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terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Manobras para condenar a qualquer custo

09.02.2014 - Manobra = condenações a qualquer custo
- Cristiana Castro - Megacidadania

Manobra: s.f.
- Ato, modo de regular, de dirigir o funcionamento de uma máquina, de um aparelho, de um veículo: manobra de uma locomotiva.
- Arte de comandar tropas em campanha: general hábil em manobras.
- Exercício militar.
- Arte de governar um navio.
- Cabo que serve para governar as velas de um navio.
- Fig. Meios empregados para chegar a um fim desejado; habilidade, astúcia, artimanha.

Numa sessão do STF  [Supremo Tribunal Federal], no julgamento de uma Questão de Ordem em uma AP [Ação Penal] (aqui não importa qual), um dos ministros (também não importa qual deles), disparou:
– Estão a brincar com o Poder Judiciário!


Estranhei tanto a revolta do ministro quanto a indignação de alguns outros já que o ponto que despertava tamanha indignação, era nada mais que o pleno e legítimo exercício da advocacia, tratado por boa parte do plenário como “manobra” para atrapalhar o Poder Judiciário.

Por alguma razão, não fizeram muita questão de destacar a participação de um juiz na tal manobra promovida por réu e advogado para perturbar a sagrada distribuição de justiça e, também não dispensaram qualquer atenção para o fato do MP [Ministério Público] ter “deixado passar” a tal manobra, nem quando alertados por um dos pares.

De qualquer forma, o que me espantou mesmo foi a indignação causada por suposta “manobra” de advogados com a intenção de ludibriar a justiça.

Não pareciam ministros que, naquela mesma sessão, após o intervalo, julgariam dois petistas, incluídos em pauta, por uma MANOBRA do presidente da Corte para se vingar de um deputado e, denunciados por MANOBRA do MP, visando interferir no processe eleitoral à época.

Por outro lado, nem de longe, os indignados lembravam os ministros que junto com o MPF [Ministério Público Federal], ACUSARAM os réus da AP 470 e bloquearam as defesas, valendo-se de várias MANOBRAS, uma delas, inclusive, visando interferir nas eleições fazendo com que a data do julgamento de determinados réus coincidisse com as eleições.

Quando, por várias vezes alertamos para o fato de que julgamentos nas bases da AP 470, teriam conseqüências para a sociedade como um todo, fomos acusados de quadrilheiros/mensaleiros tentando proteger bandidos.

Não demorou muito e um ministro da Corte, acusou cidadãos comuns de lavagem de dinheiro.

Seguindo o exemplo da mais alta Corte, instâncias inferiores do Poder Judiciário, emitem decisões com a clara intenção de sufocar, financeiramente, blogueiros independentes que ousam desafiar o “Midiciário”;

MANOBRA, evidente para interditar os debates na sociedade.

Muitos acusam Lula/Dilma de terem sido ingênuos ou negligentes nas indicações para o STF.

Aqui, gostaria de lembrar as palavras do advogado Kakay ao então Ministro Chefe da Casa Civil José Dirceu [foto], quando da indicação de JB ao STF:
“– Não é assim que as coisas funcionam no DF.”

Não há necessidade de desenhos, o advogado foi claro; existem regras e elas não são as suas.

Mas, seguindo com as manobras que tanto revoltaram a maioria dos éticos e probos ministros da Corte.

Não podemos dizer que o PGR [Procurador Geral da República], manobrou ao oferecer a denúncia-ficção contra os réus da AP 470; afinal o MPF é livre para produzir sua peça.

Mas o fato de denunciar, tantas pessoas, sem provas, sem vínculos e em foro inadequado ou revela uma MANOBRA política ou indica que o MPF está a brincar com o Poder Judiciário.

Mas se o STF, incompetente, aceitar julgar e condenar pessoas a partir da peça de ficção travestida de denúncia?

MANOBRA golpista ou o Poder Judiciário a brincar com a sociedade?

Quando o plenário do STF aceitou uma denúncia sem provas; assumiu para si a tarefa de acusar os réus e transferiu para os réus a tarefa de provar que eram inocentes dos crimes dos quais eram acusados.

MANOBROU no sentido de alcançar condenações a qualquer custo.

Mas não só isso. Os réus produziram provas que atestavam sua inocência. E o que faz a Corte? 

Desconsidera as provas produzidas pela defesa e o que era absurdo fica bizarro.


A mais alta Corte de Justiça, além de transferir o ônus da prova aos acusados, ignora-as, solenemente.

No caso do uso de dinheiro público, um dos pilares da AP 470, restou fácil a comprovação mas a Corte “precisou” desconsiderar as provas para que a MANOBRA para transformar crime eleitoral prescrito em outros crimes, pudesse surtir efeito.

O outro pilar, a simulação da compra de votos para atrair parlamentares para que a denúncia pudesse ser oferecida no STF é bem mais complicada já que não existe a menor possibilidade de se provar compra e venda de consciências, seja lá o que isso signifique ou onde figure como crime no ordenamento jurídico.

Mais um pouco e o STF entenderá o voto como ato de ofício que prova esse tipo de “crime”.

Pois bem, ao “MANOBRAR” para inviabilizar a defesa técnica, sem perceber ou desejar, o STF transferiu para milhares de militantes e simpatizantes a defesa dos réus da AP 470.

A tarefa de todo e qualquer militante de lutar por sua bandeira e seus companheiros, tornou-se o pior pesadelo para os ministros da Corte.

A partir do “voto do elefante” do Ministro Ricardo Lewandowski [foto], optamos por seguir juntos nas defesas de todos os réus.

É claro e natural que o momento das prisões acirram os ânimos e, é perfeitamente compreensível que nesses momentos, em função dos sentimentos de frustração e impotência, acabemos por criticar estratégias de um determinado réu por entender que aquela conduta pode prejudicar um dos outros.

Mas, passado o impacto das prisões, devemos voltar a denunciar as arbitrariedades desse julgamento, juntos.

Lembrando que não podemos contar com o apoio da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil] e da maior parte da comunidade jurídica que, ao longo de toda essa barbaridade, guardou silêncio cúmplice e covarde.

A ÚNICA razão para eventuais desentendimentos entre os que estão defendendo os réus da AP 470, reside no fato de estarmos sendo obrigados a provar a inocência de nossos companheiros já que o MPF não logrou comprovar sua culpa e o STF bloqueou as defesas técnicas.

