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segunda-feira, 25 de abril de 2011

Conflitos envolvendo a água cresceram 93,3%, aponta estudo da CPT


por Tatiana Félix, da Adital
1256 Conflitos envolvendo a água cresceram 93,3%, aponta estudo da CPTJosé Maria Filho era a maior liderança social da região da Chapada do Apodi, no interior do Ceará. Ele estava presente nas manifestações sociais denunciando as violações dos direitos humanos e, principalmente, a contaminação da água pelo uso indiscriminado de agrotóxicos na região. Por causa disso é que Zé Maria do Tomé, como era conhecido, foi assassinado com 19 tiros em Limoeiro do Norte, quando ia para casa, na Comunidade do Tomé, no dia 21 de abril de 2010.
Conflitos pela água, como este, e centenas de outros casos envolvendo conflitos pela terra e mineração, por exemplo, estão registrados no relatório ‘Conflitos no Campo Brasil 2010′, lançado no dia 19 pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em Brasília (DF). Há anos que a entidade faz um amplo mapeamento dos conflitos no campo no país.
De acordo com o relatório, os conflitos envolvendo a água foram os que mais chamaram a atenção dentre os casos analisados, já que eles aumentaram 93,3% em relação ao ano anterior. Em 2010, os conflitos pela água totalizaram 87 ocorrências no Brasil, envolvendo 197.210 pessoas, sendo duas vítimas fatais.
O mapeamento da CPT também revela que o número de assassinatos passou de 26 em 2009, para 34 em 2010, registrando um aumento de 30%. O estudo também observou o ‘retorno’, depois de mais de 30 anos, do protagonismo dos posseiros na luta pela terra. O número total de conflitos mapeados pela CPT em 2010 foi de 1.186 casos que envolveram mais de 559 mil pessoas e deixaram um saldo de 34 mortos.
Sobre os conflitos trabalhistas, a CPT destaca o índice de trabalho escravo, que ainda persiste na casa das 200 ocorrências, apesar dos esforços das equipes de fiscalização e dos grupos de resgate.
O relatório mostra que os conflitos de terra quase dobraram no ano passado, em comparação com 2001, quando foram registradas 366 ocorrências. Em 2010, este número saltou para 638 casos. Neste mesmo período, o número de assassinatos se mantém numa média de 32, com exceção do ano de 2003, quando foram registrados 71 assassinatos por conflitos de terra. Naquele ano, mais de 350 mil pessoas estiveram envolvidas nos conflitos em mais de 13.312 hectares de terra, segundo o estudo.
Na análise sobre a violência contra a ocupação e a posse de terra, o relatório da CPT mostra que a região Norte do país continua sendo a mais violenta, apresentando 6.849 casos de crimes de pistolagem, seguida pela Nordeste com 2.557 casos. O Estado do Pará ainda concentra a grande maioria dos casos de pistolagem, com 5.526 ocorrências.
Entre as comunidades mais afetadas por conflitos em 2010, estão as quilombolas, com 79 conflitos. De modo geral, de acordo com o relatório, 8.067 famílias foram despejadas de suas terras em 2010, enquanto 1.216 foram expulsas de suas casas, durante os conflitos.
Sobre os conflitos envolvendo a mineração, o estudo destaca que, atualmente, existem cerca de oito mil áreas de produção mineral no Brasil, e que este número deve aumentar com o novo marco legal da mineração. Em Parauapebas, no Pará, está o local de mais intensa exploração de minério de ferro do mundo. No entorno da mina de Carajás (PA), muitas comunidades rurais estão sendo expulsas de suas casas devido às obras de duplicação do sistema mina-ferrovia-porto da Vale S.A.
Segundo o estudo, as licenças ambientais se tornaram o gargalo no processo de construção de grandes projetos econômicos. Belo Monte é o maior símbolo no Brasil e no mundo, da disputa entre modelos de desenvolvimento e defesa da vida das comunidades locais.
Diante destas realidades, o Pe. Dário Bossi, que escreve sobre mineração no relatório, ressaltou que povoados, assentamentos, comunidades e povos tradicionais são atropelados para garantir os lucros das empresas mineradoras, tornando-se assim “reféns da riqueza de sua própria terra”.
Guilherme Zagallo também comenta que “os impactos sociais e ambientais acabam se tornando mero detalhe, um apêndice sem muita importância”, durante a disputa pelas riquezas naturais. “O lucro é privado, mas os impactos são públicos”, lembra o texto.
Leia o relatório na íntegra aqui
* Publicado originalmente na Adital.
(Adital)

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Mudança no Código Florestal é licença para novas tragédias, alertam ambientalistas

Maurício Thuswohl, na Rede Brasil Atual
RIO - Ainda sob o impacto da tragédia que já provocou mais de 800 mortes e soma quase 500 desaparecidos na Região Serrana do Rio de Janeiro, lideranças do movimento socioambientalista de todo o Brasil alertam que, se aprovadas no Congresso Nacional, as mudanças sugeridas no Código Florestal brasileiro por setores ruralistas servirão como uma espécie de licença para que ocorra em outros pontos do país o mesmo pesadelo que acometeu as cidades fluminenses de Nova Friburgo, Petrópolis, Teresópolis, Bom Jardim e Sumidouro.

Elaborado pelo deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB-SP), o relatório que impõe mudanças no Código Florestal sugere, entre outras coisas, a redução das Áreas de Proteção Permanente (APPs) nas margens dos rios dos atuais 30 metros para apenas cinco metros. Outra mudança proposta é a permissão de supressão de vegetação nos topos de morros (acima da cota 100), assim como a flexibilização da ocupação das encostas para fins de produção agrícola. A relação do texto de Aldo com a catástrofe da Região Serrana do Rio é, portanto, clara e evidente, afirmam os ambientalistas.

"A ligação entre o desastre que aconteceu na Região Serrana e as tentativas de mudança da implementação do Código Florestal em áreas urbanas e rurais propostas pelo deputado Aldo Rebelo é que a aprovação dessas mudanças será uma espécie de licença para sacramentar o acontecimento de novas tragédias como esta que tivemos agora ou a que tivemos em Angra dos Reis e Niterói em 2010", afirma Ivan Marcelo Neves, coordenador-executivo do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais pelo Meio Ambiente (FBOMS).

Coordenador do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá), Renato Cunha segue a mesma linha de raciocínio: "Essa mudança no Código Florestal prevista no substitutivo do Aldo Rebelo realmente nos preocupa muito porque a flexibilização da legislação ambiental, e do Código Florestal especificamente, pode vir a agravar essas conseqüências dos desastres que vêm acontecendo - e que acaba de acontecer na Região Serrana do Rio de Janeiro - porque ele tenta flexibilizar o uso das encostas, das áreas alagadiças, das Áreas de Preservação Permanente, diminuindo esses espaços que devem ser preservados, diminuindo a questão da Reserva Legal das propriedades".

Um dos mais experientes ambientalistas brasileiros, Cunha afirma que tentar flexibilizar o Código Florestal é o oposto daquilo que realmente deveria estar sendo feito no país: "Alterar o código pode ser um marco fundamental para esses desastres virem realmente a ter conseqüências muito maiores. O que a gente tem que aprender no Brasil é a adotar políticas e legislações e planos e projetos para minimizar as causas e os efeitos dessas questões naturais que ocorrem, e não mudar a lei para beneficiar um grupo pequeno como, por exemplo, os empresários do agronegócio", critica.

Outra voz experiente do movimento socioambientalista brasileiro, o líder indígena Marcos Terena também associa a tentativa de mudar o Código Florestal à tragédia da Região Serrana do Rio: "Essa proposta que está no Congresso fere totalmente, do ponto de vista indígena, a questão do respeito à força da natureza. O exemplo clássico disso é a irresponsabilidade de setores governamentais quando permitem que pessoas que não tem onde morar, não tem onde dormir, construam suas habitações em áreas que depois se transformam em áreas de risco", diz.

Marcos Terena também faz um alerta: "A natureza não compromete a vida do ser humano, mas as pessoas constroem situações que afetam sua própria segurança, como aconteceu na Região Serrana do Rio de Janeiro. Então, essa proposta de mudança do Código Florestal que está em Brasília deve ser brecada porque se for aprovada vai aumentar a possibilidade de grandes catástrofes e trazer conseqüências muito agressivas fisicamente e espiritualmente para o povo brasileiro".

'Tragédia anunciada'
Pedro Aranha, ex-coordenador da Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA) e um dos mais ativos ambientalistas do Rio de Janeiro, ressalta que, para o movimento, a tragédia na Região Serrana não foi algo inesperado: "O que a gente viu na Região Serrana foi a crônica de uma tragédia anunciada. Todo mundo sabia que um dia isso iria acontecer. Nós do movimento ambiental denunciamos há pelo menos dez anos a ocupação do Vale do Cuiabá, em Itaipava, que foi uma das áreas mais devastadas pelas águas. Mas, infelizmente, acabou acontecendo o que a gente previa. Então, a alteração do Código é dizer: olha, vão acontecer várias tragédias iguais a essa e elas vão estar permitidas na lei".

Aranha faz um alerta sobre o discurso, utilizado pelos ruralistas, de que a alteração do Código Florestal servirá apenas para sintonizar a lei com aquilo que já é realidade: "Os ruralistas dizem que querem apenas legitimar algo que já está consolidado, só que o que aconteceu agora na Região Serrana foi o ‘algo consolidado’ em Área de Preservação Permanente, ao qual eles se referem, que desabou todo e matou muita gente. Não podemos mais permitir construção irregular acima da cota 100 ou em margem de rio e ver a população ali achando que aquilo está certo e a prefeitura vir cobrar IPTU e as empresas privadas, atrás de lucros, virem logo instalar água e luz. É uma lógica do capital perverso".

A tragédia na Região Serrana repercutiu até mesmo entre os ambientalistas da Amazônia. Representante em Brasília do GTA (Grupo de Trabalho Amazônico), rede que engloba mais de 600 entidades da região, Vitor Mamede é outro que faz associação entre o ocorrido neste início de ano no Rio de Janeiro e a luta política pela alteração do Código Florestal: "Eu acredito que, devido ao fato de a proteção das encostas não ser mais considerada como Área de Proteção Permanente nessa nova proposta do Código Florestal, isso pode realmente fazer com que novas tragédias aconteçam. Outra questão muito problemática diz respeito às áreas de Reserva Legal, pois essa proposta de alteração do Código Florestal visa a beneficiar mais uma vez os grandes produtores e os agricultores patronais", diz.

Áreas urbanas
A responsabilidade dos administradores públicos também é questionada pelos ambientalistas. Ex-secretário-executivo do Ibama no Rio de Janeiro, o analista ambiental Rogério Rocco lembra que alguns estados e municípios brasileiros já adotaram leis semelhantes às propostas no relatório de Aldo Rebelo: "Os prefeitos são os maiores defensores da abolição do Código Florestal em áreas urbanas. E assim se posicionam em aliança com o mercado imobiliário, que busca a otimização máxima do território para a construção civil. As imagens registram com muita precisão que as áreas atingidas pelas chuvas na Região Serrana do Rio de Janeiro são exatamente as margens de rios, as encostas e os topos de morro, que se constituem sob o regime de preservação permanente".

