terça-feira, 14 de janeiro de 2014

América Latina - fim de um ciclo

12/01/2014 - Elaine Tavares em seu blogue Palavras Insurgentes

Ao se completarem dez meses da morte de Hugo Chávez, o panorama que se vislumbra na América Latina é desanimador.

A Venezuela “cria cuervos”, agarrada com a elite financeira do país que põe a economia no chão.

O Equador se rende as mineradoras e aos ditames do Banco Mundial.

O Brasil, que nunca chegou a trilhar os caminhos do socialismo, cada vez mais mergulha no pragmatismo do negócio.

Países da América Central que estavam inclinados a uma parceria com a Venezuela também se desviam.

A Bolívia, apesar de forte influência indígena, igualmente vai se rendendo às grandes empresas privadas, que formam um perigoso poder no país.

O Uruguai, que tem sido a estrela da vez, avança em reformas que muito pouco mudam a estrutura do sistema de governo.

Ao que parece, a era das transformações está encerrada e o caminho para o socialismo, que era uma promessa do líder venezuelano, está, por hora, interrompido.

Como era de se esperar, o desaparecimento de Chávez foi também o desaparecimento do motor teórico do processo “revolucionário” que começou com a chegada desse militar incomum ao poder em 1998.

Quando Chávez chegou à presidência da Venezuela o mundo estava então dominado pelo pensamento neoliberal. Parecia não haver saída desse labirinto de pensamento único.

Na América Latina apenas Cuba seguia resistindo, e o presidente venezuelano entrou no cenário com um discurso duro contra o imperialismo e o capital.

No princípio foi tratado como um anacronismo, uma falha na matrix que logo seria extirpada. Mas, no tecido social completamente roto da Venezuela a proposta de Chávez cresceu, tomou corpo e se encarnou na maioria da população desde sempre empobrecida.

Ele prometia uma revolução bolivariana, amarrada ao ideário do famoso conterrâneo que liderou as grandes guerras de independência da parte norte e leste da América Latina: Bolívar.

E o que é o bolivarianismo?

Um sistema de governo que tem como plataforma a educação gratuita para todos, soberania, fim do colonialismo político, econômico e cultural, unidade dos países latino-americanos, fim da dependência.

E foi esse sendero que o governo de Chávez foi abrindo por entre as veias da América Latina.

Seu discurso forte, seu carisma e, fundamentalmente suas ações, guinaram a Venezuela à esquerda e, com ela, começaram a girar também outros países.

O Equador, depois de fortes rebeliões indígenas, foi buscando um caminho soberano.

A Bolívia, igualmente derrubou presidentes, ardeu em rebelião e apontou novos horizontes, inauditos.

Veio uma nova Constituição na Venezuela, participativa, desde baixo. Outro duro golpe no pensamento neoliberal, no modelo ocidental, burguês.

Institucionaliza-se o poder popular, coisa inédita nestes confins.

Anunciam-se revoluções bolivarianas, cidadãs, culturais.

O imperialismo atacou, deu golpe, mas foi derrotado pela massa que já não estava mais excluída da participação.

Chávez voltou fortalecido, passou por novas eleições, sempre vencendo. Dia a dia ele falava com seu povo, lia livros, editava outros tantos, orientava estudos.

Não era um bravateiro sem estofo. Sabia o que dizia e o que estava fazendo. Não era ainda o socialismo. No máximo, um capitalismo de estado, mas prometia avançar para além. E caminhava.

Na esteira das mudanças venezuelanas a Bolívia também mudou.

Elegeu Evo Morales [foto], das fileiras indígenas e sindicais, construiu de forma participativa e popular uma nova Constituição, criou um estado Plurinacional, avançou na participação, fez assomar a cultura originária, maioria no país.

O Equador seguiu o mesmo diapasão.

Nova Constituição, outorgou direitos à natureza, estado pluricultural.

Abriu espaço para novos pensares, mais além do socialismo: o sumak kausay, uma forma de organizar a vida embasada em conceitos autóctones, dos povos antigos, coisa completamente nova para quem acreditava que o modelo europeu era o único possível.

A América Latina entrou no novo milênio ardendo em novidade e transformação.

Quando alguém fraquejava, lá vinha o Chávez com sua voz de trovão, puxando o timão mais à esquerda.

E mesmo quando ele mesmo claudicava, ou cedia ao “possível”, buscava nos autores revolucionários, nos heróis do passado, a inspiração para reavaliar e avançar.

E, assim, esses três países em especial (Venezuela, Bolívia e Equador) começaram a realizar algumas mudanças que finalmente mexiam nas estruturas.

Outros, como o Brasil, a Argentina, a Nicarágua, Honduras, Paraguai, Uruguai, principiaram a realizar reformas e a amparar pelo menos alguns pontos do bolivarianismo, como a ideia de soberania e união latino-americana.

Quando, no mês de março de 2013, o câncer venceu o comandante, as coisas já não andavam bem.

Na Venezuela era possível observar a subida da inflação e a opção do governo por uma aliança com o setor financeiro. O país não conseguia avançar no caminho do desenvolvimento endógeno, atropelado que fora ano após ano por golpes, contragolpes e ações desestabilizadoras da direita.

Apesar de todos os esforços empreendidos, o rentismo petroleiro ainda era o carro chefe da economia do país. A produção - de comida e de outros produtos de uso corrente - não deslanchou.

Continuava mais vantajoso ao empresariado nacional seguir com a importação, especulando com o dólar, criando um perigoso mercado paralelo para a moeda estadunidense.

Na Bolívia, Evo Morales passou a apostar na lógica do neodesenvolvimentismo, puxada pelo Brasil.

Projetos grandiosos com construtoras estrangeiras (brasileiras) e o crescente conflito com as comunidades indígenas.

No Equador, Rafael Correa [foto abaixo] foi mordido pela mosca azul e abraçou-se às mineradoras e as grandes empresas do petróleo.

Tem mantido fogo cerrado contra os povos indígenas, acusando-os de barrar o progresso do país e entrou de cabeça na mesma onda do “desenvolvimento” a qualquer custo.

O modelo é o mesmo do Brasil. Reforma sem vestígios de revolução.

A morte de Chávez de certa forma liberou os aliados para uma virada de timão, mais ao estilo do Brasil.

Aquilo que Lula não conseguiu, já que era frequentemente ofuscado por Chávez, Dilma logrou. Não tanto pela ação dela, mas porque agora os mandatários vizinhos estavam mais livres para fugir da rota socialista.

Daí que se configura inegável o papel de liderança que o presidente venezuelano exercia em todo o continente.

Tanto que as proposta de uma aliança com o Caribe e a construção da Unasur foram constituídas a partir de suas investidas.

A união das repúblicas latino-americanas era um sul determinado por ele e, num período de crise na região europeia assim como nos Estados Unidos, foi e continua sendo uma alternativa muito conveniente para os países da América Latina.

Mas, apesar de essas propostas seguirem vivas e atuantes, é fato que perderam força política.