Não é tarefa justa e nem fácil mas já foi bem mais complicado. 

Daqui sairemos todos, melhores e mais fortes militantes.

Não estamos a brincar com o Poder Judiciário.

Ao contrário, concordando com o entendimento da maioria do plenário da Corte, estamos dando nossa contribuição no sentido de denunciar MANOBRAS” que possam interferir no bom desempenho do Poder Judiciário.

- Simulação de uso de dinheiro público na AP 470: MANOBRA para transformar crime eleitoral em outros crimes.

- Compra de Votos: MANOBRA para atrair réus, sem prerrogativa de foro para instância única e última, ou seja, negar aos réus o duplo grau de jurisdição, bem como fraudar o princípio do juiz natural.

- Inquérito 2474: MANOBRA para desviar/ocultar provas que pudessem beneficiar os réus ou implicar pessoas não denunciadas. Portanto, MANOBRA, também, para proteger pessoas e/ou interesses.

- Considerar todos os recursos como meramente protelatórios: MANOBRA para cercear defesas.

- Trânsito em julgado parcial: MANOBRA para prender os réus antes do fim do julgamento.

- Substituição do Juiz da VEP [Vara de Execuções Penais]: MANOBRA para manter réus em regime fechado ou para dificultar-lhes acesso a direitos.

- Decisões com base em notícias de jornal: MANOBRA para impedir transferência de réu para o semi-aberto e negar-lhe o direito a trabalhar.

- Imposição de multas absurdas: MANOBRA para sufocá-los, financeiramente.

- Fatiamento de denúncia, julgamento e execução: MANOBRA para simular um julgamento justo e técnico...

Acho que já temos o suficiente para perguntar ao ministro quem, afinal, está a brincar com quem.

Assim como a maioria da Corte, não concordamos com MANOBRAS que interfiram na atuação do Poder Judiciário bem como as que visam simular seu bom desempenho.

Fonte:
http://www.megacidadania.com.br/manobra-condenacoes-a-qualquer-custo/

Leia também:
- Pizzolato, perseguido político - Paulo Moreira Leite

sábado, 16 de novembro de 2013

Pocilga, chiqueiro ou repressão fascista?

14/11/2013 - O julgamento da AP 470 e o "novo" Estado de repressão
- Assis Ribeiro - Jornal GGN

Chicana não, ministro; chiqueiro.

Controle da ordem não, ministro; repressão fascista.

No judiciário, no legislativo, e no executivo, o mundo observa julgamentos, criação de leis, e ações de estado que causam espanto a um mundo que optou pelo liberalismo e democracia.

O judiciário brasileiro foi transformado pelos seus próprios ministros em pocilga principalmente neste julgamento chamado de mensalão, e rinha de exaltados galos de briga, quando com a clava na mão em cada sessão o senhor presidente do STF tenta intimidar os seus colegas.

Na academia já se considera o que está acontecendo como o “julgamento exemplar” sobre o que não deve fazer um juiz ao apreciar as provas, flexibilizar a interpretação de leis, doutrina e decisões usuais, e adequar a fixação da pena ao clamor popular.

Apenas onze juízes conseguiram transformar o julgamento em balaio de gatos, onde não conseguem se entender sequer sobre conceitos primários, e alguns ainda pretendem dar ao STF um ar de rinha de galos de briga.

O que vem ocorrendo demonstra a animosidade entre os seus membros, a falta de seriedade de um colendo tribunal e o desrespeito às leis, doutrina e jurisprudência.

Como diz o jurista Pedro Serrano [foto] prevendo o que poderia acontecer no dia de ontem [13/11]:

“Caso aceito por nossa Corte o pedido, a nosso ver, estará se deixando de observar um dos mais relevantes preceitos do Estado de Direito e da vida civilizada, o de que só se cumpra a decisão condenatória após o seu trânsito em julgado, ou seja, após o julgamento do último recurso adequado.

Tal decisão, por maior respaldo que conte da maioria social, estará contrariando princípios constitucionais da maior importância bem como normas internacionais, protetivas dos direitos humanos.”

Esse julgamento demonstra o Estado virando a sua mão forte contra o cidadão, ferindo o que de mais basilar se espera de uma sociedade chamada liberal e colocando em risco a própria democracia no seu sentido de equilíbrio e igualdade.

É a volta do chamado Estado leviatã, anti-cidadão, arbitrário e casuístico.

Tal constatação se dá nos emblemáticos casos da bisbilhotagem internacional, no aumento da repressão das policias pelo mundo exemplificadas nas manifestações e a criação de leis draconianas  para a repressão de qualquer situação que confronte ou mesmo que apenas questione os atos ou omissões dos governantes.

É a falência dos Estados que ao não atenderem e responderem satisfatoriamente aos anseios democráticos que foram prometidos e não cumpridos partem para o confronto com a própria sociedade para a volta de uma "ordem" imposta, historicamente conhecida em regimes totalitários.

Sobre esta nova forma de relação entre Estado e cidadão, Nilo Batista [foto], em recente e lúcida entrevista aborda, com maestria, esse quadro que beira a paranoia em que se aposta na repressão, ao invés de naturais canais democráticos de diálogo.

Imperdível:



Fonte:
http://jornalggn.com.br/noticia/o-julgamento-da-ap-470-e-o-novo-estado-de-repressao

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Um julgamento de ribalta não produz segurança jurídica

Passados meses do fim do espetáculo do julgamento do “mensalão”, fica cada vez mais evidente que o STF sucumbiu à mídia e acabou se tornando o protagonista de uma onda de comoção criada para uso político. 

Por Maria Inês Nassif - Carta Maior
   
A história ainda julgará o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo dia 17 de dezembro de 2012, quando a mais alta Corte brasileira concluiu o julgamento do chamado “mensalão”. Nos cinco meses seguintes ao gran finale do show midiático promovido pelos ministros do Supremo durante todo o processo eleitoral, ocorreu uma sucessão de fatos que desmontam várias das condenações dadas aos envolvidos no caso. Existe um vigoroso conjunto de novas provas produzidas pelos advogados e acusados, boa parte delas desconsiderada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e pelo relator da matéria no STF, ministro Joaquim Barbosa, e desmentidos lógicos a premissas importantes do julgamento – que, se houver alguma racionalidade e justiça no julgamento dos embargos dos condenados, poderá resultar na redução de pena de vários deles; e, no limite, pode inocentar os casos mais flagrantes de condenação sem provas, ou a condenação por provas que não eram provas.

