povos e nações que, mal ou bem, nos temos emancipado do império espanhol.
Havia que ouvir ladrar os mastins do “El Pais” espanhol, naqueles dias, esboçando cenas inexistentes em que o presidente venezuelano aparecia como agressor, irreverente ou ditador. O jornal e seus jornalistas são os mesmos que geralmente amparam um outro inquisidor chamado Baltasar Garzón, e juntos, aplicam as mesmas técnicas de terrorismo mediático contra qualquer coisa que cheire a resistência basca e a um desejo imparável de independência de seus conquistadores francês e espanhol que esse povo tem há centenas de anos.
São estes mídia “livres” que aguçam a sua sagacidade na hora de descobrir traços de fascistização “ou” cubanização ” (como acharem mais adequado ao discurso difamatório) em governos populares, e nunca verem o social, como é a campanha de alfabetização, efectuado por Cuba, Venezuela e Bolívia, em países onde antes desses processos, as crianças, os jovens e os velhos, tinham sido sempre tratados como cidadãos de quarta classe.
São eles, agitadores do terrorismo mediático, os que ironizam grosseiramente com os levantamentos indígenas ou apostam no camaleonismo quando nos vendem a imagem descafeinada de um eleito ligado à repressão e à narco-politica, e, num futuro não muito distante, quando chegar a hora da mudança ordenada pela estratégia imperial, não hesitarão em trazer à luz os múltiplos assassinatos que agora defendem. Já o fizeram com Fujimori e Montesinos no Peru, ou Pinochet e Videla. Trabalham hábil e subtilmente sobre o subconsciente dos leitores e telespectadores para o esquecimento ajudar a completar a tarefa que eles impõem.
Disfarçam as suas “notícias” (muitas vezes comunicados textuais do Departamento de Estado ianque) salientando a participação da “sociedade civil” (um conceito de que também se apropriaram) na “rejeição” dos resistentes e rebeldes do Terceiro Mundo, ou carregam as tintas sobre “a resistência indígena” a que maquiavelicamente gostam de chamar “actores armados”, coincidindo neste conceito com algumas ONGs europeias, que também funcionam como novos aliados da estratégia imperial no continente.
A mesma estratégia, de Cuba à Palestina
Esta ofensiva terrorista mediática colocou desde sempre na mira dos seus canhões Cuba socialista, por resistir ferreamente ao criminoso bloqueio dos EUA. São os meios de comunicação ocidentais - mais uma vez, “El País” espanhol na primeira linha de combate – os primeiros a aderir a uma penetração em Cuba, como fazem com qualquer outra nação, com a ideia de encontrar” dissidência “, onde só há terrorismo anti Cuba, ou “violações dos direitos humanos”, quando se pune - como não faz quase nenhum dos países do continente - a corrupção, o banditismo ou a violação grave das medidas que afectam a segurança de um país atacado pelo exército mais poderoso mundo.
Foram essas matrizes de opinião, que geraram, por exemplo, na Argentina, a ideia de que o governo cubano “torturava” a médica contra-revolucionária Hilda Molina e a “condenara” a não poder deixar o seu país.
Tanto insistiram nessa campanha, que conseguiram que o governo de Néstor Kirchner se “solidarizasse” de tal maneira, que gerou uma campanha de pressão contra Cuba. O resultado é conhecido: Hilda Molina deixou a ilha e estabeleceu-se na Argentina, de onde produz uma catadupa constante de insultos contra o governo e o povo que lhe permitiram obter os conhecimentos de que hoje goza.
Além do que já foi dito sobre a fúria do terrorismo mediático contra a Palestina, é necessário mencionar a bateria de mentiras construídas no calor da invasão sionista do Líbano e a campanha de criminalização permanente contra o Irão, por querer desenvolver uma política nuclear soberana.
Neste último caso, a campanha tem sido brutal. O Irão tem sido demonizado desde o momento em que se deu a Revolução Islâmica liderada pelo Imã Khomeini e que estudantes persas ocuparam a embaixada dos EUA e desmascararam a central da CIA que lá funcionava.
Em seguida, para assinalar apenas um exemplo na América do Sul, acusou-se o Irão e o seu governo de ter tido uma participação activa no atentado à AMIA. Todos os meios de comunicação comercial argentinos (inclusive os que se definem como “progressistas”) clonaram um discurso de criminalização, que foi elaborado nas centrais sionistas. A isso se juntou o governo e se concluiu que, na prática, a Argentina não só rompeu os laços diplomáticos com o Irão, como o considera - em conjunto com os EUA e Israel - um inimigo a abater.
Poucos proprietários de imprensa e muita influência
Centenas de milhões de norte-americanos, latino-americanos e cidadãos de todo o mundo são consumidores diários, directa ou indirectamente, das informações e produtos culturais das holdings AOL / Times Warner, Gannett Company, Inc., General Electric, McClatchy Company/ Knight Ridder, News Corporation, New York Times, Washington Post, Viacom, Vivendi Universal e Walt Disney Company, os proprietários dos média mais influentes dos EUA.
Os dez grupos controlam por sua vez os jornais nacionais de grande circulação nos EUA como o New York Times, USA ToDay e Washington Post, centenas de estações de rádio e quatro programas de televisão de notícias de maior audiência: ABC (American Broadcasting Company, Walt Disney Company), CBS (Columbia Broadcasting System, Viacom), NBC (National Broadcasting Company, companhia de transmissão da General Electric) e Fox (News Corporation).
Como bem define o jornalista Ernesto Carmona, os que comandam estes meios adquiriram uma parcela significativa de poder que não emana da soberania popular, mas do dinheiro, e corresponde a uma intricada teia de relações entre os meios informativos e de comunicação e as maiores corporações multinacionais dos EUA, como a petrolífera Halliburton Company, do vice-presidente Dean Cheney, o Grupo Carlyle, que controla os negócios da família Bush; o fornecedor do Pentágono Lockheed Martin Corporation, a Ford Motor Company, o Morgan Guaranty Trust Company of Nova York, Echelon Corporation e a Boeing Company, para citar alguns.
Todas estas grandes transnacionais da imprensa têm os seus tentáculos em todos os países da América Latina, onde outras holdings manobram de modo maioritário na disseminação de notícias na imprensa, rádio, televisão, agências e até mesmo telemóveis.
Para dar um exemplo: no México operam duas redes poderosas, uma dominada pela Televisa, da família Azcárraga e vinculada ao Grupo Cisneros, da Venezuela, também proprietários de meios de comunicação e uma das maiores fortunas do mundo, e a Azteca América, de Ricardo Salinas Pliego e seus parceiros Pedro Padilla Longoria e Luis Echarte Fernandez, ambas com investimentos nos EUA.
Também o Grupo Prisa, que detém o jornal espanhol “El Pais” tem meios de comunicação na América Latina, associado no México à Televisa, e proprietário da poderosa Rádio Caracol da Colômbia, e outras estações no Peru, Chile, Bolívia, Panamá e Costa Rica.
Jornalistas ou porta-vozes das corporações?
Em cada um destes anéis de terrorismo mediático está também a mão, a caneta e a imagem de um esquadrão de homens e mulheres que, sob a fachada de uma profissão venerada (pelo menos para aqueles que ainda acreditam nela), como é a de ser jornalista, também colaboram e são cúmplices da ofensiva das empresas que os empregam. A metáfora do cão submisso que lambe a mão do dono é repetida em todo o mundo para ilustrar esse comportamento.
Que outra coisa foram esses homens e mulheres “da imprensa” a marchar “engatados” aos exércitos invasores do Iraque ou no Afeganistão? Ou os que diariamente, como dignos cães fraldiqueiros da SIP, escrevem colunas, inventam histórias difamatórias, criam a opinião a favor dos exploradores, em jornais como Clarín e La Nación, da Argentina, El Tiempo, da Colômbia, El Universal, do México, para citar só alguns, ou que lutam como contra-revolucionários em grande parte da imprensa da Venezuela anti-Chávez?
O escritor chileno Camilo Taufic definiu o jornalista como um ” político em acção “, independentemente de se escudar num “confuso apoliticismo”, era na verdade parte da acção política do Estado - imperial, poderíamos acrescentar - entendida no seu sentido mais geral: “A participação nos assuntos do Estado; a orientação do Estado; a determinação das formas, das funções e do conhecimento da actividade estatal; a actividade das diferentes classes sociais e dos partidos políticos (…) Os jornalistas são portanto, políticos e até mesmo políticos profissionais”. E ainda: “A política não é mais que uma manifestação específica da luta de classes, a sua mais geral, e os jornalistas, enquanto activistas políticos não estão à margem desta luta, mas imersos nela e ocupando posições de liderança “.
Segundo o pesquisador basco Iñakil de San Gil Vicente, “este critério definidor da política - abordagem marxista, é claro - permite entender a natureza política da indústria mediática, embora, aparentemente, à primeira vista, essa indústria não se sente directamente nos bancos no parlamento ou nos quartéis das tropas imperiais. ”
No entanto, em alguns casos, os decisivos, esta indústria é que faz eventualmente pender a balança do poder em favor de, por exemplo, o neo-fascista Berlusconi, dono de poderosos meios de manipulação, que pode voltar à presidência do governo italiano, apesar das evidentes provas de corrupção. Em outros casos, por exemplo, nos EUA, a fusão entre o dinheiro, a política e a imprensa é absoluta e somente “os candidatos ricos, podem pagar imensas quantidades de dinheiro em campanhas políticas, que alguns observadores têm vindo a calcular em mais de um milhão de dólares por dia, como a despesa média dos candidatos democratas Hillary Clinton e Obama, no início de Março de 2008, quando ainda faltavam muitos meses para a eleição presidencial.
São esses mesmos jornalistas que na segunda-feira comem pela mão da máfia anti-cubana e anti-venezuelana em Miami, e na quarta-feira se ajoelham frente ao lobby sionista que lhes escreve os scripts para garatujar diatribes contra a direcção do Hezbollah ou inventar mentiras sobre centrais nucleares do Irão.
Tropeçando na SIP
A Sociedade Interamericana de Imprensa é mais do que uma corporação de empresas jornalísticas, é uma autêntica fortaleza emblemática do terrorismo mediático contra os países que hoje enfrentam o imperialismo.
Desde sempre os capitães da SIP compram, vendem, divulgam, transmitem ou publicam “informação” conveniente ás leis do “mercado” e de seus interesses de casta e de classe.
Desde a era do tirano Fulgêncio Batista em Cuba (onde o SIP nasceu em 1943) até hoje, não houve nenhum déspota, golpe de Estado, ou intervenção militar dos Estados Unidos que não recebesse o apoio do SIP; 65 anos de ignomínia que as paredes da América Latina foram capazes de resumir mais de uma vez com a irónica frase “a imprensa diz que chove.”
Não será por acaso que a sua sede central em Miami tem o nome de Jules Dubois, aquele sórdido funcionário da CIA que estabeleceu os seus princípios e doutrina e que a refundou em 1950 juntamente com outro homem do Departamento de Estado, Tom Wallace.
Também não pode causar surpresa, ao mergulhar na história da SIP, descobrir o seu apoio incondicional à estratégia de intervenção dos EUA, ao macarthismo e ao anticomunismo selvagem e á reivindicação, em cada um dos meios de comunicação que fazem parte do seu império, do liberalismo económico e a demonização das organizações populares.
Jornais como o El Mercurio (Chile), “Clarín”, “La Nación” (Argentina), “El Universal” (México), “El Nacional” (Venezuela), “El Pais (Uruguai), o ABC Color (Paraguai ), “O Globo” e “Estado de São Paulo (Brasil), foram e são cúmplices das políticas mais reaccionárias do continente.
Com este fundamento doutrinário, ligado ao apoio de governos autoritários, ditatoriais, ou praticantes da democracia “representativa” que efectivamente cortam a liberdade de opinião, os mandantes da SIP, agora dirigida por Earl Maucker, que também é vice-presidente do South-Florida Sun-Sentinel, com sede em Fort Lauderdale, Estados Unidos, incriminam Cuba e Venezuela para dar alento aos desestabilizadores internos e externos. Mais
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Construir a cidadania a partir do exercício do direito de todos a expressão, comunicação e informação
sábado, 20 de novembro de 2010
Por um Estado que proteja as crianças negras do apedrejamento moral no cotidiano escolar
Carta aberta de Eliane Cavalleiro* ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, divulgada e distribuída via internet.
Brasil, 20 de novembro de 2010, Dia da Consciência Negra
Excelentíssimo Presidente da República Federativa do Brasil, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva,
Em um ato político e humano, Vossa Excelência ofertou asilo a Sakneh Mohammadi Ashtiani como forma de preservar-lhe a vida, visto que a mesma corre risco de ser apedrejada até a morte física em seu país, o Irã.
Se me permite a analogia, pelo exemplo que V. Exa. encarna para a Nação, creio que seria, além de político e humano, um gesto emblemático e valoroso se V. Exa. manifestasse sua preocupação e garantisse “proteção” às crianças negras inseridas no sistema de ensino brasileiro, zelando por sua sobrevivência moral e sucesso em sua trajetória educacional. Como V. Exa. já afirmou: “Nada justifica o Estado tirar a vida de alguém”, e, no caso do Brasil, nada justifica que o Estado colabore para fragilizar a vida emocional e psíquica de crianças negras, propiciando uma educação que enseja uma violência simbólica, quando não física, contra elas no cotidiano escolar. Sim, a violência diuturna sofrida pelas crianças negras no espaço escolar pode, em certa medida, ser comparada ao apedrejamento físico, visto que o racismo e seus derivados as amordaça. Assim, emocionalmente desprotegidas em sua pouca idade, as crianças passam a perseguir um ideal de “brancura” impossível de ser atingido, fazendo-as mergulhar em um estado latente, intenso e profundo de insatisfação e estranhamento consigo mesmas.
É fato que as crianças em geral não possuem natureza racista, mas a socialização que lhes é imposta pela sociedade as ensina a usar o racismo e seus derivados como armas para ferir as criança as negras, em situações de disputas e até simplesmente para demarcar espaços e territórios, bem ao exemplo dos padrões da sociedade mais ampla. A escola constitui apenas mais uma instituição social na qual as características raciais negras são usadas para depreciar, humilhar e excluir. Assim, depreciadas, humilhadas e excluídas pela prática escolar e consumidas pelo padrão racista da sociedade, as crianças negras têm sua energia, que deveria estar voltada para o seu desenvolvimento e para a construção de conhecimento e socialização, pulverizada em repetidos e inócuos esforços para se sentir aceita no cotidiano escolar.
Se há no Irã – liderados pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad – um grupo hegemônico que, embasado em uma interpretação dogmática do Islamismo e na particular percepção do que é legitimo, detém o poder de vida de morte sobre as pessoas, não menos brutal no Brasil, temos um grupo no poder que, apesar de não deliberar explicitamente pela morte física de negros e negras, investe pesadamente na manutenção da supremacia branca, advoga pelo não estabelecimento de políticas que promovam a igualdade, e nega sistematicamente qualquer esforço pela afirmação dos direitos dos afro-brasileiros.
Excelentíssimo, a supremacia branca mina as bases de qualquer perspectiva de justiça social. A eliminação do racismo e de seus predicativos depende do questionamento do poder branco, visto que a subalternização dos negros é fonte permanente de riqueza, prosperidade e garantia de poder arbitrário e absoluto. Não seria esta também uma forma de matar e de exterminar? Não estaria aí um protótipo do modelo de genocídio à brasileira?
Nossa aposta, Sr. Presidente, é que estando sob um regime democrático – ainda que permeado por estrutura historicamente racista que nega aos negros os direitos de cidadania – possamos contar com os órgãos públicos competentes no dever legal de zelar pela igualdade substantiva. Neste sentido, o Ministério da Educação (MEC) encontra-se submetido às Leis nacionais e aos Tratados internacionais promulgados pela ONU, o que legitima nosso direito de exigir que, sendo o órgão representante do Estado brasileiro no campo da educação, promova o bem estar de nossas crianças, e que não contribua, portanto, para a sua dilapidação moral.
Senhor Presidente, que legitimidade tem um governo que abraça o projeto político de “um país de todos”, mas que investe recursos públicos na disseminação de uma pedagogia racista entre os seus pequenos cidadãos? Um Estado que compra e envia para as escolas material pedagógico que contém estereótipos e preconceitos quer sejam étnicos, raciais e/ou de gênero pode ser compreendido como um Estado que fornece combustível ideológico para que a humanidade dos indivíduos tidos como ‘diferentes’ seja desconfigurada. Não nos parece que é a proposta política deste governo incentivar e disseminar ideologias racistas que promovem a deterioração da identidade e da auto-estima da criança negra.
É neste sentido, Senhor Presidente, que a contenda sobre o livro de Monteiro Lobato deve ser vista apenas como mais um episódio em que os negros aparecem como inconvenientes e não encontram solidariedade por parte dos formadores de opinião e representantes da administração pública. Talvez tais agentes fossem mais solidários com a luta anti-racista caso os materiais pedagógicos contivessem referências depreciativas em relação às suas identidades. Talvez conseguissem perceber o escárnio se as personagens obesas fossem referidas como aquelas que “comem como uma porca sebosa”. Talvez se motivassem a protestar caso um livro contivesse um padre católico apresentado como “lobo que devora criancinhas”. Talvez também fossem contrários à distribuição de obras clássicas que contivessem a idéia preconceituosa de que: “os políticos agem no escuro como ratos ladrões”.
Entretanto, Senhor Presidente, ter no livro de Monteiro Lobato personagem negra que “sobe na árvore como macaca de carvão” é visto como algo absolutamente natural e que deve ser mantido para preservar a liberdade de expressão. No fundo querem que nós negros e negras subscrevamos tal obra como um elemento histórico que, constitutivo da “democracia racial brasileira”, deve ainda ser difundido nas escolas, a despeito dos estragos que possa produzir na formação de nossas crianças brancas e negras. Mais
*é doutora em Educação pela USP, ex-coordenadora executiva do Geledés – Instituto da Mulher Negra e ex-coordenadora de Diversidade da SECAD/MEC
Leia ainda:
Carta Aberta ao Exmo. Ministro da Educação do Brasil
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Brasil, 20 de novembro de 2010, Dia da Consciência Negra
Excelentíssimo Presidente da República Federativa do Brasil, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva,
Em um ato político e humano, Vossa Excelência ofertou asilo a Sakneh Mohammadi Ashtiani como forma de preservar-lhe a vida, visto que a mesma corre risco de ser apedrejada até a morte física em seu país, o Irã.