Os encontros continuam, as instituições também, mas não há uma liderança capaz de articular as ações econômicas com o debate teórico.

A última reunião da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba) foi um bom exemplo. Realizada em Caracas no último dia 17 de dezembro, não mereceu sequer uma nota nos jornais.

Falta a grandiloquência de um projeto totalizante de combate ao capitalismo.

O professor Nildo Ouriques, do Instituto de Estudos Latino-Americanos, analisa a Venezuela hoje, sob o comando de Nicolás Maduro [foto abaixo], e não tem dúvidas de que o processo revolucionário, por agora, se esgotou.

O fato de o partido do governo ter ganhado as eleições municipais agora em dezembro não diz muito. Nos pequenos municípios a política do partido está consolidada. Mas, nos grandes, não. Daí que a direita avança por aí.

Maduro não tem a força de Chávez para mudar o rumo dos acontecimentos e talvez nem mesmo Chávez pudesse fazê-lo.

Pode até ser que o bolivarianismo siga no poder por algum tempo – e é bom que siga  - mas não haverá mais mudanças radicais e o povo ficará cada vez mais fora do poder de decisão”.

Segundo Nildo, a inflação galopante que tem assolado o país e a criação de um mercado paralelo do dólar enfraquecem a economia e a tendência é de que, a seguir essa política, a situação econômica se agrave ainda mais.

O empresariado local não tem interesse na produção, está lucrando de forma astronômica com o dólar.

E, sem produção, o país segue dependente.

É um círculo vicioso e sem saída.

A menos que houvesse uma virada de curso. Mas isso não se vislumbra.

Nos demais países, a falta de um discurso forte acerca do caminho para o socialismo ou qualquer outra forma diferente de organizar a vida, coloca todo mundo - em maior ou menor grau - na posição de "humanizar" o capitalismo.

No Brasil, algumas políticas públicas asseguram renda aos mais pobres, o programa Mais Médicos surge como um importante paliativo de saúde para os fundões do país.

Mas, por outro lado, o agronegócio está cada vez mais abraçado ao governo, deitando e rolando no ataque aos indígenas e aos que pretendem colocar qualquer freio a nova expansão da monocultura.

Vive-se uma investida anti-indígena só comparada a caminhada para o norte no início do século XX.

No Uruguai, apesar de passos importantes como o ataque ao narcotráfico e a busca por uma democratização da mídia, Mujica [foto] permite a ação nefasta das papeleiras e de outras grandes crias do capital.

Na Bolívia, na última quarta-feira (18.12), chegou-se ao extremo de reprimir, com gás e força policial, uma manifestação de crianças, que marchavam por um código do menor.

No Equador, Correa está rendido às petroleiras.

Na verdade, toda a proposta de soberania e anti-colonialismo contida no bolivarianismo parece se esvair.

Os mandatários ditos “progressistas” não conseguem sair da roda da dependência. Preferem o acordo com o capital especulativo e com as mega empresas transnacionais, para tentar algum respiro do que chamam “desenvolvimento”.

Aplicam políticas compensatórias que até são importantes, a considerar a extrema pobreza que vivem as maiorias, mas que não parecem capazes de romper com o ciclo de uma quase perpétua subserviência.

O máximo que conseguem é o que já apontava Gunder Frank: o desenvolvimento do subdesenvolvimento, o que permite algumas ilhas de riqueza, um certo incremento no consumo através da liberação de crédito, mas praticamente nenhuma mudança estrutural.

Para os protagonistas de lutas importantes contra o capital, como é o caso dos bolivianos que viveram as guerras da água e do gás, esses governos, mascarados de esquerda, acabam prestando um desserviço à luta anticapitalista.

"Eles domesticam o movimento social, seguram os movimentos de luta, cooptam lideranças, disseminam uma mensagem falsa sobre as possibilidades de melhorias dentro do sistema.

Assim, retrocedemos décadas. É uma tragédia", afirma Oscar Olivera, uma das mais importantes lideranças da Guerra da Água, em Cochabamba.

Nos dias de hoje, sem a presença vigorosa de um Fidel, ou a trovejante ousadia de Chávez, o que parece avançar é a acomodação ao velho modelo de dependência e de cooperação com o capital.

Mas, ainda assim, a falta de uma alternativa também abre caminho para a construção de outro ciclo, talvez um pachakuti (o mundo de patas para cima, uma viração), como dizem os povos andinos.

Algum novo giro, uma nova tendência, uma surpresa, como foi Chávez e seu sonho bolivariano. No final dos anos 90 essa novidade veio de onde ninguém esperava.

Agora, enquanto o mundo mergulha no frisson das novas tecnologias, da inserção internética, no reino das sensações, talvez, em algum lugar não sabido, completamente inaudito, esteja brotando o que virá. As lutas não acabam, seguem seu caminho.

Os movimentos continuam protagonizando resistência e, afinal, os povos sempre aprendem quando vivenciam experiências alvissareiras, como as que afloraram na última década.

Algo novo há de aparecer.

Assim, seguimos!...

Fonte:
http://eteia.blogspot.com.br/2014/01/america-latina-fim-de-um-ciclo.html

Leituras afins:
- O fim de uma era - Fernando Brito
- Uma nova geração que resgata Marx - Michelle Goldberg 
- Burguesias nacionais? Não existem mais - Rodrigo Mendes 

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O fim de uma era

10/01/2014 - O final de uma era vai chegando. Que mundo será o novo?
- Fernando Brito - Tijolaço

As eras históricas, que se mediam em milênios, depois em séculos, vão se tornando cada vez mais curtas, encolhimento que provém do desenvolvimento produtivo-tecnológico do ser humano, que vai miniaturizando o mundo.

Aconteceu algo hoje [10/01/2014] que, embora todos o esperassem, é um marco nesta mudança global.

A China tomou o lugar de maior potência comercial do planeta dos Estados Unidos, que o haviam roubado da Inglaterra no início do século passado.

Ano passado haviam empatado, com ambos com 3,8 trilhões de dólares em importações e importações, somadas.

Este ano, com crescimento de mais de 7% e quase 4,2 trilhões de dólares, abriu folga para os EUA, que devem ficar estagnados em valor.

O Brasil anda pouco acima da vigésima posição nesse ranking, ainda.

Beiramos o meio trilhão de dólares, com valor semelhante de entrada e saída de mercadorias.

Tornar-se o maior centro do fluxo comercial não faz da China a maior potência econômica do mundo.

Seu PIB é ainda perto de 20% menor que o dos EUA e, no PIB per capita, com sua população gigantesca, menor que o do Brasil.

Mas é como dizia o telefonista de um jornal que se acabava, aqui no Rio quando lhe perguntavam: alô, é da Gazeta?
E ele respondia: por enquanto...

Dependendo do critério (paridade de poder de compra ou conversão cambial direta) o PIB chinês superará o dos EUA um pouco antes ou um pouco depois de 2020.

Um estudo, do ano passado, da consultoria PWC, fusão da Price Waterhouse e Coopers & Lybrand inglesas , mostra que em 2050 já será a vez da Índia, outro gigante asiático, deixar para trás os EUA.