Pedro Aranha segue na mesma linha de Rocco: "O que os defensores da alteração do código querem hoje é legitimar a ocupação desordenada, principalmente nos espaços urbanos, das Áreas de Preservação Permanente e das margens de rios. Essa lógica absurda que a gente vive hoje tem nas prefeituras suas grandes defensoras, porque elas querem captar os recursos do IPTU, enquanto o imposto rural vai para o governo federal e não para o município. Então, os prefeitos também querem alterar essas áreas de preservação, ocupar esses espaços", acusa.

Ivan Marcelo Neves vai ainda mais longe: "Muita coisa poderia ter sido evitada. Tem que haver responsabilização civil e criminal de alguma forma para todos que contribuíram para essa desgraça. A legislação ambiental vigente pode estar aquém do que a gente almeja para o nosso Brasil, mas ela responderia para minimizar um pouco os efeitos dessa desgraça na população e no meio ambiente como um todo. O que a gente vê é uma ação irresponsável dos legisladores, do Executivo e do Judiciário também, que muitas vezes é conivente com as irregularidades. É um arsenal de demagogia".

O secretário-executivo do FBOMS também criticou o governador Sérgio Cabral: "Estudos acadêmicos já foram enviados ao governo, como, por exemplo, um estudo feito pela PUC. Se o governador é tão preocupado com as áreas de risco como diz ser, não deveria ter baixado decreto abrindo para a especulação imobiliária em Angra dos Reis, assim como ele tem um decreto estadual de 2010 que diminui as faixas de proteção ambiental nas margens dos rios", denuncia.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Desastres causados por chuvas podem aumentar se novo Código Florestal for aprovado

Danilo Augusto, da Radioagência NP
SÃO PAULO - As tragédias causadas pelas chuvas que atingem o Brasil podem aumentar se forem aprovadas as propostas de mudanças no Código Florestal. A afirmação é do engenheiro florestal e integrante da Via Campesina, Luiz Zarref. Entre os pontos polêmicos, o texto que propõe mudanças no atual Código, de autoria do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), deixa de considerar topos de morros como áreas de preservação permanente. Esses locais foram os mais afetados por deslizamentos de terra no Rio de Janeiro.

O projeto já foi aprovado em uma Comissão Especial e está pronto para ser votado pelo Plenário. Para Zarref, a proposta de redução de 30 para 15 metros das áreas de preservação nas margens de rios provocará erosão, ampliando os alagamentos.

“Sem essa área, rapidamente uma tromba d'água se forma. Isso porque a chuva cai em uma área que está desprotegida, fato que aumenta rapidamente o nível do rio. Essas quantidades anormais de água crescem muito mais rapidamente, de que quanto se tem uma área protegida, como está no Código atual."

Ainda segundo Zarref, a tragédia que até o momento já vitimou quase 700 pessoas no Rio é um reflexo da não preservação das áreas com vegetação.

“O que aconteceu no Rio de Janeiro não é só por causa da degradação do topo do morro, de fato foi um nível de chuva muito alto. Porém, com certeza, foi agravado pela devastação, principalmente nas áreas de preservação permanente. A natureza que antes comportava até mesmo uma tempestade, hoje não comporta mais."

Zarref também enfatiza que mesmo com as áreas ocupadas irregularmente, há estudos que mostram que ainda existem soluções para o problema, sem a necessidade de remoção das famílias.

“Em algumas áreas você pode fazer trabalhos de drenagem, galerias pluviais ou até mesmo recuperação florestal. Agora existem áreas de instabilidade geológicas que de fato vai ter que ser construído juntamente com a comunidade um reassentamento das famílias. Essas famílias foram empurradas historicamente para essas regiões. A maioria dessas pessoas são pobres. Então tem que haver uma solução que respeite esse processo histórico."

domingo, 16 de janeiro de 2011

Ermínia Maricato: Os prisioneiros da especulação imobiliária

Luiz Carlos Azenha, do blog 'Vi o mundo'
Num evento recente do qual participei estava lá a arquiteta Ermínia Maricato. Ela pediu a palavra para dizer que, infelizmente, os movimentos sociais haviam se desarticulado na luta pela “reforma urbana”. Disse que o programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, tratava do subsidiário sem atacar o principal. Que, na verdade, o programa tinha sido responsável por inflacionar o estoque de terras, beneficiando a especulação imobiliária.

As tragédias do Rio de Janeiro e de São Paulo, além da inépcia generalizada — bombeiros sem equipamento para iluminação noturna, Defesa Civil dependente de aparelhos celulares, prefeituras que só agem (quando agem) para remediar as tragédias — demonstram o quanto somos reféns dos interesses imobiliários, que ao mesmo tempo determinam as leis de ocupação locais E financiam a mídia e as campanhas eleitorais.

Na entrevista abaixo, concedida antes das tragédias do Rio e de São Paulo à Caros Amigos, Ermínia faz previsões sombrias sobre o futuro das cidades se nada for feito. Meu pessimismo neste tema tem relação com o fato de que tanto o PT quanto o PSDB são almas gêmeas quando se trata da reforma urbana: ninguém fala do assunto para ver se o problema some.

Especulação da terra inviabiliza moradia popular
originalmente publicado na revista 'Caros Amigos'

Participaram: Bárbara Mengardo, Gabriela Moncau, Hamilton Octavio de Souza, Júio Delmanto, Lúia Rodrigues, Otávio Nagoya, Tatiana Merlino.

A arquiteta Ermínia Maricato tem uma longa trajetória de reflexão teórica e enfrentamento dos problemas urbanos, como profissional e como militante do PT. Professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, coordenadora do programa de pós-graduação (1998-2002), foi também secretária de Habitação de São Paulo (1989-1992) e secretária-executiva do Ministério das Cidades (2003-2005). Na entrevista a seguir ela faz uma análise profunda e reveladora da situação caótica das cidades brasileiras. Vale a pena ler.

Hamilton Octávio de Souza – Onde você nasceu? O que estudou? Fale sobre a sua trajetória.
Ermínia Maricato – Eu nasci no interior do Estado de São Paulo, em uma cidade chamada Santa Ernestina, mas vim muito cedo para São Paulo. Meu pai foi camponês, mas se tornou um pequeno empresário, tinha uma granja de aves. A família é três quartos italiana e um quarto portuguesa. Nós tivemos que vir para São Paulo porque a minha mãe tinha uma doença, hoje eu sei que é psíquica, mas no interior nós não sabíamos bem o que era. Com 5 anos eu vim para São Paulo, estudei em escola pública, que era maravilhosa, morei no Brás e, enfim, sempre gostei muito de estudar, minha mãe não queria que eu estudasse, o meu pai me deu toda a força, acho que não tem tanta novidade aí. Foi um período em que era possível um filho de europeu, mesmo que viesse do campo, era fácil ter ascensão social em São Paulo. Foi o que aconteceu com o meu pai, ele amealhou um certo patrimoniozinho, então não é a mesma condição que o filho de camponês brasileiro, que tem origem muitas vezes na herança escrava, uma condição diferente. Bem, eu fiz química industrial no nível médio, comecei a faculdade de física na USP, depois é que eu passei para arquitetura; mas hoje eu acho que errei, estou muito apaixonada pela terra, por agricultura, por agricultura orgânica. Atualmente pertenço a uma associação que tem uma gleba de Mata Atlântica e nós estamos fazendo um pomar de frutas em extinção da Mata Atlântica, esse é o meu hobby atual. Então eu estou tão encantada, tão impressionada com a força e a exuberância da Mata Atlântica que fico pensando como nós conseguimos destruir essa riqueza.

Lúcia Rodrigues – Como surgiu essa ideia?
A associação já existia. Eu cheguei em um amigo e falei: acho que a gente devia comprar um pedaço de mata para deixar lá. E aí ele falou: mas eu já estou em um lugar que tem isso e tal. Aí eu fui, me encantei, entrei na diretoria. Temos uma médica homeopata como presidente, temos várias tribos ali, temos sete nascentes de água, então nós estamos trabalhando no tratamento e distribuição dessa água e agora nós passaremos a discutir o lixo, o esgoto.

Tatiana Merlino – Onde é?
Fica a uma hora de São Paulo, em São Lourenço da Serra. Então é a minha paixão atual e eu fiquei muito impressionada de como é que eu não fui para a agricultura, pois tem muito a ver com a questão ambiental. Eu comi uma fruta quando era criança e morava no interior que chamava pindaíva, é uma fruta lindíssima, vermelha, parece uma fruta do conde, ela é de uma árvore muito alta e aí eu falei: Mas cadê a fruta? Não existe mais. Então eu fui pesquisar e consegui, depois de muito procurar, achar uma muda da pindaíva, hoje nós plantamos quatro mudas lá no vale e aí tem outras frutas que eu nem sei o que são, comprei outras mudas, fui atrás, agora eu estou pesquisando isso. Lá tem uns malucos que entram na mata, pegam semente, estão plantando, tem um pessoal interessante. Eu gosto mais de falar disso do que falar de cidade, meu Deus do céu. O que eu quero deixar de fundamental em relação a questão urbana é que as cidades vão piorar.

Lúcia Rodrigues – Mais ainda?
Muito, muito.

Lúcia Rodrigues – Por que, professora?
Porque não tem nada sendo feito para contrariar o rumo.

Júlio Delmanto – As cidades que você diz não são só as grandes, né?
Não só as grandes, porque as cidades que mais crescem atualmente são as médias no Brasil, não são as metrópoles, as metrópoles deram uma recuada, desde a década de 80 as metrópoles estão crescendo menos e as cidades médias estão crescendo mais.

Tatiana Merlino – Nada está sendo feito nos âmbitos federal, estadual e municipal?
Não é só uma questão de governo. Primeiro não é uma questão restrita a governo, é uma questão do capitalismo periférico, eu quero fazer questão de falar isso porque muita gente fala: ah! falta vontade política! Eu vou dizer que tem problemas que são estruturais. Um deles: o mercado residencial, no capitalismo periférico, atinge uma pequena parte da população. Até 2004, quando começa uma mudança na política habitacional, da qual eu fiz parte, o mercado brasileiro produzia para 20% da população. Em São Luís (MA) é para 10% da população. Eu fico pensando, pela minha experiência, que São Paulo, por exemplo, chega a 40% da população, mas quando você vai para São Luís ou Belém (PA), o mercado não chega a 10% da população. O mercado, esse sim, segue a lei, que tem um investimento, às vezes tem um financiamento, ou às vezes até mesmo a empresa incorpora o teu financiamento, você faz um projeto que é aprovado na prefeitura de acordo com a legislação de código de obras, legislação de parcelamento do solo, legislação de zoneamento, aí isso é lançado, tem compradores que também podem ter um financiamento. Isso é o que? No Canadá, na Europa, nos EUA isso atinge de 70 a 80% da população. No Canadá isso é muito claro: 30% da população precisa de subsídio para comprar moradia. Aqui no Brasil é o oposto: tem 70% da população. Varia de cidade, de região, se tem uma classe média maior, esse número é maior, se você tem uma classe média menor, como as cidades do Norte e Nordeste, esse número é menor. Então, vivemos em uma sociedade em que uma parte da população se vira, ela não se integra ao mercado e não tem política pública para chegar nela. O financiamento, o investimento público habitacional ampliou muito a partir de 2004, é impressionante o aumento nos últimos anos. Mas na sociedade brasileira a classe média não entra no mercado. O que quer dizer que a classe média não entra no mercado? O policial, o funcionário da USP, o professor secundário mora em favela, isso é uma coisa comum. Então, o Brasil é um país típico de capitalismo periférico, onde um trabalhador regularmente empregado, com estabilidade no emprego, que é o caso de um funcionário público, não tem acesso à moradia no mercado.