Se me permite a analogia, pelo exemplo que V. Exa. encarna para a Nação, creio que seria, além de político e humano, um gesto emblemático e valoroso se V. Exa. manifestasse sua preocupação e garantisse “proteção” às crianças negras inseridas no sistema de ensino brasileiro, zelando por sua sobrevivência moral e sucesso em sua trajetória educacional. Como V. Exa. já afirmou: “Nada justifica o Estado tirar a vida de alguém”, e, no caso do Brasil, nada justifica que o Estado colabore para fragilizar a vida emocional e psíquica de crianças negras, propiciando uma educação que enseja uma violência simbólica, quando não física, contra elas no cotidiano escolar. Sim, a violência diuturna sofrida pelas crianças negras no espaço escolar pode, em certa medida, ser comparada ao apedrejamento físico, visto que o racismo e seus derivados as amordaça. Assim, emocionalmente desprotegidas em sua pouca idade, as crianças passam a perseguir um ideal de “brancura” impossível de ser atingido, fazendo-as mergulhar em um estado latente, intenso e profundo de insatisfação e estranhamento consigo mesmas.
É fato que as crianças em geral não possuem natureza racista, mas a socialização que lhes é imposta pela sociedade as ensina a usar o racismo e seus derivados como armas para ferir as criança as negras, em situações de disputas e até simplesmente para demarcar espaços e territórios, bem ao exemplo dos padrões da sociedade mais ampla. A escola constitui apenas mais uma instituição social na qual as características raciais negras são usadas para depreciar, humilhar e excluir. Assim, depreciadas, humilhadas e excluídas pela prática escolar e consumidas pelo padrão racista da sociedade, as crianças negras têm sua energia, que deveria estar voltada para o seu desenvolvimento e para a construção de conhecimento e socialização, pulverizada em repetidos e inócuos esforços para se sentir aceita no cotidiano escolar.
Se há no Irã – liderados pelo presidente Mahmoud Ahmadinejad – um grupo hegemônico que, embasado em uma interpretação dogmática do Islamismo e na particular percepção do que é legitimo, detém o poder de vida de morte sobre as pessoas, não menos brutal no Brasil, temos um grupo no poder que, apesar de não deliberar explicitamente pela morte física de negros e negras, investe pesadamente na manutenção da supremacia branca, advoga pelo não estabelecimento de políticas que promovam a igualdade, e nega sistematicamente qualquer esforço pela afirmação dos direitos dos afro-brasileiros.
Excelentíssimo, a supremacia branca mina as bases de qualquer perspectiva de justiça social. A eliminação do racismo e de seus predicativos depende do questionamento do poder branco, visto que a subalternização dos negros é fonte permanente de riqueza, prosperidade e garantia de poder arbitrário e absoluto. Não seria esta também uma forma de matar e de exterminar? Não estaria aí um protótipo do modelo de genocídio à brasileira?
Nossa aposta, Sr. Presidente, é que estando sob um regime democrático – ainda que permeado por estrutura historicamente racista que nega aos negros os direitos de cidadania – possamos contar com os órgãos públicos competentes no dever legal de zelar pela igualdade substantiva. Neste sentido, o Ministério da Educação (MEC) encontra-se submetido às Leis nacionais e aos Tratados internacionais promulgados pela ONU, o que legitima nosso direito de exigir que, sendo o órgão representante do Estado brasileiro no campo da educação, promova o bem estar de nossas crianças, e que não contribua, portanto, para a sua dilapidação moral.
Senhor Presidente, que legitimidade tem um governo que abraça o projeto político de “um país de todos”, mas que investe recursos públicos na disseminação de uma pedagogia racista entre os seus pequenos cidadãos? Um Estado que compra e envia para as escolas material pedagógico que contém estereótipos e preconceitos quer sejam étnicos, raciais e/ou de gênero pode ser compreendido como um Estado que fornece combustível ideológico para que a humanidade dos indivíduos tidos como ‘diferentes’ seja desconfigurada. Não nos parece que é a proposta política deste governo incentivar e disseminar ideologias racistas que promovem a deterioração da identidade e da auto-estima da criança negra.
É neste sentido, Senhor Presidente, que a contenda sobre o livro de Monteiro Lobato deve ser vista apenas como mais um episódio em que os negros aparecem como inconvenientes e não encontram solidariedade por parte dos formadores de opinião e representantes da administração pública. Talvez tais agentes fossem mais solidários com a luta anti-racista caso os materiais pedagógicos contivessem referências depreciativas em relação às suas identidades. Talvez conseguissem perceber o escárnio se as personagens obesas fossem referidas como aquelas que “comem como uma porca sebosa”. Talvez se motivassem a protestar caso um livro contivesse um padre católico apresentado como “lobo que devora criancinhas”. Talvez também fossem contrários à distribuição de obras clássicas que contivessem a idéia preconceituosa de que: “os políticos agem no escuro como ratos ladrões”.
Entretanto, Senhor Presidente, ter no livro de Monteiro Lobato personagem negra que “sobe na árvore como macaca de carvão” é visto como algo absolutamente natural e que deve ser mantido para preservar a liberdade de expressão. No fundo querem que nós negros e negras subscrevamos tal obra como um elemento histórico que, constitutivo da “democracia racial brasileira”, deve ainda ser difundido nas escolas, a despeito dos estragos que possa produzir na formação de nossas crianças brancas e negras. Mais
*é doutora em Educação pela USP, ex-coordenadora executiva do Geledés – Instituto da Mulher Negra e ex-coordenadora de Diversidade da SECAD/MEC
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Conceição Evaristo e seu 'Poemas da recordação e outros movimentos'
Da Adital
Hoje não é nenhum absurdo nem exagero afirmar que Conceição Evaristo (foto, de Ricardo Riso) é a principal voz feminina da nossa literatura afro-brasileira. Por isso, devemos celebrar o lançamento de "Poemas de recordação e outros movimentos", pela editora Nandyala, em 2008, antologia poética que reúne poemas do passado e inéditos dessa mineira de Belo Horizonte, nascida em 29 de novembro de 1946.
Desde os anos 1970 radicada no Rio de Janeiro, formada em Letras, Mestre em Literatura Brasileira pela PUC/RJ e Doutora em Literatura Comparada pela UFF/RJ, Evaristo teve sua estreia literária em 1990, na série Cadernos Negros, publicação anual editada pelo Grupo Quilombhoje com o intuito de lançar escritores afro-brasileiros, projeto iniciado em 1978.
A partir daí, a poeta começou a ter seus textos, que navegam entre a poesia, o conto e o romance, em diversas antologias nacionais e estrangeiras. Individualmente, publicou os seguintes romances: "Ponciá Vicêncio" (2003 e já na segunda edição) e "Becos da Memória" (2006).
A obra de Conceição Evaristo conduz-nos a um profundo mergulho na memória que navega entre as recordações individual e coletiva, "a memória bravia lança o leme:/ Recordar é preciso". Logo somos banhados pelas "águas-lembranças" de Evaristo que se posiciona como mulher negra e da comunidade negra em geral para transformar em poesia as suas "escrevivências". Estas são motivadas pelas lembranças familiares, formadoras do binômio vida-poesia, destacando-se a convivência com a mãe, "mulher de pôr reparo nas coisas,/ e de assuntar a vida", e que "me ensinou,/ insisto, foi ela,/ a fazer da palavra/ artifício/ arte e ofício/ do meu canto/ da minha fala", o aprendizado oral pelos provérbios, "quando se anda descalço/ cada dedo olha a estrada", e também do contato frutífero com a Tia Lia que "temperando os meus dias/ misturava o real e os sonhos/ inventando alquimias./ (...) Houve um tempo/ em que a velha/ me buscava/ e eu menina/ com os olhos/ que ela me emprestava,/ via por inteiro/ o coração da vida".
O cruel desenvolvimento das adversidades pelas quais passam as mulheres negras através dos tempos, configurando a dor e as experiências de injustiças sociais, são demonstrados no poema "Vozes-Mulheres", no qual o sujeito lírico retoma as dores sofridas pela bisavó no passado de violenta escravidão, como ecos na memória de "lamentos/ de uma infância perdida". Relembra a submissão sofrida pela avó ainda escrava diante da "obediência/ aos brancos-donos de tudo", recorda os ecos das dores de sua mãe "no fundo das cozinhas alheias/ debaixo de trouxas/ roupagens sujas dos brancos". Até chegar no tempo presente, na sua voz que ainda "ecoa versos perplexos/ com rimas de sangue/ e/ fome", para atingir a consciência madura de sua filha, voz que "recorre todas as nossas vozes" e que se quer livre: "Na voz de minha filha/ se fará ouvir a ressonância/ o eco da vida-liberdade".
A condição feminina aparece com frequência em seus poemas. Em "Do fogo que em mim arde" a coisificação da mulher é combatida: "Sim, eu trago o fogo,/ o outro/ não aquele que te apraz"; conduzindo à metapoesia e à afirmação de um sujeito feminino pleno: "Sim, eu trago o fogo,/ o outro/ aquele que me faz,/ e que molda a dura pena/ de minha escrita./ É este o fogo/ o meu,/ o que me arde/ e cunha a minha face/ na letra-desenho/ do auto-retrato meu". Portanto, verifica-se a rigidez de um sujeito lírico que possui a força de dar a vida, por fim, dar movimento ao mundo e que diz: "Eu fêmea-matriz/ Eu força-motriz/ Eu-mulher".
Ao posicionar-se como negra e ao fazer literatura com cariz afro-brasileiro, torna-se inevitável apresentar temas que não integram o cânone e são excluídos por ele, tal como a denúncia do racismo presente em nossa sociedade que a ordem estabelecida insiste em negar e persiste com a mentira de que vivemos em uma democracia racial. Os poemas de Evaristo invocam este e outros assuntos referentes ao nosso cotidiano de cidadão negro e o poema "Meu Rosário" é um excelente exemplo por tratar da religiosidade híbrida brasileira - "Nas contas de meu rosário eu canto Mamãe Oxum e falo/ padres-nossos, ave-marias" -, a discriminação permanente que o negro é submetido em uma cerimônia cristã - "As coroações da Senhora, em que as meninas negras,/ apesar do desejo de coroar a Rainha,/ tinham de se contentar em ficar ao pé do altar/ lançando flores" -, escancara o subemprego dos nossos pares - "As contas do meu rosário fizeram calos/ nas minhas mãos/ pois são contas do trabalho na terra, nas fábricas,/ nas casas, nas escolas, nas ruas, no mundo". Entretanto, permanecem os "sonhos de esperanças" e a transformação do verbo em poesia - "E neste andar de contas-pedras,/ o meu rosário se transmuta em tinta,/ me guia o dedo,/ me insinua a poesia".
Intertextualizando com Carlos Drummond de Andrade, para nós negros há sempre incontáveis "pedras no meio do caminho". Para suportar e superar "a áspera intempérie/ dos dias", necessita-se assumir "a ousada esperança/ de quem marcha cordilheiras/ triturando todas as pedras/ da primeira à derradeira", "moldando fortalezas-esperanças" para sobreviver diante de tantas desigualdades e perseguições ao nosso povo, principalmente aos jovens, vítimas constantes da violência policial e demonstrada com sutileza pelo sujeito lírico: "E pedimos/ que as balas perdidas/ percam o rumo/ e não façam do corpo nosso,/ os nossos filhos,/ o alvo". Fatos recorrentes que revoltam, o incômodo por séculos de opressão não segura mais a língua metamorfoseando a conjungação dos verbos: "E não há mais/ quem morda a nossa língua/ o nosso verbo solto/ conjugou antes/ o tempo de todas as dores". Sendo assim, o sujeito lírico atua como agente de mudança da História e propõe o seu grito de liberdade: "E o silêncio escapou/ ferindo a ordenança/ e hoje o anverso/ da mudez é a nudez/ do nosso gritante verso/ que se quer livre".
Devemos frisar que o poeta afro-brasileiro é um partícipe ativo - e por sinal, incômodo - da presença negra na literatura brasileira, assim como possui plena consciência da necessidade de uma revisão crítica da História oficial que minimiza o passado de séculos de escravidão e a exclusão social que se perpetua para a maioria de nossos pares na contemporaneidade. Só resta ao sujeito lírico cumprir seu papel e assumir essa condição, ou seja, denunciar "o que os livros escondem,/ as palavras ditas libertam. E não há quem ponha/ um ponto final na história".
Com isso, os poemas de Conceição Evaristo possuem o predomínio temático das diversas e urgentes questões afro-brasileiras e também da mulher, todavia, sua poesia navega com desenvoltura pela metapoética, demonstrando reverência ao verbo poético, transbordando lirismo e emocionando as retinas: "Quando eu morder/ a palavra,/ por favor/ não me apressem,/ quero mascar,/ rasgar entre os dentes,/ a pele, os ossos, o tutano/ do verbo,/ para assim versejar/ o âmago das coisas".
E é assim "crivando buscas/ cavando sonhos/ aquilombando esperanças/ na escuridão da noite" e cosendo "a rede/ de nossa milenar resistência" que a poesia de Conceição Evaristo insiste na defesa inquestionável dos negros, persiste com as denúncias às condições discriminatórias sofridas por nós e amadurece em sua estrutura estético-formal. "Poemas da recordação e outros movimentos" mostram um verbo depurado de uma autêntica artífice da linguagem, marcando a sua posição destacada na construção de uma literatura afro-brasileira autônoma, para além de configurar a inclusão do nome de Conceição Evaristo entre o que vem sendo produzido de melhor qualidade na literatura brasileira contemporânea.
Acréscimo do EDUCOM: saiba aqui como adquirir o livro "Poemas da recordação e outros movimentos"
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Hoje não é nenhum absurdo nem exagero afirmar que Conceição Evaristo (foto, de Ricardo Riso) é a principal voz feminina da nossa literatura afro-brasileira. Por isso, devemos celebrar o lançamento de "Poemas de recordação e outros movimentos", pela editora Nandyala, em 2008, antologia poética que reúne poemas do passado e inéditos dessa mineira de Belo Horizonte, nascida em 29 de novembro de 1946.
Desde os anos 1970 radicada no Rio de Janeiro, formada em Letras, Mestre em Literatura Brasileira pela PUC/RJ e Doutora em Literatura Comparada pela UFF/RJ, Evaristo teve sua estreia literária em 1990, na série Cadernos Negros, publicação anual editada pelo Grupo Quilombhoje com o intuito de lançar escritores afro-brasileiros, projeto iniciado em 1978.
A partir daí, a poeta começou a ter seus textos, que navegam entre a poesia, o conto e o romance, em diversas antologias nacionais e estrangeiras. Individualmente, publicou os seguintes romances: "Ponciá Vicêncio" (2003 e já na segunda edição) e "Becos da Memória" (2006).
A obra de Conceição Evaristo conduz-nos a um profundo mergulho na memória que navega entre as recordações individual e coletiva, "a memória bravia lança o leme:/ Recordar é preciso". Logo somos banhados pelas "águas-lembranças" de Evaristo que se posiciona como mulher negra e da comunidade negra em geral para transformar em poesia as suas "escrevivências". Estas são motivadas pelas lembranças familiares, formadoras do binômio vida-poesia, destacando-se a convivência com a mãe, "mulher de pôr reparo nas coisas,/ e de assuntar a vida", e que "me ensinou,/ insisto, foi ela,/ a fazer da palavra/ artifício/ arte e ofício/ do meu canto/ da minha fala", o aprendizado oral pelos provérbios, "quando se anda descalço/ cada dedo olha a estrada", e também do contato frutífero com a Tia Lia que "temperando os meus dias/ misturava o real e os sonhos/ inventando alquimias./ (...) Houve um tempo/ em que a velha/ me buscava/ e eu menina/ com os olhos/ que ela me emprestava,/ via por inteiro/ o coração da vida".
O cruel desenvolvimento das adversidades pelas quais passam as mulheres negras através dos tempos, configurando a dor e as experiências de injustiças sociais, são demonstrados no poema "Vozes-Mulheres", no qual o sujeito lírico retoma as dores sofridas pela bisavó no passado de violenta escravidão, como ecos na memória de "lamentos/ de uma infância perdida". Relembra a submissão sofrida pela avó ainda escrava diante da "obediência/ aos brancos-donos de tudo", recorda os ecos das dores de sua mãe "no fundo das cozinhas alheias/ debaixo de trouxas/ roupagens sujas dos brancos". Até chegar no tempo presente, na sua voz que ainda "ecoa versos perplexos/ com rimas de sangue/ e/ fome", para atingir a consciência madura de sua filha, voz que "recorre todas as nossas vozes" e que se quer livre: "Na voz de minha filha/ se fará ouvir a ressonância/ o eco da vida-liberdade".
A condição feminina aparece com frequência em seus poemas. Em "Do fogo que em mim arde" a coisificação da mulher é combatida: "Sim, eu trago o fogo,/ o outro/ não aquele que te apraz"; conduzindo à metapoesia e à afirmação de um sujeito feminino pleno: "Sim, eu trago o fogo,/ o outro/ aquele que me faz,/ e que molda a dura pena/ de minha escrita./ É este o fogo/ o meu,/ o que me arde/ e cunha a minha face/ na letra-desenho/ do auto-retrato meu". Portanto, verifica-se a rigidez de um sujeito lírico que possui a força de dar a vida, por fim, dar movimento ao mundo e que diz: "Eu fêmea-matriz/ Eu força-motriz/ Eu-mulher".