O Brasil, segundo este estudo, terá passado o Japão e se tornado a quarta economia mundial.

Os tigres asiáticos serão outros, porque é preciso tamanho territorial e populacional para ocupar a posição de maiores numa economia que, com todos os seus males, caminha no sentido do distributivismo.

Este é o mundo novo que vai se afirmando, para o qual nossas elites não têm olhos – e nem antevisão.

Os chineses mandam os seus jovens estudarem português, aos milhares, para se prepararem para o relacionamento comercial com o Brasil e a África portuguesa.

Aqui, o mandarim ainda é “folclore”.

Julgam que o centro mundial do comércio é em Miami e que os chineses colocaram uma nave na Lua porque são bons em fogos de artifício.

E se acham…

Nós temos é de olhar esse mundo novo e melhorar nossa inserção nos negócios mundiais.

E escolher se vamos ser parceiros de quem cresce ou vassalos de quem obsolesce.

Fonte:
http://tijolaco.com.br/blog/?p=12433

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

domingo, 12 de janeiro de 2014

Então, que venha do BRICS um desenvolvimento inteligente

06/01/2014 - Busca-se desenvolvimento inteligente no BRICS
- Fabíola Ortiz, da IPS (*) para o site Envolverde

Rio de Janeiro – O desenvolvimento inteligente é o que concilia um avanço econômico inclusivo e sustentável, afirmou o economista indiano Nanak Kakwani [foto], que formulou uma nova metodologia para medir a pobreza.

Agora existe uma tentativa acadêmica de medi-la no BRICS, começando pelo Brasil.

Os países emergentes, como os integrantes deste bloco (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) devem refletir sobre qual é o tipo de desenvolvimento que desejam alcançar, ressaltou.

Kakwani viveu vários anos no Brasil, onde fundou, em 2004, o Centro Internacional da Pobreza, que depois deu lugar ao Centro Internacional de Políticas para o Crescimento Inclusivo, com participação do estatal Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

Se o desejo é melhorar as condições de vida das pessoas, é necessário crescer rápido, mas este crescimento tem seus custos para o meio ambiente”, disse o agora professor da Universidade de Nova Gales do Sul, em Sydney, na Austrália, e pesquisador convidado do Ipea.

É preciso existir um equilíbrio entre os dois aspectos, que seja inteligente”, ressaltou.

O crescimento econômico é apenas um meio para alcançar o desenvolvimento e o bem-estar das pessoas, que priorize o bem-estar de todas elas e não apenas de um pequeno grupo, afirmou Kakwani em conversa desde Sydney.

Em termos gerais, se define como desenvolvimento inclusivo aquele que implanta ações e políticas para o desenvolvimento socioeconômico e humano, a fim de promover, em equilíbrio com o meio ambiente, a igualdade de oportunidades e direitos para todas as pessoas, independente de sua condição, como o status social ou o gênero.

Ainda se prioriza muito o avanço econômico de um país, se acelera ou desacelera.

Assim acontece no Brasil, que atualmente apresenta uma freada em seu ritmo de crescimento, apontou Kakwani. “O crescimento inclusivo não deve ser volátil”, destacou.

O crescimento econômico, além do mais, não determina o fundamental: a forma como são distribuídos na sociedade os benefícios do progresso.

“Um desenvolvimento inclusivo incorpora todas as pessoas e significa que todos obterão algum tipo de benefício do crescimento”, explicou, o economista indiano.

Com estas premissas, ele estabeleceu um método para medir a pobreza, que calcula a função do bem-estar social, a função de oportunidades sociais e o cumprimento dos objetivos sociais do desenvolvimento inclusivo.

Todas têm como propósito avaliar as políticas públicas e medidas destinadas a melhorar os serviços sociais e públicos.

Também é medido o acesso de toda a população a serviços básicos, como saúde, educação, nutrição, saneamento, água ou emprego.

Além disso, indaga os resultados desse acesso, como
- melhoria na expectativa de vida das pessoas e a boa saúde;
- melhora da sobrevivência infantil;
- maior alfabetização;
- educação de qualidade;
- vigência da liberdade de expressão;
- acesso à justiça ou a participação social.

Entre os objetivos sociais se inclui o da redução ou não das tensões sociais, como pobreza extrema, excessiva desigualdade, insegurança ou polarização.

Calculo uma espécie de índice de igualdade de oportunidades” para estabelecer o nível de desenvolvimento inclusivo, explicou Kakwani.

O desenvolvimento é um conceito multidimensional e para ser inclusivo deve conter três pilares:
- crescimento alto e sustentado,
- eliminação ou redução de tensões sociais,
- e ampliação de oportunidades e igualdade no acesso.

O Brasil é um “caso típico” de alto nível de desigualdade, afirmou Kakwani.

O país apresenta elevada tensão social com uma grande brecha entre classes sociais e uma sociedade muito polarizada.

O Brasil teve um crescimento muito flutuante, volátil, que subia e caía rapidamente, até que em 1995 se tornou mais estável.

A primeira premissa é que esse crescimento deveria melhorar o nível de vida das pessoas”, ressaltou.

Se a economia de um país é volátil, causará perdas no bem-estar social coletivo.

O grande desafio dos estudos sobre o desenvolvimento inclusivo é elaborar indicadores que estabeleçam o nível de tensão social e de desigualdade, explicou Kakwani.

O índice de pobreza extrema no Brasil caiu para 6% de seus quase 200 milhões de habitantes, mas as desigualdades permanecem muito altas entre sua população.

O país, em alguma medida, começou a reduzir a desigualdade da renda… Nunca o fizera antes. Mas há preocupação sobre a sustentabilidade do crescimento”, ressaltou o pesquisador.

Até março deste ano, quando acontecerá no Brasil o próximo encontro dos BRICS, Kakwani trabalhará nos indicadores dos programas para transferência de renda no país, como o programa Bolsa Família, para calcular a taxa de retorno social.

Sua meta é medir o desenvolvimento inclusivo de todos os membros do BRICS.

O diretor de estudos de políticas sociais do Ipea, Rafael Osório [foto], que trabalhou com Kakwani quando este vivia no Brasil, ressaltou a importância do componente ambiental.

A sustentabilidade não deve ser inserida apenas na relação com o meio ambiente. As soluções são complexas e o crescimento não pode ser para uma única geração.

Não se pode esgotar todos os recursos naturais, e nem se pode manejar temerariamente os fundos de pensão”, afirmou.

A falta de coordenação e articulação dos serviços públicos também é obstáculo à sustentabilidade, argumentou Osório.

A pobreza reside onde falta planejamento.

Inclusive os problemas específicos não podem ser vistos de forma separada.

O desenvolvimento inclusivo vê a articulação nas políticas. O desafio para o desenvolvimento inclusivo no Brasil é reunir os melhores recursos para implantar políticas integradas”, acrescentou.