Quanto mais o tempo se afasta do rumoroso julgamento do chamado “mensalão”, mais a fragilidade do julgamento fica evidente. Isso não ocorre porque a “fragilidade ficou mais frágil” – apenas porque a opinião pública e os especialistas que passam a ter acesso aos fatos sem a mediação dos meios de comunicação estão mais distanciados da onda de comoção criada nos meses que antecederam o julgamento dos envolvidos numa denúncia feita por um aliado da base do governo, Roberto Jefferson, presidente do PTB, num momento de raiva pela divulgação de uma denúncia contra um seu indicado para os Correios, em 2005. Nesse acesso, Jefferson agravou um crime do qual participou: transformou um caixa dois de campanha – a transferência de dinheiro “frio”, pelas empresas de Marcos Valério, para o seu partido, para pagamento de dívidas de campanha das eleições municipais de 2004 – em uma fantástica história sobre como o Partido dos Trabalhadores comprou apoio dos partidos aliados dentro do Congresso. Jefferson virou réu e desmentiu-se, dizendo que caixa dois não é mensalão. Não adiantou. Foi condenado pelo “mensalão”.

O “mensalão” teve duas grandes ondas de comoção que decidiu os seus destinos: a primeira, em 2005, quando Jefferson botou a boca no trombone. A crise provocada pela mídia, avalizadas por sucessivos pequenos vazamentos da Polícia Federal e do Ministério Público, alimentaram a maior ofensiva oposicionista contra o governo Luiz Inácio Lula da Silva de seus oito anos de governo. Se não fosse Lula resistir ao primeiro impacto dessa amplificação – transformada em fatos altamente relevantes e comprometedores pela mídia (quando necessariamente não eram), jogadas aos partidos de oposição, que instrumentalizavam as informações jogadas ao público sem filtro e por fim tinham sua ação política emocionalizada pela mesma mídia – , ele teria sofrido um impeachment ou renunciado, como sugeriram líderes de oposição em recados mandatos ao governante.

Essa primeira onda foi desmontada por pesquisas de opinião que deixaram claro para a oposição partidária que a popularidade de Lula era um elemento que não havia sido considerado: naquele exato momento, o presidente colhia o reconhecimento amplamente majoritário dos setores mais pobres da população pela ação de seu governo contra a pobreza. Lula apostou nisso e não renunciou. A oposição reconheceu isso e não levou avante o processo de impeachment.

A segunda onda de comoção foi criada no ano passado, às vésperas das eleições municipais, e desta vez teve como um dos protagonistas um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgaria em seguida o chamado “mensalão”. Em maio do ano passado, quando ainda não havia sido marcado o início do julgamento – e existia a hipótese de que fosse adiado, justamente para que a Justiça não contaminasse algo que não lhe é próprio, um processo político – a revista Veja apareceu com uma capa esquisita, em que Gilmar Mendes diz, mas parece que fala a terceiros, que o ex-presidente Lula sugeriu a ele ajuda para adiar o julgamento e, em troca, ofereceu a Gilmar “blindagem” na CPI do Cachoeira, que poderia comprometer o ministro com o esquema do bicheiro de Goiás.

A conversa teria ocorrido no escritório de Nelson Jobim, em Brasília, e a proposta comprometedora ocorrido na copa, quando Gilmar e Lula foram tomar café (sem desprezar pequenos detalhes, para que a matéria pareça mais verídica, a matéria conta que Lula estaria comendo uma fruta quando falava a sós com o ministro do STF). Ninguém atentou para o fato de que, no escritório de Jobim, não existe copa, e não haveria qualquer lugar onde os dois pudessem conversar sem o testemunho do anfitrião. Jobim desmentiu, disse que esteve com os dois o tempo todo, e Lula, em nota à imprensa, disse que Gilmar mentiu – mas prevaleceu o estranho critério jornalístico de que a palavra do ministro do Supremo vale mais do que a palavra de outras duas pessoas presentes ao mesmo encontro.

Embora a história tenha parecido muito mal contada, serviu de pretexto, não apenas para o julgamento, mas para um fingido espírito de corpo que iria resultar numa condenação exemplar para os condenados, mesmo que a condenação ocorresse em cima de fatos que não tinham provas consistentes para isso.

O jogo midiático foi completo: a TV Justiça tornou públicas barbaridades faladas por ministros, amplificadas novamente na mídia tradicional – que, por sua vez, com um corpo de especialistas a postos para analisar o julgamento on line, valorizou de forma invertida decisões muito importantes da maioria do plenário do STF. Em vez, por exemplo, de cobrar do Supremo a aceitação de provas, elogiou o plenário todas as vezes que ele omitiu esse direito aos julgados, a bem da celeridade do julgamento. A questão cívica colocada era condenar rapidamente, antes das eleições, os réus petistas, e não cobrar um julgamento justo para cada um dos julgados. Essa onda teve pouco efeito eleitoral, mas produziu o efeito prático de levar para a ribalta a maioria dos ministros do STF. Nem todos tiveram coragem de ir contra uma onda de opinião pública e uma montagem de espírito de corpo previamente montada justificou a decisão deles.

O julgamento não deve ter sido tão honroso, todavia, para deixar para a história todo o seu relato. A transcrição dos anais das sessões omitiu, por exemplo, barbaridades faladas pelo ministro Luiz Fux, recém-chegado que foi tomado de uma indignação insólita para quem não entendia muito do processo. A pedido do próprio ministro. Outras impropriedades foram tiradas pelos seus pares. No acórdão, alguns fatos apresentados erroneamente por Barbosa como provas do crime, e que na sua cabeça avalizavam a afirmação de que o esquema mexeu com dinheiro público, simplesmente foram omitidos.

O mundo jurídico até agora se manteve à margem desse processo – e a abertura de todos os precedentes trazidos pelo julgamento do “mensalão” é uma insegurança jurídica intolerável. As pressões que se iniciaram pelas bocas de Barbosa e Gilmar Mendes para que o STF proceda às prisões sem julgar os embargos; ou de Barbosa, para que o Supremo simplesmente desconheça os embargos infringentes, não tem nenhuma razão jurídica. Deve ter a intenção de forçar os pares a não rever uma frágil peça jurídica produzida pela maioria dos membros do Supremo Tribunal Federal que não honrará nenhum de seus pares no futuro.