Tatiana Merlino – Esse “se vira” a que você se referiu é equivalente ao déficit habitacional que há no Brasil?
É mais do que o déficit.

Tatiana Merlino – Qual é o déficit habitacional hoje do Brasil?
Olha, o déficit deve estar entre os 7 e 8 milhões, o déficit é sempre uma coisa que deve ser discutida, né? O que você considera déficit? Uma das questões que discutimos no ministério, por exemplo, é que o IBGE considera déficit a convivência de famílias e às vezes é uma decisão sua conviver com mais de uma família. Então, devo ou não considerar isso déficit? O que eu quero dizer é o seguinte: “parte da população brasileira se vira” significa que ela arruma terra, eu tenho muita restrição para usar a palavra invadindo, porque os movimentos sociais não gostam, digamos que ocupando ilegalmente, mas esse ocupando ilegalmente é uma coisa muito vasta. E construindo as próprias casas, como o Chico de Oliveira mostrou em um artigo que ficou clássico, em 1972, que essa autoconstrução, essas ocupações ilegais não eram uma coisa espontânea ou decisão deles, aquilo era o resultado do rebaixamento da força de trabalho, quer dizer uma força de trabalho que não ganha para comprar uma casa, para pagar para alguém construir, mas não dentro da lei, não é dentro do mercado, não consegue comprar a terra. E a terra é um capítulo a parte. Então essa condição de ilegalidade é geral no Brasil. Tem um município perto de Belém, Ananindeua, ou outros municípios na periferia de Recife, Salvador, Fortaleza, onde 90% dos domicílios são ilegais. Quando você chega à região metropolitana de Fortaleza o próprio IBGE dá 33% da chamada sub-habitação. Nós temos alguns estudos, não temos dados fidedignos, mas isso já mostra um pouco o que é a realidade brasileira. Quanto por cento da população brasileira mora em favela? Tem alguns trabalhos que mostram que há uma grande diferença de uma cidade para outra no Brasil, mas que a exceção que seria uma casa ilegal, construída completamente fora da lei em uma terra ocupada de forma completamente irregular, construída aos poucos, sem qualquer conhecimento de engenheiro ou arquiteto etc., é regra, não é mais exceção. Veja bem, o que era para ser exceção virou regra e o que era para ser regra virou exceção.

Tatiana Merlino – Essa é uma característica do capitalismo periférico?
É. Você vê isso no mundo inteirinho e varia um pouco em cada país. A Argentina, que já teve uma condição muito melhor socialmente na América Latina, agora está em uma situação dramática. Na Argentina você tinha menos disso, algo em torno de 20 ou 30 anos atrás, ela era mais formal, a cidade na Argentina. Fui convidada para ir a um encontro sobre moradores de rua na Argentina, eles ficaram encantados com a nossa política de morador de rua e aí eu falei: Bom, mas vocês não tinham porque vocês não tinham morador de rua e no Brasil tem há muito tempo. Se você vai para o Chile você tem uma formalidade maior na cidade, tem uma classe média mais forte. Agora o resto, Bolívia, Venezuela, que eu andei pelos morros em volta de Caracas, o próprio México, você tem uma situação que é pior do que algumas metrópoles brasileiras, porque o Brasil tem algumas coisas que são mais ricas e algumas coisas que são mais pobres.

Hamilton Octávio de Souza – Mas esse processo não está sendo revertido?
Ao contrário, as cidades do mundo estão se empobrecendo. Se você pegar a África é impressionante o que está acontecendo.

Hamilton Octávio de Souza – E São Paulo? O que acontece em São Paulo?
São Paulo está assim: o município concentra, se não me engano, 22% da população que ganha acima de 20 salários mínimos do Brasil. Então você tem uma grande concentração de renda em São Paulo, Ribeirão Preto, Santos, e Brasília – no plano piloto. Então você tem uma condição de expulsão da população desses municípios mais ricos.

Hamilton Octávio de Souza – A favelização aqui tem sido crescente, não tem? Desde a década de 50?
Mas muito mais nas periferias. Se eu pegar Cajamar, Franco da Rocha, Itapecerica da Serra, Embu, Embu-Guaçu, você tem uma periferização com o aumento da violência, com uma queda geral de índices e a gente trabalha com média, o que é complicado.

Lúcia Rodrigues – A concentração do capital é o que está levando ao empobrecimento das cidades, é isso?
Não é só. Você tem assim uma tradição de desigualdade histórica, você tem nesses países essa questão estrutural da informalidade tanto no trabalho quanto na ocupação do solo, então nós temos ilhas que são cidades do primeiro mundo, isso é tudo inadequado. Por isso que eu acho engraçado dizer que a questão é técnica. Na verdade nós copiamos a lei de zoneamento, toda a legislação do primeiro mundo e aí a gente garante uma ilha onde o resto não cabe. Para inserir a população pobre nessa cidade eu preciso transformar o conjunto, isso foi o que discutimos no Fórum Urbano Mundial e no Fórum Social Urbano.

Júlio Delmanto – Existe alguma diferença entre esses países que são chamados em desenvolvimento em relação ao resto da periferia?
Sim. O Brasil é diferente. É uma economia forte. É um player internacional. Ele passou de “nada dava certo” para “país do futuro” ou “do presente”. Mas a desigualdade é uma coisa escandalosa no Brasil. A África do Sul me impactou porque ela saiu do apartheid, em que a segregação, diferentemente da nossa, era jurídica. Então você não podia ir para a cidade se você fosse negro, a menos que você tivesse um passe. Vencer essa segregação quando o Mandela ganhou parecia fácil. Mas existe um problema que está atingindo todo o terceiro mundo que é a questão da terra. A questão da terra não foi superada com a luta contra o apartheid. Aliás, foi uma coisa que me impressionou muito, que eu ouvi de vários líderes: se a terra tivesse entrado em negociação, a paz não acontecia.

Hamilton Octavio de Souza – O que é a questão da terra? É a terra urbana?
É a terra urbana e rural. A terra está na essência da alma brasileira. A desigualdade no Brasil passa essencialmente pela questão fundiária. Campo e cidade. Só terminando a história dessa segregação, não tem nenhum mistério. Uma parte da população constrói as casas, constrói fora da lei e não tem lugar nas cidades. Às vezes os planos diretores não disseram onde os jovens iam morar, porque todo plano diretor é seguido de uma lei de zoneamento e a lei de zoneamento é lei para o mercado, e a nossa população tá fora do mercado. Então os urbanistas estão trabalhan do em um espaço de ficção, com realidade de ficção. Aliás, essa ausência dos engenheiros nem se fala. Eu quero falar depois do estrago que a engenharia fez em São Paulo.

Lúcia Rodrigues – Essas leis que você citou funcionam?
Nada. O estatuto da cidade é um sucesso no mundo. Do Brasil para o mundo. Eu sou convidada a consultoria internacional o tempo todo por conta do estatuto da cidade. Eu fui a poucos lugares, mas para onde eu fui eu falei que não está sendo aplicado no Brasil. Não está sendo aplicado.

Tatiana Merlino – Existe uma política habitacional para resolver essa questão do controle do solo?
Lei nós temos. O estatuto da cidade é ótimo. Constituição Federal nós temos. Só que nós não aplicamos a função social da propriedade. Só terminando aquilo. A nossa lógica é que a mão de obra barata de que o Celso Furtado falava muito, que garante a exportação de riqueza, que garante uma elite conspícua, que é patrimonialista, que se agarrou a este Estado e fez dele o que fez, tem a lógica de que nós temos que ter uma mão de obra absolutamente rebaixada no seu preço para poder segurar essa relação.

Lúcia Rodrigues – Mas isso não é anticapitalista? Por que se você tem gente ganhando mais, injeta força e fluxo no mercado.
É engraçado isso. Porque o Ford descobriu que os operários precisavam ganhar melhor para que o capitalismo fosse melhor em 1905, início do século 20. Não é essa a lógica no Brasil. Inclusive uma das coisas que nós nos perguntamos é se o capitalismo brasileiro, principalmente a burguesia nacional, porque as transnacionais não estão nem aí se vão esgotar as reservas, se as cidades vão virar um negócio inviável, pretende se tornar viável. O capitalismo no Brasil não está preocupado em viabilizar. As nossas cidades estão ficando inviáveis. O automóvel está inviabilizando não só São Paulo, mas todas as cidades brasileiras. Brasília está também com um problema seríssimo de trânsito. Então você tem um problema que também é estrutural. A indústria automobilística é responsável por 20% do PIB do mundo, se eu colocar a exploração de petróleo, a distribuição de petróleo, toda a indústria da borracha, das autopeças. E todas as obras nas cidades são uma questão de infraestrutura para o automóvel andar. Quebrar esse modelo é o que seria necessário para incorporar os pobres.

Lúcia Rodrigues – E como se quebra esse modelo?
Vamos primeiro falar da terra. Porque esse “como se quebra esse modelo” é uma reflexão muito difícil para eu fazer depois que eu saí do governo federal. A terra no Brasil durante vários séculos, a propriedade da terra, esteve ligada à detenção de poder social, político e econômico. É interessante perceber em uma cidade como São Paulo como é que a área de proteção dos mananciais, que é uma área protegida por lei federal, estadual e municipal e planos de tudo quanto é tipo, está sendo ocupada. O poder de polícia sobre o uso do solo tem cinco organismos: a Sabesp, a Cetesb, Eletropaulo, o poder municipal sobre o parcelamento do solo, e a Polícia Florestal. Todo mundo é responsável pela fiscalização. Então não falta lei, não falta plano. É bem importante deixar isso claro. Estou cansada de ouvir gente dizendo que falta planejamento, falta plano diretor. Não falta nada. E não falta lei no papel. O que falta é que essa população tem que morar em algum lugar. E ela vai morar onde? Então pensa na população que chega na cidade de São Paulo. O centro está se esvaziando. Isso parece incrível, aliás, em todas as cidades brasileiras grandes. Então nós temos em área de proteção dos mananciais, já vi secretário de meio ambiente falar em um milhão e quinhentas mil pessoas. E já ouvi gente da Empresa Metropolitana de Planejamento falar em dois milhões de pessoas. É uma ligeira margem de dúvida. Isso mostra que nós não sabemos quantas pessoas moram na área de proteção dos mananciais. Mais

sábado, 8 de janeiro de 2011

Movimentos sociais: polícia cerca acampamento de Sem Terra em Serrana, interior de SP

Vanessa Ramos, colaboradora do EDUCOM - Aprenda a Ler a Mídia
Cerca de 350 pessoas acampadas na Fazenda Martinópolis, em Serrana (SP), estão desde ontem (7/1) cercadas pela polícia paulista. Segundo relato dos presentes, a tropa utiliza violência, armas e ameaça prender as famílias acampadas, em uma operação que envolve em torno de 50 viaturas e o batalhão de choque.