Não é uma equação fácil, sobretudo porque as pessoas se articulam em torno desses conceitos nos grandes centros urbanos e não nos municípios onde está a grande carência de gestão inclusiva.

Fonte:
http://envolverde.com.br/ambiente/busca-se-desenvolvimento-inteligente-brics/

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

(*) IPS - Inter Press Service

sábado, 11 de janeiro de 2014

Capitalismo sustentável, existe isso?

13/12/2013 - “O capitalismo sustentável é uma contradição em seus termos” - Eduardo Viveiros de Castro
- Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

Crítico feroz do neoliberalismo, de seus ícones e verdades, de suas políticas de “crescimento” que destroem a natureza, do consumo que empobrece as vidas, do Estado que as administra (não sem constrangimentos) e da esquerda (conservadora e antropocêntrica).

A felicidade, diz, tem muitos outros caminhos”.

Enquanto esperamos que a Tinta Limón Ediciones termine a edição (mais ou menos alterada) do livro de entrevistas com Eduardo Viveiros de Castro, o sítio Lobo Suelto! convida à leitura da última – muito transcendental – conversa com o antropólogo brasileiro. A entrevista é de Julia Magalhães, publicada nesse sítio em 04/12/2013. A tradução é do Cepat.

Qual é a sua percepção acerca da participação política da sociedade brasileira?
Prefiro começar com uma “des-generalização”: vejo a sociedade brasileira profundamente dividida em relação à visão sobre o país e seu futuro. A ideia de que existe “um” Brasil – no sentido de que as ideias de “unidade” e “brasilidade” não são triviais – parece uma ilusão politicamente conveniente (para os setores dominantes), mas antropologicamente equivocada. Há, pelo menos, dois ou muito mais “Brasis”.

O conceito geopolítico de estado-nação unificado não é descritivo, mas normativo.

Há rachaduras profundas na sociedade brasileira.

Há setores da população com uma vocação conservadora enorme, que não necessariamente compreendem uma classe específica, apesar de que as chamadas “classes médias”, ascendentes ou descendentes, estão bem representadas aqui.

Grande parte da chamada “sociedade brasileira” – temo que seja a maioria – se sentiria muito satisfeita com um regime autoritário, especialmente se conduzido midiaticamente por uma autoridade paternal de personalidade forte.

Mas, esta é uma das coisas que a minoria liberal que existe no país – e, inclusive, é uma certa minoria “progressista” – prefere manter-se envolta em um silêncio constrangedor.

Repete-se o tempo todo, e para qualquer propósito, que o povo brasileiro é democrático, “cordial e amante da liberdade e da fraternidade, o que é uma ilusão muito perigosa.

É assim que vejo a “participação política do povo brasileiro”: como a de um povo fragmentado, dividido, polarizado. Uma polarização que não necessariamente condiz com as divisões políticas (partidos oficiais etc.).

O Brasil segue como uma sociedade visceralmente escravocrata, obstinadamente racista e moralmente covarde. Enquanto não nos darmos conta deste inconsciente, não iremos “em frente”.

Em outras ocasiões, fui claro: insurreições esporádicas e uma certa indiferença pragmática em relação aos poderes constituídos, é o que se evidência entre os mais pobres – ou os mais alheios ao drama montado pelos setores de cima, na escala social – que inspiram modestas utopias e moderado otimismo por parte daqueles que a história situou na confortável posição de “pensar o Brasil”. Nós, em suma.

O que é necessário para mudar isto?
Falar, resistir, insistir, olhar além do imediato. E, obviamente, educar.

Mas, não “educar o povo” (como se a elite fosse muito educada e devesse – ou pudesse – conduzir o povo até um nível intelectual superior), mas criar as condições para que as pessoas se eduquem e acabem educando a elite – e, quem sabe, inclusive, se livrem dela.

O panorama da educação do Brasil é, hoje, o de um deserto. Um deserto!

E não vejo nenhuma iniciativa consistente para tentar cultivar neste deserto. Pelo contrário, tenho pesadelos de conspirações, em que sonho que os projetos de poder não se interessam realmente em modificar o panorama da educação do Brasil: domesticar a força de trabalho – se é isto que está se tentando (ou planejando) – não é, de nenhuma maneira, o mesmo que educar.

Isto é apenas um pesadelo, obviamente: não é assim, não pode ser assim... Espero que não seja assim.

Mas o fato é que não se vê uma iniciativa para mudar a situação.

Considerando a espetacular abertura de dezenas de universidades sem a mínima infraestrutura física (para não falar de boas bibliotecas, um luxo quase impensável no Brasil), enquanto a escola secundária segue muito deficitária, com professores que ganham uma miséria, com as greves dos professores universitários reprimidas, como se fossem ladrões.

A “falta” de educação – que é uma forma de instrução muito particular e perversa, imposta de cima para baixo – é talvez o principal fator responsável pelo conservadorismo reacionário de grande parte da sociedade brasileira. Por fim, é urgente uma reforma radical da educação brasileira.

Em “A floresta e a escola”, Oswald de Andrade sonhava. Infelizmente, parece que já deixamos de ter uma e ainda não temos a outra. Pois sem escola, já não cresce a floresta.

Por onde se começa a reforma da educação?
Começa-se de baixo, é claro, a partir da escola primária. A educação pública deveria ter uma política unificada, orientada a partir de uma – com perdão da expressão – “revolução cultural”.

Ela não será alcançada através da redistribuição da renda (ou melhor, com o aumento da quantidade de migalhas que caem da mesa dos ricos) apenas para comprar um televisor e para assistir ao BBB, e ver a mesma merda.

Não é assim que se redistribui a cultura, a educação, a ciência e a sabedoria. Deve-se oferecer ao povo as condições de fazer cultura ao invés de consumir aquela produzida “para” eles.

Está havendo uma melhora nos níveis de vida dos mais pobres, e talvez também nos da velha classe média. Uma melhora que vai durar todo o tempo em que a China continuar comprando do Brasil ao invés de comprar da África.

Mas, apesar da melhora no chamado “nível de vida”, não vejo nenhuma melhora real na qualidade de vida, na vida cultural ou espiritual, se me permite usar essa palavra arcaica. Pelo contrário.

Será que é necessário destruir as forças vivas, naturais e culturais das pessoas, do povo brasileiro de instrução, para construir uma sociedade economicamente mais justa? Duvido.

Neste cenário, atualmente, quais são os temas capazes de mobilizar a sociedade brasileira?
Vejo a “sociedade brasileira” magnetizada – ao menos em termos de sua autorrepresentação normativa, por parte dos meios de comunicação – por um patriotismo oco, uma espécie de besta orgulhosa, deslumbrados pela certeza de que, de uma vez por todas, o mundo se inclinou frente ao Brasil.

Copa do Mundo, Jogos Olímpicos...

Não vejo mobilização acerca de temas urgentíssimos, como poderiam ser o da educação e da redefinição da nossa relação com a terra, quer dizer, com o que há debaixo do território.

Natureza e cultura, enfim, que agora se encontram, não apenas, mediadas, midiatizadas, pelo mercado, mas mediocrizadas por ele.