Ao posicionar-se como negra e ao fazer literatura com cariz afro-brasileiro, torna-se inevitável apresentar temas que não integram o cânone e são excluídos por ele, tal como a denúncia do racismo presente em nossa sociedade que a ordem estabelecida insiste em negar e persiste com a mentira de que vivemos em uma democracia racial. Os poemas de Evaristo invocam este e outros assuntos referentes ao nosso cotidiano de cidadão negro e o poema "Meu Rosário" é um excelente exemplo por tratar da religiosidade híbrida brasileira - "Nas contas de meu rosário eu canto Mamãe Oxum e falo/ padres-nossos, ave-marias" -, a discriminação permanente que o negro é submetido em uma cerimônia cristã - "As coroações da Senhora, em que as meninas negras,/ apesar do desejo de coroar a Rainha,/ tinham de se contentar em ficar ao pé do altar/ lançando flores" -, escancara o subemprego dos nossos pares - "As contas do meu rosário fizeram calos/ nas minhas mãos/ pois são contas do trabalho na terra, nas fábricas,/ nas casas, nas escolas, nas ruas, no mundo". Entretanto, permanecem os "sonhos de esperanças" e a transformação do verbo em poesia - "E neste andar de contas-pedras,/ o meu rosário se transmuta em tinta,/ me guia o dedo,/ me insinua a poesia".
Intertextualizando com Carlos Drummond de Andrade, para nós negros há sempre incontáveis "pedras no meio do caminho". Para suportar e superar "a áspera intempérie/ dos dias", necessita-se assumir "a ousada esperança/ de quem marcha cordilheiras/ triturando todas as pedras/ da primeira à derradeira", "moldando fortalezas-esperanças" para sobreviver diante de tantas desigualdades e perseguições ao nosso povo, principalmente aos jovens, vítimas constantes da violência policial e demonstrada com sutileza pelo sujeito lírico: "E pedimos/ que as balas perdidas/ percam o rumo/ e não façam do corpo nosso,/ os nossos filhos,/ o alvo". Fatos recorrentes que revoltam, o incômodo por séculos de opressão não segura mais a língua metamorfoseando a conjungação dos verbos: "E não há mais/ quem morda a nossa língua/ o nosso verbo solto/ conjugou antes/ o tempo de todas as dores". Sendo assim, o sujeito lírico atua como agente de mudança da História e propõe o seu grito de liberdade: "E o silêncio escapou/ ferindo a ordenança/ e hoje o anverso/ da mudez é a nudez/ do nosso gritante verso/ que se quer livre".
Devemos frisar que o poeta afro-brasileiro é um partícipe ativo - e por sinal, incômodo - da presença negra na literatura brasileira, assim como possui plena consciência da necessidade de uma revisão crítica da História oficial que minimiza o passado de séculos de escravidão e a exclusão social que se perpetua para a maioria de nossos pares na contemporaneidade. Só resta ao sujeito lírico cumprir seu papel e assumir essa condição, ou seja, denunciar "o que os livros escondem,/ as palavras ditas libertam. E não há quem ponha/ um ponto final na história".
Com isso, os poemas de Conceição Evaristo possuem o predomínio temático das diversas e urgentes questões afro-brasileiras e também da mulher, todavia, sua poesia navega com desenvoltura pela metapoética, demonstrando reverência ao verbo poético, transbordando lirismo e emocionando as retinas: "Quando eu morder/ a palavra,/ por favor/ não me apressem,/ quero mascar,/ rasgar entre os dentes,/ a pele, os ossos, o tutano/ do verbo,/ para assim versejar/ o âmago das coisas".
E é assim "crivando buscas/ cavando sonhos/ aquilombando esperanças/ na escuridão da noite" e cosendo "a rede/ de nossa milenar resistência" que a poesia de Conceição Evaristo insiste na defesa inquestionável dos negros, persiste com as denúncias às condições discriminatórias sofridas por nós e amadurece em sua estrutura estético-formal. "Poemas da recordação e outros movimentos" mostram um verbo depurado de uma autêntica artífice da linguagem, marcando a sua posição destacada na construção de uma literatura afro-brasileira autônoma, para além de configurar a inclusão do nome de Conceição Evaristo entre o que vem sendo produzido de melhor qualidade na literatura brasileira contemporânea.
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Dilma contém choro e agradece apoio dos militantes do PT
Do "Terra"
A presidente eleita Dilma Rousseff (PT) fez um breve discurso no diretório nacional do Partido dos Trabalhadores ontem, em Brasília. Ao lado de José Eduardo Dutra, presidente nacional do PT e integrante da equipe de transição do governo, ela falou por aproximadamente 18 minutos e não entrou em detalhes a respeito de seus planos de governo para os próximos quatro anos. Comovida, Dilma agradeceu o apoio dos militantes do PT durante a campanha e teve que conter as lágrimas.
"Temos a responsabilidade de transformar esse País numa referência histórica, numa das maiores democracia do Ocidente. Teremos uma justiça social que prima pela erradicação da miséria", disse a presidente.
Dilma Rousseff afirmou que o PT está maduro e pronto para governar para a situação e oposição. "Vou enfatizar a importância das alianças políticas, algo que fizemos de forma madura, com capacidade de conviver com a diferença, de entender que é possível ter posicionamentos diferenciados sobre algumas questões e construir o consenso político que vai mudar o nosso País.
O PT foi aprendendo e teve maturidade para entender que o país era complexo, que tinha que se coligar, fazer aliança. Numa democracia, é assim que se deve governar."
Sobre a responsabilidade de suceder o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que acumula recordes de aprovação popular, Dilma falou que o importante é não se repetir. "Minha vantagem, quando olho para 2002, é que temos uma herança bendita. Essa herança nos coloca um desafio: nossas conquistas não podem se repetir, sob pena de não honrarmos o que construímos. Isso nos coloca a imposição de ir em frente, de aprofundar o que conquistamos. Esse projeto começou com Lula e teve toda uma experiência pessoal dele como líder sindical."
Os três porquinhos
O discurso de Dilma foi marcado por momentos de emoção e descontração. Ao se referir à ausência do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que deve ocupar um cargo importante no seu governo, a presidente disse que ele é um dos "três porquinhos", sendo os outros dois José Eduardo Dutra e José Eduardo Cardozo, deputado federal pelo PT. "Os 3 porquinhos foram muito bem sucedidos na coordenação da minha campanha. Encontrei neles companheiros de todas as horas. Sem abrir mão da importância de outras lideranças aqui presentes, quero dirigir a eles meu agradecimento especial."
Comovida, a presidente falava sobre a solidariedade recebida por militantes do PT em diversos locais do Brasil e teve que parar para beber água e conter as lágrimas. "Eu vi o PT vivo e atuante de Norte a Sul, Leste a Oeste. É para esse partido que eu apresento o meu reconhecimento, a minha gratidão e a certeza que eu dependo desse partido para bem governar o País. Dependo do esforço e da solidariedade de vocês, e da maturidade política para compreender os diversos desafios políticos", afirmou.
Dilma Rousseff encerrou o discurso homenageando a perseverança do presidente Lula, que foi eleito após três tentativas frustradas, pedindo que os petistas que não se elegeram não desistam. "Nós temos uma herança e a trajetória de que é preciso não desistir. Nós estamos iniciando uma nova etapa e outras etapas ainda virão. Nós, mulheres, chegamos aqui. Eu acho que eu represento a luta de cada uma das militantes aqui presentes. Todas nós representamos milhões de mulheres brasileiras que progressivamente colocarão sua cara, brigando por um Brasil melhor."
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Comentando os documentos sobre Dilma Rousseff
Se você não leu O Globo ontem, saiba do que estamos falando.
Por Gustavo A. Medeiros*
A reportagem de O Globo sobre o inquérito não mostra que ela assessorou o assalto.
"(...) descrevem a ex-militante como uma figura de expressão nos grupos em que atuou, que chefiou greves e 'assessorou assaltos a bancos' e nunca se arrependeu".
Onde está a descrição? Não era relevante para estar na reportagem? A reportagem se baseou em fatos ou apenas em achismos dos órgãos de repressão?
Mostra também que a Dilma não necessariamente sabia dos eventos ocorridos.
"Dilma contou que, em outro encontro, um companheiro falou da realização de uma 'grande ação' que iria render bastante dinheiro para os cofres da organização. Essa ação, soube Dilma depois, tratava-se do assalto à residência de Ana Capriglione, ex-secretária do ex-governador Ademar de Barros."
Adhemar de Barros que não tinha reputação de honesto.
www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8137/tde-09022009-103517/pt-br.php
Outra coisa, os integrantes das organizações não necessariamente sabiam das ações uns dos outros. Havia uma grande autonomia nas ações por medida de segurança, a razão é obvia, se um "caía" nem sempre todos cairiam. Por isto, nem a Dilma Rousseff e nem o esposo dela sabiam os nomes verdadeiros um dos outros.
Na ditadura, houve a alegação ridícula de que Vladimir Herzog era da KGB. O que prova que eles não eram bons de avaliação ou, pelo menos, belos mentirosos e manipuladores.
"Fica quieto aí, menino, você não sabe de nada! Ele era agente da KGB e o governo está infiltrado de agentes da KGB. O governo está infiltrado de agentes da KGB e nós estamos sabendo quem são".
Depois se soube que tudo não passava de uma briga política dentro da própria ditadura.
"E depois ele ainda disse o seguinte: 'E vocês têm que entender qual é a nossa função: a pessoa entrou aqui a gente baixa o cacete. Pode ser até o presidente da República, entrou aqui a gente baixa o cacete!'. Eu também achei essa referência nada fortuita ao presidente da República como uma indicação, não é verdade?"
www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=352DVH005
Vlado era um homem pacífico, mas nem precisou pegar em armas para ser brutalmente reprimido, como está dito no Blog do Noblat:
"A maioria deles tinha ligações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). O aparelho de repressão do regime havia aniquilado com as demais organizações clandestina de esquerda que pegaram em armas contra a ditadura. O PCB não pegou. Defendia o enfrentamento pelos meios legais – ou quase isso. Nem por isso foi tolerado."
oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/03/11/vladimir-herzog-30-anos-167943.asp
Aliás, o pessoal do Partido Comunista Brasileiro que passou a ser contra pegar em armas foi sistematicamente eliminado.
Vale lembrar que bastava lutar contra o regime ou participar de instituições contra a ditadura para ser considerado terrorista. Veja que até Serra foi considerado terrorista:
"Consultados por Última Instância, as fichas, prontuários e dossiês compilados pelo Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) nos anos 1960 e 1970 – hoje no Arquivo Público do Estado de São Paulo – revelam que, para os órgãos de segurança, Serra também esteve 'envolvido em atos de terrorismo' e fazia discursos 'extremistas', conclamando estudantes e trabalhadores para a 'revolução'".
"Serra também foi julgado, à revelia, pela Justiça Militar, e condenado a três anos de prisão por 'fazer publicamente propaganda de processos violentos para a subversão da ordem política ou social’".
ultimainstancia.uol.com.br/noticia/PARA+DITADURA+SERRA+TAMBEM+ERA+TERRORISTA+E+PREGAVA+A+REVOLUCAO+TUCANO+FOI+CONDENADO+A+TRES+ANOS+DE+PRISAO+_71749.shtml
Independentemente do que a atual presidenta tenha feito ou não:
1 – Dilma estava lutando contra um regime ilegal e usurpador da vontade do povo. As pessoas da direita não levam em conta que é direito legítimo de os seres humanos lutarem contra regimes opressores.
2 – Muito do que foi dito nestes inquéritos foi dito sob tortura, o que invalidaria todo o processo. As pessoas que a acusam de assaltante e assassina tem provas? Se as tem, são provas livres de vícios?
3 – Mesmo que ela tivesse cometido algum crime, foi presa por 3 anos e, portanto, teria pagado o suposto “crime”.
4 – Se Dilma foi assassina como dizem, nunca teria pegado pena de 3 anos de prisão. Ou pegaria uma pena mais pesada ou teria sido morta e seu cadáver teria desaparecido, o que seria o mais provável.
5 – Supondo que a presidenta eleita tenha sido esta assassina e terrorista como alguns querem acreditar, depois nunca mais ela participou da vida clandestina e viveu uma vida normal. Se Dilma foi esta pessoa "ruim", ela não poderia ter mudado? É só lembrar que Paulo de Tarso matou pessoas, tempos depois se tornou cristão e de perseguidor passou a ser perseguido. Aliás, fundou o cristianismo moderno que prega o perdão e mudança de atitude. O mesmo cristianismo que foi usado por moralistas para jogar pedras na atual presidenta antes da eleição.
*leitor do Luis Nassif Online, em comentário deixado na caixinha do blog
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Por Gustavo A. Medeiros*
A reportagem de O Globo sobre o inquérito não mostra que ela assessorou o assalto.
"(...) descrevem a ex-militante como uma figura de expressão nos grupos em que atuou, que chefiou greves e 'assessorou assaltos a bancos' e nunca se arrependeu".
Onde está a descrição? Não era relevante para estar na reportagem? A reportagem se baseou em fatos ou apenas em achismos dos órgãos de repressão?
Mostra também que a Dilma não necessariamente sabia dos eventos ocorridos.
"Dilma contou que, em outro encontro, um companheiro falou da realização de uma 'grande ação' que iria render bastante dinheiro para os cofres da organização. Essa ação, soube Dilma depois, tratava-se do assalto à residência de Ana Capriglione, ex-secretária do ex-governador Ademar de Barros."
Adhemar de Barros que não tinha reputação de honesto.
www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8137/tde-09022009-103517/pt-br.php
Outra coisa, os integrantes das organizações não necessariamente sabiam das ações uns dos outros. Havia uma grande autonomia nas ações por medida de segurança, a razão é obvia, se um "caía" nem sempre todos cairiam. Por isto, nem a Dilma Rousseff e nem o esposo dela sabiam os nomes verdadeiros um dos outros.
Na ditadura, houve a alegação ridícula de que Vladimir Herzog era da KGB. O que prova que eles não eram bons de avaliação ou, pelo menos, belos mentirosos e manipuladores.
"Fica quieto aí, menino, você não sabe de nada! Ele era agente da KGB e o governo está infiltrado de agentes da KGB. O governo está infiltrado de agentes da KGB e nós estamos sabendo quem são".
Depois se soube que tudo não passava de uma briga política dentro da própria ditadura.
"E depois ele ainda disse o seguinte: 'E vocês têm que entender qual é a nossa função: a pessoa entrou aqui a gente baixa o cacete. Pode ser até o presidente da República, entrou aqui a gente baixa o cacete!'. Eu também achei essa referência nada fortuita ao presidente da República como uma indicação, não é verdade?"
www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=352DVH005
Vlado era um homem pacífico, mas nem precisou pegar em armas para ser brutalmente reprimido, como está dito no Blog do Noblat:
"A maioria deles tinha ligações com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). O aparelho de repressão do regime havia aniquilado com as demais organizações clandestina de esquerda que pegaram em armas contra a ditadura. O PCB não pegou. Defendia o enfrentamento pelos meios legais – ou quase isso. Nem por isso foi tolerado."
oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2009/03/11/vladimir-herzog-30-anos-167943.asp
Aliás, o pessoal do Partido Comunista Brasileiro que passou a ser contra pegar em armas foi sistematicamente eliminado.
Vale lembrar que bastava lutar contra o regime ou participar de instituições contra a ditadura para ser considerado terrorista. Veja que até Serra foi considerado terrorista:
"Consultados por Última Instância, as fichas, prontuários e dossiês compilados pelo Deops (Departamento Estadual de Ordem Política e Social) nos anos 1960 e 1970 – hoje no Arquivo Público do Estado de São Paulo – revelam que, para os órgãos de segurança, Serra também esteve 'envolvido em atos de terrorismo' e fazia discursos 'extremistas', conclamando estudantes e trabalhadores para a 'revolução'".
"Serra também foi julgado, à revelia, pela Justiça Militar, e condenado a três anos de prisão por 'fazer publicamente propaganda de processos violentos para a subversão da ordem política ou social’".
ultimainstancia.uol.com.br/noticia/PARA+DITADURA+SERRA+TAMBEM+ERA+TERRORISTA+E+PREGAVA+A+REVOLUCAO+TUCANO+FOI+CONDENADO+A+TRES+ANOS+DE+PRISAO+_71749.shtml
Independentemente do que a atual presidenta tenha feito ou não:
1 – Dilma estava lutando contra um regime ilegal e usurpador da vontade do povo. As pessoas da direita não levam em conta que é direito legítimo de os seres humanos lutarem contra regimes opressores.
2 – Muito do que foi dito nestes inquéritos foi dito sob tortura, o que invalidaria todo o processo. As pessoas que a acusam de assaltante e assassina tem provas? Se as tem, são provas livres de vícios?
3 – Mesmo que ela tivesse cometido algum crime, foi presa por 3 anos e, portanto, teria pagado o suposto “crime”.
4 – Se Dilma foi assassina como dizem, nunca teria pegado pena de 3 anos de prisão. Ou pegaria uma pena mais pesada ou teria sido morta e seu cadáver teria desaparecido, o que seria o mais provável.
5 – Supondo que a presidenta eleita tenha sido esta assassina e terrorista como alguns querem acreditar, depois nunca mais ela participou da vida clandestina e viveu uma vida normal. Se Dilma foi esta pessoa "ruim", ela não poderia ter mudado? É só lembrar que Paulo de Tarso matou pessoas, tempos depois se tornou cristão e de perseguidor passou a ser perseguido. Aliás, fundou o cristianismo moderno que prega o perdão e mudança de atitude. O mesmo cristianismo que foi usado por moralistas para jogar pedras na atual presidenta antes da eleição.
*leitor do Luis Nassif Online, em comentário deixado na caixinha do blog
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Mauro Santayana responde a Alain Touraine
Alain Touraine, como a maioria dos franceses, não considera o corruptor como criminoso, porque o corruptor é normalmente o opressor e nas relações internacionais este papel costuma ser representado pelas nacões hegemônicas, como França, EUA, entre outros países. Criminosos para eles são os corrompidos, os pobres. Há muitos exemplos desse preconceito na história da França com suas ex-colônias.
Zilda Ferreira - editora política do EDUCOM
Touraine elogia FHC e desdenha o Brasil
Por Mauro Santayana*
A sociologia costuma amparar-se na abstração: vale-se de elementos estatísticos e da generalização dos comportamentos humanos. Seu pecado, já apontado por estudiosos, é o de, no exame dos fenômenos políticos, abandonar o fundamento ético das sociedades estatais, que é o da legitimidade do poder - como bem lembrou o filósofo alemão Manfred Riedel.