A fazenda pertence à Usina Nova União, plantadora de cana-de-açúcar. A usina deve mais de R$ 300 milhões de ICMS, além de não pagar seus trabalhadores desde setembro do ano passado. Multas ambientais e sonegação ao INSS também estão na lista de irregularidades da empresa.

Um grupo de trabalhadores já denunciou a situação à Procuradoria do Estado. As famílias reivindicam a destinação da área para a Reforma Agrária e o pagamento imediato dos trabalhadores da usina.

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

OBRIGADO, LULA

Frei Betto*
Nunca antes na história deste país um metalúrgico havia ocupado a presidência da República. Quantos temores e terrores a cada vez que você se apresentava como candidato! Diziam que o PT, a ferro e fogo, implantaria o socialismo no Brasil.

Quanta esperança refletida na euforia que contaminou a Esplanada dos Ministérios no dia de sua posse! Decorridos oito anos, eis que a aprovação de seu governo alcança o admirável índice de 84% que o consideram ótimo e bom. Apenas 3% o reprovam.

O Brasil mudou para melhor. Cerca de 20 milhões de pessoas, graças ao Bolsa Família e outros programas sociais, saíram da miséria, e 30 milhões ingressaram na classe média. Ainda temos outros 30 milhões sobrevivendo sob o espectro da fome e quem sabe o Fome Zero, com seu caráter emancipatório, a tivesse erradicado se o seu governo não o trocasse pelo Bolsa Família, de caráter compensatório, e que até hoje não encontrou a porta de saída para as famílias beneficiárias.

Você resgatou o papel do Estado como indutor do desenvolvimento e, através dos programas sociais e da Previdência, promoveu a distribuição de renda que aqueceu o mercado interno de consumo. O BNDES tornou as grandes empresas brasileiras competitivas no mercado internacional. Tomara que no governo Dilma seja possível destinar recursos também a empreedimentos de pequeno e médio porte e favorecer nossas pesquisas em ciência e tecnologia.

Enquanto os países metropolitanos, afetados pela crise financeira, enxugam a liquidez do mercado e travam o aumento de salários, você ampliou o acesso ao crédito (R$ 1 trilhão disponíveis), aumentou o salário mínimo acima da inflação, manteve sob controle os preços da cesta básica e desonerou eletrodomésticos e carros. Hoje, 72% dos domicílios brasileiros possuem geladeira, televisor, fogão, máquina de lavar, embora 52% ainda careçam de saneamento básico.

Seu governo multiplicou o emprego formal, sobretudo no Nordeste, cujo perfil social sofre substancial mudança para melhor. Hoje, numa população de 190 milhões, 105 milhões são trabalhadores, dos quais 59,6% possuem carteira assinada. É verdade que, a muitos, falta melhor qualificação profissional. Contudo, avançou-se: 43,1% completaram o ensino médio e 11,1% o ensino superior.

Na política externa o Brasil afirmou-se como soberano e independente, livrando-se da órbita usamericana, rechaçando a ALCA proposta pela Casa Branca, apoiando a UNASUL e empenhando-se na unidade latino-americana e caribenha. Graças à sua vontade política, nosso país mira com simpatia a ascensão de novos governantes democráticos-populares na América Latina; condena o bloqueio dos EUA a Cuba e defende a autodeterminação deste país; investe em países da África; estreita relações com o mundo árabe; e denuncia a hipocrisia de se querer impedir o acesso do Irã ao urânio enriquecido, enquanto países vizinhos a ele, como Israel, dispõem de artefatos nucleares.

Seu governo, Lula, incutiu autoestima no povo brasileiro e, hoje, é admirado em todo o mundo. Poderia ter sido melhor se houvesse realizado reformas estruturais, como a agrária, a política e a tributária; determinado a abertura dos arquivos da ditadura em poder das Forças Armadas; duplicado o investimento em educação, saúde e cultura.

Nunca antes na história deste país um governo respaldou sua Polícia Federal para levar à cadeia dois governadores; prender políticos e empresários corruptos; combater com rigor o narcotráfico. Pena que o Plano Nacional dos Direitos Humanos 3 – quase um plágio dos 1 e 2 do governo FHC –tenha sido escanteado por preconceitos e covardia de ministros que o aprovaram previamente e não tiveram a honradez de defendê-lo quando escutaram protestos de vozes conservadoras.

Espero que o governo Dilma complemente o que faltou ao seu: a federalização dos crimes contra os direitos humanos; uma agenda mais agressiva em defesa da preservação ambiental, em especial da Amazônia; a melhoria do nosso sistema de saúde, tão deficiente que obriga 40 milhões de brasileiros a dependerem de planos de empresas privadas; a reforma das redes de ensino público municipais e estaduais.

Seu governo ousou criar, no ensino superior, o sistema de cotas; o ProUni e o ENEM; a ampliação do número de escolas técnicas; maior atenção às universidades federais. Mas é preciso que o governo Dilma cumpra o preceito constitucional de investir 8% do PIB em educação.

Obrigado, Lula, por jamais criminalizar movimentos sociais; preservar áreas indígenas como Raposa Serra do Sol; trazer Luz para Todos. Sim, sei que você não fez mais do que a obrigação. Para isso foi eleito. Mas considerando os demais governantes de nossa história republicana, tão reféns da elite e com nojo do “cheiro de povo”, como um deles confessou, há que reconhecer os avanços e méritos de sua administração.

Deus permita que, o quanto antes, você consiga desencarnar-se da presidência e voltar a ser um cidadão militante em prol do Brasil e de um mundo melhor.
*Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

MST: ato pela Reforma Agrária nesta sexta, no centro do Rio de Janeiro

Ato Público pelo Direito Humano a Alimentação e pela Reforma Agrária, contra as Mudanças Climáticas

Passarela entre Petrobras e BNDES, 10 de dezembro, 14h

Participe! Venha Prestigiar nossos produtos!

Apoie esta luta!

Organização: Movimento Sem Terra (MST)

sábado, 4 de dezembro de 2010

Anita Prestes, em debate sobre experiências da ENFF: "revolução acontecerá com trabalho, luta e estudo"


RIO - A historiadora e professora universitária Anita Prestes (na foto, ao centro) participou na última quinta, dia 2, do debate "A Experiência de Formação da Escola Nacional Florestan Fernandes", no campus da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). O evento foi uma oportunidade para divulgar o projeto da escola localizada em Guararema (SP), uma conquista dos movimentos sociais, em especial o MST, que já se aproxima do 6º aniversário e refletir sobre a importância de formar quadros para promover a mudança do atual modelo político-econômico. "Para uma mudança profunda na sociedade é preciso um projeto revolucionário composto desta tríade: trabalho, luta e estudo."

Antes do debate, foi exibido o DVD "A Escola Nacional Florestan Fernandes - ENFF, uma escola em construção". Em seguida, a professora começou sua explanação comentando que sem uma mudança profunda na sociedade brasileira não será possível promover saúde pública e escola de qualidade. "As desigualdades sociais não serão resolvidas no modelo capitalista vigente. Podem dar uma melhorada, mas mudar só com o comunismo", afirmou Anita, enfatizando as ideias de Marx. A mesa do debate teve, além de Prestes, o engenheiro Victor Ferreira, da Associação dos Amigos da ENFF e Anita Handfas, professora da Faculdade de Educação da UFRJ, esta última como mediadora.

Para a historiadora, esse processo exige disciplina e formação de quadros. "E é justamente o que a Escola Florestan Fernandes já está oferecendo." A filha de Luís Carlos Prestes e Olga Benário explicou como o capitalismo usa a mídia para manter o modelo, primando pela combinação de violência, convencimento e aceitação dos valores das classes dominantes. E completou dizendo que a escola, de modo geral, tem reforçado esse modelo.

"A importância da Escola Florestan Fernandes é desconstruir esse modelo, além de formar quadros bem preparados para atender as camadas da população que não tem acesso a educacão de qualidade, principalmente no campo", reforçou Anita - a ENFF recebe todos os anos estudantes do campo e da cidade, principalmente latino-americanos e africanos. "Conheço bem as experiências de formação do MST. Tive a satisfação de conhecer em agosto o Centro de Formação e Pesquisa Olga Benário (na zona rural de Várzea Grande, Mato Grosso), convidada para o ato político do 15º aniversário do MST naquele estado".

Após a explanação, foi aberto o microfone à participação do auditório. Fizeram comentários e perguntas ativistas e intelectuais. Dentre os que pudemos registrar, estão Ademílson "Cigano", aluno da ENFF e o professor de matemática da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) Márcio Rolo.



Não esqueça de fazer sua parte. Apóie a Escola Nacional Florestan Fernandes e entre para a Associação dos Amigos da ENFF.

AAENFF: Rua Abolição, 167, Bela Vista, São Paulo-SP, Cep 01319-030, Brasil. Telefones: (11)3105-0918/9454-9030

Pelo site: www.amigosenff.org.br

email: associacao@amigosenff.org.br


quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Diga PRESENTE!


Não esqueça de fazer sua parte. Apóie a Escola Nacional Florestan Fernandes e entre para a Associação dos Amigos da ENFF.

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Amigos da ENFF Rio de Janeiro: amigosdaenff.rj@gmail.com


segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Polícia Federal mobiliza mais de 250 agentes para despejar famílias sem terra

Da Agência Petroleira de Notícias
Trabalhadores e trabalhadoras rurais do MST foram despejados e deixados na chuva na última quarta-feira (17), após ação de reintegração de posse na Fazenda Bom Jardim, em Córrego do Ouro, distrito de Macaé, região norte do estado do Rio de Janeiro. Neste dia, as polícias Federal e Militar, a Justiça e a Prefeitura de Macaé demonstraram a pior face da criminalização da pobreza e dos movimentos sociais por parte do poder público. As 180 famílias que ocupavam parte dos 1650 hectares da propriedade não emitiram nenhum tipo de resistência e foram obrigadas a passar uma noite chuvosa desabrigadas.


A ordem de despejo foi emitida pela Juíza Federal de Macaé Angelina de Siqueira Costa. A orientação da Juíza à Polícia Federal foi de retirar as famílias imediatamente e descartar seus pertences. O impasse só foi resolvido quando uma Igreja Católica de Macaé se propôs a receber as famílias por alguns dias. Já a prefeitura da cidade não permitiu, sequer, que mulheres e crianças dormissem naquela noite em um parque de exposições do município.

Desrespeito aos direitos humanos
Representantes da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Macaé foram destratados pelo delegado da Polícia Federal que chefiava a operação. Um assessor da comissão quase foi retirado à força da área pelos policiais por estar fotografando e filmando, sob acusação de que usaria as imagens contra os agentes da PF. A forma ríspida de tratamento se repetiu com representantes do Incra e da Comissão de Direitos Humanos da Alerj – Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. Com as famílias o tratamento foi ainda mais grave. Os mais de 250 agentes da PF e PM exigiram que os acampados retirassem seus pertences em poucos minutos, sob ameaça de terem suas moradias destruídas e seus objetos pessoais incendiados. Os moradores, inclusive crianças, foram colocados em caminhonetes e transportados até a saída da fazenda, sem saber para onde seriam encaminhados. Alguns foram atacados por gás de pimenta.