O Estado se uniu ao Mercado contra a natureza e a cultura.

E estas questões não mobilizam?
Existe certa preocupação da opinião pública por questões ambientais, um pouco mais do que em relação às questões da educação, o que não deixa de ser algo para se lamentar, pois as duas vão juntas.

Contudo, tudo me parece “too little, too late”: muito pouco e muito tarde. Está se demorando tempo demais para difundir a consciência ambiental. Uma conscientização que o planeta requer, com absoluta urgência, de todos nós.

E esta inércia se traduz na escassa pressão sobre os governos, corporações e empresas que apenas investem nesse conto chinês do “capitalismo verde”.

Em particular, evidencia-se muito pouca pressão sobre as grandes empresas, sempre distraídas e incompetentes quando se trata do problema da mudança climática.

Não se vê a sociedade realmente mobilizada, por exemplo, por Belo Monte, uma monstruosidade provada e comprovada, mas que conta com o apoio desinformado (é o que se deduz) de uma parte significativa da população do sul e do sudeste, para onde irá a maior parte da energia que não for vendida – a um preço extremamente barato – para multinacionais de alumínio fazerem latas de saquê – no baixo Amazonas – para o mercado asiático.

Necessitamos de um discurso político mais agressivo em relação às questões ambientais. É necessário, sobretudo, falar com as pessoas, chamar a atenção a respeito de que o saneamento básico é um problema ambiental, de que a dengue é um problema ambiental.

Não se pode separar a dengue do desmatamento e do saneamento. Temos que convencer aos mais pobres de que melhorar as condições ambientais é assegurar as condições de existência das pessoas.

No entanto, a esquerda tradicional, como está sendo demonstrado, apresenta-se completamente inútil para articular um discurso sobre os temas ambientais.

Quando suas cabeças mais pensantes falam, parece haver a sensação de estar “indo para trás”, tratando desastradamente de capturar e de reduzir um tema novo ao já conhecido, um problema muito real que não está em seu DNA ideológico e filosófico.

Mesmo quando a esquerda não se alinha com o insustentável projeto “ecocida” do capitalismo, revela sua origem comum a este, com as névoas e obscuridades da metafísica antropocêntrica do cristianismo.

Enquanto continuarmos sustentando que melhorar a vida das pessoas é lhes dar mais dinheiro para comprar uma televisão, ao invés de melhorar o saneamento, abastecimento de água, saúde e educação primária, nada mudará.

Escuta-se o governo dizer que a solução é consumir mais, mas não se percebe a menor ênfase para abordar estes aspectos literalmente fundamentais da vida humana nas condições do presente século.

Isto não significa, obviamente, que os mais favorecidos pensem melhor e que possam ver além dos mais pobres. Não há nada mais estúpido que estas Land Rovers que vemos em São Paulo ou no Rio de Janeiro, andando com adesivos do Greenpeace, de slogans ecológicos, coladas no para-brisa.

As pessoas vão às ruas nestes 4x4 e bebem um diesel venenoso... Gente que pensa que o contato com a natureza é fazer um Rally no Pantanal...

É uma questão difícil: falta educação básica, falta o compromisso dos meios de comunicação, falta agressividade política no tratamento da questão do meio ambiente.

E sempre que se pensa que existe um problema ambiental, algo que está longe de ser o caso dos governantes atuais, estes mostram, ao contrário, e, por exemplo, a preocupação em formar jovens que possam manobrar com segurança e, ao mesmo tempo, mantém firme sua aposta no transporte individual, em carros, em uma cidade como São Paulo, em que já não cabe nem uma agulha.

Um governo que não se cansa de se orgulhar pela quantidade de carros produzidos por ano. É absurdo utilizar os números da produção de veículos como um indicador de prosperidade econômica.

Essa é uma proposta podre, uma visão estreita e uma proposta muito empobrecedora para o país.

Você está dizendo que os apelos ao consumo vêm do próprio governo, mas também há um apelo muito forte procedente do mercado. Como avalia isto?
O Brasil é um país capitalista periférico.

O capitalismo industrial-financeiro é visto por quase todo o mundo como uma evidência palpável, o modo inevitável em que se vive no mundo atual.

Diferentemente de alguns companheiros de caminhada, eu entendo que o capitalismo sustentável é uma contradição em seus termos.

E que nossa atual forma de vida econômica é realmente evitável. Então, simplesmente, nossa forma de vida biológica (quer dizer, a espécie humana) não será mais necessária e a Terra irá favorecer outras alternativas.

As ideias de crescimento negativo, ou de objeção ao crescimento, ou a ética da suficiência são incompatíveis com a lógica do capital. O capitalismo depende do crescimento contínuo.

A ideia de manter certo nível de equilíbrio em relação ao intercâmbio de energia com a natureza não se ajusta na matriz econômica do capitalismo.

Este impasse, gostemos ou não, será “resolvido” pelas condições termodinâmicas do planeta em um período muito mais curto do que pensávamos. As pessoas fingem não saber o que está se passando, preferem não pensar nisso, mas o fato é que temos que nos preparar para o pior. E o Brasil, pelo contrário, sempre se prepara para o melhor.

Este otimismo nacional frente a uma situação planetária é extremamente preocupante, assim como perigoso... E a aposta de que vamos bem dentro do capitalismo é um tanto ingênua, se não desesperada...

O Brasil segue como um país periférico, uma plantação “high tech” que abastece com matérias-primas o capitalismo central. Vivemos de exportar nossa terra e nossa água em forma de soja, açúcar, carne bovina, para os países industrializados: são estes quem têm a última palavra, os que controlam o mercado.

Estamos bem neste momento, mas de modo nenhum em condições de controlar a economia mundial. Se a coisa muda um pouco para um lado ou para o outro, o Brasil simplesmente pode perder esse lugar no qual se encontra hoje.

Para não mencionar, claro, o fato de que estamos vivendo uma crise econômica mundial que se tornou explosiva em 2008, que está longe de terminar e que ninguém sabe aonde irá parar.

O Brasil, neste momento de crise, é uma espécie de contracorrente do tsunami, mas quando a onda quebrar vai molhar muita gente. Deve-se falar sobre estas coisas.

E como você avalia a macropolítica em relação a esta realidade, as políticas macroeconômicas, com as realidades rurais do Brasil, os indígenas ribeirinhos?
O projeto de Brasil, que tem a atual coalizão do governo sob o mando do Partido dos Trabalhadores (PT), considera os ribeirinhos, os indígenas, os campesinos, os quilombolas como pessoas com atraso, um atraso sociocultural, e que devem ser conduzidas para outro estado.

Esta é uma concepção tragicamente equivocada.

O PT é visceralmente paulista, o projeto é uma “paulistização” do Brasil.

Transformar o interior do país em um país de fantasia: muita festa de peão de vaqueiro, caminhonetes 4x4, muita música country, botas, chapéus, rodeios, touros, eucaliptos, gaúchos. E do outro lado, cidades gigantescas e impossíveis como São Paulo.

