terça-feira, 28 de maio de 2013

Um julgamento de ribalta não produz segurança jurídica

Passados meses do fim do espetáculo do julgamento do “mensalão”, fica cada vez mais evidente que o STF sucumbiu à mídia e acabou se tornando o protagonista de uma onda de comoção criada para uso político. 

Por Maria Inês Nassif - Carta Maior
   
A história ainda julgará o Supremo Tribunal Federal (STF) pelo dia 17 de dezembro de 2012, quando a mais alta Corte brasileira concluiu o julgamento do chamado “mensalão”. Nos cinco meses seguintes ao gran finale do show midiático promovido pelos ministros do Supremo durante todo o processo eleitoral, ocorreu uma sucessão de fatos que desmontam várias das condenações dadas aos envolvidos no caso. Existe um vigoroso conjunto de novas provas produzidas pelos advogados e acusados, boa parte delas desconsiderada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e pelo relator da matéria no STF, ministro Joaquim Barbosa, e desmentidos lógicos a premissas importantes do julgamento – que, se houver alguma racionalidade e justiça no julgamento dos embargos dos condenados, poderá resultar na redução de pena de vários deles; e, no limite, pode inocentar os casos mais flagrantes de condenação sem provas, ou a condenação por provas que não eram provas.

Quanto mais o tempo se afasta do rumoroso julgamento do chamado “mensalão”, mais a fragilidade do julgamento fica evidente. Isso não ocorre porque a “fragilidade ficou mais frágil” – apenas porque a opinião pública e os especialistas que passam a ter acesso aos fatos sem a mediação dos meios de comunicação estão mais distanciados da onda de comoção criada nos meses que antecederam o julgamento dos envolvidos numa denúncia feita por um aliado da base do governo, Roberto Jefferson, presidente do PTB, num momento de raiva pela divulgação de uma denúncia contra um seu indicado para os Correios, em 2005. Nesse acesso, Jefferson agravou um crime do qual participou: transformou um caixa dois de campanha – a transferência de dinheiro “frio”, pelas empresas de Marcos Valério, para o seu partido, para pagamento de dívidas de campanha das eleições municipais de 2004 – em uma fantástica história sobre como o Partido dos Trabalhadores comprou apoio dos partidos aliados dentro do Congresso. Jefferson virou réu e desmentiu-se, dizendo que caixa dois não é mensalão. Não adiantou. Foi condenado pelo “mensalão”.

O “mensalão” teve duas grandes ondas de comoção que decidiu os seus destinos: a primeira, em 2005, quando Jefferson botou a boca no trombone. A crise provocada pela mídia, avalizadas por sucessivos pequenos vazamentos da Polícia Federal e do Ministério Público, alimentaram a maior ofensiva oposicionista contra o governo Luiz Inácio Lula da Silva de seus oito anos de governo. Se não fosse Lula resistir ao primeiro impacto dessa amplificação – transformada em fatos altamente relevantes e comprometedores pela mídia (quando necessariamente não eram), jogadas aos partidos de oposição, que instrumentalizavam as informações jogadas ao público sem filtro e por fim tinham sua ação política emocionalizada pela mesma mídia – , ele teria sofrido um impeachment ou renunciado, como sugeriram líderes de oposição em recados mandatos ao governante.

Essa primeira onda foi desmontada por pesquisas de opinião que deixaram claro para a oposição partidária que a popularidade de Lula era um elemento que não havia sido considerado: naquele exato momento, o presidente colhia o reconhecimento amplamente majoritário dos setores mais pobres da população pela ação de seu governo contra a pobreza. Lula apostou nisso e não renunciou. A oposição reconheceu isso e não levou avante o processo de impeachment.

A segunda onda de comoção foi criada no ano passado, às vésperas das eleições municipais, e desta vez teve como um dos protagonistas um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), que julgaria em seguida o chamado “mensalão”. Em maio do ano passado, quando ainda não havia sido marcado o início do julgamento – e existia a hipótese de que fosse adiado, justamente para que a Justiça não contaminasse algo que não lhe é próprio, um processo político – a revista Veja apareceu com uma capa esquisita, em que Gilmar Mendes diz, mas parece que fala a terceiros, que o ex-presidente Lula sugeriu a ele ajuda para adiar o julgamento e, em troca, ofereceu a Gilmar “blindagem” na CPI do Cachoeira, que poderia comprometer o ministro com o esquema do bicheiro de Goiás.