O sociólogo Alain Touraine é dos mais respeitados intelectuais contemporâneos, e se especializou na América Latina, ainda que conheça bem a realidade europeia e, cela va sans dire, a de seu próprio país. Prefere, sem embargo, a nossa modesta situação histórica à da Grande França, de que é cidadão. Esse, aliás, é um costume muito francês. Recordo-me de haver assistido a uma conferência de Régis Debray em Havana, em 1966, na qual o jornalista - que se considera filósofo - propunha "estratégia revolucionária para a América Latina". Um jovem comunista cubano perguntou-lhe sobre o que proporia como estratégia revolucionária na França. Debray, que fizera recente viagem de alguns meses ao nosso continente, como jornalista, e a serviço da revista Revolution, ligada aos chineses, disse que não entendia bem a situação da França. O jovem levou o auditório às gargalhadas, ao indagar ao conferencista, que nascera em Paris, e ali vivera toda a sua vida, por que não entendia da política francesa tanto quanto da América Latina, se passara tão pouco tempo entre nós.
Não é bem o caso de Touraine. Mas é curioso que tenha vindo ao Brasil, a fim de participar de um seminário técnico sobre planejamento urbano, patrocinado pela Emplasa, uma empresa estatal do governo paulista, a fim de tratar da "decadência das sociedades ocidentais".
São surpreendentes as declarações que fez aos jornais, porque elas revelam algumas contradições. Ao expor dúvida quanto ao nosso futuro, sob a presidência de Dilma Rousseff, afirma que, em oito anos de governo, "Fernando Henrique construiu as instituições", como se o Brasil fosse um vazio institucional antes de 1995. O que Fernando Henrique fez foi exatamente destruir a Constituição de 1988, e a Constituição é a primeira das instituições republicanas. Ele se entregou, com entusiasmo, à globalização que, segundo o mesmo Touraine, significa "o fim da sociedade", e só resta "o mercado puro". O sociólogo brasileiro desmoralizou, ainda mais, o Parlamento, ao cooptá-lo a fim de estabelecer a reeleição, e desmantelar o sistema cautelar de proteção aos bens nacionais, ao "privatizar" as empresas estratégicas do Estado, doando-as aos escolhidos. O ex-presidente manipulou a opinião pública, mediante os expedientes que se conhecem, nem todos honrados e ainda que nem todos espúrios, como são os meios de comunicação social, os intelectuais "orgânicos" ou solitários, e os centros acadêmicos. Disse ainda Touraine, em observação óbvia, que a Europa se tem dedicado, nos últimos 20 anos, a eliminar "significados". E dá o exemplo: o desenvolvimento industrial foi eliminado pelo mercado financeiro, substituído pelo sistema de "o dinheiro pelo dinheiro". Nessa particular eliminação de significado, como sabemos, o governo de Fernando Henrique foi perfeito.
Consideramos deselegante - e ofensiva - a sua afirmação de que o sistema político brasileiro "é horrível, corrupto". A corrupção, que estamos combatendo, não é endemia brasileira, mas doença universal. Como outros costumes, esse também veio da Europa. Ele conhece muito bem isso, na França do passado - como no caso do Canal do Panamá - e na França sob o governo de Sarkozy.
Se o grande intelectual francês dedicasse ao exame do seu governo o mesmo interesse que dedica ao Brasil, na certa seria mais cético em relação ao seu país, do que com respeito ao nosso. É a modesta sugestão que podemos fazer à sua excepcional inteligência.
*originalmente publicado no JB Digital
Leia também:
Vá tomar banho, monsieur Touraine
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Zilda Ferreira - editora política do EDUCOM
Touraine elogia FHC e desdenha o Brasil
Por Mauro Santayana*
A sociologia costuma amparar-se na abstração: vale-se de elementos estatísticos e da generalização dos comportamentos humanos. Seu pecado, já apontado por estudiosos, é o de, no exame dos fenômenos políticos, abandonar o fundamento ético das sociedades estatais, que é o da legitimidade do poder - como bem lembrou o filósofo alemão Manfred Riedel.
O sociólogo Alain Touraine é dos mais respeitados intelectuais contemporâneos, e se especializou na América Latina, ainda que conheça bem a realidade europeia e, cela va sans dire, a de seu próprio país. Prefere, sem embargo, a nossa modesta situação histórica à da Grande França, de que é cidadão. Esse, aliás, é um costume muito francês. Recordo-me de haver assistido a uma conferência de Régis Debray em Havana, em 1966, na qual o jornalista - que se considera filósofo - propunha "estratégia revolucionária para a América Latina". Um jovem comunista cubano perguntou-lhe sobre o que proporia como estratégia revolucionária na França. Debray, que fizera recente viagem de alguns meses ao nosso continente, como jornalista, e a serviço da revista Revolution, ligada aos chineses, disse que não entendia bem a situação da França. O jovem levou o auditório às gargalhadas, ao indagar ao conferencista, que nascera em Paris, e ali vivera toda a sua vida, por que não entendia da política francesa tanto quanto da América Latina, se passara tão pouco tempo entre nós.
Não é bem o caso de Touraine. Mas é curioso que tenha vindo ao Brasil, a fim de participar de um seminário técnico sobre planejamento urbano, patrocinado pela Emplasa, uma empresa estatal do governo paulista, a fim de tratar da "decadência das sociedades ocidentais".
São surpreendentes as declarações que fez aos jornais, porque elas revelam algumas contradições. Ao expor dúvida quanto ao nosso futuro, sob a presidência de Dilma Rousseff, afirma que, em oito anos de governo, "Fernando Henrique construiu as instituições", como se o Brasil fosse um vazio institucional antes de 1995. O que Fernando Henrique fez foi exatamente destruir a Constituição de 1988, e a Constituição é a primeira das instituições republicanas. Ele se entregou, com entusiasmo, à globalização que, segundo o mesmo Touraine, significa "o fim da sociedade", e só resta "o mercado puro". O sociólogo brasileiro desmoralizou, ainda mais, o Parlamento, ao cooptá-lo a fim de estabelecer a reeleição, e desmantelar o sistema cautelar de proteção aos bens nacionais, ao "privatizar" as empresas estratégicas do Estado, doando-as aos escolhidos. O ex-presidente manipulou a opinião pública, mediante os expedientes que se conhecem, nem todos honrados e ainda que nem todos espúrios, como são os meios de comunicação social, os intelectuais "orgânicos" ou solitários, e os centros acadêmicos. Disse ainda Touraine, em observação óbvia, que a Europa se tem dedicado, nos últimos 20 anos, a eliminar "significados". E dá o exemplo: o desenvolvimento industrial foi eliminado pelo mercado financeiro, substituído pelo sistema de "o dinheiro pelo dinheiro". Nessa particular eliminação de significado, como sabemos, o governo de Fernando Henrique foi perfeito.
Consideramos deselegante - e ofensiva - a sua afirmação de que o sistema político brasileiro "é horrível, corrupto". A corrupção, que estamos combatendo, não é endemia brasileira, mas doença universal. Como outros costumes, esse também veio da Europa. Ele conhece muito bem isso, na França do passado - como no caso do Canal do Panamá - e na França sob o governo de Sarkozy.
Se o grande intelectual francês dedicasse ao exame do seu governo o mesmo interesse que dedica ao Brasil, na certa seria mais cético em relação ao seu país, do que com respeito ao nosso. É a modesta sugestão que podemos fazer à sua excepcional inteligência.
*originalmente publicado no JB Digital
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sexta-feira, 19 de novembro de 2010
América Latina - a mídia é a pauta da vez
Por Marcelo Salles, jornalista, para o website do Instituto de Estudos Latino-americanos da UFSC
Nossa América dá sinais, cada vez mais constantes, da necessidade de rever o modelo de comunicação a que estamos submetidos. Primeiro foi a Venezuela, que impulsionou a criação de uma televisão multi-estatal, a Telesur, em parceria com Cuba, Argentina e Uruguai. A medida foi tomada logo após a tentativa de golpe de Estado contra o presidente Chávez, em 2002 – golpe esse que contou com apoio decisivo das corporações da mídia privada venezuelana.
Em 2007, o Brasil cria a Empresa Brasileira de Comunicação, que une a Radiobrás e a TV Educativa do Rio de Janeiro num projeto de comunicação pública – ainda imperfeito, mas com capacidade suficiente incomodar, a ponto de jornais neoliberais dedicarem editoriais exigindo o fim da iniciativa.
No ano seguinte foi a vez da Bolívia criar um jornal estatal, El Cambio, de formato tablóide e preço popular. Inicialmente com 5 mil exemplares, dois anos depois o jornal boliviano já alcançou o primeiro lugar em vendas e desbancou os tradicionais La Prensa e El Razón.
A Argentina enfrenta o monopólio dos grupos privados e o governo Kirchner leva adiante a Ley de Medios, que atinge duramente as corporações privadas.
Ainda no Cone Sul, no último dia 14 de outubro o ministro da Informação e Comunicação do Paraguai, Augusto dos Santos, anunciou a circulação de um jornal semanal público para informar a população sobre as políticas do Estado. O nome da publicação será Infogob, terá alcance nacional e distribuição gratuita.
Santos disse que o objetivo do semanário é divulgar informações das secretarias, ministérios, entes públicos e demais poderes do Estado a serviço da cidadania. Segundo o ministro paraguaio, o Infogob apresentará opiniões e pontos de vista externos ao olhar governamental para que exista um contraste permanente dos demais, com interesse cidadão.
A mudança necessária no paradigma das comunicações não pode ter apenas caráter técnico. As novas ferramentas, as mídias sociais, sites e blogs da Internet são importantes, mas não são suficientes. As grandes transformações que precisam acontecer em Nuestra América necessitam de uma revolução na forma de comunicar. Não estou falando do momento eleitoral, em que essas ferramentas podem jogar um papel decisivo. Em termos de mudança de consciência, por exemplo, ou de erradicação de preconceitos, ou de respeito aos direitos humanos, nada vai mudar se as corporações privadas de mídia continuarem donas de oligopólios a serviço da exploração dos povos.
Em outras palavras: enquanto vigorar a propriedade cruzada – mesmo grupo controlando jornal, rádio e televisão na mesma praça; enquanto meia dúzia de empresas capitalistas forem donas de mais de 90% da audiência e da maior parte das verbas públicas publicitárias; e enquanto esses grupos continuarem, como no Brasil, a ter mais influência junto aos parlamentares do que os cidadãos que os elegeram.
Democratizar televisão, rádio e jornais é importante porque a mídia é, hoje, a instituição com maior poder de produção e reprodução de subjetividades. Ou seja, a mídia determina formas de sentir, de pensar e de agir dos indivíduos e, conseqüentemente, influencia posicionamentos da sociedade como um todo. Se divulga mensagens de ódio, se divulga informações distorcidas, então teremos um povo irracional e desinformado, caldo de cultura perfeito para a violência. Por outro lado, se a mídia divulga informações corretas e mensagens de respeito ao outro, então será mais provável criarmos uma sociedade mais harmônica.
O governo do presidente Lula seguramente avançou mais que o anterior, pois além da TV Brasil está em curso o Plano Nacional de Banda Larga, que pretende universalizar o acesso à Internet de alta velocidade. Entretanto, em comparação com nossos vizinhos, estamos atrasados. O Brasil perdeu sua grande chance com o decreto da TV Digital, quando era possível ter investido na multi-programação e fomentado a participação de novos atores no cenário da radiodifusão.
Estamos atrasados não apenas por conta das dificuldades do governo atual. Toda a esquerda brasileira tem enorme dificuldade de compreender a importância dos meios de comunicação de massa para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Partidos políticos, estudantes, sindicalistas, integrantes de movimentos sociais organizados, acadêmicos, artistas. A tendência ainda é acreditar que se pode negociar com as corporações privadas, em vez de modificar a atual estrutura – o que, diga-se de passagem, seria apenas cumprir a Constituição de 1988. A história recente do Brasil nos oferece incansáveis provas de que essa crença não passa de uma ilusão, incluindo o fato de as últimas duas eleições terem sido levadas para o segundo turno, sem falar da famosa manipulação do debate em 1989. Vamos ver se a nossa esquerda acorda, e se acorda a tempo.
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Nossa América dá sinais, cada vez mais constantes, da necessidade de rever o modelo de comunicação a que estamos submetidos. Primeiro foi a Venezuela, que impulsionou a criação de uma televisão multi-estatal, a Telesur, em parceria com Cuba, Argentina e Uruguai. A medida foi tomada logo após a tentativa de golpe de Estado contra o presidente Chávez, em 2002 – golpe esse que contou com apoio decisivo das corporações da mídia privada venezuelana.
Em 2007, o Brasil cria a Empresa Brasileira de Comunicação, que une a Radiobrás e a TV Educativa do Rio de Janeiro num projeto de comunicação pública – ainda imperfeito, mas com capacidade suficiente incomodar, a ponto de jornais neoliberais dedicarem editoriais exigindo o fim da iniciativa.
No ano seguinte foi a vez da Bolívia criar um jornal estatal, El Cambio, de formato tablóide e preço popular. Inicialmente com 5 mil exemplares, dois anos depois o jornal boliviano já alcançou o primeiro lugar em vendas e desbancou os tradicionais La Prensa e El Razón.
A Argentina enfrenta o monopólio dos grupos privados e o governo Kirchner leva adiante a Ley de Medios, que atinge duramente as corporações privadas.
Ainda no Cone Sul, no último dia 14 de outubro o ministro da Informação e Comunicação do Paraguai, Augusto dos Santos, anunciou a circulação de um jornal semanal público para informar a população sobre as políticas do Estado. O nome da publicação será Infogob, terá alcance nacional e distribuição gratuita.
Santos disse que o objetivo do semanário é divulgar informações das secretarias, ministérios, entes públicos e demais poderes do Estado a serviço da cidadania. Segundo o ministro paraguaio, o Infogob apresentará opiniões e pontos de vista externos ao olhar governamental para que exista um contraste permanente dos demais, com interesse cidadão.
A mudança necessária no paradigma das comunicações não pode ter apenas caráter técnico. As novas ferramentas, as mídias sociais, sites e blogs da Internet são importantes, mas não são suficientes. As grandes transformações que precisam acontecer em Nuestra América necessitam de uma revolução na forma de comunicar. Não estou falando do momento eleitoral, em que essas ferramentas podem jogar um papel decisivo. Em termos de mudança de consciência, por exemplo, ou de erradicação de preconceitos, ou de respeito aos direitos humanos, nada vai mudar se as corporações privadas de mídia continuarem donas de oligopólios a serviço da exploração dos povos.
Em outras palavras: enquanto vigorar a propriedade cruzada – mesmo grupo controlando jornal, rádio e televisão na mesma praça; enquanto meia dúzia de empresas capitalistas forem donas de mais de 90% da audiência e da maior parte das verbas públicas publicitárias; e enquanto esses grupos continuarem, como no Brasil, a ter mais influência junto aos parlamentares do que os cidadãos que os elegeram.
Democratizar televisão, rádio e jornais é importante porque a mídia é, hoje, a instituição com maior poder de produção e reprodução de subjetividades. Ou seja, a mídia determina formas de sentir, de pensar e de agir dos indivíduos e, conseqüentemente, influencia posicionamentos da sociedade como um todo. Se divulga mensagens de ódio, se divulga informações distorcidas, então teremos um povo irracional e desinformado, caldo de cultura perfeito para a violência. Por outro lado, se a mídia divulga informações corretas e mensagens de respeito ao outro, então será mais provável criarmos uma sociedade mais harmônica.
O governo do presidente Lula seguramente avançou mais que o anterior, pois além da TV Brasil está em curso o Plano Nacional de Banda Larga, que pretende universalizar o acesso à Internet de alta velocidade. Entretanto, em comparação com nossos vizinhos, estamos atrasados. O Brasil perdeu sua grande chance com o decreto da TV Digital, quando era possível ter investido na multi-programação e fomentado a participação de novos atores no cenário da radiodifusão.
Estamos atrasados não apenas por conta das dificuldades do governo atual. Toda a esquerda brasileira tem enorme dificuldade de compreender a importância dos meios de comunicação de massa para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. Partidos políticos, estudantes, sindicalistas, integrantes de movimentos sociais organizados, acadêmicos, artistas. A tendência ainda é acreditar que se pode negociar com as corporações privadas, em vez de modificar a atual estrutura – o que, diga-se de passagem, seria apenas cumprir a Constituição de 1988. A história recente do Brasil nos oferece incansáveis provas de que essa crença não passa de uma ilusão, incluindo o fato de as últimas duas eleições terem sido levadas para o segundo turno, sem falar da famosa manipulação do debate em 1989. Vamos ver se a nossa esquerda acorda, e se acorda a tempo.
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Como será o 20 de Novembro, Dia Nacional da Consciência Negra no Rio de Janeiro
A Semana da Consciência Negra chega ao ponto culminante neste sábado, dia 20, Dia Nacional da Consciência Negra. A data faz referência à morte de Zumbi dos Palmares, líder do histórico Quilombo, em 1695. Alguns fatos marcaram as mobilizações em memória de Zumbi. Primeiro, tivemos a sociedade civil saindo em defesa da resolução do Conselho Nacional de Educação que reorienta professores do ensino fundamental a contextualizar obras literárias, para conscientizar os jovens sobre o respeito à diversidade étnica. Na tarde desta sexta foi reinaugurado na Praça 15, após restauração, o monumento a João Cândido, líder da Revolta da Chibata, que em 2010 comemora 100 anos. Amanhã tem lavagem do busto de Zumbi. Contribuição do jornalista Flávio Loureiro, companheiro do #Rio Blog Prog, Movimento dos Internautas Progressistas do Rio de Janeiro.