Fonte Carta Maior

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Joaquim e seu estilo


Paulo Moreira Leite em seu Blog

Aos poucos, Joaquim Barbosa autoriza o país a identificar um estilo político.

Sabendo do risco de ser adorado pelos conservadores, que tentam enfeitá-lo com o mito de “menino pobre que mudou o Brasil”, agora reproduzido até pela revista Time (se houve tal “menino pobre” nós sabemos quem ele é, como se chama, de onde veio e o que fez, certo?),

Joaquim achou necessário  colocar-se como pessoa de esquerda.

Apenas por isso declarou que a imprensa brasileira é de “direita”.

Tempos atrás, fez questão de revelar seu voto em Lula e Dilma, lembram?

Sempre de olho no povão, xingou o Congresso e disse que temos partidos de mentirinha. Como isso é sempre chato e incomoda quem lê jornais, mandou dizer que falou como acadêmico.

O método de Joaquim Barbosa para construir seu próprio mito político já é conhecido. Consiste em quebrar regras de convívio democrático e respeito entre instituições. Depois, dá uma volta sobre o próprio passo.

Quem procura, de uns tempos para cá, conseguir um lugar na turma do gargarejo finge que não vê a coerência em determinados movimentos apenas porque são duplos.

Joaquim disse em tom de crítica:

 “O Congresso não foi criado para única e exclusivamente deliberar sobre o Poder Executivo. Cabe a ele a iniciativa da lei. Temos um órgão de representação que não exerce em sua plenitude o poder que a Constituição lhe atribui, que é o poder de legislar.”

Sob a presidência de Joaquim, o Supremo inaugurou uma fase na qual tem feito o possível para diminuir o Congresso e interferir em sua atividade.

O Congresso tentou legislar sobre royalties do petróleo. Foi impedido pelo Supremo. Tentou regulamentar a distribuição de verbas públicas e tempo na TV para partidos políticos – Gilmar Mendes assinou uma liminar. O Congresso quer resolver o que fazer com o mandato de deputados condenados no mensalão, como diz a Constituição. O Supremo manda cassar de qualquer maneira.

Já aposentado, o ex-presidente do Supremo, Ayres Britto, justifica a atuação extrajudicial do STF sem muitos pudores.

Diz que “o experimentalismo” do Supremo se explica pela “inércia do legislador.” Ou seja: com este Congresso lento, sem lideranças (quem sabe preguiçoso e corrupto, não é assim?), o STF se acha no direito de fazer mais do que a lei manda. É a Constituição à moda de Ayres Britto.

Eu acho muito estranho que alguém reclame  da omissão do Congresso semanas depois da aprovação de uma lei crucial  para o bem-estar do país -- a legislação que regula o trabalho doméstico, última herança do regime escravocrata.

Considerando que foi uma legislação criada pelos parlamentares e aprovada por eles, após pressões, manobras protelatórias e ataques de todo tipo, que se prolongaram durante anos, pergunto como alguém pode reclamar do Congresso nesses dias, como se fosse possível esquecer um avanço numa área que se encontrava estagnada desde 13 de maio de 1888.

Ou melhor: entendo perfeitamente porque se fala mal do Congresso por esses dias. Uma pena.

Há outras coisas, também.

Jornalistas que integram a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, que possui tantos profissionais respeitáveis em seu quadro de sócios e dirigentes, resolveram convidar o presidente do STF para uma palestra.

Pergunto se aquele jornalista que deveria chafurdar na lama estará na plateia.

E aquele outro, brother, que ousou perguntar pela serenidade do ministro do STF, e foi advertido que isso era visão de branco?

Podemos imaginar, desde já, o próximo release explicando, mais uma vez, que o ministro falou na ABRAJI como acadêmico, num “exercício intelectual”, numa tentativa de disfarce conhecido, pois poder não faz “análise”, nem “sociologia”, nem “psicologia”.

Poder é poder durante 24 horas do dia.

Se isso fosse verdade, não haveria motivo aceitável para um assessor do STF esclarecer opiniões privadas do seu presidente, concorda?

Não custa lembrar que movimentos temerários de aproximação com posturas autoritárias costumam fazer vítimas entre os companheiros de viagem.

Principal trombone do golpe de 64, Carlos Lacerda não demorou a perder seus direitos políticos.  Articulador civil do golpe, o Estado de S. Paulo tornou-se alvo prioritário da censura.

Depois de apoiar centros de tortura, nossos espertalhões de ontem derramam lágrimas de crocodilo quando falam sobre as revelações da Comissão da Verdade.

Aliomar Baleeiro, udenista que foi golpistas em 1954, 1956 e 1964, acabou a carreira no Supremo,  fazendo arrependidas manifestações a favor os direitos humanos e das liberdades públicas.  Tarde demais – mesmo para limpar biografias.

A questão de Joaquim é aqui e agora.

Em maio de 2013, o ambiente em torno do Supremo é outro. O debate sobre embargos irá abrir, necessariamente, uma discussão que ficou abafada durante o julgamento, em torno de falhas e contradições que ajudaram a produzir penas tão severas.

Será difícil repetir aquele ambiente de unanimidade cívica do ano passado.

Mas Joaquim vai tentar.    

http://istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Judiciário trava a Reforma Agrária


Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST

O poder Judiciário tem sido um dos principais opositores do processo de Reforma Agrária no Brasil. Além de autorizar ações violentas de despejo contra camponeses acampados e evitar ao máximo a condenação de latifundiários que cometeram crimes contra os trabalhadores rurais, o Judiciário é um dos grandes responsáveis por áreas já desapropriadas, mas que ainda não se tornaram assentamentos devido à trâmites na justiça.

De 531 áreas cujos processos tramitam no Judiciário, 237 estão paradas há anos nos tribunais por “óbice judicial”, uma ação jurídica utilizada para suspender o processo de desapropriação.

No caso das áreas de assentamentos, essa mesma ação geralmente é perpetrada pelos proprietários, ao questionarem o laudo de improdutividade de suas terras,feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e alegando que o valor recebido pela desapropriação é insuficiente.