O PT vê a Amazônia brasileira como um lugar para civilizar, para domar, para obter benefícios econômicos, para capitalizar.

Em uma lamentável continuidade entre a geopolítica da ditadura e a do governo atual, este é o velho “bandeirantismo” que hoje faz parte do projeto nacional.

Mudaram as condições políticas formais, mas a imagem do que é ou deveria ser a civilização brasileira, daquilo que é uma vida digna de ser vivida, do que é uma sociedade que está em sintonia consigo mesmo, é muito, muito similar.

Estamos vendo hoje uma ironia muito dialética: o governo, liderado por uma pessoa perseguida e torturada pela ditadura, realizando um projeto de sociedade que foi adotado e implementado por esta mesma ditadura: a destruição da Amazônia, a mecanização, a “transgenização” e a “agrotoxicação” da agricultura, migração induzida pelas cidades.

E por detrás de tudo isso, certa ideia de Brasil que se vê, no início do século XXI, como se devesse ser, ou como se fosse, o que os Estados Unidos eram no século XX.

A imagem que o Brasil tem de si mesmo é, em vários aspectos, aquela projetada pelos Estados Unidos nos filmes de Hollywood nos anos 50: muitos carros, muitas autopistas, muitas geladeiras, muitas televisões, todo mundo feliz. Quem pagou por tudo isso? Entre outros, nós. Quem irá nos pagar agora? A África, outra vez? Haiti? Bolívia? Para não falar da massa de infelicidade bruta gerada por esta forma de vida (e de quem se enriquece com isto).

Isto é o que vejo com tristeza: cinco séculos de maldade continuam aí.

Sarney é um capitão hereditário, como os que vieram de Portugal para saquear e devastar a terra dos índios.

Nosso governo “de esquerda” governa com a permissão da oligarquia e necessita destes capangas para governar. Pode-se fazer várias coisas, desde que a melhor parte fique com ela.

Toda vez que o governo ensaia uma medida que a ameaça, o Congresso – que sabemos como é eleito –, a imprensa bombardeia, o PMDB sabota.

Há uma série de becos para os quais eu não vejo saída ou que não têm saída no jogo da política tradicional, com suas regras. Vejo um caminho possível pelo lado do movimento social – que hoje está desmobilizado.

Mas, se não for pelo lado do movimento social, seguiremos vivendo neste paraíso subjetivo de que um dia tudo vai ficar bem.

O Brasil é um país dominado politicamente pelos grandes proprietários de terra e grandes empreiteiros que jamais sofreram uma reforma agrária e ainda dizem que atualmente não é mais necessário fazê-la.

Acredita que as coisas começarão a mudar quando chegarmos a um limite?
É provável que a crise econômica mundial afete ao Brasil em algum momento próximo. Contudo, o que vai ocorrer, com certeza, é que o mundo vai passar por uma transição ecológica, climática e demográfica muito intensa durante os próximos 50 anos, com epidemias, fome, secas, catástrofes, guerras, invasões.

Estamos vendo como as condições climáticas mudaram muito mais rápido do que pensávamos. E há grandes possibilidades de desastres, de perdas de colheitas, de crises alimentares.

Neste meio tempo, hoje em dia, o Brasil até se beneficia, mas um dia a fatura irá chegar. Climatologistas, geofísicos, biólogos e ecologistas são profundamente pessimistas sobre o ritmo, as causas e consequências da transformação das condições ambientais em que se desenvolve a vida atual da espécie. Por que deveríamos ser otimistas?

Acredito que se deve insistir que é possível ser feliz sem ficar hipnotizado por este frenesi de consumo que os meios de comunicação impõem. Não sou contrário ao crescimento econômico no Brasil, não sou tão estúpido para pensar que tudo se resolveria mediante a distribuição do dinheiro de Eike Batista entre os agricultores do nordeste semiárido ou cortando os subsídios à classe política-mafiosa que governa o país.

Não que não seja uma boa ideia. Sou contrário, isto sim, ao crescimento da “economia” do mundo, e sou a favor de uma redistribuição das taxas de crescimento.

E também sou, obviamente, a favor de que todos possam comprar uma geladeira e, por que não, uma televisão. Sou a favor de uma maior utilização das tecnologias solar e eólica. E estaria encantado em deixar de dirigir o carro, se pudéssemos trocar este meio de transporte absurdo por soluções mais inteligentes.

E como vê os jovens neste contexto?
É muito difícil falar de uma geração a qual não se pertence. Nos anos 1960, tínhamos ideias confusas, mas ideais claros: pensávamos que poderíamos mudar o mundo e imaginávamos que tipo de mundo queríamos. Acredito que, em geral, os horizontes utópicos têm retrocedido enormemente.

Algum movimento recente no Brasil ou no mundo chamou a sua atenção?
No Brasil, a aceleração difusa do que poderíamos chamar de uma cultura “agro-sulista”, tanto da direita quanto da esquerda, pelo interior do país.

Vejo isto como a consumação do projeto de branqueamento da nacionalidade, deste modo muito peculiar da elite governante no poder acertar as contas com seu próprio passado (passado?) escravista.

Outra mudança importante é a consolidação de uma cultura popular vinculada ao movimento evangélico popular. O evangelismo da Igreja Universal do Reino de Deus associa, por certo, a religião ao consumo.

O como você vê o surgimento das redes sociais, nesse contexto?
Essa é uma das poucas coisas a respeito das quais sou muito otimista: o relativo e progressivo enfraquecimento do controle total dos meios de comunicação de cinco ou seis conglomerados midiáticos.

Esse enfraquecimento está muito vinculado à proliferação das redes sociais, que são grande novidade na sociedade brasileira e que estão contribuindo para que circule um tipo de informação que não tinha lugar na imprensa oficial.

E estão habilitando formas, antes impossíveis, de mobilização. Há movimentos inteiramente produzidos pelas redes sociais, como a marcha contra a homofobia, o churrasco da “gente diferenciada”, os diversos movimentos contra Belo Monte, a mobilização pelas florestas.

As redes são nossa saída de emergência frente à aliança mortal entre o governo e os meios de comunicação. São um fator de desestabilização – no melhor sentido da palavra – do poder dominante. Se puder ocorrer alguma mudança importante na cena política, acredito que será através da mobilização pelas redes sociais.

E por isso se intensificam as tentativas de controlar estas redes, em todo o mundo, por parte do poder constituído.

Contudo, controlar o acesso é um instrumento vergonhoso, como o caso do “projeto” da banda larga brasileira, que parte do reconhecimento de que o serviço será de baixa qualidade.

Uma decisão tecnológica e política antidemocrática e antipopular, equivalente ao que se faz com a educação: impedir que a população tenha acesso pleno à circulação das produções culturais.

Parece, às vezes, que haveria uma conspiração para evitar que os brasileiros tenham uma boa educação e um acesso à Internet de qualidade. Essas duas coisas andam de mãos dadas e têm o mesmo efeito, que é o aumento da inteligência social que, diga-se de passagem, é necessário vigiar com muito cuidado.