6h - Tradicional Lavagem do Busto de Zumbi dos Palmares - escultura de bronze que passou por uma recente restauração - pelo Afoxé Filhos de Ghandi e pela capoeira do Quilombo do Mestre Arerê
8h30 - Apresentação da peça "Saga Manoel Congo e Mariana Crioula", da Companhia Nossa Senhora do Teatro
10h - Apresentação do Coral Mané Garrincha e das escolas de samba Unidos da Tijuca, Unidos de Vila Isabel e Vizinha Faladeira
13h - Show com o Grupo Senzala e com os cantores Marquinhos Sathan, Dunga, Ito Melodia, Angela Sol, Bruno Ribas, Effeson, Vantuir, Marcia Moura, Tinga, Marcio Thadeu, entre outros convidados. Apresentações de afoxés, blocos afro e maracatus
20h - Show com Gabriel Moura e Luiz Melodia
Eventos gratuitos, com retirada de senha uma hora antes nas bilheterias dos teatros.
Centro - Av. Graça Aranha, 1
10h às 20h - Exposições: "Volume", do artista plástico Gilmar Ferreira; "Fotografia", com Mauricio Hora, Thiago Luiz, Thiago Firmino e fotógrafos do Observatório das Favelas
Jacarepaguá - Av. Geremário Dantas, 940, Freguesia
13h às 19h (até domingo, 21 de novembro) - Exposição do artista Cláudio Café no Foyer do Teatro
19h - Grupo de dança Orun Aiyê, com o espetáculo "Os orixás e a natureza"
21h - Show com Jongo da Serrinha
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Praça Onze
6h - Tradicional Lavagem do Busto de Zumbi dos Palmares - escultura de bronze que passou por uma recente restauração - pelo Afoxé Filhos de Ghandi e pela capoeira do Quilombo do Mestre Arerê
Praça 15
8h30 - Apresentação da peça "Saga Manoel Congo e Mariana Crioula", da Companhia Nossa Senhora do Teatro
10h - Apresentação do Coral Mané Garrincha e das escolas de samba Unidos da Tijuca, Unidos de Vila Isabel e Vizinha Faladeira
13h - Show com o Grupo Senzala e com os cantores Marquinhos Sathan, Dunga, Ito Melodia, Angela Sol, Bruno Ribas, Effeson, Vantuir, Marcia Moura, Tinga, Marcio Thadeu, entre outros convidados. Apresentações de afoxés, blocos afro e maracatus
20h - Show com Gabriel Moura e Luiz Melodia
Teatros Sesi
Eventos gratuitos, com retirada de senha uma hora antes nas bilheterias dos teatros.
Centro - Av. Graça Aranha, 1
10h às 20h - Exposições: "Volume", do artista plástico Gilmar Ferreira; "Fotografia", com Mauricio Hora, Thiago Luiz, Thiago Firmino e fotógrafos do Observatório das Favelas
Jacarepaguá - Av. Geremário Dantas, 940, Freguesia
13h às 19h (até domingo, 21 de novembro) - Exposição do artista Cláudio Café no Foyer do Teatro
19h - Grupo de dança Orun Aiyê, com o espetáculo "Os orixás e a natureza"
21h - Show com Jongo da Serrinha
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Gasto militar mantém equilíbrio do terror financeiro nos EUA
Por Osvaldo Martinez*
A estrutura do orçamento dos EUA e a lógica de sua política econômica é a de uma economia de guerra na qual o gasto militar exacerba o déficit fiscal, mas permite o funcionamento de um “equilíbrio do terror financeiro”, repassa imensos lucros ao complexo militar industrial e mantém uma chantagem global baseada na força militar.
Uma simples olhada no orçamento de 2010 dos Estados Unidos permite examinar a magnitude do gasto militar e o papel que este joga em conjunto com o gasto para os pacotes de resgate dos bancos e entidades financeiras quebradas.
O montante do orçamento é de 3,94 trilhões de dólares e o déficit previsto é de 1,75 trilhão, equivalente a quase 12% do PIB. (1)
O gasto militar oficial é de 739,5 bilhões de dólares, embora se forem incluídos outros gastos indiretos ou encobertos, o gasto superaria 1 trilhão de dólares.
O gasto no resgate das entidades financeiras falidas na crise, efetuado pelas administrações de Bush e Obama alcança 1,45 trilhão, enquanto que os juros devidos pela dívida pública são de 164 bilhões de dólares.
Isto significa que quase toda a receita do orçamento (2,38 trilhões) se consome somente pelo gasto militar mais os resgates da oligarquia financeira e uma pequena proporção por juros da dívida pública. Não fica praticamente nada para outros tipos de gastos.
Se considerarmos que o gasto militar ronda o trilhão de dólares e que a parte da receita orçamentária correspondente aos impostos familiares é de 1,06 trilhão, temos que quase todos os impostos pagos pelas famílias nos Estados Unidos mal dão para cobrir o enorme gasto militar.
Os Estados Unidos são o país mais endividado do mundo, embora o significado prático disto seja diferente para este país que para qualquer outro, porque se encontra endividado na moeda nacional que ele mesmo cria e faz circular.
O financiamento da enorme dívida pública federal ascendente a 14 trilhões de dólares, sem incluir dívidas dos estados e municípios é de características surrealistas.
Para o crescimento dessa dívida pública contribuíram os pacotes de resgate aos bancos, mas essa dívida é financiada por uma retorcida operação mediante a qual o governo financia seu próprio endividamento, pois o dinheiro dado como resgate aos bancos é financiado em parte tomando empréstimos aos mesmos bancos.
Por sua vez, os bancos impõem condicionalidades ao governo no manejo da dívida e como o dinheiro deve ser empregado. Depois de terem sido “resgatados” os bancos exigem cortes maciços no gasto público em serviços para a população, a privatização de infraestruturas e serviços como água, rodovias, lazer, mas não se toca no gasto militar.
E não se toca porque “War is Good for Business” (A guerra é boa para os negócios) e a mesma oligarquia que maneja o mercado financeiro obtém elevados lucros procedentes do gasto militar. E esse gasto militar - como parte do déficit público - é financiado por operações de guerra econômica que se aquecem cada vez mais e ameaçam mesclar a guerra econômica com a guerra provavelmente nuclear que os Estados Unidos incubam na complexa meada de seus interesses e contradições econômicas e geoestratégicas.
O equilíbrio do terror financeiro
A peculiar estrutura mediante a qual os Estados Unidos atuam como uma economia parasitária que financia seus déficits e seu gasto militar recebendo injeções financeiras do resto do mundo é parte da “normalidade” da ordem econômica global. Ter reservas monetárias em dólares que se reciclam para comprar bônus ou outros instrumentos do Tesouro que financiam a dívida estadunidense, e com ela a escalada militar, é considerado pelos neoliberais como uma manifestação do equilíbrio de mercados livres.
O poder midiático apresenta esta reciclagem como resultado da confiança na fortaleza econômica dos Estados Unidos porque outros países enviam para lá seus dólares para ser investidos. (2)
O real é que os estrangeiros põem seu dinheiro nos Estados Unidos não porque sejam importadores de mercadorias desse país, nem tampouco são investidores privados comprando ações ou bônus. Os maiores aplicadores de dinheiro nos Estados Unidos são os bancos centrais que não fazem outra coisa senão reciclar os dólares que seus exportadores obtiveram e por sua vez cambiaram por moedas nacionais.
Com déficits comercial e fiscal crescentes nos Estados Unidos, se produz uma inundação de dólares para o exterior, que agora são impulsionados pela baixa taxa de juros norte-americana e pela emissão alegre de papéis verdes.
Os países receptores de dólares (a China em especial) se vêem colocados diante de um dilema. Não participam nem têm influência alguma sobre decisões econômicas do governo dos Estados Unidos, que se aproveita do privilégio do dólar. Se aceitam a inundação de dólares, seja por excedentes comerciais ou pela baixa taxa de juros norte-americana ou por ambos os fatores, sofrem a pressão para a elevação da sua taxa de câmbio, a perda de competitividade comercial e o perigo de deixar aninhar perigosos capitais especulativos de curto prazo.
Para evitar essa inundação, a conduta imposta é comprar papéis de dívida emitidos pelo governo norte-americano e acumulá-los nas reservas monetárias, sofrendo o perigo de que qualquer desvalorização do dólar seja uma desvalorização de suas reservas. À China ou a outros países que acumulam grandes volumes de dólares ou de papéis da dívida norte-americana denominados em dólares, não se lhes permite comprar ativos não financeiros nos Estados Unidos. Quando a China tentou (a compra de instalações para a distribuição de combustíveis) o governo dos Estados Unidos o proibiu. Nesse caso não valem o livre fluxo de capitais, o livre comércio e a retórica habitual. Só podem comprar ativos financeiros para financiar os déficits estadunidenses.
Ao comprar os bônus do Tesouro os países entram no “equilíbrio do terror financeiro” e passam a contribuir para financiar um destino não previsto nem desejado: o gasto militar do Pentágono.
Ocorre assim para os países receptores de dólares surgidos dos déficits norte-americanos, uma dupla compreensão. São lesionados ao ver-se estruturalmente empurrados a financiar passivamente a máquina militar norte-americana por meio de um “equilíbrio do terror financeiro” baseado não em sua superioridade econômica, mas no poderio militar. E ao fazê-lo, países como a China e a Rússia estão alimentando o mesmo gasto e poderio militar que aponta armas nucleares para eles.
O maciço gasto militar tem um objetivo geoestratégico hegemônico e sua lógica última é a guerra.
Não poucas pessoas nos Estados Unidos crêem nas virtudes de estímulo econômico que uma guerra pode trazer. Recordam com nostalgia que a guerra hispano-cubano-americana, a primeira guerra da etapa imperialista, serviu em 1898 para que os Estados Unidos escapassem da crise econômica daquela década. O que foi a Segunda Guerra Mundial? Esta finalmente provocou a suficiente destruição de forças produtivas para deixar para trás a Grande Depressão e abrir caminho aos dourados anos 1950. A recessão de finais dos anos 1940 foi superada com a ajuda da guerra da Coréia.
Esta nostalgia, que incrementa o perigo de uma catastrófica guerra nuclear, ignora que aquelas guerras convencionais correspondentes à época pré-nuclear poderiam atuar como estímulos anticrises, mas a guerra atual da era nuclear perdeu essa capacidade.
As guerras com armas convencionais tinham duas virtudes como reanimadoras da economia: mediante a produção maciça de armamento convencional para atender pedidos do Estado em guerra, se gerava emprego nas cadeias produtivas de então, e também a guerra convencional acelerava a destruição de forças produtivas que a crise econômica tinha iniciado, e levava ao nível suficiente para impulsionar a recuperação sobre a base da reconstrução do pós-guerra. A destruição era a suficiente para completar e acelerar o peculiar papel da crise econômica como destruidora de riqueza para iniciar depois outra fase expansiva e não era tanta ao ponto de ameaçar a vida da espécie humana e do planeta. Era possível para o capitalismo não só sobreviver, mas utilizar a guerra como tônico estimulante para a economia.
A guerra nuclear na atual etapa não seria estimulante frente ao principal problema orgânico da crise que é o desemprego, pois agora a tecnologia sofisticada para fabricar armas utiliza muito pouca força de trabalho, mas sua capacidade destrutiva é tão formidável que o destruído não seriam fábricas, capitais financeiros ou algumas cidades, mas o planeta e a espécie humana depois do cataclismo do inverno nuclear.
A guerra atual, se é guerra convencional de desgaste como a do Iraque e do Afeganistão, não pode ser ganha pelos Estados Unidos nem é estimulante para sair da crise econômica, se é guerra nuclear que se estabelece como ameaçadora possibilidade, tampouco serviria para sair da crise porque não eliminaria o grande problema do desemprego, mas serve para fazer grandes negócios a partir do tipo de gasto público que se maneja com total opacidade e falta de critério, o gasto no qual os Bernanke, Geithner, Summers, Strauss Kahn, nada decidem: o gasto militar, o qual é capaz de reunir em si mesmo a ambição hegemônica e o super lucro do grande negócio.
Para os Estados Unidos, debilitado economicamente e com uma cultura produtiva declinante, o recurso de última instância é a ameaça constante de guerra sustentada no gasto militar crescente. Mas, a ameaça constante de guerra e o gasto militar possuem uma dinâmica diabólica que tende a realizar-se na guerra real, quando convergem a mentalidade belicista, os conflitos pela hegemonia em petróleo, gás, água etc., disfarçados de razões humanitárias ou religiosas e a crença de que na guerra nuclear pode haver vencedores.
O declínio da economia da maior potência militar apresenta fortes tensões entre um poderio militar muito superior a qualquer outro e, pela mesma razão, ambicioso de hegemonia, e uma economia em retrocesso, que exportou boa parte de sua capacidade industrial, mergulhou no parasitismo financeiro, se acomodou no consumismo do produzido por outros e perdeu a cultura produtiva que alguma vez foi relevante. Alguns assinalam que seguindo essas tendências, o país que ao terminar a Segunda Guerra Mundial dominava a economia mundial com sua capacidade produtiva, se encaminha a consumir os produtos do exterior e a exportar somente filmes, espetáculos musicais, imagens glamorosas de um consumismo insustentável e armas.
O atraso econômico frente aos ritmos de crescimento da China e não só dela, mas do chamado BRIC+3 (Indonésia, Coréia do Sul, Malásia) é também uma fonte de tensões. Ao ritmo que crescem estes países chamados emergentes, seu PIB chegará em 2020 ao que agora tem o G-7.
As tendências apontam para o retrocesso econômico dos Estados Unidos e a previsível utilização da força militar para manter a posição dominante da segunda metade do século 20.
Essas tensões se manifestam nas guerras no Iraque, Afeganistão, Paquistão, na ameaça de guerra nuclear contra o Irã e a Coréia do Norte e também nos golpes e intentos de golpes de estado na América Latina (Honduras, Venezuela, Equador, Bolívia); adicionalmente, na crescente militarização na forma de instalação de bases militares norte-americanas em escala global e na conformação de uma doutrina de guerra que inclui, entre outras coisas, a perigosa redefinição das bombas nucleares “pequenas” - podem oscilar entre a metade e até 6 vezes a capacidade da bomba de Hiroshima - como armas que fazem parte de um menu de opções cuja utilização pode em teoria, ser decidida pelo comando no teatro de operações. Significa que um general no teatro de operações dispõe de uma “caixa de ferramentas” para escolher, na qual tem disponíveis mini bombas nucleares que poderia utili zar como o faria com os blindados, a artilharia etc. Mais
*economista e parlamentar cubano. Fonte: Cuba Debate
(1) Michel Chossudovsky e Andrew Gavin Marchall. The Global Economic Crisis. (A Crise Econômica Global), em Global Research. 2010. Pág. 47-48.
(2) Michael Hudson: The “Dollar Glut”. Finances America’s Global Military Build Up. ("O Excesso de Dólar”. As Finanças do Crescimento Militar Global da América), em The Global Economic Crisis. Capítulo 10.
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A estrutura do orçamento dos EUA e a lógica de sua política econômica é a de uma economia de guerra na qual o gasto militar exacerba o déficit fiscal, mas permite o funcionamento de um “equilíbrio do terror financeiro”, repassa imensos lucros ao complexo militar industrial e mantém uma chantagem global baseada na força militar.
Uma simples olhada no orçamento de 2010 dos Estados Unidos permite examinar a magnitude do gasto militar e o papel que este joga em conjunto com o gasto para os pacotes de resgate dos bancos e entidades financeiras quebradas.
O montante do orçamento é de 3,94 trilhões de dólares e o déficit previsto é de 1,75 trilhão, equivalente a quase 12% do PIB. (1)
O gasto militar oficial é de 739,5 bilhões de dólares, embora se forem incluídos outros gastos indiretos ou encobertos, o gasto superaria 1 trilhão de dólares.
O gasto no resgate das entidades financeiras falidas na crise, efetuado pelas administrações de Bush e Obama alcança 1,45 trilhão, enquanto que os juros devidos pela dívida pública são de 164 bilhões de dólares.
Isto significa que quase toda a receita do orçamento (2,38 trilhões) se consome somente pelo gasto militar mais os resgates da oligarquia financeira e uma pequena proporção por juros da dívida pública. Não fica praticamente nada para outros tipos de gastos.
Se considerarmos que o gasto militar ronda o trilhão de dólares e que a parte da receita orçamentária correspondente aos impostos familiares é de 1,06 trilhão, temos que quase todos os impostos pagos pelas famílias nos Estados Unidos mal dão para cobrir o enorme gasto militar.
Os Estados Unidos são o país mais endividado do mundo, embora o significado prático disto seja diferente para este país que para qualquer outro, porque se encontra endividado na moeda nacional que ele mesmo cria e faz circular.
O financiamento da enorme dívida pública federal ascendente a 14 trilhões de dólares, sem incluir dívidas dos estados e municípios é de características surrealistas.
Para o crescimento dessa dívida pública contribuíram os pacotes de resgate aos bancos, mas essa dívida é financiada por uma retorcida operação mediante a qual o governo financia seu próprio endividamento, pois o dinheiro dado como resgate aos bancos é financiado em parte tomando empréstimos aos mesmos bancos.
Por sua vez, os bancos impõem condicionalidades ao governo no manejo da dívida e como o dinheiro deve ser empregado. Depois de terem sido “resgatados” os bancos exigem cortes maciços no gasto público em serviços para a população, a privatização de infraestruturas e serviços como água, rodovias, lazer, mas não se toca no gasto militar.
E não se toca porque “War is Good for Business” (A guerra é boa para os negócios) e a mesma oligarquia que maneja o mercado financeiro obtém elevados lucros procedentes do gasto militar. E esse gasto militar - como parte do déficit público - é financiado por operações de guerra econômica que se aquecem cada vez mais e ameaçam mesclar a guerra econômica com a guerra provavelmente nuclear que os Estados Unidos incubam na complexa meada de seus interesses e contradições econômicas e geoestratégicas.
O equilíbrio do terror financeiro
A peculiar estrutura mediante a qual os Estados Unidos atuam como uma economia parasitária que financia seus déficits e seu gasto militar recebendo injeções financeiras do resto do mundo é parte da “normalidade” da ordem econômica global. Ter reservas monetárias em dólares que se reciclam para comprar bônus ou outros instrumentos do Tesouro que financiam a dívida estadunidense, e com ela a escalada militar, é considerado pelos neoliberais como uma manifestação do equilíbrio de mercados livres.