Segundo o presidente do Incra, Carlos Guedes de Guedes, em declaração ao jornal O Globo, os entraves judiciais dessas áreas custam ao órgão federal pelo menos R$ 485,5 milhões, mais da metade do orçamento anual do Instituto, de R$ 720 milhões. A meta do Incra para este ano é assentar 30 mil famílias, total que poderia ser beneficiado com os imóveis que estão parados nos tribunais.

Tais impasses fazem com que as áreas fiquem com a situação jurídica indefinida por anos. Para Nilcio Costa, militante e advogado do MST, se não fossem esses empecilhos, as desapropriações das áreas seriam rápidas.

“Sem obstáculos, ao receber a petição, o juiz deve imediatamente dar posse ao Incra. Em um ano deveria ser possível desapropriar uma área. Na prática, obviamente isso não ocorre. Há casos de áreas com mais de 10 anos no judiciário”, destaca.

Segundo Joaquim da Silva, da direção estadual do MST em Sorocaba, o Incra pouco faz para pressionar o Judiciário e agilizar a situação dessas áreas. “Na nossa avaliação, quem deveria ter essa articulação com a justiça é o Incra, já que ele é parte interessada. Mas vemos também muito corpo mole por parte dos responsáveis da instituição”.

Acampamentos

Enquanto os impasses no Judiciário continuam, mais de 150 mil famílias vivem em condições precárias nos acampamentos. Joaquim cita o caso do acampamento Santa Maria da Conquista, em Sorocaba.

“Cinquenta famílias acampam em frente à fazenda. Já tivemos oito despejos na beira da estrada. Tem uma área da companhia de luz que é bem em frente à fazenda. Então quando somos despejados da estrada vamos para essa área, e quando tem um despejo da companhia voltamos para a estrada, e por aí vai”.

A área de 700 hectares já foi desapropriada e paga pelo governo federal, mas se encontra desde 2007 na 2ª vara de Sorocaba. O proprietário contesta o laudo de improdutividade do Incra, sendo que a vistoria do instituto demonstrou que as terras estavam abandonadas há nove anos.

Uma reunião de conciliação irá ocorrer no dia 5 de junho para tentar resolver a situação do acampamento. Além desta área, o MST reivindica mais duas áreas na região: a da fazenda Sapituva, e a Ligiane, que desde de 2003 e 2004 se encontram igualmente travadas no Judiciário.

Os Sem Terra acampados vivem de trabalhos temporários e com cestas básicas distribuídas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Joaquim conta que as famílias vivem num clima de tensão.
“É uma agonia muito forte, primeiro porque moramos debaixo de uma rede de alta tensão, que passa pela beira da estrada, de 40 mil volts. É um risco grande que corremos. Segundo porque estamos há anos nessa situação de pressionar por meio de lutas, sermos despejados e refazer o acampamento”.

As áreas citadas por Joaquim são apenas um exemplo de diversas outras situações semelhantes que acontecem por todo país, tendo como principal responsável à forma como o Poder Judiciário lida com a Reforma Agrária. “Todos os processos de vistoria do Incra são questionados, e os juízes tem sido excessivamente cuidadosos em atender os interesses e as ações dos proprietários”, afirma Nilcio.


sexta-feira, 10 de maio de 2013

Ditadura do Judiciário será "legalizada"?


"Ou Congresso exerce seu poder constitucional ou haverá ditadura ‘legalizada’ por Judiciário"

Por J. Carlos de Assis*


Como um dos comentários que surgiram sobre meu artigo anterior foi o mais incisivo, vou tentar responder a ele, esperando que responda também a outros críticos. Não sei em que parte de meu artigo se encontrou uma referência a que eu tenha escrito que toda emenda parlamentar é boa. Escrevi que todo o projeto de emenda constitucional é legítimo, desde que, naturalmente, não fira cláusula pétrea. A emenda em questão, se aprovada, não fere, em seu aspecto essencial – exigência de quórum qualificado do STF para derrubar lei aprovada por quórum qualificado do Congresso -, o princípio de independência e harmonia dos poderes. Tenta-se regular um dispositivo de funcionamento interno do judiciário que tem profundas repercussões externas. A emenda é uma prevenção contra decisão eventual de um poder burocrático, não eleito, que, em certas circunstâncias, pode tomar caráter político.

A propósito, há um ensaio genial de Max Weber, “A Política como vocação”, contendo uma rigorosa exegese do poder judiciário democrático, no qual ele manifesta sua admiração pela organização burocrática (não política) do sistema, o rito rigoroso dos processos, a impessoalidade, a progressão por mérito etc etc. Na conclusão, ele próprio derruba tudo isso observando que, numa situação de convulsão, desaparece o rigor burocrático e prevalece a justiça do cadi. Em outras palavras, prevalece a decisão subjetiva em relação ao que é hoje chamado clamor público. Quem garante que uma emenda controversa, que gere protestos, não venha suscitar que tais protestos justifiquem, independentemente da maioria do poder legislativo, uma anulação judicial de emenda por suposto clamor público?

Note que os nossos ministros do Supremo são muito criativos. Buscaram na jurisprudência alemã, e a atrofiaram, a figura do “domínio do fato” para condenar, sem provas convincentes, alguns réus do mensalão. Por trás disso, como de todo o julgamento, estava a ideia do clamor público – um clamor que se materializou especialmente na mídia de direita, majoritária no Brasil segundo o ministro Joaquim Barbosa. Portanto não estou falando de suposições abstratas. Estou falando de fatos ocorridos. Será provavelmente baseados na figura do “domínio do fato” que pretenderão, se prosseguir o processo, julgar o presidente Lula. Caminha-se sutilmente para um golpe judiciário de direita, à falta de base popular para ganhar eleições por parte dos partidos de oposição.

No caso da emenda, notei que alguns comentários consideram meu artigo tendencioso em favor da maioria governista. É um equívoco. Não sou do PT, nem tenho partido. Estou tratando do tema em caráter geral. Entretanto, me parece que as críticas, sim, são tendenciosas contra a maioria governista, e, através dela, contra o Congresso. Isso reflete um tremendo preconceito contra o Legislativo e contra a democracia, justificado circunstancialmente apenas pelo fato de que agora o Governo odiado pela “mídia de direita” tem maioria no Congresso. Sim, porque a base da democracia é o legislativo. É ele, enquanto Constituinte original ou derivado, que estabelece as condições gerais de funcionamento dos demais poderes, inclusive a cláusula pétrea original de independência e harmonia, assim como os direitos individuais e coletivos.