O latifúndio avaliado como improdutivo pelo Incra, há mais de 2 anos, é de propriedade da Campos Difusora LTDA, empresa de Rádio e TV do norte fluminense que tem como um dos sócios o arrendatário da fazenda José Antônio Barbosa Lemos. Político influente, José Antônio já foi prefeito de um município da região e deputado estadual. De acordo com a Constituição Federal, a propriedade deve ser encaminhada para fins de Reforma Agrária. No dia 2 de setembro, o presidente Lula assinou o decreto de interesse na desapropriação, respaldando a decisão do Incra e a posição do MST em cobrar a reforma agrária daquelas terras. “Existe a avaliação do Incra, existe o decreto do presidente da República e agora vem a juíza descumprir e tomar uma decisão a favor do fazendeiro. Mas não vamos resistir, não queremos conflito”, declarou um coordenador do acampamento.

Solidariedade
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, vereador Danilo Funke (PT), tentou uma autorização do prefeito ou de algum responsável pelo parque para que as famílias pernoitassem junto a suas coisas, que haviam sido levadas para lá. “Esgotamos todas as tentativas. A prefeitura pode até ser contra o movimento, mas é obrigação zelar pela vida e o bem estar das pessoas. A proposta era apenas uma noite e foi negada com veemência”, declarou o único vereador de oposição da cidade.

Após articulação do vereador e sua assessoria, da comissão de Direitos Humanos da Alerj e da coordenação do MST, o padre Mauro ofereceu um espaço que, apesar de pequeno, foi a única saída para que o desfecho não fosse pior para as pessoas. “Fizemos a nossa parte de acolher aquelas famílias que foram negadas por todas as estruturas de governo. Crianças, idosos e gestantes não poderiam dormir na rua de forma alguma. Não temos o melhor espaço, mas somos solidários ao desespero e a luta das famílias por terra e justiça social”, declarou o padre Mauro.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Os desafios de Dilma - o Brasil e a ordem mundial

Por Laerte Braga, para o blog Brasil Mobilizado
As perspectivas de derrota eleitoral do Partido Democrata e por extensão do governo do presidente Barack Obama, há dois anos das eleições presidenciais nos EUA, são uma dificuldade de monta para a presidente eleita do Brasil Dilma Rousseff. Não que Obama signifique alguma coisa, mas pelo que Republicanos representam numa escala de gradação do terrorismo político, econômico e militar dos EUA.

Se antes dos oito anos de Lula éramos figurantes no contexto da chamada Nova Ordem Mundial, hoje somos protagonistas dessa ordem. E a América Latina é decisiva em todo esse processo.

Mais que nunca vale a frase do ex-presidente Richard Nixon dita em plena ditadura militar, ao buscar encontrar justificativa para as notícias de sistemáticas violações de direitos humanos pelo regime dos generais. “É uma pena, mas o Médice é um bom aliado e para onde inclinar-se o Brasil, inclina-se a América Latina”.

Quer queiramos ou não o atoleiro que George Bush meteu o seu país diz respeito ao Brasil, ao mundo inteiro. A presença de governos independentes de Washington no continente político latino-americanos é um momento histórico de afirmação, mas pode vir a ser de queda.

A economia mundial globalizada faz com que um espirro no pólo norte seja sentido em qualquer canto do mundo, que dirá no Brasil, um país com dimensões continentais e agora, com um caminho aberto para um processo de integração latino-americana numa fase aguda.

Dilma Rousseff vai enfrentar de saída duas frentes de combate. Impedir que a crise econômica mundial (ainda forte e viva) afete esses anos Lula de prosperidade e segurança. Os olhos postos do grande irmão do norte sobre o Brasil e a importância, para eles, de domar essa onça que surge com um vigor impressionante.

Uma eventual vitória republicana em 2012 vai significar que à frente de uma situação de declínio a boçalidade suba de tom nos EUA.

Isso sinaliza para mais que a integração latino-americana. Ultrapassa esses limites e se estende a partes outras do mundo numa luta que se ainda não deixou claros esses contornos, é de sobrevivência das nações independentes ou que se pretendem assim.

No aspecto interno Dilma vai sofrer a feroz oposição das forças de extrema-direita (se mostraram com todas as garras nessa campanha eleitoral), aliadas incondicionais desse contexto internacional e subordinadas a interesses de nações que mais e mais vão se tornando grandes conglomerados empresariais. É o caso dos EUA.

É indiscutível que tem estatura para esse desafio, mas não é Lula e vai ter que construir seu próprio caminho, abrir sua picada em mata fechada e afirmar-se como líder desse espaço fundamental para o Brasil e imediatamente a América Latina.

Em todo o processo de destruição levado a cabo pelos EUA nos últimos anos, mesmo no período Clinton, onde a ALCA – ALIANÇA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS – era a palavra de ordem para essa parte do mundo, se olharmos o resto do mundo, são poucos os países que conseguiram preservar-se intactos ou escapar incólumes do desvario neoliberal.

A morte de Néstor Kirchnner é outro complicador. O futuro da Argentina, país essencial para e como o Brasil para a América Latina, é incerto.

As cunhas do neoliberalismo e da estupidez militar dos EUA já estão plantadas por aqui. Colômbia e Chile.

Os desafios das elites econômicas no Brasil, latifundiários, banqueiros e grandes empresários tem um componente complicado. São forças de natureza golpista, agarradas a privilégios, o que significa que reformas são indispensáveis para que se possa mexer na infra-estrutura política e econômica do Pais, abrindo perspectivas para uma independência completa e real, consumando o processo iniciado no governo Lula.

Dilma vai ter que enfrentar essa batalha para além dos caminhos tradicionais da política brasileira.

Vai ter que lutá-la nas ruas ampliando os canais de participação popular e alcançar através dessas forças os objetivos que os brasileiros que a elegeram sonham e desejam.

A própria configuração de sua vitória mostra isso. Perdeu as eleições em estados onde predomina o agro-negócio e onde são fortes as elites de extrema-direita. Tem a seu desfavor a mídia privada que tece loas à liberdade de expressão para garantir o controle do processo que é alienante e o domínio de poucas famílias num modelo em que curiosamente essa liberdade de expressão tem mão única.

As eleições mostraram sem disfarces essa face perversa do modelo.

São desafios que combinam políticas de fortalecimento da integração latino-americana, de ampliação dos mercados brasileiros com nações de outras partes, modelo pacientemente construído pelo governo Lula através do chanceler Celso Amorim – um dos grandes brasileiros de sua geração e da história de nossa diplomacia – com a preservação dos níveis de crescimento econômico e políticas sociais que permitam as reformas necessárias a que essa infra-estrutura perversa que ainda habita entre nós, possa se transformar de fato num governo popular.

Onde o cidadão fale, onde o povo seja o principal ator.

É como matar uma onça por dia. Os adversários são fortes, já mostraram não ter escrúpulos e deixaram claros os seus interesses e objetivos.

De saída a política externa traz desafios que têm largos reflexos na política, na economia e no social. Enfrentar a ação golpista dos EUA via Colômbia e Chile contra Venezuela, Bolívia, Equador, Uruguai, Paraguai e o esforço que farão para recuperar a Argentina.

Não aceitar as imposições quanto ao Irã, opor-se às políticas terroristas no Afeganistão, no Iraque e na Palestina, ampliar a integração com países de língua portuguesa e buscar formas de relacionamento com países da Comunidade Européia (uma espécie de protetorado dos EUA) que impliquem em equilíbrio político e econômico sem concessões que não resultem de consenso que possam beneficiar a ambos.

européias começam a perceber a armadilha travestida para além da economia, seja em cerco militar, ou em reformas neoliberais.

Ampliar as relações com a Rússia, estabelecer premissas novas para com a China, enfim, afirmar-se como potência mundial que, a permanecerem os números, em breve terá ultrapassado Itália, França e estará nos calcanhares de um semi falido Reino Unido.

A vitória de Dilma tem esse sentido, esse significado. E a certa altura com certeza irá passar por um momento de união nacional das forças progressistas em torno dessas questões básicas (vai ser necessária a maturidade dessas forças), sob pena de nada do que foi conquistado valer.

Nossos adversários internos e externos jogam o jogo em estreito acordo e com objetivos bem claros.

Dilma não vai encontrar e nem pode pensar em tratar o governo como um clube de inimigos e amigos cordiais. É só olhar as dificuldades enfrentadas por Lula e perceber que a dimensão de estadista do atual presidente se deveu, entre erros e acertos, à coragem de resistir.

E uma resistência que o Brasil excluído percebeu com clareza tal que elegeu Dilma.

Se os primeiros passos foram dados, os próximos serão em terreno bem mais pantanoso, pois os inimigos do Brasil sabem que um descuido e vamos ao chão.

Abraçar os movimentos populares, reciclar o caráter corporativo de boa parte do movimento sindical, evitar aparelhamentos pelegos, abrir as portas do processo à participação popular.

Trazer ao debate temas como o monopólio da informação (decisivo) e não se deixar encantar pelo canto do jogo institucional montado sobre estruturas que atendem apenas aos interesses dos donos.

Aprofundar a reforma agrária é de tal ordem importante, diz respeito à própria soberania nacional em vários campos.

Se Dilma tem dimensão para isso? Claro que tem, vai ter que mostrá-la em cada dia de seu governo.

Existem momentos que enfrentar desafios se torna questão de sobrevivência. Esse é um deles. O nível da campanha eleitoral mostrou que é assim.

Atualização da Equipe do EDUCOM: depois de o jornalista Laerte Braga publicar este artigo (dia 1º), um de seus temores de materializou. Nas eleições legislativas do dia 2, o Partido Republicano conquistou significativa maioria na Câmara dos Representantes dos EUA. Mais desafios à vista para Dilma e outros líderes da AL.

domingo, 2 de maio de 2010

A luta pelas reformas agrária e urbana deve estar na rua, defendem pesquisadores

Por Marina Pita

Especialistas sobre questão fundiária pedem a radicalização do movimento e a unidade em torno da luta contra a concentração da terra. Retomar a luta nas ruas, com o povo, já que as conquistas institucionais trouxeram poucos avanços para a resolução dos conflitos urbanos e agrários. Esse foi o mote das discussões da mesa redonda “Conflitos Urbanos e Criminalização dos Movimentos Sociais”, realizada no Fórum Social Urbano, no Rio de Janeiro.

“Precisamos dizer que, depois de 30 anos lutando pelo direito à cidade, nossas bandeiras foram incorporadas. Hoje todos são a favor do direito à cidade e do direito à moradia. Mas as cidades estão piorando e a pobreza aumentando. Isso significa que a transformação não será pelo caminho que estivemos construindo”, afirmou Ermínia Maricato, professora e arquiteta da USP, ao criticar o Fórum Urbano Mundial, evento que ocorre a algumas quadras do Fórum Social Urbano: “Precisamos dizer que não vamos caminhar juntos nessa toada se não houver quebra de paradigma. Temos diferenças e isto está muito claro”.