O poder midiático apresenta esta reciclagem como resultado da confiança na fortaleza econômica dos Estados Unidos porque outros países enviam para lá seus dólares para ser investidos. (2)
O real é que os estrangeiros põem seu dinheiro nos Estados Unidos não porque sejam importadores de mercadorias desse país, nem tampouco são investidores privados comprando ações ou bônus. Os maiores aplicadores de dinheiro nos Estados Unidos são os bancos centrais que não fazem outra coisa senão reciclar os dólares que seus exportadores obtiveram e por sua vez cambiaram por moedas nacionais.
Com déficits comercial e fiscal crescentes nos Estados Unidos, se produz uma inundação de dólares para o exterior, que agora são impulsionados pela baixa taxa de juros norte-americana e pela emissão alegre de papéis verdes.
Os países receptores de dólares (a China em especial) se vêem colocados diante de um dilema. Não participam nem têm influência alguma sobre decisões econômicas do governo dos Estados Unidos, que se aproveita do privilégio do dólar. Se aceitam a inundação de dólares, seja por excedentes comerciais ou pela baixa taxa de juros norte-americana ou por ambos os fatores, sofrem a pressão para a elevação da sua taxa de câmbio, a perda de competitividade comercial e o perigo de deixar aninhar perigosos capitais especulativos de curto prazo.
Para evitar essa inundação, a conduta imposta é comprar papéis de dívida emitidos pelo governo norte-americano e acumulá-los nas reservas monetárias, sofrendo o perigo de que qualquer desvalorização do dólar seja uma desvalorização de suas reservas. À China ou a outros países que acumulam grandes volumes de dólares ou de papéis da dívida norte-americana denominados em dólares, não se lhes permite comprar ativos não financeiros nos Estados Unidos. Quando a China tentou (a compra de instalações para a distribuição de combustíveis) o governo dos Estados Unidos o proibiu. Nesse caso não valem o livre fluxo de capitais, o livre comércio e a retórica habitual. Só podem comprar ativos financeiros para financiar os déficits estadunidenses.
Ao comprar os bônus do Tesouro os países entram no “equilíbrio do terror financeiro” e passam a contribuir para financiar um destino não previsto nem desejado: o gasto militar do Pentágono.
Ocorre assim para os países receptores de dólares surgidos dos déficits norte-americanos, uma dupla compreensão. São lesionados ao ver-se estruturalmente empurrados a financiar passivamente a máquina militar norte-americana por meio de um “equilíbrio do terror financeiro” baseado não em sua superioridade econômica, mas no poderio militar. E ao fazê-lo, países como a China e a Rússia estão alimentando o mesmo gasto e poderio militar que aponta armas nucleares para eles.
O maciço gasto militar tem um objetivo geoestratégico hegemônico e sua lógica última é a guerra.
Não poucas pessoas nos Estados Unidos crêem nas virtudes de estímulo econômico que uma guerra pode trazer. Recordam com nostalgia que a guerra hispano-cubano-americana, a primeira guerra da etapa imperialista, serviu em 1898 para que os Estados Unidos escapassem da crise econômica daquela década. O que foi a Segunda Guerra Mundial? Esta finalmente provocou a suficiente destruição de forças produtivas para deixar para trás a Grande Depressão e abrir caminho aos dourados anos 1950. A recessão de finais dos anos 1940 foi superada com a ajuda da guerra da Coréia.
Esta nostalgia, que incrementa o perigo de uma catastrófica guerra nuclear, ignora que aquelas guerras convencionais correspondentes à época pré-nuclear poderiam atuar como estímulos anticrises, mas a guerra atual da era nuclear perdeu essa capacidade.
As guerras com armas convencionais tinham duas virtudes como reanimadoras da economia: mediante a produção maciça de armamento convencional para atender pedidos do Estado em guerra, se gerava emprego nas cadeias produtivas de então, e também a guerra convencional acelerava a destruição de forças produtivas que a crise econômica tinha iniciado, e levava ao nível suficiente para impulsionar a recuperação sobre a base da reconstrução do pós-guerra. A destruição era a suficiente para completar e acelerar o peculiar papel da crise econômica como destruidora de riqueza para iniciar depois outra fase expansiva e não era tanta ao ponto de ameaçar a vida da espécie humana e do planeta. Era possível para o capitalismo não só sobreviver, mas utilizar a guerra como tônico estimulante para a economia.
A guerra nuclear na atual etapa não seria estimulante frente ao principal problema orgânico da crise que é o desemprego, pois agora a tecnologia sofisticada para fabricar armas utiliza muito pouca força de trabalho, mas sua capacidade destrutiva é tão formidável que o destruído não seriam fábricas, capitais financeiros ou algumas cidades, mas o planeta e a espécie humana depois do cataclismo do inverno nuclear.
A guerra atual, se é guerra convencional de desgaste como a do Iraque e do Afeganistão, não pode ser ganha pelos Estados Unidos nem é estimulante para sair da crise econômica, se é guerra nuclear que se estabelece como ameaçadora possibilidade, tampouco serviria para sair da crise porque não eliminaria o grande problema do desemprego, mas serve para fazer grandes negócios a partir do tipo de gasto público que se maneja com total opacidade e falta de critério, o gasto no qual os Bernanke, Geithner, Summers, Strauss Kahn, nada decidem: o gasto militar, o qual é capaz de reunir em si mesmo a ambição hegemônica e o super lucro do grande negócio.
Para os Estados Unidos, debilitado economicamente e com uma cultura produtiva declinante, o recurso de última instância é a ameaça constante de guerra sustentada no gasto militar crescente. Mas, a ameaça constante de guerra e o gasto militar possuem uma dinâmica diabólica que tende a realizar-se na guerra real, quando convergem a mentalidade belicista, os conflitos pela hegemonia em petróleo, gás, água etc., disfarçados de razões humanitárias ou religiosas e a crença de que na guerra nuclear pode haver vencedores.
O declínio da economia da maior potência militar apresenta fortes tensões entre um poderio militar muito superior a qualquer outro e, pela mesma razão, ambicioso de hegemonia, e uma economia em retrocesso, que exportou boa parte de sua capacidade industrial, mergulhou no parasitismo financeiro, se acomodou no consumismo do produzido por outros e perdeu a cultura produtiva que alguma vez foi relevante. Alguns assinalam que seguindo essas tendências, o país que ao terminar a Segunda Guerra Mundial dominava a economia mundial com sua capacidade produtiva, se encaminha a consumir os produtos do exterior e a exportar somente filmes, espetáculos musicais, imagens glamorosas de um consumismo insustentável e armas.
O atraso econômico frente aos ritmos de crescimento da China e não só dela, mas do chamado BRIC+3 (Indonésia, Coréia do Sul, Malásia) é também uma fonte de tensões. Ao ritmo que crescem estes países chamados emergentes, seu PIB chegará em 2020 ao que agora tem o G-7.
As tendências apontam para o retrocesso econômico dos Estados Unidos e a previsível utilização da força militar para manter a posição dominante da segunda metade do século 20.
Essas tensões se manifestam nas guerras no Iraque, Afeganistão, Paquistão, na ameaça de guerra nuclear contra o Irã e a Coréia do Norte e também nos golpes e intentos de golpes de estado na América Latina (Honduras, Venezuela, Equador, Bolívia); adicionalmente, na crescente militarização na forma de instalação de bases militares norte-americanas em escala global e na conformação de uma doutrina de guerra que inclui, entre outras coisas, a perigosa redefinição das bombas nucleares “pequenas” - podem oscilar entre a metade e até 6 vezes a capacidade da bomba de Hiroshima - como armas que fazem parte de um menu de opções cuja utilização pode em teoria, ser decidida pelo comando no teatro de operações. Significa que um general no teatro de operações dispõe de uma “caixa de ferramentas” para escolher, na qual tem disponíveis mini bombas nucleares que poderia utili zar como o faria com os blindados, a artilharia etc. Mais
*economista e parlamentar cubano. Fonte: Cuba Debate
(1) Michel Chossudovsky e Andrew Gavin Marchall. The Global Economic Crisis. (A Crise Econômica Global), em Global Research. 2010. Pág. 47-48.
(2) Michael Hudson: The “Dollar Glut”. Finances America’s Global Military Build Up. ("O Excesso de Dólar”. As Finanças do Crescimento Militar Global da América), em The Global Economic Crisis. Capítulo 10.
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Osvaldo Martinez
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
E Dilma foi eleita Presidente do Brasil
Por Marilia Guimarães*, em seu blog
Como moldura o Pão de Açúcar, como história, entre rodadas de chope bem gelado o Fiorentina, há 50 anos ponto de encontro de intelectuais e artistas guarda em suas paredes a história do teatro brasileiro, a melodia dos maiores gênios de nossa música, como Ari Barroso – o da Aquarela - viu o Brasil explodir em alegria, antecipar um carnaval diferente – o dia D.
Nas ruas, bares, avenidas, dentro das casas o 31 de outubro de 2010 ficará marcado como o dia em que o povo brasileiro num gesto de patriotismo elegeu a 1ª Mulher como Presidente do País – Dilma Rousseff.
Mineira, descendente de búlgaros, guerreira desde a juventude, competente nos cargos que ocupou, mãe, avó é hoje a senhora que comandará o destino que escolhemos. O da continuidade de um Presidente que saído de um Pau de Arara mudou os rumos da história.
Foram meses difíceis. As águas de março não anunciaram o fim do verão, e sim o inicio de uma luta de bravos guerreiros, militantes de sonhos, que tinham como missão maior conquistar corações para escolher a mulher que iria ocupar o maior cargo da nação.
Sai à rua. De escolas do interior, a batalhões, de presídios a comunidades longínquas, de Jovens maduros a presidiários recém libertos adaptando-se a nova sociedade, uns recuperados pelo esporte que constrói o futuro, outros apaixonados pelo Ernesto – assassinado por aqueles que temem a justiça dos homens – o eterno Che.
Explicar Dilma, falar de sua entrega, de sua garra, de sua coerência, desmitificar a imagem construída covardemente pela mídia comprometida transformou em tarefa árdua. Amanheceres se estendiam madrugada a dentro amparados pela vontade que move os homens que acreditam e sabem que é possível um mundo melhor.
Três de outubro não trouxe a esperada vitoria. Mentiras trás mentiras, traições, falsidades invadiam milhares de casas nos horários eleitorais, nas redes sociais, nas caminhadas. Viviam-se dias de terror, de medo. Tentaram um novo Riocentro travestido na moça seringueira, desamparada, sofrida que mudaria o amor, a ordem, e o progresso. Astutos jogaram com o emocional de uma classe media enganada, esquecida dos milhares de jovens saídos do sertão, do interior deste imenso país sofridos, famintos, abandonados a sorte que hoje ocupam um lugar ao sol. Na insônia de muitas madrugadas, por vezes feliz dos logros alcançados, por vezes agoniada pela incompreensão, estabelecia um elo entre as fábulas de La Fontaine e detinha no Lobo e no Cordeiro. Conheço senão todas, as principais nuances das cores que pintam as inverdades sobre minha amada aldeia.
Despertei decidida. Deter as agressões, estancar as denúncias infundadas através das redes sociais missão trabalhosa, quase uma utopia. Somente uma voz seria capaz de despertar a juventude os enganados. Somente Oscar seria capaz de tamanha mobilização. Num piscar de olhos já sua voz ganhava o mundo. Euvotodilma multiplicou-se em todas as direções. Dias mais tarde, Chico Buarque e Leonardo Boff reuniam no Teatro Casa grande, palco de muitas lutas nos anos de chumbo, cantores, compositores, intelectuais de todos os cantos do País. Do amado Borguetinho – eternamente tímido a Elba Ramalho, desabrochando em charme, a nossa sambista maior Beth Carvalho e Niemeyer, como diz a canção, só não foi quem já morreu. Nem a chuva que caía fininho trazendo consigo um vento frio, nem os que não puderam entrar, faltaram ao pedido dos filhos desta mãe gentil.
A militância fortaleceu e ganhou de novo as ruas, militantes virtuais filiados ou não ao PT de todos os recantos desta terra, através das redes sociais desalojaram as provocações inimigas. Os Top Trend’s no twitter mundiais e nacionais, mesmo depois do primeiro depoimento da nossa presidente, ocupavam os primeiros lugares no mundo virtual extremante humano – o povo brasileiro confirmou nas urnas, confirmou na internet o seu desejo: Dilma Presidente.
*é veterana da luta armada contra a ditadura, professora, escritora, empresária do ramo de TI e nossa colega no #Rio Blog Prog
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Como moldura o Pão de Açúcar, como história, entre rodadas de chope bem gelado o Fiorentina, há 50 anos ponto de encontro de intelectuais e artistas guarda em suas paredes a história do teatro brasileiro, a melodia dos maiores gênios de nossa música, como Ari Barroso – o da Aquarela - viu o Brasil explodir em alegria, antecipar um carnaval diferente – o dia D.
Nas ruas, bares, avenidas, dentro das casas o 31 de outubro de 2010 ficará marcado como o dia em que o povo brasileiro num gesto de patriotismo elegeu a 1ª Mulher como Presidente do País – Dilma Rousseff.
Mineira, descendente de búlgaros, guerreira desde a juventude, competente nos cargos que ocupou, mãe, avó é hoje a senhora que comandará o destino que escolhemos. O da continuidade de um Presidente que saído de um Pau de Arara mudou os rumos da história.
Foram meses difíceis. As águas de março não anunciaram o fim do verão, e sim o inicio de uma luta de bravos guerreiros, militantes de sonhos, que tinham como missão maior conquistar corações para escolher a mulher que iria ocupar o maior cargo da nação.
Sai à rua. De escolas do interior, a batalhões, de presídios a comunidades longínquas, de Jovens maduros a presidiários recém libertos adaptando-se a nova sociedade, uns recuperados pelo esporte que constrói o futuro, outros apaixonados pelo Ernesto – assassinado por aqueles que temem a justiça dos homens – o eterno Che.
Explicar Dilma, falar de sua entrega, de sua garra, de sua coerência, desmitificar a imagem construída covardemente pela mídia comprometida transformou em tarefa árdua. Amanheceres se estendiam madrugada a dentro amparados pela vontade que move os homens que acreditam e sabem que é possível um mundo melhor.
Três de outubro não trouxe a esperada vitoria. Mentiras trás mentiras, traições, falsidades invadiam milhares de casas nos horários eleitorais, nas redes sociais, nas caminhadas. Viviam-se dias de terror, de medo. Tentaram um novo Riocentro travestido na moça seringueira, desamparada, sofrida que mudaria o amor, a ordem, e o progresso. Astutos jogaram com o emocional de uma classe media enganada, esquecida dos milhares de jovens saídos do sertão, do interior deste imenso país sofridos, famintos, abandonados a sorte que hoje ocupam um lugar ao sol. Na insônia de muitas madrugadas, por vezes feliz dos logros alcançados, por vezes agoniada pela incompreensão, estabelecia um elo entre as fábulas de La Fontaine e detinha no Lobo e no Cordeiro. Conheço senão todas, as principais nuances das cores que pintam as inverdades sobre minha amada aldeia.
Despertei decidida. Deter as agressões, estancar as denúncias infundadas através das redes sociais missão trabalhosa, quase uma utopia. Somente uma voz seria capaz de despertar a juventude os enganados. Somente Oscar seria capaz de tamanha mobilização. Num piscar de olhos já sua voz ganhava o mundo. Euvotodilma multiplicou-se em todas as direções. Dias mais tarde, Chico Buarque e Leonardo Boff reuniam no Teatro Casa grande, palco de muitas lutas nos anos de chumbo, cantores, compositores, intelectuais de todos os cantos do País. Do amado Borguetinho – eternamente tímido a Elba Ramalho, desabrochando em charme, a nossa sambista maior Beth Carvalho e Niemeyer, como diz a canção, só não foi quem já morreu. Nem a chuva que caía fininho trazendo consigo um vento frio, nem os que não puderam entrar, faltaram ao pedido dos filhos desta mãe gentil.
A militância fortaleceu e ganhou de novo as ruas, militantes virtuais filiados ou não ao PT de todos os recantos desta terra, através das redes sociais desalojaram as provocações inimigas. Os Top Trend’s no twitter mundiais e nacionais, mesmo depois do primeiro depoimento da nossa presidente, ocupavam os primeiros lugares no mundo virtual extremante humano – o povo brasileiro confirmou nas urnas, confirmou na internet o seu desejo: Dilma Presidente.
*é veterana da luta armada contra a ditadura, professora, escritora, empresária do ramo de TI e nossa colega no #Rio Blog Prog
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Eleições 2010
Costureiras são resgatadas de escravidão em ação inédita
Fiscalização da SRTE/SP (Superintendência Regional do Ministério do Trabalho e Emprego em São Paulo) encontrou duas bolivianas na condição de trabalho escravo e providenciou abrigo às vítimas. Submetidas a uma rotina de violências físicas e morais, elas costuraram exclusivamente para a marca 775, que tem como garoto-propaganda o nadador Cesar Cielo. Do Repórter Brasil.
Por Bianca Pyl e Maurício Hashizume
Pela primeira vez, o Estado brasileiro concluiu uma fiscalização trabalhista que resultou no resgate efetivo de imigrantes submetidos à escravidão em ambiente urbano. Em nenhuma das operações anteriores com flagrante de trabalho escravo de estrangeiros nas cidades, houve a retirada dos trabalhadores dos locais em que foram encontrados. Desta vez, a decisão dos agentes públicos foi pelo resgate para proteger os direitos das vítimas.
Atraídas pela tentadora promessa de bons salários, duas trabalhadoras bolivianas atravessaram a fronteira e acabaram obrigadas a enfrentar um cotidiano de violações à dignidade humana, que incluía superexploração, condições degradantes, assédio e ameaças.
A fiscalização coordenada pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) assim definiu o que encontrou: cerceamento à liberdade de ir e vir (por meio de ameaças de deportação, com o intuito claro de inibir eventuais denúncias do que estava ocorrendo), coerção e violência morais (a fim de pressionar pelo aumento da carga de trabalho), salários aviltantes e condições precárias, além de jornada exaustiva.