No plano conceitual, há sim um nível de superioridade hierárquica do Legislativo pois é ele que aprova os orçamentos dos demais poderes. Também é ele que processa e julga impeachments do Presidente da República e Ministros do Supremo, além de seus próprios integrantes no caso de suspeita de falta de decoro parlamentar. Obviamente que tudo obedece a regras constitucionais estritas (feitas por ele, e não por juristas), mas o importante a assinalar, do ponto de vista da Teoria Política, é que ele só tem esse poder porque esse poder exprime a vontade do povo numa extensão maior que a do próprio Executivo, do qual apenas o chefe é escolhido por voto popular.

Antes da profunda antipatia que o Congresso atual, majoritariamente governista, inspira em certas áreas, a “mídia de direita” várias vezes tem tentado desmoralizá-lo usando expedientes tão cretinos quanto os da exibição pela TV de plenários quase vazios, para demonstrar que deputados e senadores não trabalham. Com isso procura-se ocultar o fato de que o trabalho parlamentar é sobretudo nas comissões e nos gabinetes, assim como junto às bases estaduais representadas, sendo que, nas comissões, os trabalhos só são cobertos pela mídia quando os temas ali tratados geram emoção pública.

Convém acostumar-se com o poder do Congresso, seja ele governista ou não. Ele não é feito só de homens bons, sábios e honestos; ele representa também os maus, os ignorantes, os oportunistas, os desonestos. Se falham junto aos constituintes, são cassados eleitoralmente. Isso é que é democracia, embora nem sempre seja bem entendido. Poderíamos ter outro sistema: monarquia absoluta, ditadura, timocracia. Contudo, o sistema que deu mais certo no Ocidente foi a democracia, pelo menos por enquanto. Talvez alguns preferissem o sistema de mandarinato chinês, que determinava a escala do poder pelo mérito e em alguma medida se estendeu ao sistema atual de partido único. Nos dois casos garantiu certa estabilidade ao país. Contudo, parece que gostamos muito de nossas liberdades e, como tal, temos que respeitar nossa democracia ancorada fundamentalmente no poder do Congresso.

Para encerrar, vou contar uma breve história: quando era um jovem jornalista do finado “O Jornal” do Rio de Janeiro, e a eleição militar de Geisel suscitou uma certa esperança de abertura política, meu chefe me mandou a Brasília para entrevistar os presidentes dos partidos, Ulysses e Filinto Miller, e alguns presidentes de comissões. Encantado com Brasília e com o prédio do Congresso, passei pela Tribuna da Imprensa da Câmara, por curiosidade. Falava um deputado do MDB. Levei um susto. Ele dizia algo assim: Presidente, será preciso eu jogar cadáveres nessa sala para comprovar que há tortura e mortes de presos políticos no Brasil? Fiquei estarrecido.

Olhei em volta e ninguém reagia. Os jornalistas, indiferentes, conversavam sobre outras coisas. No espanto, sequer passou pela minha cabeça fazer uma matéria daquilo. Mas ninguém fez. No dia seguinte não saiu uma linha em jornal. O que ouvi não podia existir como palavra escrita ou repetida. Na verdade, era impensável. O Congresso existia para dentro, mas não existia para fora. Os que tentaram fazê-lo existir dentro e fora foram cassados.

O Judiciário existia, em conluio criminoso com a ditadura (à exceção dos ministros Adauto Lúcio Cardoso, que renunciou ao STF diante da truculência da ditadura, e de Victor Nunes Leal, que foi cassado). O Executivo também existia, já que ele era a expressão da própria ditadura. Saí dali convencido de que sem Congresso pleno de suas prerrogativas democráticas, expressão da vontade popular, não há salvação!

J. Carlos de Assis é economista, professor de economia internacional da UEPB e autor, entre outros livros, de “A Razão de Deus” (ed. Civilização Brasileira).

http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/ou-congresso-exerce-seu-poder-constitucional-ou-havera-ditadura-legalizada-por-judiciario/606590/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm

Fonte: Este artigo foi publicado originalmente no Correio do Brasil em 6/05/2013

segunda-feira, 4 de março de 2013

Ajufe, AMB e Anamatra emitem comunicado sobre declarações de Joaquim Barbosa

02/03/2013 - Nota pública extraída do sítio da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil)

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), entidades de classe de âmbito nacional da magistratura, a propósito de declarações do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) em entrevista a jornalistas estrangeiros, na qual Sua Excelência faz ilações sobre a mentalidade dos magistrados brasileiros, vêm a público manifestar-se nos seguintes termos:

1. Causa perplexidade aos juízes brasileiros a forma preconceituosa, generalista, superficial e, sobretudo, desrespeitosa com que o ministro Joaquim Barbosa enxerga os membros do Poder Judiciário brasileiro.

2. Partindo de percepções preconcebidas, o ministro Joaquim Barbosa chega a conclusões que não se coadunam com a realidade vivida por milhares de magistrados brasileiros, especialmente aqueles que têm competência em matéria penal.

3. A comparação entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público, no que toca à “mentalidade”, é absolutamente incabível, considerando-se que o Ministério Público é parte no processo penal, encarregado da acusação, enquanto a magistratura – que não tem compromisso com a acusação nem com a defesa – tem a missão constitucional de ser imparcial, garantindo o processo penal justo.

4. A garantia do processo penal justo, pressuposto da atuação do magistrado na seara penal, é fundamental para a democracia, estando intimamente ligada à independência judicial, que o ministro Joaquim Barbosa, como presidente do STF, deveria defender.

5. Se há impunidade no Brasil, isso decorre de causas mais complexas que a reducionista ideia de um problema de “mentalidade” dos magistrados.

As distorções – que precisam ser corrigidas – decorrem, dentre outras coisas, da ausência de estrutura adequada dos órgãos de investigação policial; de uma legislação processual penal desatualizada, que permite inúmeras possibilidades de recursos e impugnações, sem se falar no sistema prisional, que é inadequado para as necessidades do país.

6. As entidades de classe da magistratura, lamentavelmente, não têm sido ouvidas pelo presidente do STF. O seu isolacionismo, a parecer que parte do pressuposto de ser o único detentor da verdade e do conhecimento, denota prescindir do auxílio e da experiência de quem vivencia as angústias e as vicissitudes dos aplicadores do direito no Brasil.