A conversa teria ocorrido no escritório de Nelson Jobim, em Brasília, e a proposta comprometedora ocorrido na copa, quando Gilmar e Lula foram tomar café (sem desprezar pequenos detalhes, para que a matéria pareça mais verídica, a matéria conta que Lula estaria comendo uma fruta quando falava a sós com o ministro do STF). Ninguém atentou para o fato de que, no escritório de Jobim, não existe copa, e não haveria qualquer lugar onde os dois pudessem conversar sem o testemunho do anfitrião. Jobim desmentiu, disse que esteve com os dois o tempo todo, e Lula, em nota à imprensa, disse que Gilmar mentiu – mas prevaleceu o estranho critério jornalístico de que a palavra do ministro do Supremo vale mais do que a palavra de outras duas pessoas presentes ao mesmo encontro.

Embora a história tenha parecido muito mal contada, serviu de pretexto, não apenas para o julgamento, mas para um fingido espírito de corpo que iria resultar numa condenação exemplar para os condenados, mesmo que a condenação ocorresse em cima de fatos que não tinham provas consistentes para isso.

O jogo midiático foi completo: a TV Justiça tornou públicas barbaridades faladas por ministros, amplificadas novamente na mídia tradicional – que, por sua vez, com um corpo de especialistas a postos para analisar o julgamento on line, valorizou de forma invertida decisões muito importantes da maioria do plenário do STF. Em vez, por exemplo, de cobrar do Supremo a aceitação de provas, elogiou o plenário todas as vezes que ele omitiu esse direito aos julgados, a bem da celeridade do julgamento. A questão cívica colocada era condenar rapidamente, antes das eleições, os réus petistas, e não cobrar um julgamento justo para cada um dos julgados. Essa onda teve pouco efeito eleitoral, mas produziu o efeito prático de levar para a ribalta a maioria dos ministros do STF. Nem todos tiveram coragem de ir contra uma onda de opinião pública e uma montagem de espírito de corpo previamente montada justificou a decisão deles.

O julgamento não deve ter sido tão honroso, todavia, para deixar para a história todo o seu relato. A transcrição dos anais das sessões omitiu, por exemplo, barbaridades faladas pelo ministro Luiz Fux, recém-chegado que foi tomado de uma indignação insólita para quem não entendia muito do processo. A pedido do próprio ministro. Outras impropriedades foram tiradas pelos seus pares. No acórdão, alguns fatos apresentados erroneamente por Barbosa como provas do crime, e que na sua cabeça avalizavam a afirmação de que o esquema mexeu com dinheiro público, simplesmente foram omitidos.

O mundo jurídico até agora se manteve à margem desse processo – e a abertura de todos os precedentes trazidos pelo julgamento do “mensalão” é uma insegurança jurídica intolerável. As pressões que se iniciaram pelas bocas de Barbosa e Gilmar Mendes para que o STF proceda às prisões sem julgar os embargos; ou de Barbosa, para que o Supremo simplesmente desconheça os embargos infringentes, não tem nenhuma razão jurídica. Deve ter a intenção de forçar os pares a não rever uma frágil peça jurídica produzida pela maioria dos membros do Supremo Tribunal Federal que não honrará nenhum de seus pares no futuro.

Fonte Carta Maior

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Economia verde e financeirização da natureza


Transformar a atmosfera, o oxigênio, os rios, os oceanos, as florestas, os subsolos em mercadorias já é movimento bastante problemático. Permanecer aceitando que os rumos desse tipo de atividade sejam determinados apenas pelo ritmo da especulação financeira é colocar uma verdadeira pá de cal na já exígua credibilidade do conceito de economia verde.

Carta Maior - Paulo Kliass*
 
Às vésperas de completarmos um ano da organização da tão badalada “Rio + 20”, realizada em meados de junho de 2012, muito pouco temos a comemorar no campo das mudanças efetivas no modelo que determina, de forma hegemônica, as relações econômicas no mundo globalizado.

O clima de grandes expectativas criadas em torno do evento, que deveria propiciar um balanço de 2 décadas após a realização da Conferência da ONU de 1992, foi por demais otimista. Estava claro que tal animação não correspondia à realidade da crise econômica internacional e da quase impossibilidade de que os países mais importantes do mundo avançassem alguns milímetros na direção de um sistema menos comprometedor do futuro da Humanidade.

“Rio + 20” e a economia verde

A polêmica toda se deu em torno da avaliação de supostos avanços ou recuos que poderiam estar contidos nos termos da declaração final do encontro. O famoso documento “O futuro que queremos” sintetizava os limites da costura possível entre as proposições das delegações oficiais e das representações das associações e entidades da sociedade civil organizada. Ora, como toda peça resultante de evento de natureza multilateral, o documento procurava expressar algum grau de consenso, a ser obtido entre as representações diplomáticas participantes, a respeito dos temas em questão. Assim, o fato de incorporar o conceito de “economia verde” foi muito criticado por correntes vinculadas ao movimento ambientalista, ao passo que o fato do termo sempre estar acompanhado da expressão “no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza” era saudado por outros grupos como sinalização de um avanço importante.