A oficina em que as bolivianas foram criminosamente exploradas confeccionava peças de roupa da marca de moda jovem Sete Sete Cinco (775). "As carteiras de trabalho foram emitidas, as rescisões foram integralmente pagas, o Seguro Desemprego [do Trabalhador Resgatado] liberado e sacado. As trabalhadoras foram encaminhadas para o abrigo do Estado e para a requalificação profissional para futura reinserção no mercado de trabalho", descreve Renato Bignami, da SRTE/SP. "Buscamos, dessa maneira, devolver um pouco da dignidade que foi roubada dessas trabalhadoras ao serem traficadas e escravizadas na oficina de costura que trabalhava para a 775".
A libertação ocorreu em 11 de agosto e a investigação durou até o dia 27 do mesmo mês. A fiscalização da SRTE/SP fez parte de uma operação mais ampla. No mesmo dia, um complexo de oficinas que costuravam para diversas marcas e grandes magazines foram fiscalizados - incluindo o caso de outra oficina que produziu os coletes usados pelos recenseadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo relato das vítimas que trabalharam no estabelecimento improvisado, precário e apertado de Mario Hilari Condori, apenas peças da 775 foram por elas costuradas durante o período em que lá estiveram. A oficina era uma das subcontratadas da intermediária W&J Confecções Ltda. que, apenas formalmente, mantinha um contrato de licenciamento de aparências com a Sete Sete Cinco Confecções Ltda. Não por acaso, a W&J tem como sócia Ivaneide Gomes dos Santos, que foi funcionária da Induvest, empresa-mãe da 775 durante a década de 1990. Mais
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Por Bianca Pyl e Maurício Hashizume
Pela primeira vez, o Estado brasileiro concluiu uma fiscalização trabalhista que resultou no resgate efetivo de imigrantes submetidos à escravidão em ambiente urbano. Em nenhuma das operações anteriores com flagrante de trabalho escravo de estrangeiros nas cidades, houve a retirada dos trabalhadores dos locais em que foram encontrados. Desta vez, a decisão dos agentes públicos foi pelo resgate para proteger os direitos das vítimas.
Atraídas pela tentadora promessa de bons salários, duas trabalhadoras bolivianas atravessaram a fronteira e acabaram obrigadas a enfrentar um cotidiano de violações à dignidade humana, que incluía superexploração, condições degradantes, assédio e ameaças.
A fiscalização coordenada pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) assim definiu o que encontrou: cerceamento à liberdade de ir e vir (por meio de ameaças de deportação, com o intuito claro de inibir eventuais denúncias do que estava ocorrendo), coerção e violência morais (a fim de pressionar pelo aumento da carga de trabalho), salários aviltantes e condições precárias, além de jornada exaustiva.
A oficina em que as bolivianas foram criminosamente exploradas confeccionava peças de roupa da marca de moda jovem Sete Sete Cinco (775). "As carteiras de trabalho foram emitidas, as rescisões foram integralmente pagas, o Seguro Desemprego [do Trabalhador Resgatado] liberado e sacado. As trabalhadoras foram encaminhadas para o abrigo do Estado e para a requalificação profissional para futura reinserção no mercado de trabalho", descreve Renato Bignami, da SRTE/SP. "Buscamos, dessa maneira, devolver um pouco da dignidade que foi roubada dessas trabalhadoras ao serem traficadas e escravizadas na oficina de costura que trabalhava para a 775".
A libertação ocorreu em 11 de agosto e a investigação durou até o dia 27 do mesmo mês. A fiscalização da SRTE/SP fez parte de uma operação mais ampla. No mesmo dia, um complexo de oficinas que costuravam para diversas marcas e grandes magazines foram fiscalizados - incluindo o caso de outra oficina que produziu os coletes usados pelos recenseadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo relato das vítimas que trabalharam no estabelecimento improvisado, precário e apertado de Mario Hilari Condori, apenas peças da 775 foram por elas costuradas durante o período em que lá estiveram. A oficina era uma das subcontratadas da intermediária W&J Confecções Ltda. que, apenas formalmente, mantinha um contrato de licenciamento de aparências com a Sete Sete Cinco Confecções Ltda. Não por acaso, a W&J tem como sócia Ivaneide Gomes dos Santos, que foi funcionária da Induvest, empresa-mãe da 775 durante a década de 1990. Mais
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Seminário de Desenvolvimento e Educação, hoje e amanhã na Uerj
O Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e a Fundação Ceperj (Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro) realizam o primeiro Seminário "Desenvolvimento e Educação", nos dias 18 e 19 de novembro. O evento será nos auditórios 91 e 93 da Uerj, na Rua São Francisco Xavier, 524, 9° andar, Maracanã. Pesquisadores, intelectuais, políticos, técnicos e gestores vão debater e confrontar criticamente as concepções de desenvolvimento e de educação no âmbito nacional e em relação à América Latina.
O ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Samuel Pinheiro Guimarães neto, Theotônio dos Santos - do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gaudêncio Frigotto - do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação (PPFH) da Uerj, Dermeval Saviani - da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Emir Sader - do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), Roberto Amaral - do Cebela (Centro Brasileiro de Estudos Latino Americanos), são alguns dos palestrantes do evento.
O seminário "Desenvolvimento e Educação" terá quatro temas: "Concepções de desenvolvimento e de educação e o papel do Estado no Brasil hoje: um balanço crítico", Ciência, tecnologia e o papel da universidade na construção de projeto radicalmente democrático de desenvolvimento no Brasil", "O projeto brasileiro de desenvolvimento e a sua relação internacional, especialmente em relação à América Latina" e "Análise crítica dos indicadores econômico, sociais, educacionais e culturais que qualificam qual desenvolvimento e educação para que sociedade?".
Desenvolvido em parceria entre PPFH/UERJ, Centro de Estatísticas, Estudos e Pesquisas (Ceep) e Fundação Ceperj, o seminário terá como eixos centrais: as concepções de desenvolvimento e educação e o papel do Estado; ciência e tecnologia e o papel da universidade na construção de um projeto nacional de desenvolvimento e centrado na busca de respostas às profundas desigualdades sociais e à natureza das relações da sociedade brasileira no plano nacional e, especialmente, com a América Latina; e fecha com uma análise crítica dos indicadores econômicos, sociais, educacionais e culturais que permitam qualificar qual o desenvolvimento, qual educação, para qual sociedade.
O seminário terá duas palestras diárias (manhã e tarde), com a participação de um moderador. Os debates devem se materializar numa coleção de palestras apresentadas em DVD, na edição dos Anais ou de um livro e em um número especial da revista Crítica & Política. "Desenvolvimento e Educação" é coordenado pelos seguintes professores: Zacarias Gama (PPFH/Uerj), Epitácio Brunet (Ceep - Fundação Ceperj), Gaudêncio Frigotto (PPFH/Uerj), Roberto Amaral (Cebela) e Luíz Carlos Barreto Lopes (SEEDUC/RJ).
Data: 18 de novembro
Local: auditório 91 - Uerj
Mesa 1
Tema: Concepções de desenvolvimento e de educação e o papel do Estado no Brasil hoje: um balanço crítico.
Expositores: Theotônio dos Santos (UFF e Cebela) e Dermeval Saviani (Unicap)
Moderador: Gaudêncio Frigotto (PPFH/Uerj)
Horário: 9h às 12h30
Mesa 2
Tema: Ciência, tecnologia e o papel da universidade na contrução de projeto radicalmente democrático de desenvolvimento no Brasil
Expositores: Laura Tavares (UFRJ) e José Raymundo Romeo (UFF)
Moderador: Antônio Carlos Ritto (PPFH/Uerj)
Horário: 14h30 às 18h
---------------------------------------
Data: 19 de novembro
Local: auditório 91 - Uerj
Mesa 3
Tema: O projeto brasileiro de desenvolvimento e a sua relação internacional, especialmente em relação à América Latina
Expositores: Emir Sader (CLACSO / PPFH-Uerj)
Samuel Pinheiro Guimarães Neto (Unb - IRBr/MRE)
Moderador: Roberto Amaral (Cebela)
Horário: 9h às 12h30
Mesa 4
Tema: Análise crítica dos indicadores econômico, sociais, educacionais e culturais que qualificam qual desenvolvimento e educação para que sociedade?
Expositores: Márcio Pochmann (Ipea - Unicamp) e Cândido Grzybowski (Ibase)
Moderador: Luiz Edmundo Aguiar (UFRJ)
Horário: 14h30 às 18h
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O ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Samuel Pinheiro Guimarães neto, Theotônio dos Santos - do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (Cebela) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gaudêncio Frigotto - do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação (PPFH) da Uerj, Dermeval Saviani - da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Emir Sader - do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso), Roberto Amaral - do Cebela (Centro Brasileiro de Estudos Latino Americanos), são alguns dos palestrantes do evento.
O seminário "Desenvolvimento e Educação" terá quatro temas: "Concepções de desenvolvimento e de educação e o papel do Estado no Brasil hoje: um balanço crítico", Ciência, tecnologia e o papel da universidade na construção de projeto radicalmente democrático de desenvolvimento no Brasil", "O projeto brasileiro de desenvolvimento e a sua relação internacional, especialmente em relação à América Latina" e "Análise crítica dos indicadores econômico, sociais, educacionais e culturais que qualificam qual desenvolvimento e educação para que sociedade?".
Desenvolvido em parceria entre PPFH/UERJ, Centro de Estatísticas, Estudos e Pesquisas (Ceep) e Fundação Ceperj, o seminário terá como eixos centrais: as concepções de desenvolvimento e educação e o papel do Estado; ciência e tecnologia e o papel da universidade na construção de um projeto nacional de desenvolvimento e centrado na busca de respostas às profundas desigualdades sociais e à natureza das relações da sociedade brasileira no plano nacional e, especialmente, com a América Latina; e fecha com uma análise crítica dos indicadores econômicos, sociais, educacionais e culturais que permitam qualificar qual o desenvolvimento, qual educação, para qual sociedade.
O seminário terá duas palestras diárias (manhã e tarde), com a participação de um moderador. Os debates devem se materializar numa coleção de palestras apresentadas em DVD, na edição dos Anais ou de um livro e em um número especial da revista Crítica & Política. "Desenvolvimento e Educação" é coordenado pelos seguintes professores: Zacarias Gama (PPFH/Uerj), Epitácio Brunet (Ceep - Fundação Ceperj), Gaudêncio Frigotto (PPFH/Uerj), Roberto Amaral (Cebela) e Luíz Carlos Barreto Lopes (SEEDUC/RJ).
Programação
Data: 18 de novembro
Local: auditório 91 - Uerj
Mesa 1
Tema: Concepções de desenvolvimento e de educação e o papel do Estado no Brasil hoje: um balanço crítico.
Expositores: Theotônio dos Santos (UFF e Cebela) e Dermeval Saviani (Unicap)
Moderador: Gaudêncio Frigotto (PPFH/Uerj)
Horário: 9h às 12h30
Mesa 2
Tema: Ciência, tecnologia e o papel da universidade na contrução de projeto radicalmente democrático de desenvolvimento no Brasil
Expositores: Laura Tavares (UFRJ) e José Raymundo Romeo (UFF)
Moderador: Antônio Carlos Ritto (PPFH/Uerj)
Horário: 14h30 às 18h
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Data: 19 de novembro
Local: auditório 91 - Uerj
Mesa 3
Tema: O projeto brasileiro de desenvolvimento e a sua relação internacional, especialmente em relação à América Latina
Expositores: Emir Sader (CLACSO / PPFH-Uerj)
Samuel Pinheiro Guimarães Neto (Unb - IRBr/MRE)
Moderador: Roberto Amaral (Cebela)
Horário: 9h às 12h30
Mesa 4
Tema: Análise crítica dos indicadores econômico, sociais, educacionais e culturais que qualificam qual desenvolvimento e educação para que sociedade?
Expositores: Márcio Pochmann (Ipea - Unicamp) e Cândido Grzybowski (Ibase)
Moderador: Luiz Edmundo Aguiar (UFRJ)
Horário: 14h30 às 18h
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Marcadores:
economia,
educação,
emir sader,
Samuel Pinheiro Guimarães,
Uerj
Carta Aberta ao Exmo. Ministro da Educação do Brasil
Sr. Fernando Haddad
Rio de Janeiro, 5 de novembro de 2010.
Assunto: Parecer do Conselho Nacional de Educação sobre o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato
Professoras(es), gestoras(es), pesquisadoras(es) e vários setores da sociedade civil parabenizam a iniciativa do parecer 15/2010 que prima pela política de promoção da igualdade racial. Nós estamos de acordo com a recomendação do parecer. Enfatizamos que, numa sociedade democrática e em um ministério da educação que tem se colocado parceiro na luta por uma educação anti-racista, o aprimoramento da análise das obras do programa nacional biblioteca escola (PNBE) está em conformidade com os preceitos legais e constitucionais da nossa sociedade. Está condizente com a garantia da diversidade étnico-racial, o pluralismo cultural, a equidade de gêneros, o respeito as orientações sexuais e às pessoas com deficiência.
Nosso entendimento é de que o parecer 15/2010 em nenhum momento faz menção à censura. Mas, tão somente, ponderações responsáveis e necessárias numa sociedade democrática. Na sociedade brasileira 50,6% da população é negra, o que está confirmado pelos dados do censo do IBGE. Portanto, a discussão do parecer não desconsidera a liberdade de expressão ou a licença poética, muito menos pode ser interpretada como um excesso de didatismo. Trata-se de uma recomendação necessária de contextualização dos autores e suas obras que circulam nas escolas, a qual já tem sido adotada pelas instituições escolares, porém, na maioria das vezes sem considerar o peso da questão racial na formação da nossa sociedade.
Vale registrar que o problema não é a obra de Monteiro Lobato. A questão vai mais além. Entendemos que o que o CNE está propondo é o aprofundamento do estudo sistemático e cuidadoso das obras literárias que já conhecemos e a devida contextualização dos autores no tempo e no espaço, sem perder a dimensão da arte, da criatividade e da emoção que caminham juntos com a boa literatura. Portanto, concordamos que o CNE, quando consultado, é o órgão responsável por orientar educadores e sistemas de ensino sobre procedimentos indispensáveis para garantir uma escola democrática.
O objetivo do parecer é aprimorar ainda mais o trabalho que já tem sido feito na escolha de obras literárias e demais materiais que circulam nas escolas, ou seja, primar pela ausência de preconceitos, estereótipos ou doutrinações. Recomenda-se que este princípio seja realmente seguido para análise de todas as obras do PNBE, quer sejam elas clássicas ou contemporâneas. Caso sejam clássicos e todos reconhecemos a importância do lugar da obra clássica, e estes venham apresentar estereótipos raciais , já discutidos pela produção teórica existente, que os mesmos sejam discutidos na forma de nota explicativa, ou seja, numa contextualização do autor e sua obra. Entendemos que, nesse caso, não há nenhuma censura à obra literária. Há o cuidado com os sujeitos e com a diversidade étnico-racial presente na escola brasileira.
Contando com seu compromisso democrático como educador e cidadão, em favor da diversidade étnico-racial e pela importância do cargo que ocupa como ministro da educação do brasil, esperamos, sinceramente, que o senhor defenda o valor da literatura como bem inestimável da cultura humana e também defenda uma política educacional voltada para a promoção da igualdade racial, homologando o parecer do CNE. É papel do Estado cuidar da democracia, do direito à liberdade de expressão sem discriminação.
Se você concorda com o acima exposto, assine a Carta.
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Rio de Janeiro, 5 de novembro de 2010.
Assunto: Parecer do Conselho Nacional de Educação sobre o livro Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato
Professoras(es), gestoras(es), pesquisadoras(es) e vários setores da sociedade civil parabenizam a iniciativa do parecer 15/2010 que prima pela política de promoção da igualdade racial. Nós estamos de acordo com a recomendação do parecer. Enfatizamos que, numa sociedade democrática e em um ministério da educação que tem se colocado parceiro na luta por uma educação anti-racista, o aprimoramento da análise das obras do programa nacional biblioteca escola (PNBE) está em conformidade com os preceitos legais e constitucionais da nossa sociedade. Está condizente com a garantia da diversidade étnico-racial, o pluralismo cultural, a equidade de gêneros, o respeito as orientações sexuais e às pessoas com deficiência.
Nosso entendimento é de que o parecer 15/2010 em nenhum momento faz menção à censura. Mas, tão somente, ponderações responsáveis e necessárias numa sociedade democrática. Na sociedade brasileira 50,6% da população é negra, o que está confirmado pelos dados do censo do IBGE. Portanto, a discussão do parecer não desconsidera a liberdade de expressão ou a licença poética, muito menos pode ser interpretada como um excesso de didatismo. Trata-se de uma recomendação necessária de contextualização dos autores e suas obras que circulam nas escolas, a qual já tem sido adotada pelas instituições escolares, porém, na maioria das vezes sem considerar o peso da questão racial na formação da nossa sociedade.
Vale registrar que o problema não é a obra de Monteiro Lobato. A questão vai mais além. Entendemos que o que o CNE está propondo é o aprofundamento do estudo sistemático e cuidadoso das obras literárias que já conhecemos e a devida contextualização dos autores no tempo e no espaço, sem perder a dimensão da arte, da criatividade e da emoção que caminham juntos com a boa literatura. Portanto, concordamos que o CNE, quando consultado, é o órgão responsável por orientar educadores e sistemas de ensino sobre procedimentos indispensáveis para garantir uma escola democrática.
O objetivo do parecer é aprimorar ainda mais o trabalho que já tem sido feito na escolha de obras literárias e demais materiais que circulam nas escolas, ou seja, primar pela ausência de preconceitos, estereótipos ou doutrinações. Recomenda-se que este princípio seja realmente seguido para análise de todas as obras do PNBE, quer sejam elas clássicas ou contemporâneas. Caso sejam clássicos e todos reconhecemos a importância do lugar da obra clássica, e estes venham apresentar estereótipos raciais , já discutidos pela produção teórica existente, que os mesmos sejam discutidos na forma de nota explicativa, ou seja, numa contextualização do autor e sua obra. Entendemos que, nesse caso, não há nenhuma censura à obra literária. Há o cuidado com os sujeitos e com a diversidade étnico-racial presente na escola brasileira.