Você imagina um novo modelo político?
Um amigo que trabalhava no Ministério do Meio Ambiente, na época de Marina Silva, criticava-me dizendo que meu discurso, feito à distância do Estado, era romântico e absurdo, que tínhamos que tomar o poder.

Eu respondia que, se tomássemos o poder, tínhamos que, sobretudo, saber como mantê-lo depois, pois aí é que a coisa se complica.

Não tenho um desenho, um projeto político para o Brasil, eu não pretendo saber o que é melhor para o povo brasileiro em geral, e em seu conjunto. Só posso expressar minhas preocupações e indignações, apenas aí é que me sinto seguro.

Penso, de qualquer forma, que se deve insistir na ideia de que o Brasil tem – ou a esta altura tinha – as condições geográficas, ecológicas, culturais para desenvolver um novo estilo de civilização, que não seja uma cópia empobrecida do modelo da América do Norte e da Europa.

Poderíamos começar a experimentar, timidamente, algum tipo de alternativa aos paradigmas tecno-econômicos desenvolvidos na Europa moderna.

Todavia, imagino que se algum país do mundo irá fazer isso, esse país é a China.

É certo que os chineses têm 5.000 anos de história cultural praticamente contínua e o que nós temos para oferecer são apenas 500 anos de dominação europeia e uma triste história de etnocídio, deliberado ou não.

Ainda assim, é imperdoável a falta de inventividade da sociedade brasileira – ao menos de sua elite política e intelectual – que já perdeu várias ocasiões de gerar soluções socioculturais – tal como o povo brasileiro historicamente ofereceu – e articular, assim, uma civilização brasileira minimamente diferente da que propõem os comerciais de televisão.

Temos que mudar completamente e, primeiramente, a relação secularmente depredadora da sociedade nacional com a natureza, com a base físico-biológica de sua própria nacionalidade.

Já é hora de começar uma nova relação com o consumo, menos ansioso e mais realista frente à situação de crise atual.

A felicidade tem muitos outros caminhos.

Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/526606-o-capitalismo-sustentavel-e-uma-contradicao-em-seus-termos-diz-eduardo-viveiros-de-castro

Para ler mais:

- 20/04/2008 - "Os índios incomodam porque suas terras, homologadas e reservadas, saem do mercado fundiário’ - entrevista com Eduardo Viveiros de Castro
- 14/02/2007 - Uma sociedade de indivíduos. Uma reflexão antropológica de Eduardo Viveiros de Castro
- 11/10/2013 - Capitalismo e soberania alimentar
- 02/07/2013 - "O capitalismo é a neurose da humanidade", diz filósofa Renata Salecl
- 09/05/2013 - "Ecossocialismo, alternativa contra o capitalismo" - entrevista com Michael Löwy
- 04/05/2013 - O que Francisco pensa sobre capitalismo, emprego e globalização? - Thomas Reese
- 16/01/2013 - O capitalismo e a economia política da mudança climática
- 04/10/2011 - "É preciso sair do capitalismo" - Marcela Valente

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A água virtual que o Brasil tanto exporta

12/09/2012 - Brasil exporta cerca de 112 trilhões de litros de água doce por ano (*)
- por HC para o Eco Debate

Atuação no mercado de commodities coloca em pauta a exportação indireta de recursos hídricos.

Contêineres saem diariamente de portos na costa brasileira abarrotados de carne bovina, soja, açúcar, café, entre outros produtos agrícolas exportados para o mundo. Mas dentro deles há um insumo invisível, cujo valor ultrapassa cálculos estritamente econômicos.

Ao longo do ano, o Brasil envia ao exterior cerca de 112 trilhões de litros de água doce, segundo dados da Unesco – o equivalente a quase 45 milhões de piscinas olímpicas ou mais de 17 mil lagoas do tamanho da Rodrigo de Freitas.

Tantos litros são o total dos recursos hídricos necessários para produzir essas commodities. E colocam o País como o quarto maior exportador de “água virtual”, atrás apenas de Estados Unidos (314 trilhões litros/ano), China (143 trilhões litros/ano) e Índia (125 trilhões litros/ano).

A exportação desse recurso, ainda que indiretamente, tende a crescer num cenário de escassez global, pressionando o país a pensar em políticas públicas voltadas à gestão hídrica.

A posição do Brasil no alto do ranking não se deve tanto ao desperdício da água ou à falta de produtividade nas atividades agropecuárias do país, mas principalmente a um fenômeno global de escassez dos recursos hídricos.

Num momento em que países como Malta e Kuwait têm 92% e 90%, respectivamente, de “água virtual” importada em seus produtos, o Brasil, com disponibilidade hídrica e territorial, tende a ganhar relevância.

Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 2007 e 2010, as commodities avançaram de 41% para 51% no total de produtos vendidos pelo País ao exterior.

As Nações Unidas (ONU) estimam que, até 2025, cerca de dois terços da população mundial estarão carentes de recursos hídricos, sendo que cerca de 1,8 bilhão enfrentarão severa escassez de água.

Na metade do século, quando já seremos 9 bilhões de habitantes do mundo, 7 bilhões enfrentarão a falta do recurso em 60 países. A água, portanto, já é motivo de conflitos em várias regiões do mundo.

“A alocação dos recursos hídricos, além de ambiental, é uma questão econômica, porque quando a água é escassa é preciso destiná-la para onde haverá maiores benefícios para a sociedade.

Mas sendo a água um bem público, o mercado não é o único determinante.

A água deve ser usada para produzir alimentos para a população, para culturas ligadas a biocombustíveis ou para plantações de commodities para exportação?

Isso é uma escolha política”, aponta Arjen Hoekstra [foto], criador do conceito de “pegada hídrica” e autor de diversos estudos sobre água virtual numa parceria entre Unesco e a Universidade de Twente.

Recursos hídricos sem preço
– Um dos principais parceiros comerciais do Brasil, a China possui 6% da água doce do planeta e já sofre com uma escassez do recurso, aliada a uma redução das terras agricultáveis – desde 1997, o país já perdeu 6% de sua área cultivável devido à erosão e urbanização.

No Brasil, o cenário é outro: o País dispõe 40% de terras aráveis, abriga 12% da água doce do planeta e recebe chuvas abundantes durante o ano em mais de 90% do território – ainda que numa distribuição hídrica desigual, com um semiárido de água escassa.

O Brasil não tem dependência de irrigação, precisa apenas administrar a água da chuva. Não há também a questão populacional, com uma competição entre agricultura e cidades. E enquanto na China há 250 mil unidades agrícolas, no Brasil são apenas 5 mil”, enumera Marcos Jank [foto], professor da Esalq-USP e especialista em agronegócio.

A crescente demanda por alimentos de um país que pretende crescer 7,5% este ano provocou uma disparada nos preços das commodities brasileiras.

Em 2011, a soja, principal produto exportado a Pequim, teve o preço elevado em 31,6%. A China também foi o principal destino das exportações brasileiras, totalizando US$ 44,3 bilhões no ano passado [2011].