7. A independência funcional da magistratura é corolário do Estado Democrático de Direito, cabendo aos juízes, por imperativo constitucional, motivar suas decisões de acordo com a convicção livremente formada a partir das provas regularmente produzidas.

Por isso, não cabe a nenhum órgão administrativo, muito menos ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a função de tutelar ou corrigir o pensamento e a convicção dos magistrados brasileiros.

8. A violência simbólica das palavras do ministro Joaquim Barbosa acende o aviso de alerta contra eventuais tentativas de se diminuírem a liberdade e a independência da magistratura brasileira.

A sociedade não pode aceitar isso. Violar a independência da magistratura é violar a democracia.

9. As entidades de classe não compactuam com o desvio de finalidade na condução de processos judiciais e são favoráveis à punição dos comportamentos ilícitos, quando devidamente provados dentro do devido processo legal, com garantia do contraditório e da ampla defesa.

Todavia, não admitem que sejam lançadas dúvidas genéricas sobre a lisura e a integridade dos magistrados brasileiros.

10. A Ajufe, a AMB e a Anamatra esperam do ministro Joaquim Barbosa comportamento compatível com o alto cargo que ocupa, bem como tratamento respeitoso aos magistrados brasileiros, qualquer que seja o grau de jurisdição.

Brasília, 2 de março de 2013.

NELSON CALANDRA - Presidente da AMB
NINO OLIVEIRA TOLDO - Presidente da Ajufe
RENATO HENRY SANT’ANNA - Presidente da Anamatra

Fonte:
http://www.ajufe.org.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=4863

Não deixe de ler:
- Dez medidas são possíveis para aprimorar a Justiça - João Baptista Herkenhoff
- O Congresso Nacional pode sustar decisões do STF? - Nazareno Fonteles
- Imprensa e toga: a tentação do golpe - Gilson Caroni Filho

Tudo a ver:
- Dois passos adiante - Theófilo Rodrigues e Antonio Fernando Araujo
- Na ABI, o retrocesso do judiciário, o lulismo e o interior profundo deste país - Universidade Nômade
- A República, o STF e o Parlamento - Mauro Santayana

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Imprensa e toga: a tentação do golpe

03/02/2013 -  - Gilson Caroni Filho (*) - Carta Maior

Como realizar uma tarefa desmedida, a retomada da agenda neoliberal, se na direita nada há que não seja um imenso vazio?

A sua ideologia, incapaz de se reciclar, continua se apoiando em um pensamento econômico que, além do fracasso retumbante, exige para sua implantação, a derrocada das mínimas condições democráticas vigentes.



Para operar a demolição do país é necessário modificar profundamente a estrutura de poder no Brasil. E não nos iludamos. O protagonismo do judiciário, traduzido em confronto permanente com o Legislativo e outras instâncias da organização republicana, nomeadamente, o Poder Executivo, é peça central de uma onda golpista que tende a se acirrar em 2013.

É bom lembrar, como destaca a tradição marxista, a capacidade das classes dominantes de deslocar o centro do poder real de um aparelho para outro tão logo a relação de forças no seio de um deles pareça oscilar para o lado das massas populares.


A estratégia é restabelecer, sob nova forma, a relação de forças em favor do capital rentista. É à luz da perda de importância dos partidos conservadores, em especial do PSDB, que se estabelece a proeminência das corporações midiáticas e de um STF por elas pautado.

Não deve ser motivo de surpresa que os membros dos dois campos (midiático e jurídico) se vejam empenhados em mudar as regras formais do jogo político, inaugurando uma série de eventos dramáticos com o objetivo último de deslegitimar o governo eleito pelo povo.


E por que tal empreitada ainda se afigura no horizonte das viúvas do consórcio demotucano?

Porque nossas elites estão pouco acostumadas com a vida democrática, sendo incapaz de enriquecer o debate político.

A democracia, como todos sabemos, não prospera sem o compromisso de todos com sua manutenção.

Seria preciso que a imprensa, o sistema educacional, as lideranças empresariais e intelectuais apoiassem a ideia democrática como única forma que legaliza e legitima o conflito.


Nada mais incompatível com a prática e o discurso que caracterizam a falange neoliberal brasileira, forjada a ferro e fogo em uma formação autoritária secular que considera a negociação de interesses opostos como fator impeditivo para a adoção das medidas necessárias solicitadas pelo mercado.

Estamos diante de atores que, como sabemos há muito tempo, não recuam de medidas mais radicais para a execução das tarefas a que se propõem: o desmonte do Estado e o aniquilamento da cidadania.

A maior presença, dia a dia, do Poder Judiciário reconstitucionalizando o direito ordinário à luz dos editoriais (estatutos) da mídia corporativa, não é um episódio isolado, uma carta encomendada apenas para o julgamento da Ação Penal 470.

A nova direita brasileira, cega e surda, arrogante e displicente, irá às últimas consequências para o cumprimento de suas metas. Nem que para isso tenha que levar à desmoralização o seu próprio braço parlamentar.

Não há limites para o golpismo. Se dessa vez o estamento militar opera nos marcos da legalidade, não há problemas.

Que se troquem as fardas por togas dóceis. A margem de manobra é mínima, mas a tentação é grande.

A tarefa mais urgente, pois, é continuar mobilizando a vontade nacional, atuando em todos os movimentos sociais organizados.




É preciso deflagrar uma campanha orgânica de desmistificação do noticiário envolvendo questões legais.

Ao país interessa um Poder Judiciário que, como guardião da Constituição Federal, dinamize os instrumentos processuais constitucionais previstos para garantir o funcionamento da democracia.

E isso significa evitar que o Estado volte a ser atropelado pela insanidade dos golpistas, ficando sem condições para cumprir e fazer cumprir as leis.


(*) Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5961

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A Constituição ignorada

18/09/2012 - Ano 16 - nº 712 do Observatório da Imprensa
Por Dalmo de Abreu Dallari (*)

A cobertura do Poder Judiciário pela imprensa, com noticiário minucioso e comentários paralelos, é uma prática muito recente, que pode ter efeitos benéficos em termos de dar maior publicidade a um setor dos serviços públicos que também está obrigado, como todos os demais, a tornar públicos os seus atos, seu desempenho administrativo e a utilização de seus recursos orçamentários.