Ex-secretária de habitação da prefeitura de São Paulo durante a gestão Luiza Erundina, Ermínia defendeu que a estratégia de mudança da realidade do país por meio de conselhos de políticas públicas já mostrou sua limitação e deve ser abandonada dando lugar à retomada do movimento de rua, da unificação da esquerda por um projeto comum. “Temos que aplicar a função social da propriedade. Não podemos arredar pé”, concluiu.

Movimentos criminalizados

O ex-procurador de Terras do Estado do Rio de Janeiro, Miguel Baldez disse que hoje vivemos o pior momento para os lutadores sociais diante do nível de criminalização que os movimentos combativos sofrem. Ele criticou a legislação de terras brasileira e a “cerca viva” que impede o acesso dos trabalhadores à terra, formada por juízes, promotores e delegados de polícia. “Há duas necessidades fundamentais em questão quando falamos de acesso à terra: a moradia e a alimentação, que não podem ser usufruídas apenas por uma parcela da população. Não podem ser tratadas como mercadoria porque este é um fundamento de qualquer ética a religiosa e a política”, disse Baldez, que classificou a luta como embate de classes.

Plínio Arruda Sampaio fez um breve histórico da legislação de terras no Brasil. Historicamente, se negou o acesso a ela, sendo essa a origem da pobreza, e por isso é fundamental manter a luta contra a concentração fundiária. “Para se ter uma ideia do momento difícil que passamos, quando eu fiz o projeto de reforma para João Goulart, queríamos expropriar todas as propriedades com mais de 500 hectares.

Hoje, o movimento está pedindo um limite de mil hectares”, argumentou Plínio para pedir aos militantes que não rebaixem o programa: “devemos radicalizar nossa demanda”. Mas isso não basta, defendeu o presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA). Para ele, é preciso dar condições para os pequenos agricultores produzirem e viverem dignamente. “Há mais de 2 milhões de pequenos agricultores cuja renda anual é mil reais. Essa pequena agricultura é a que mais emprega, a que mais produz alimentos e mais conserva a terra. A pequena propriedade acabaria com a deterioração da terra”.

Sampaio criticou o Governo Lula, ao afirmar que este desistiu da reforma agrária. “Ele [o Lula] ficou fascinado com a ideia de se tornar um 'xeique' do alcool. Na nova divisão internacional do trabalho, o Brasil, que ia fazer indústria e serviços para mercado interno e posteriormente exportar, é pressionado por bancos, multinacionais para assumir um papel primário exportador, aceito por este governo” e pediu uma reação do movimento: “Estamos sofrendo há 20 anos uma ofensiva da direita e temos que responder e essa resposta deve ser na terra, porque é aí que está a origem da miséria, da corrupção, da incapacidade de institucionalizar um sistema jurídico equânime de acesso à terra”.

Fonte: Caros Amigos

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Justiça de Santa Catarina manda soltar três integrantes do MST

do Brasil de Fato
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina mandou libertar no sábado, 30, três integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Acusados de serem suspeitos de planejar ocupações, Altair Lavratti, Rui Fernando da Silva e Marlene Borges foram presos na última semana em Imbituba (SC). Os três já estão em liberdade.

Segundo a PM catarinense, as prisões foram preventivas, para evitar supostas ações ilegais. Mas de acordo com o MST, a passagem dos três pela prisão foi injusta, já que eles não tinham cometido crimes.

Desde dezembro, reuniões do movimento eram investigadas, classificadas como suspeitas pela PM. O MST justificou dizendo que há mais de dez anos promove encontros com a comunidade local para discutir com as famílias sobre seus direitos.

Na sexta, mais de 50 entidades participaram de um ato de apoio ao MST de Santa Catarina. A atividade condenou a prisão dos três sem terra.

Durante o ato, os representantes das entidades assinaram uma moção de repúdio à ação da Polícia Militar e do Judiciário, que efetuaram as prisões dos integrantes do MST.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Leonardo Sakamoto: "O trabalho escravo está inserido na economia brasileira"

por Aldrey Riechel, do Amazônia.org.br
O debate sobre trabalho escravo nunca deixou de ser pautado no Brasil e principalmente na Amazônia, onde se encontra o maior número de trabalhadores libertados. Neste mês dois fatos ajudaram a divulgar o assunto: a atualização da Lista Suja do Trabalho Escravo, que mostra as empresas que foram flagradas utilizando mão de obra escrava e a divulgação do Programa Nacional de Direitos Humanos, que tenta consolidar a meta de erradicar esse crime.

Leonardo Sakamato, jornalista e coordenador da organização Repórter Brasil, defende que as duas ações são positivas. A Lista Suja, segundo ele é um importante instrumento de combate à prática, já que funciona como um bloqueio econômico para estas empresas que constam na lista. Sakamato afirma que as pessoas usam trabalho escravo porque dá lucro, "então se o trabalho escravo começar a gerar prejuízo, elas vão repensar antes de usá-lo", explica.

Já o Programa de Direitos Humanos, se for cumprido, pode ser um importante instrumento para que se mude o modelo de desenvolvimento no país. Sakamoto afirma que os que criticam o plano são "as forças retrógradas" da sociedade: militares, ruralistas e setores conservadores da igreja nacional, que conjecturam, segundo ele, "como manter a alma e o corpo dos trabalhadores e dos seres humanos, em constante privação".

Confira a entrevista exclusiva:

Amazônia.org.br - A Amazônia é a região que concentra a maior parte das empresas que usam mão-de-obra escrava. Na lista editada pelo Ministério do trabalho e Emprego, aponta que dos 164 casos enumerados, cem deles (61%) ocorreram em Estados que pertencem à Amazônia. Por que nesta região tem tantas ocorrências?

Leonardo Sakamoto - Está diretamente relacionado ao fato do trabalho escravo ser muito usado no Brasil como um instrumento de expansão agropecuária. Trabalho escravo e fronteira agrícola são duas coisas que caminham de mãos dadas. Durante o processo de implantação de um empreendimento agropecuário, você tem muitas vezes, um fazendeiro que não está capitalizado ou, na maioria das vezes, que não quer botar a mão no bolso. E para uma atividade periférica da fazenda, ampliação da fazenda, por exemplo, ele acaba se valendo de formas ilegais e vai fazer o que já é conhecido: vai grilar terras, vai desmatar além da conta e vai usar trabalho escravo, ou seja, para poupar dinheiro. Dinheiro que ele não tem ou que ele não quer gastar em um momento de expansão agropecuária.

Dessa forma, ele pode competir no mercado de uma forma mais rápida sem esses gastos de investimentos. Isso eu estou falando de uma forma geral. O trabalho escravo é utilizado para ampliar a fronteira, para expandir a área agrícola, para expandir a fronteira agrícola.

Amazônia.org.br - No caso da Amazônia, a impunidade também auxilia?

Sakamoto - Trabalho escravo no Brasil é sustentado por um tripé: impunidade, pobreza e ganância. Ganância que leva as pessoas a quererem obter lucros fáceis, por meio de uma concorrência desleal e através do sofrimento humano. A pobreza que empurra esse pessoal para fora, longe de suas casas e cidades e que facilita o fato deles serem traficados, do nordeste até a Amazônia, por exemplo. E a impunidade, que dá aquela certeza de que pode usar trabalho escravo e depois não vai acontecer nada. É claro que para combater o trabalho escravo estamos tentando reverter esse tripé que sustenta o problema.

Amazônia.org.br - Você disse que trabalho e fronteira agrícola trabalham de mãos dadas. É possível dizer que o trabalho escravo gera economia?

Sakamoto - Vou até refazer essa sua colocação: o trabalho escravo está inserido na economia brasileira. Ele não é fundamental, e por isso pode ser erradicado. A Repórter Brasil, desde 2003, realiza estudo de cadeia produtiva. Já rastreamos mais de 500 fazendas e, em todas elas, eles entram nessas chamadas "redes comerciais globais". Você tem fazendas vendendo para grandes frigoríficos que exportam produção ou vendem aqui, em território nacional. Tem usinas com trabalho escravo produzindo etanol para o mercado nacional e internacional, açúcar também, algodão, soja, o milho, o arroz, o tomate, a madeira, o carvão vegetal para a siderurgia, para minério de alto valor... Então você tem o trabalho escravo sendo usado como uma ferramenta para gerar competitividade. Tem gente que usa isso para crescer, existir e começar um negócio.

Agora, trabalho escravo não é necessário para a economia, então ele pode ser cortado. Basta para isso que a gente mude o modelo de desenvolvimento. O trabalho escravo não é em nenhum momento uma doença, é uma febre. Febre é sintoma. Sintoma de que alguma coisa está ruim no corpo e o trabalho escravo é o sintoma de que alguma coisa está com problema no corpo, no caso o nosso modelo de desenvolvimento que é extremamente predatório, excludente e destruidor em todos os sentidos.

Amazônia.org.br - Isso significa que é preciso uma reforma em todo o sistema produtivo e econômico...

Sakamoto - É claro que as pessoas falam assim: "poxa! Tem que acabar com o capitalismo para acabar com o trabalho escravo?" A discussão é longa, mas na verdade se você mudar o modelo de desenvolvimento, se combater impunidade, ganância e pobreza, você reduz drasticamente o trabalho escravo.

Olha a diferença: você vai atuando na questão da pobreza, da dignidade e da ganância, e, se você conseguir mudar o modelo de desenvolvimento, que é isso que nós defendemos, e é isso que as entidades que trabalham com a questão socioambiental defendem, nós vamos acabar com o trabalho escravo. Por quê? Porque é uma forma de exploração que está relacionada com uma maneira de ver o meio ambiente e a sociedade como meros instrumentos de lucro e não como elementos que devem estar em harmonia.

Amazônia.org.br - A atualização da Lista Suja do Trabalho Escravo foi feita há pouco tempo, onde foram incluídas 12 empresas e excluídos 10 nomes. Você acredita que a divulgação das empresas por meio dessa relação é uma medida que ajuda a punir aquelas que usaram mão-de-obra escrava? Essa é uma medida que traz resultados?

Sakamoto - Traz muitos resultados sim. A Lista Suja do Trabalho Escravo, que foi criada em 2003 pelo governo federal é, em nossa opinião, um dos mais importantes instrumentos de combate ao trabalho escravo do Brasil. O pacto nacional pela erradicação do trabalho escravo, que foi criado pela repórter Brasil, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), pelo Instituto Ethos e depois também foi abraçado pelo Instituto de Observatório Social, é um instrumento que se baseia na lista suja, ou seja, mais de 200 empresas e associações, que fazem parte do pacto, são obrigadas a checar a Lista Suja antes de fechar negócio. Empresas públicas, privadas, bancos públicos e bancos privados são obrigados a checar a lista suja antes de fechar negócio. E também o próprio governo federal já deixou claro que Banco Público Federal não emprestará para quem estiver na Lista Suja.

Se você consegue evitar que essas empresas consigam escoar sua produção, tenham compradores, clientes e que também evitem créditos para esse pessoal, você vai atuar naquela ganância. O pessoal usa trabalho escravo porque gera lucro. Não é porque alguém é malvado.