A tendência de queda dos preços das commodities foi revertida nesta última década com a escassez de água e degradação dos solos mundialmente. E a China foi a principal responsável por essa uma mudança no padrão de comércio”, afirma Jank.

O Brasil tem tudo para aproveitar isso, mas hoje a agricultura brasileira está se tornando um negócio de alto custo devido às taxas de câmbio, juros altos e problemas de infraestrutura.

São problemas domésticos que estão tirando a possibilidade de usar melhor o boom asiático a nosso favor”.

A soja brasileira exportada sustenta, sob a forma de ração, boa parte do rebanho bovino da China, que tem aumentado exponencialmente seu consumo de carne.

Segundo projeção da “Economist”, o consumo de carne bovina na China entre 1985 e 2009 demandou em recursos hídricos o equivalente ao uso anual de água em toda a Europa.

Água sustentável
– A pegada hídrica tem ajudado a mudar o entendimento de que a água é algo finito e gratuito.

O desafio agora, segundo especialistas, é melhorar a precisão dos números para, assim, adotar o conceito no comércio formal.

Atualmente, ninguém paga o preço total pelo consumo de água. A escassez e a poluição precisam ser incluídas no preço das commodities.

Isso criaria um incentivo para consumir e poluir menos. Mas as legislações também podem ser melhoradas e em alguns produtos pode ser útil incluir o uso de água sustentável no rótulo”, sugere Hoekstra [foto].

A Austrália, sexto maior exportador de água virtual (89 trilhões de litros por ano), segue um modelo de distribuição de recursos hídricos inovador.

Foi o primeiro país a instaurar um sistema de comércio da água em 1982: o governo define uma parcela a ser usada pelos agricultores, que podem vender parte dessas licenças de uso que acreditam estarem excedentes.

As transações pelos direitos de uso da água no país movimentaram US$ 1,5 bilhão entre 2010 e 2011, segundo dados divulgados pela Comissão Nacional de Água em dezembro passado.

Hoje, o sistema passa por uma reforma para reduzir distorções de mercado e dar mais transparência às negociações.

Críticos afirmam que o modelo de privatização dos recursos hídricos deixa os agricultores sujeitos às flutuações de mercado.

O australiano Mike Young [foto], do Instituto de Meio Ambiente da Universidade de Adelaide e autor do capítulo sobre água do estudo ONU para a Rio+20, acredita que este sistema é capaz de mensurar de forma eficiente o recurso e garantir a sua preservação.

“Assim como a Austrália, o Brasil tem muita água, portanto está em vantagem em termos de usar este recurso de modo inteligente para produzir a maior quantidade de bens possível.

O futuro do manejo da água está na alocação deste recurso e não em tentar quantificar precisamente quanta água está incluída nas commodities exportadas”, defende Young.

“De fato, precisamos encontrar meios mais eficientes de usar a água, mas não é preciso ficar preocupado com quanta água é usada em cada produção se o governo estabelece um sistema de alocação.

É preciso entender que o comércio cria grandes oportunidades de negócios”.

No Brasil, a cobrança pelo uso da água na irrigação de plantações funciona através de um sistema de outorgas, dada por órgãos gestores estaduais ou pela Agência Nacional de Águas [ANA], quando o recurso hídrico é de domínio da União.

O sistema, vigente desde 1997, ainda enfrenta desafios, já que a fiscalização do uso da água no setor agrícola é mais difícil do que em áreas urbanas e industriais, mais concentradas territorialmente.

O controle dos recursos naturais vai se tornar mais complexo no século XXI porque o uso se tornará mais competitivo.

O Brasil ainda tem uma área de expansão agrícola, então o país precisa se planejar para as próximas décadas de modo que o crescimento da área irrigada seja sustentável”, prevê Mônica Porto [foto], engenheira ambiental da Politécnica da USP.

“Não há nada de errado em o Brasil exportar água através das commodities se há essa disponibilidade hídrica.

A forma como isso é gerenciado internamente é o que importa, através do controle do uso e do aumento de produtividade”.

Escolhas políticas
A escassez de água em alguns países, de fato, pode levar a escolhas políticas para restringir a exportação de alimentos.

O governo de Israel, por exemplo, desencoraja a exportação de laranjas – tradicionalmente cultivadas com um sistema de irrigação pesado -, para evitar que grandes quantidades de água virtual sejam exportadas para diferentes partes do mundo.

Mesmo no Brasil, abundante de recursos hídricos, precisa levar em conta o uso de água nas culturas diante de uma distribuição desigual em seu território.

Menos povoada, a Região Amazônica concentra a maior parte da água superficial do País, enquanto a populosa Região Sudeste tem disponível 6% do total da água doce.

No semiárido nordestino, os rios são pobres e temporários, o que acaba criando uma pluviosidade baixa.

A pegada hídrica tem que ter relação com o local onde é produzida a cultura agrícola. Produzir uma pecuária leiteira no Agreste Nordestino vai demandar muito mais água do que fazer o mesmo no Centro-Oeste, onde a pluviosidade é muito maior”, afirma o engenheiro ambiental Michael Becker [foto abaixo], coordenador do Programa Cerrado da WWF Brasil.

Mas além do viés da localização é preciso ter em conta a própria produção, buscando gastar cada vez menos água bruta para fabricar o mesmo produto”.

A otimização pode acontecer através de técnicas de irrigação mais eficientes, como o uso de gotejamento em vez de jatos d’água; o melhoramento de sementes para o plantio em regiões com menos disponibilidade de água; e desenvolvimento de técnicas de contenção da água da chuva.

Estima-se que o setor agrícola já contribua atualmente com 92% do consumo total de água no País.

Apesar de a produtividade agrícola no Brasil ter apresentado grandes avanços – com um crescimento de 3,6 % ao ano, segundo estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2011-, especialistas afirmam que é preciso melhorar o diálogo com o setor.

A conturbada discussão do Código Florestal no Congresso dá indícios deste desafio.

Ainda não avançamos o suficiente na discussão entre o setor ambiental e agrícola para que se possa ter um entendimento comum de que um necessita do outro.

Precisamos produzir, mas para realmente tirar proveito da exportação de commodities precisamos entender a água como um insumo de produção.

O Brasil quer ter no futuro a seca de um Centro-Oeste americano ou preservar este recurso no aspecto de insumo para produção?

Essa é uma pergunta que veio para ficar e que vai se tornar cada vez mais frequente daqui para frente”, aposta Becker.

(*) Matéria em O Globo, socializada pelo Jornal da Ciência/SBPC e JC e-mail 4580. Extraído do site EcoDebate de 12/09/2012

Fonte:
http://www.ecodebate.com.br/2012/09/12/agua-virtual-brasil-exporta-cerca-de-112-trilhoes-de-litros-de-agua-doce-por-ano/

Leia também:
- Brasil é grande exportador de “água virtual” - Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP [http://www.usp.br/agen/?p=164665]