Entretanto, as decisões judiciais têm várias peculiaridades, entre as quais está o direito de penetrar na intimidade das pessoas e das instituições quando isso for necessário para o bom desempenho do julgador, assim como o fato de que tais decisões, que podem ter gravíssimas consequências para pessoas, entidades e mesmo para toda a sociedade, são inevitavelmente influenciadas por uma escala individual de valores – tudo isso implica a configuração de características especiais, exclusivas das atividades judiciárias e bem diferentes das peculiaridades do Legislativo e do Executivo.

Só isso já seria suficiente para que se exigisse da imprensa uma atenção diferenciada para a cobertura das atividades do Judiciário. Acrescente-se, ainda, que pelas particularidades do processo de obtenção e uso de dados, assim como da fundamentação das decisões dos juízes e tribunais, é indispensável um preparo adequado dos editorialistas e jornalistas que irão publicar informações e opiniões sobre as atividades e as decisões do Judiciário, pois além do risco da existência de erros na matéria divulgada, o que já é altamente reprovável, graves consequências podem decorrer da divulgação de informações e comentários errados e mal fundamentados. Nesses casos a publicidade do Judiciário acarretará mais efeitos nocivos do que benéficos.

Matéria jurídica
O despreparo de importantes órgãos da imprensa para a cobertura do Judiciário tem ficado evidente, tanto pelo tratamento dado às matérias quanto pela ocorrência de erros e impropriedades relativamente a situações e ocorrência pontuais. Assim, por exemplo, num dos mais importantes órgãos da imprensa brasileira, o jornal O Estado de S.Paulo, que ultimamente passou a ser muito vigilante quanto às falhas do Judiciário e muito agressivo nos comentários a elas relativos, foi publicado, na edição de 22 de julho deste ano, num editorial da página 3 – que é um espaço nobre do jornal –, um comentário que, sob o título “A resistência da toga“, pretendia denunciar a persistência da doença do corporativismo no Judiciário.

Para comprovação do que ali se afirmava foi referida a resistência de juízes às boas inovações introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45, informando-se, textualmente, para esclarecimento dos leitores, que essa emenda “entre outras inovações, criou o instituto jurídico do mandado de injunção. Na época, entidades da magistratura acusaram esse mecanismo processual – cujo objetivo é agilizar as decisões judiciais, obrigando os tribunais inferiores a seguir a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal – de suprimir as prerrogativas e a autonomia dos juízes de primeira instância”.

Ora, basta uma simples leitura do artigo 5º, inciso LXXI, da Constituição para se verificar a absoluta impropriedade da afirmação constante do editorial. Com efeito, nos termos expressos daquele inciso constitucional “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.

Como fica mais do que evidente, quem escreveu o editorial não tinha conhecimento do assunto e não houve assessoria nem revisão de algum conhecedor. Provavelmente, o editorialista tinha ouvido falar que estavam sendo propostas inovações constitucionais para melhorar o Judiciário e uma delas dava efeito vinculante a certas decisões do Supremo Tribunal Federal, obrigando os órgãos do Poder Judiciário a seguirem a mesma orientação, o que tinha sido mal recebido por alguns integrantes do Poder Judiciário.

Trata-se, neste caso, da súmula vinculante, prevista entre as competências do Supremo Tribunal Federal no artigo 103-A da Constituição, inovação que absolutamente nada tem a ver com o mandado de injunção.

Houve erro evidente do editorialista, mas também ficou evidenciado o despreparo de um importante órgão da imprensa para a cobertura do Judiciário. Pode-se imaginar quantos equívocos dessa natureza podem estar contidos nas informações e nos comentários sobre matéria jurídica, que pretendem informar e formar os leitores, como se tem considerado inerente ao papel da imprensa.

Extensão inconstitucional
Há um ponto em que a imprensa poderia promover um sério debate, com base numa questão jurídica fundamental: por meio da Ação Penal 470, estão sendo julgados pelo Supremo Tribunal Federal, sem terem passado por instâncias inferiores, acusados que não tinham cargo público nem exerciam função pública quando participaram dos atos que deram base à propositura da ação pelo Ministério Público. Isso ficou absolutamente evidente no julgamento de acusados ligados ao Banco Rural, que, segundo a denúncia, sem terem cargo ou função no aparato público, interferiram para que recursos públicos favorecessem aqueles integrantes de um banco privado.

Ministro Ricardo Lewandowski

Essa questão foi suscitada, com muita precisão, pelo ministro Ricardo Lewandowski, na fase inicial do julgamento.

Entretanto, por motivos que não ficaram claros, a maioria dos ministros foi favorável à continuação do julgamento de todos os acusados pelo Supremo Tribunal.

No entanto, a Constituição estabelece expressamente, no artigo 102, os únicos casos em que o acusado, por ser ocupante de cargo ou função pública de grande relevância, será julgado originariamente pelo Supremo Tribunal Federal e não por alguma instância inferior.

No inciso I, dispõe-se, na letra “b”, que o Supremo Tribunal tem competência para processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, “o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador Geral da República”. Em seguida, na letra “c”, foi estabelecida a competência originária para processar e julgar “nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente”.

Como fica muito evidente, o Supremo Tribunal Federal não tem competência jurídica para julgar originariamente acusados que nem no momento da prática dos atos que deram base à denúncia nem agora ocuparam ou ocupam qualquer dos cargos ou funções enumerados no artigo 102.

Para que se perceba a gravidade dessa afronta à Constituição, esses acusados não gozam do que se tem chamado “foro privilegiado” e devem ser julgados por juízes de instâncias inferiores. E nesse caso terão o direito de recorrer a uma ou duas instâncias superiores, o que amplia muito sua possibilidade de defesa. Tendo-lhes sido negada essa possibilidade, poderão alegar, se forem condenados pelo Supremo Tribunal, que não lhes foi assegurada a plenitude do direito de defesa, que é um direito fundamental da cidadania internacionalmente consagrado.

E poderão mesmo, com base nesse argumento, recorrer a uma Corte Internacional pedindo que o Brasil seja compelido a respeitar esse direito.

A imprensa, que no caso desse processo vem exigindo a condenação, não o julgamento imparcial e bem fundamentado, aplaudiu a extensão inconstitucional das competências do Supremo Tribunal e fez referências muito agressivas ao ministro Lewandowski – que, na realidade, era, no caso, o verdadeiro guardião da Constituição.

(*) Dalmo de Abreu Dallari é jurista, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

Fonte:
http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed712_a_constituicao_ignorada