Contando com seu compromisso democrático como educador e cidadão, em favor da diversidade étnico-racial e pela importância do cargo que ocupa como ministro da educação do brasil, esperamos, sinceramente, que o senhor defenda o valor da literatura como bem inestimável da cultura humana e também defenda uma política educacional voltada para a promoção da igualdade racial, homologando o parecer do CNE. É papel do Estado cuidar da democracia, do direito à liberdade de expressão sem discriminação.
Se você concorda com o acima exposto, assine a Carta.
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quarta-feira, 17 de novembro de 2010
Celso Amorim, sobre a política externa de Lula
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, respondeu a estas perguntas do jornal Folha de S. Paulo. Via blog "Brasil, mostra a tua cara!".
FOLHA - O sr. é candidato a continuar no cargo?
CELSO AMORIM - Fiquei muito contente com a vitória da ministra Dilma, com quem sempre tive relações da melhor qualidade. Isso não significa que eu vá, ou possa, criar algum tipo de constrangimento. Eu seria incapaz de me colocar como candidato a alguma coisa, ou cobrando alguma coisa. Isso não existe.
E, se você olhar sob o ponto de vista da vaidade pessoal, eu passei o Barão do Rio Branco em número de dias no ministério. Sou o ministro mais longo da história do Itamaraty e o segundo mais longevo de todos. Só o Gustavo Capanema ficou mais tempo do que eu.
O "Foreign Affairs" me colocou como o melhor chanceler do mundo. Honestamente, o que mais eu posso querer? É melhor sair no ápice do que esperar acontecer alguma coisa.
O que é o ápice?
Você lê qualquer jornal internacional, mesmo os que são contra a algum aspecto da política externa brasileira, e todos dizem que a importância do Brasil no mundo cresceu.
Claro que atribuem ao crescimento econômico, aos avanços sociais, mas também à ousadia da política externa. Que é do presidente, diga-se, mas eu ajudei.
Se o sr. fosse convidado, ficaria?
Qualquer coisa que eu diga soará mal. Não tenho como responder. Eu me sinto bem, considero minha missão cumprida.
Agora, se alguém me pedir um conselho, estou disposto a dar.
Por exemplo...
Acho que o próximo ministro deva ser um profissional e a gente deve continuar trabalhando na linha da renovação. Precisamos de gente mais nova.
Eu já estou velho, tenho 68 anos, vivi muito.
O sr. apoia o embaixador Antônio Patriota?
Acho que ele tem plenas condições, mas não é o único. Mas não quero discutir nome a nome.
Mas, quando fala em solução profissional, exclui o ministro Nelson Jobim?
Isso não cabe a mim. Mas acho que o Itamaraty se engrandeceu por ter profissionais não apenas na chefia da Casa, mas em todos os cargos diplomáticos, e isso é a primeira vez que acontece na história deste país. As pessoas trabalham com vontade redobrada.
Mas San Thiago Dantas, por exemplo, não era diplomata de carreira e foi um grande ministro, que marcou a história. Nada é absoluto.
Por que o sr. participou tão assiduamente na campanha de Lula em 2006, mas sumiu na de Dilma?
Eu fui três vezes, mas a situação é um pouco diferente, porque eu era ministro do Lula. Minha participação mais direta era mais natural.
E, em 2010, coincidiu que tive uma agenda de viagens mais carregada.
Por que a política externa, diferentemente das expectativas, não foi tema de campanha?
Ora, porque a oposição não tinha nada a ganhar com isso, porque o povo brasileiro, em sua esmagadora maioria, só tem palavras de apreço à política externa. Eu vejo isso claramente na rua.
Se é assim, por que o governo não se aproveitou disso na campanha?
Porque não precisava, era um ponto pacífico.
E falava-se, sim, no prestígio internacional do Brasil, ao lado do Bolsa Família, crescimento, salário mínimo.
A que se deve esse prestígio internacional? À força de Lula, ao crescimento econômico ou a uma estratégia de política externa?
A personalidade do Lula foi um fator indispensável, obviamente, mas isso foi acompanhado desde o primeiro momento de uma visão de política externa inovadora. E houve uma sucessão de acertos que deu no que deu.
Até a "The Economist", que criticou várias vezes a política externa, agora chama o Brasil de "gigante diplomático". A "Foreign Affairs", o "Le Monde", a "Foreign Policy", "El Pais", todos elogiam.
Mas o Lula e os assessores dele dizem que essas avaliações estrangeiras sobre o Brasil não têm a menor importância. Afinal, têm ou não têm? Ou só têm quando é a favor?
Infelizmente, só sai notícia mais positiva quando a imprensa lá fora publica. É o que a gente chama de "complexo de vira-lata" que o presidente tanto critica. Tem de se trabalhar com ele para vencê-lo, como na psicanálise.
Como o sr. virou chanceler?
Eu nunca soube porque o Lula optou por mim, nunca perguntei a ele. Ele costumava dizer que eu tinha um pouquinho de caspa, então, devia ser um pouco mais popular.
Adivinha qual a primeira pessoa para quem eu liguei quando o Lula foi eleito em 2002? Dá um palpite. Eu nem conhecia o Lula. Foi para o Fernando Henrique Cardoso, com quem eu me dava muito bem. Eu disse que a chegada de Lula ao poder, depois dele, era a consolidação da democracia. E foi, de fato. A estabilidade foi mantida, a inclusão social aprofundada, avançamos na área de clima.
Com o governo acabando, posso falar tranquilamente que o Lula é uma figura excepcional, você vai contar três ou quatro líderes políticos como ele no século. É quase da dimensão do Nelson Mandela, e só não é igual porque a situação lá era mais dramática.
E como vai ser agora, sem Lula?
Sempre me perguntam isso, e eu respondo: Olha, Pelé só teve um, mas o Brasil foi cinco vezes campeão do mundo, algumas vezes sem Pelé. Igual a Lula não vai ter, ele é uma personalidade única na história recente do Brasil.
Mas não quer dizer que a Dilma não vá fazer um governo extraordinário e uma política externa muito boa. É uma mulher presidente do Brasil, e uma mulher que sabe o que quer e sabe comandar. Há quem compare a Dilma com a Margareth Tatcher, mas eu discordo.
A Dilma tem uma sensibilidade social, uma capacidade de ver as necessidades do povo que me dá confiança de que será muito bom para o país.
Qual foi o grande acerto da política externa no governo Lula?
Quando o presidente Lula me indicou publicamente, eu tinha de dizer umas palavras rápidas ali. Eu tinha falado umas duas vezes com Lula, não tinha combinado nada, não tinha estudado o programa do PT, e, aí, eu disse que a política externa seria altiva e ativa.
E essas palavras, que eu disse quase por acaso, acabaram entrando para o programa do PT e da presidente [Dilma]. Era uma questão de atitude. Hoje, eu até trocaria por política externa desassombrada e solidária, sobretudo porque não tem medo da própria sombra.
A política externa antes não era altiva e ativa?
Tenho 50 anos de Itamaraty e vi muita gente muito boa, muito competente, mas com aquela atitude que um secretário-geral de muito tempo atrás traduzia assim: "Política externa dá bolo".
Então, é melhor cuidar da burocracia, fazer uma coisinha ou outra e evitar bolo.
Exemplo do que poderia dar bolo?
Quando nós fizemos o G-20 comercial em Cancún, quando começamos a brigar contra a Alca e todos os vizinhos pareciam muito atraídos pela Alca, inclusive a Argentina.
Mas, veja bem, eu não decidi brigar com a Alca, eu disse: vamos ver, vamos conversar, vamos discutir. E ela morreu em Miami, sabe por quê? Porque foi quando conseguimos chegar a uma Alca que serviria ao Brasil, que não cerceasse a nossa capacidade de escolha de um modelo de desenvolvimento, e aí não interessava mais para os outros.
Era uma Alca que não nos sujeitava a um modelo neoliberal em compras governamentais, em investimento, em proteção à propriedade intelectual, e em agricultura. Os fundamentalistas de lá não quiseram. Então, matamos a Alca sem dar um tiro.
Isso tudo não foi um pouco de teatro? A intenção não era matar a Alca desde o início, por uma questão ideológica?
Olhando em retrospectiva, foi melhor talvez mesmo não ter tido a Alca. A crise nos EUA demonstrou isso. Nós ficamos mais protegidos, tivemos mais liberdade. E pudemos investir numa política Sul-Sul. E nada foi mais importante do que o processo de integração da América do Sul. Os presidentes se falam o tempo todo. Isso é muito importante.
Mas o Brasil ficou sem a Alca, não concluiu a Rodada Doha de comércio e se recusou a fazer acordos bilaterais. O país tirou a Alca e não botou nada no lugar?
Tenho certeza de que a Rodada Doha da OMC será concluída, mais cedo ou mais tarde. E, quando for, as pessoas vão olhar que o germe da conclusão correta foi a criação do G-20 comercial em Cancún, e aí foi o Brasil.
O nosso comércio cresceu com o mundo inteiro. Vão dizer que foi por causa disso, por causa daquilo outro, mas a verdade é que cresceu e o Brasil já é a oitava economia do mundo e já está entre os dez maiores cotistas do FMI.
Não há nenhuma, nenhuma mesmo, negociação comercial para a qual o Brasil não seja chamado. Como a China, a Índia, e isso é tudo resultado de Cancún, em agosto de 2003. Tinha um acordo todo prontinho entre EUA e União Europeia, para nos enganar de novo, como sempre. Só sobravam umas migalhinhas para os outros. Quem disse "não" foi o G-20, e não há quem não reconheça que quem liderou o G-20 foi o Brasil. Mais
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FOLHA - O sr. é candidato a continuar no cargo?
CELSO AMORIM - Fiquei muito contente com a vitória da ministra Dilma, com quem sempre tive relações da melhor qualidade. Isso não significa que eu vá, ou possa, criar algum tipo de constrangimento. Eu seria incapaz de me colocar como candidato a alguma coisa, ou cobrando alguma coisa. Isso não existe.
E, se você olhar sob o ponto de vista da vaidade pessoal, eu passei o Barão do Rio Branco em número de dias no ministério. Sou o ministro mais longo da história do Itamaraty e o segundo mais longevo de todos. Só o Gustavo Capanema ficou mais tempo do que eu.
O "Foreign Affairs" me colocou como o melhor chanceler do mundo. Honestamente, o que mais eu posso querer? É melhor sair no ápice do que esperar acontecer alguma coisa.
O que é o ápice?
Você lê qualquer jornal internacional, mesmo os que são contra a algum aspecto da política externa brasileira, e todos dizem que a importância do Brasil no mundo cresceu.
Claro que atribuem ao crescimento econômico, aos avanços sociais, mas também à ousadia da política externa. Que é do presidente, diga-se, mas eu ajudei.
Se o sr. fosse convidado, ficaria?
Qualquer coisa que eu diga soará mal. Não tenho como responder. Eu me sinto bem, considero minha missão cumprida.
Agora, se alguém me pedir um conselho, estou disposto a dar.
Por exemplo...
Acho que o próximo ministro deva ser um profissional e a gente deve continuar trabalhando na linha da renovação. Precisamos de gente mais nova.
Eu já estou velho, tenho 68 anos, vivi muito.
O sr. apoia o embaixador Antônio Patriota?
Acho que ele tem plenas condições, mas não é o único. Mas não quero discutir nome a nome.
Mas, quando fala em solução profissional, exclui o ministro Nelson Jobim?
Isso não cabe a mim. Mas acho que o Itamaraty se engrandeceu por ter profissionais não apenas na chefia da Casa, mas em todos os cargos diplomáticos, e isso é a primeira vez que acontece na história deste país. As pessoas trabalham com vontade redobrada.
Mas San Thiago Dantas, por exemplo, não era diplomata de carreira e foi um grande ministro, que marcou a história. Nada é absoluto.
Por que o sr. participou tão assiduamente na campanha de Lula em 2006, mas sumiu na de Dilma?
Eu fui três vezes, mas a situação é um pouco diferente, porque eu era ministro do Lula. Minha participação mais direta era mais natural.
E, em 2010, coincidiu que tive uma agenda de viagens mais carregada.
Por que a política externa, diferentemente das expectativas, não foi tema de campanha?
Ora, porque a oposição não tinha nada a ganhar com isso, porque o povo brasileiro, em sua esmagadora maioria, só tem palavras de apreço à política externa. Eu vejo isso claramente na rua.
Se é assim, por que o governo não se aproveitou disso na campanha?
Porque não precisava, era um ponto pacífico.
E falava-se, sim, no prestígio internacional do Brasil, ao lado do Bolsa Família, crescimento, salário mínimo.
A que se deve esse prestígio internacional? À força de Lula, ao crescimento econômico ou a uma estratégia de política externa?
A personalidade do Lula foi um fator indispensável, obviamente, mas isso foi acompanhado desde o primeiro momento de uma visão de política externa inovadora. E houve uma sucessão de acertos que deu no que deu.
Até a "The Economist", que criticou várias vezes a política externa, agora chama o Brasil de "gigante diplomático". A "Foreign Affairs", o "Le Monde", a "Foreign Policy", "El Pais", todos elogiam.
Mas o Lula e os assessores dele dizem que essas avaliações estrangeiras sobre o Brasil não têm a menor importância. Afinal, têm ou não têm? Ou só têm quando é a favor?
Infelizmente, só sai notícia mais positiva quando a imprensa lá fora publica. É o que a gente chama de "complexo de vira-lata" que o presidente tanto critica. Tem de se trabalhar com ele para vencê-lo, como na psicanálise.
Como o sr. virou chanceler?
Eu nunca soube porque o Lula optou por mim, nunca perguntei a ele. Ele costumava dizer que eu tinha um pouquinho de caspa, então, devia ser um pouco mais popular.
Adivinha qual a primeira pessoa para quem eu liguei quando o Lula foi eleito em 2002? Dá um palpite. Eu nem conhecia o Lula. Foi para o Fernando Henrique Cardoso, com quem eu me dava muito bem. Eu disse que a chegada de Lula ao poder, depois dele, era a consolidação da democracia. E foi, de fato. A estabilidade foi mantida, a inclusão social aprofundada, avançamos na área de clima.
Com o governo acabando, posso falar tranquilamente que o Lula é uma figura excepcional, você vai contar três ou quatro líderes políticos como ele no século. É quase da dimensão do Nelson Mandela, e só não é igual porque a situação lá era mais dramática.
E como vai ser agora, sem Lula?
Sempre me perguntam isso, e eu respondo: Olha, Pelé só teve um, mas o Brasil foi cinco vezes campeão do mundo, algumas vezes sem Pelé. Igual a Lula não vai ter, ele é uma personalidade única na história recente do Brasil.
Mas não quer dizer que a Dilma não vá fazer um governo extraordinário e uma política externa muito boa. É uma mulher presidente do Brasil, e uma mulher que sabe o que quer e sabe comandar. Há quem compare a Dilma com a Margareth Tatcher, mas eu discordo.
A Dilma tem uma sensibilidade social, uma capacidade de ver as necessidades do povo que me dá confiança de que será muito bom para o país.
Qual foi o grande acerto da política externa no governo Lula?
Quando o presidente Lula me indicou publicamente, eu tinha de dizer umas palavras rápidas ali. Eu tinha falado umas duas vezes com Lula, não tinha combinado nada, não tinha estudado o programa do PT, e, aí, eu disse que a política externa seria altiva e ativa.
E essas palavras, que eu disse quase por acaso, acabaram entrando para o programa do PT e da presidente [Dilma]. Era uma questão de atitude. Hoje, eu até trocaria por política externa desassombrada e solidária, sobretudo porque não tem medo da própria sombra.
A política externa antes não era altiva e ativa?
Tenho 50 anos de Itamaraty e vi muita gente muito boa, muito competente, mas com aquela atitude que um secretário-geral de muito tempo atrás traduzia assim: "Política externa dá bolo".
Então, é melhor cuidar da burocracia, fazer uma coisinha ou outra e evitar bolo.
Exemplo do que poderia dar bolo?
Quando nós fizemos o G-20 comercial em Cancún, quando começamos a brigar contra a Alca e todos os vizinhos pareciam muito atraídos pela Alca, inclusive a Argentina.
Mas, veja bem, eu não decidi brigar com a Alca, eu disse: vamos ver, vamos conversar, vamos discutir. E ela morreu em Miami, sabe por quê? Porque foi quando conseguimos chegar a uma Alca que serviria ao Brasil, que não cerceasse a nossa capacidade de escolha de um modelo de desenvolvimento, e aí não interessava mais para os outros.
Era uma Alca que não nos sujeitava a um modelo neoliberal em compras governamentais, em investimento, em proteção à propriedade intelectual, e em agricultura. Os fundamentalistas de lá não quiseram. Então, matamos a Alca sem dar um tiro.
Isso tudo não foi um pouco de teatro? A intenção não era matar a Alca desde o início, por uma questão ideológica?
Olhando em retrospectiva, foi melhor talvez mesmo não ter tido a Alca. A crise nos EUA demonstrou isso. Nós ficamos mais protegidos, tivemos mais liberdade. E pudemos investir numa política Sul-Sul. E nada foi mais importante do que o processo de integração da América do Sul. Os presidentes se falam o tempo todo. Isso é muito importante.
Mas o Brasil ficou sem a Alca, não concluiu a Rodada Doha de comércio e se recusou a fazer acordos bilaterais. O país tirou a Alca e não botou nada no lugar?
Tenho certeza de que a Rodada Doha da OMC será concluída, mais cedo ou mais tarde. E, quando for, as pessoas vão olhar que o germe da conclusão correta foi a criação do G-20 comercial em Cancún, e aí foi o Brasil.
O nosso comércio cresceu com o mundo inteiro. Vão dizer que foi por causa disso, por causa daquilo outro, mas a verdade é que cresceu e o Brasil já é a oitava economia do mundo e já está entre os dez maiores cotistas do FMI.
Não há nenhuma, nenhuma mesmo, negociação comercial para a qual o Brasil não seja chamado. Como a China, a Índia, e isso é tudo resultado de Cancún, em agosto de 2003. Tinha um acordo todo prontinho entre EUA e União Europeia, para nos enganar de novo, como sempre. Só sobravam umas migalhinhas para os outros. Quem disse "não" foi o G-20, e não há quem não reconheça que quem liderou o G-20 foi o Brasil. Mais
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