Então se o trabalho escravo começar a gerar prejuízo, elas vão repensar antes de usá-lo. A lista suja, além de ser um instrumento de publicização, de transparência do combate ao trabalho escravo, é uma forma de atuar diretamente no combate a esse problema, por meio das empresas que são signatárias do pacto.

É uma medida que é usada para bloqueio comercial. O objetivo da criação dela foi a transparência e é um instrumento corajoso do governo e das instituições que fazem parte da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, elas apóiam, sem sombras de dúvida, a lista suja.

Amazônia.org.br - Você acredita que o Programa Nacional de Direitos Humanos, recém- lançado pelo governo, pode contribuir na luta contra o trabalho escravo?

Sakamoto - O programa, ao buscar a redução da pobreza, a validação dos direitos humanos, combater a negação dos direitos humanos, garantiu uma série de ações que bate de frente com impunidade, bate de frente com a pobreza e age contra essa ganância desmensurada. Então é claro que o Plano Nacional, vai ser um instrumento importante.

Ele tem um capítulo sobre trabalho escravo, que a gente [Repórter Brasil] ajudou a confeccionar. O programa prevê reforçar a adoção do Plano Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, que existe e está à disposição de qualquer um.

Agora é importante que se diga o seguinte: num Brasil onde os direitos Humanos não valem nada, o trabalhador é tratado como bicho, indígenas são tratados como descartáveis, quilombolas, ribeirinhos e outras pessoas pobres do campo são tratados como ninguém é de admirar que a área de direitos humanos tenha conseguido avançar gerando um terceiro programa.

O trabalho escravo é uma das piores formas de exploração humana. Porque não mexe apenas com direitos trabalhistas, mexe com vários direitos fundamentais: ele também é a ausência do tratamento digno, do direito humano, do aceso a terra, de acesso a alimentação e ao trabalho descente. Um plano que eleva o patamar da dignidade dos trabalhadores do campo é um plano que ajuda a combater o trabalho escravo. E se fosse adotado, é claro que o modelo de desenvolvimento no Brasil seria outro.

Tanto é que veja as forças retrógradas que não defenderam o plano: militares, ruralistas e setores conservadores da igreja nacional, mantendo um padrão semelhante ao padrão do Brasil: é o padre, o delegado é o coronel. São os três conjecturando sobre como manter a alma e o corpo dos trabalhadores e dos seres humanos em constante privação. Até pelo antagonismo de quem atacou o plano, você sabe que o plano é um instrumento que deve ser defendido.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

COP15, 'uma depredação capitalista'. E veja como latifundiário é tratado na Bolívia...


Os presidentes da Bolívia e da Venezuela (foto, do jornal argentino Página 12) insistiram que o aquecimento se deve aos "desvios do capitalismo" e criticaram os países centrais que impediram que se chegasse a um acordo. Chávez citou Fidel ao dizer que o fechamento é "inglório". A reportagem é de Cledis Candelaresi e foi publicada pelo Página 12 no sábado, dia 19. Tradução de Moisés Sbardelotto.

"Somos guerreiros, não se metam conosco", advertia Hugo Chávez, meio a sério, meio em tom de brincadeira, com um abraço lateral a Evo Morales no palco da coletiva de imprensa que ambos os presidentes improvisaram para anunciar sua retirada da cúpula porque já não haveria um documento de consenso. A decisão foi apresentada como sendo do bloco Alba, a Aliança Bolivariana, iniciativa promovida pelo presidente venezuelano, e à qual aderem outros como Equador, Cuba e Nicarágua. Os discursos dos governantes se centraram na denúncia do capitalismo e eludiram questões técnicas.

Foi a ministra do Patrimônio Natural do Equador que fez uma síntese da denúncia formulada pelo bloco e esclareceu que o Brasil, a China e a Índia comungam dessa postura, mesmo que não estivessem presentes ali. "Denunciamos as práticas antidemocráticas, que violam os procedimentos das Nações Unidas. Não podemos aceitar que países de elite tomem decisões que nos envolvam e querem impingi-las a nós", sentenciou Marcela Aguinaga.

Ela fazia referência à possibilidade, depois concretizada, de que se apresentasse no final do evento um documento diferente de qualquer um que pudesse ter surgido do trabalho que, durante dias, os dois grandes grupos de negociação realizaram: o que discutiu uma prorrogação do Protocolo de Quioto e o que tentou construir as bases para um acordo totalmente novo. Em rigor, a mesma manobra que o presidente do Brasil objetou durante sua veemente exposição do meio-dia.

"É preciso reflorestar o planeta. Temos que frear a depredação capitalista" , sintetizou o venezuelano quando uma jornalista brasileira lhe perguntou especificamente sua opinião sobre os avanços técnicos do grupo Redd (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação), que busca analisar as complexas alternativas para combater o desmatamento do planeta. A essa inquietação expressada em portunhol, seguiram-se várias outras em inglês, que o chanceler nicaraguense – erigido a moderador do encontro – fez que fossem formuladas rapidamente, habilitando extensas respostas que finalmente não iam ao encontro do núcleo da pergunta proposta.

"O que está em debate são as duas formas de vida: a do capitalismo, que não respeita a Mãe Terra, e a do socialismo, que tenta harmonizar a vida com ela", considerou Morales. A colaboradora do presidente Rafael Correa o ajudava como intérprete, enquanto uma jovem tradutora fazia o mesmo com Chávez, que em todas as ocasiões que teve aludiu a uma opinião de Fidel Castro, dada em uma nota em seu poder. Ali, o líder da Revolução Cubana qualificou de "inglório" o encerramento desse encontro sem um documento de consenso.

Mas no mesmo estrado estava também o vice-presidente cubano, Salvador Ceren, que em tom cansado, totalmente alheio à pressão que impõe o ritmo frenético de uma sucessão de coletivas de imprensa desse evento, detalhou como a revolução da ilha limita as emissões de carbono "ensinando os jovens" a organizar a agricultura. Chávez o interrompeu prometendo contar em um minuto o que ele precisou de dez: como em seu país criam-se "animalitos" (bactérias) que devoram pragas sem necessidade de fumigar, cuidando desse modo do ambiente.

O presidente da Bolívia preferiu conceitos contundentes. "Não se trata só do clima. Trata-se da fome e do racismo. Trata-se dos desvios do capitalismo" . A funcionária equatoriana, enquanto isso, foi mais precisa ainda com o remate de sua intervenção. "Questionamos a falta de compromisso real de reduzir as emissões dos países desenvolvidos. Estão se esquecendo da dívida histórica de contaminação que contraíram". Fora do salão, enquanto isso, buscava-se desesperadamente algum papel que evitasse o encerramento inglório, segundo os termos de Fidel.

Dá-lhe Evo!

do Portal Imprensa
O banqueiro, barão da mídia e latifundiário boliviano Osvaldo Monasterio, proprietário da rede de TV opositora Unitel, teve quase 3 mil hectares de suas terras expropriados (confiscados sem indenização) pelo governo, para fins de Reforma Agrária. Segundo a agência de notícias Associated Press, as terras serão distribuídas a indígenas.

As autoridades alegam que Monasterio obteve os títulos de propriedade de maneira fraudulenta, e os prédios localizados nos terrenos não cumpriam função sócio-econômica. No entanto, parlamentares de oposição consideram que a expropriação teve motivação política.

domingo, 20 de dezembro de 2009

Rumores de golpe atormentam o presidente paraguaio Fernando Lugo


Que não se repita a tragédia de Honduras. Reage Paraguai! Do argentino Página 12, com tradução de Moisés Sbardelotto

O fantasma de um golpe de Estado ainda atormenta o presidente paraguaio Fernando Lugo (foto, da Agência Brasil). Nesta semana, ele voltou a invocar esse problema: desde que assumiu, em agosto de 2008, já tentaram derrubá-lo não uma, mas várias vezes, afirmou. Segundo o ex-bispo, os golpistas de seu país o rondam, estão à espreita.

"Houve numerosas tentativas de golpes de Estado contra mim desde que eu assumi o governo", disse o presidente aos membros do corpo diplomático paraguaio na terça-feira. "Depois de décadas de domínio de um mesmo grupo político, não admira que haja setores que ainda hoje continuam tendo a tentação de interromper o processo democrático", acrescentou.

Mas suas advertências não parecem ser muito ouvidas entre os que se supõe que sejam seus aliados. "Lutamos dia a dia contra o fantasma da instabilidade e da queda", o presidente voltou a insistir na última semana. É que o Partido Liberal, a formação que o levou ao poder, já se retirou, pelo menos na prática, da coalizão oficialista. E seu líder e vice-presidente de Lugo, Federico Franco, deixou claro nesta semana: "Estou pronto para assumir", assegurou o número dois paraguaio. Naturalmente úmido, o clima em Assunção, sob o exemplo de Honduras, parece estar se tornando cada vez mais espesso.

Para alertar sobre essa situação, Najeeb Amado, secretário-geral do Partido Comunista Paraguaio (PCP) e Ernesto Benítez, dirigente rural, foram a Buenos Aires para lançar sua advertência. "No Paraguai está sendo tramado um golpe via institucional a partir de diversas instâncias do Estado, mas particularmente a partir do Parlamento, um pouco semelhante ao que ocorreu em Honduras. O vice-presidente Franco é uma das lideranças visíveis do avanço golpista, e a forma que o golpe poderia adquirir é a de um julgamento político", explicaram Amado e Benítez.

Eis a entrevista.

Sob que argumentos?

Amado – Basicamente três. Primeiro, o sequestro do criador de gados Fidel Zavala, que, desaparecido há 60 dias, mantém toda a velha oligarquia civil e militar clamando que a responsabilidade é de um suposto grupo guerrilheiro chamado "Exército do Povo Paraguaio". Depois, no Parlamento, estão tentando montar um suposto caso de corrupção contra Lugo por causa da compra de umas terras para repartir entre famílias rurais. E, por último, claro, os casos de paternidade.

Com que apoios Lugo conta no Poder Legislativo?

Benítez (olha para Amado) – No Senado, dois senadores, de 45, respondem por ele. E entre os deputados, em uma boa sessão, dois deputados apoiam o presidente.

A Reforma Agrária foi uma das principais bandeiras da campanha do presidente. Avançou-se em alguma coisa na partilha de terras?

Benítez – Em nada. Apresentar um projeto de expropriação no
Parlamento seria uma causa de imediata condenação político.

Dá a sensação de que o governo de Lugo está institucionalmente paralisado.Se não pode fazer nada, qual seria a necessidade de derrubá-lo?

Benítez – O crescimento dos movimentos sociais tornou-se muito grande para as velhas oligarquias.
Amado – No Paraguai, ocorreu uma mudança fundamental, e é a mudança do sujeito político. Mesmo que não tenha se podido avançar com grandes reformas, as antigas camarilhas ligadas ao Partido Colorado e ao Partido Liberal não podem suportar que os movimentos sociais estejam chegando ao controle de certos recursos do Estado.

Qual é a atitude das forças armadas?

Benítez – Apesar de ter removido a cúpula há algumas semanas, o presidente disse claramente: continua havendo bolsões golpistas nas três forças armadas.

Que papel os meios de comunicação estão tendo?

Amado – São uma parte essencial no esforço desestabilizador, com o jornal ABC Color na liderança.

O que Lugo pode fazer para reverter essa situação?

Amado – Ir mais fundo e decidir-se pelos movimentos sociais. Os partidos tradicionais já lhe demonstraram que, chegado o momento, o abandonam.
Benítez – Mas a força do povo é imensa.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

João Pedro Stédile, sobre COP15 e CPMI anti-Reforma Agrária


Leia a seguir artigos de João Pedro Stédile (foto), coordenador da Via Campesina-Brasil, falando de dois temas que mobilizam o país e o mundo.

Copenhague e suas falsas soluções

A Conferência em Copenhague não vem tratando sobre o clima e suas mudanças. Trata, sim, de uma avançada engenharia financeira para a consolidação e expansão do que se convencionou chamar capitalismo verde. Isso se comprova facilmente pela vitória dos mecanismos de mercado sobre as propostas de fundos públicos, pelo avanço dos agrocombustíveis e dos transgênicos resistentes a um clima mais adverso. Tudo construído e legitimado pelo processo decadente da democracia representativa, na qual os povos de todo o mundo, diretamente afetados pelo aquecimento global e as mudanças climáticas, não tem voz.

Entretanto, no Clima Fórum, espaço paralelo ao oficial, foi construída outra perspectiva. A compreensão de que o sistema tem que mudar, e não o clima, foi um dos consensos mais fortes. É necessária uma mudança estrutural em direção a um sistema que não tenha como seu único objetivo a acumulação privada, mas sim as necessidades humanas.

A Via Campesina Internacional, que congrega 148 organizações de 68 países, possui a mesma compreensão. A agricultura industrial capitalista tem imensa responsabilidade nas mudanças climáticas, seja pela utilização intensiva de insumos químicos, seja pela devastação florestal que promove. Somente a agricultura camponesa, com suas agroindústrias e distribuição de seus produtos, pode alimentar a humanidade com base em sistemas agroecológicos, que acumulam carbono e preservam o meio ambiente.

A COP 15 tem como resultado uma colcha de retalhos de falsas soluções. Antes que a humanidade pague a conta destas aventuras capitalistas, a proposta popular de Copenhague precisa ser levada a cabo. Somente quando a humanidade se libertar dos interesses pelo lucro, poderá utilizar sua capacidade para consolidar sistemas urbanos e camponeses sustentáveis. Assim, teremos soluções reais para os atuais problemas ambientais.
(João Pedro Stédile, membro da coord. nacional da Via Campesina - Brasil)

Uma CPMI contra a Reforma Agrária

A burguesia agrária brasileira não tem jeito mesmo. O seu poder econômico, político e ideológico na mídia brasileira, é tão grande, que a deixa cada vez mais prepotente, porém cega e burra.
Vejamos alguns dados da realidade agrária explicitados pelo censo agropecuário realizado pelo IBGE em dezembro de 2006 e recentemente publicados:
- Cerca de um por cento dos proprietários de terra no Brasil, controlam 46% de todas as terras do país.
- Apenas 15 mil fazendeiros, que possuem áreas acima de 2.500 ha, são donos de 98 milhões de hectares (equivalente a 4 estados de São Paulo juntos).
- A concentração de terras no Brasil continua aumentando. E se desnacionalizando. Nos últimos anos as empresas transnacionais compraram mais de 20 milhões de hectares. E junto com a terra, água, minérios, etanol, usinas, madeira e biodiversidade.
- O índice de Gini que mede a concentração de terras no Brasil é de 0,856 e é o segundo país de maior concentração de terras do mundo.
- O Banco Oportunity, por exemplo, que opera recursos de origem norte-americana comprou em apenas três anos, 56 fazendas e mais de 600 mil ha, no sul do Pará.
- A empresa Cutrale, passou a monopolizar a produção de sucos de laranja e conseguiu levar a miséria milhares de pequenos e médios agricultores paulistas que tiveram que destruir nada menos do que 280 mil ha de cultivo de laranjas, nos últimos dez anos. Mas a Cutrale acumulou 60 mil ha, em 36 fazendas. Detém 80% de toda produção de suco do país, exporta 90% e controla 30% do comércio mundial de suco, em parceria com a coca-cola.
- Os fazendeiros vinculados ao agronegócio produzem ao redor de 100 bilhões de reais por ano. Mas estão cada vez mais dependentes do capital financeiro, e para conseguir produzir esse valor, tomam emprestado todos os anos ao redor de 90 bilhões de reais de credito rural nos bancos.
- Essa produção é na verdade fruto do trabalho de aproximadamente três milhões de assalariados permanentes e temporários. É revendida para apenas 20 empresas (a maioria transnacionais) que controlam o comercio de commodities e de insumos agrícolas no Brasil.
- O Balanço dessas 20 maiores empresas que atuam no agro, revelou que elas faturam sozinhas ao redor de 115 bilhões de reais por ano. Ou seja, toda aquela riqueza vai parar nas mãos deles.
- O agronegócio dá emprego para apenas 15% da população economicamente ativa (PEA) os outros 85% trabalham na agricultura familiar. Ou seja, há 18 milhões de trabalhadores rurais adultos, e destes 15 milhões estão na agricultura familiar.
- Do total de trabalhadores adultos que estão na agricultura, 80% fez apenas ate a quarta serie do ensino fundamental, e há 35% de analfabetos.
- A agricultura familiar produz 85% de todos alimentos que vão para a mesa do povo brasileiro. Já o agronegócio produz apenas commodities, ou seja, matérias primas para exportação.
- Cerca de 90% dos proprietários de terra que detem áreas acima de 200 hectares não moram nas fazendas , mas nas cidades. Dos 15 mil maiores fazendeiros, a grande maioria mora em São Paulo e no Rio de Janeiro.
- Graças a essa aliança entre os grandes fazendeiros brasileiros com as empresas transnacionais, o Brasil se transformou em 2008, o maior consumidor mundial de venenos agrícolas. São aplicados nos 45 milhões de hectares, nada menos que 700 milhões de litros de venenos. Apenas seis empresas produzem: Monsanto, Syngenta, Bayer, Basf, Shell.. todas transnacionais. Os agrotóxicos são de origem química. Matam o solo, matam a biodiversidade, contaminam as águas e viram câncer no seu estomago.
- O Brasil é a nona economia mundial em produção de riquezas. Mas está em 75 lugar nas condições de vida da população, e é a sétima pior sociedade do mundo, em desigualdade social.
- Desde a redemocratização, em 1985, foram assassinados no campo mais de 1.600 lideranças de trabalhadores. Destes apenas 80 chegaram aos tribunais, 15 foram condenados e uns 5 mandantes e assassinos estão na cadeia. Todos os demais estão impunes inclusive os autores dos massacres de Corumbiara(1995) Carajás (1996) e Felisburgo (2004).

O que fazer para enfrentar uma realidade tão dura e injusta? Os parlamentares ruralistas que são a fina flora da direita atrasada e burra, decidiram: Vamos convocar uma CPMI, para impedir a reforma agrária!!
Como diria o saudoso Florestan Fernandes, como nos faz falta uma revolução burguesa! Pelo menos.  
(artigo de J.P. Stédile para a edição de dezembro da revista Caros Amigos)

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Fiscalização constata alto índice de trabalho escravo também no Sudeste

por Robson Braga, jornalista da Adital
As fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para identificação de trabalho escravo no Brasil foram, em 2009, além das regiões Norte e Nordeste e possibilitaram perceber que essa forma de exploração humana está diluída por toda a nação. Dos 4.051 trabalhadores/as libertados da condição de escravo em todo o país de janeiro a novembro deste ano, 39% eram explorados no Sudeste, sendo que, em 2008, esse percentual foi de 10%. Os dados foram compilados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Em 2009, 20% das pessoas libertadas da escravidão estavam no Nordeste; 18%, no Norte; 15%, no Centro Oeste; e 8%, no Sul. Por Estado, 749 trabalhadores foram libertados no Rio de Janeiro (Sudeste), 388 em Tocantins (Norte), 386 no Espírito Santo (Sudeste), 379 em Pernambuco (Nordeste), 364 em Minas Gerais (Sudeste) e 288 no Pará (Norte).

Esses valores não significam, entretanto, que o número de casos aumentou ou diminuiu nas regiões brasileiras, e sim, que as fiscalizações focaram mais a região Sudeste, para a qual menos se atentava antes.

Esses valores "não são novidades, o que tivemos de diferente este ano foi o holofote da fiscalização, que se voltou mais para [a região] Sudeste, [os Estados do] Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso", considerou o frei Xavier Plassat, coordenador da campanha de erradicação do trabalho escravo, da CPT.

Um fator que vem permitindo, desde 2007, uma maior atuação do governo federal nas investigações é a participação das superintendências estaduais do Ministério do Trabalho nas investigações. De 2003 - quando foi lançado o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo - até 2007, o país contava apenas com a fiscalização do grupo móvel do MTE.

"Este ano, metade das investigações foi feita pelas superintendências e a outra, pelo grupo móvel. Essa divisão de trabalho permitiu que mais ações pudessem ser desenvolvidas simultaneamente", explicou Xavier.

Para o frei, a fiscalização do governo federal para erradicar o trabalho escravo não dá conta do problema, "que é estrutural". "Libertar escravos não elimina a escravidão, porque devolve o libertado para a mesma condição", afirmou.

Apesar da crítica, Plassat destacou a iniciativa da superintendência do MTE em Mato Grosso, que tem oferecido capacitação profissional às vítimas retiradas do trabalho escravo.

Na avaliação dele, entretanto, o problema da escravidão só será sanado "quando o campo tiver um campesinato consciente, uma agricultura familiar forte e uma reforma agrária de verdade", disse.

Mesmo as fiscalizações - principal ponto da estratégia governamental - "são insuficientes", enfrentam um déficit de equipes, de grupos policiais e "impasses nas concepções do trabalho", acrescentou Xavier. Dos 74 casos verificados no Pará em 2009, por exemplo, apenas 34 foram fiscalizados. Dos 28 no Maranhão, somente dez foram vistoriados.

Os dados também mostram que, dos 4.051 libertados, 47% eram explorados na cana-de-açúcar, 18% em outras lavouras, 14% na pecuária e 6% no carvão. Dos 207 empreendimentos onde se constatou mão-de-obra escrava no país em 2009, 50% compunham o setor pecuarista; 11%, ligados ao carvão; 7%, canaviais; e 14%, outras lavouras.

Condenações

As punições criminais de exploradores de mão-de-obra escrava, que antes eram pontuais, podem ser ampliadas, devido à condenação penal de 28 fazendeiros pela Justiça Federal em Marabá, no Pará. A avaliação foi feita pelo frei Xavier Plassat.

"A condenação é muito emblemática, porque antes não se sabia ao certo de quem era a competência para julgar esses crimes, se a Justiça Federal ou a Estadual. A decisão do STF [Supremo Tribunal Federal] em 2007 atribuiu a competência à Justiça Federal", explicou o frei.

Para Plassat, a "queda de braço" entre os que lutam contra o trabalho escravo e os que o promovem se acentuou em 2009. "O agronegócio faz uma pressão enorme, tentando desqualificar a fiscalização do Ministério do Trabalho. Eles dizem que a política devia ser educativa, e não punitiva, pra deixar o setor em paz", criticou.