O fato concreto é que a Rio + 20 deu-se num contexto de dominação política, social e econômica dos valores associados a um modelo que privilegia a exploração descontrolada e desregulada dos recursos naturais e da força de trabalho, na perspectiva da geração e da apropriação privada dos lucros de tais empreendimentos. Some-se a esse quadro a crença de que a solução do ainda tão idolatrado “mercado” seja sempre o mecanismo mais “eficiente” para a busca das soluções de equilíbrio entre os diversos fatores e atores envolvidos no complexo jogo de interesses do mundo globalizado.

Toda e qualquer avaliação mais realista e dotada de bom senso deveria levar em consideração os limites de tal conjuntura. Infelizmente, havia - como ainda continua a haver - pouco espaço para avanços expressivos no campo dos consensos diplomáticos. Afinal, nem mesmo os Estados Unidos aceitaram assinar o já antigo Protocolo de Kyoto (já referendado por mais de 170 países), a respeito de um compromisso para redução da emissão de gases comprometedores do efeito estufa. De outra parte, é necessário recordar que a maioria dos países se volta atualmente para a China, na esperança de que o ritmo de crescimento do gigante asiático seja o elemento de salvação para a recuperação da economia internacional.

As diferentes interpretações da economia verde

O termo “economia verde” vem sendo utilizado há mais tempo em vários circuitos: ambientalista, empresarial, governamental, organismos multilaterais, meios de comunicação, entre outros. Como toda novidade que ainda não foi devidamente digerida e serve para cobrir um nível de ansiedade social a respeito de tema que não apresenta soluções fáceis a curto prazo, ele ocupa o vácuo e preenche a carência. Assim a expressão é muitas vezes apresentada com uma verdadeira panacéia para todos os malefícios que o capitalismo tem proporcionado para o meio ambiente em escala planetária. No entanto, os problemas associados ao processo de degradação ambiental são muito mais complexos do que aparentam numa abordagem superficial. Não basta apenas adjetivar a dinâmica econômica de “verde” para que tudo se resolva, como num passe de mágica.

Exatamente por isso ainda existem diversas acepções do conceito circulando pelos circuitos que tratam do tema. De um lado, permanecem algumas interpretações ainda bem intencionadas no campo dos que estão sinceramente preocupados com a deterioração do sistema ambiental. De outro lado, porém, estão aquelas proposições que estão mais preocupadas em oferecer uma alternativa estratégica de sobrevivência para as grandes corporações multinacionais. Assim, a economia verde se amplia no largo espectro que vai desde os ambientalistas mais ingênuos até aqueles que defendem os interesses do grande capital em seu permanente processo de acumulação e reprodução.

Mecanismos de financiamento: do Protocolo de Kyoto aos dias de hoje

A realidade do sistema capitalista apresenta uma característica essencial: sua tendência a universalizar o conjunto dos processos sociais e transformá-los em relações mercantis. Com isso, o sistema econômico nos tempos mais modernos passou a incorporar a dimensão do “meio-ambiente” também como mecanismo de acumulação e de dinamização do mercado. As primeiras tentativas concentraram-se no espaço da emissão de gases do efeito estufa (GEE). Tendo por base as alternativas previstas no Protocolo de Kyoto, começaram a aparecer os “créditos de carbono”, que se converteram aos poucos em mecanismo de transação no interior do mercado financeiro. De acordo com as normas previstas, as empresas que diminuíssem sua quantidade de emissão de GEE teriam direito a lançar tais títulos de crédito de carbono. Estas novas modalidades de papéis passaram a ter seus preços cotados e negociados no mercado. Segundo os padrões atuais, um crédito de carbono seria equivalente à redução da emissão de 1 tonelada de dióxido de carbono (CO2). Portanto, em tese, a cotação de crédito de carbono deveria ser correspondente ao custo monetário do investimento necessário para obter tal redução de gases poluentes.

A intenção subjacente é que estaria em marcha um mecanismo para estimular, inclusive em termos de ganhos econômicos, a substituição de processos de produção considerados “sujos” por novos sistemas produtivos “limpos”. Esse tipo de ação passou a ficar conhecido como “mecanismo de desenvolvimento limpo” (MDL) e deveria contar com apoio da ONU para fins de regulação e fiscalização, com o objetivo de evitar que os títulos de crédito de carbono pudessem ser fonte de ações fraudulentas e sem nenhum tipo descontrole. O aumento da quantidade de títulos emitidos e a ampliação da escala de sua negociação terminaram por consolidar um verdadeiro mercado, com uma série de produtos financeiros associados. Os créditos de carbono passaram a ser cotados nas Bolsas de Mercadorias, com preços no mercado diário, no mercado futuro e demais características do mercado financeiro em geral. Em conseqüência, a exemplo do que ocorre com outros títulos similares, eles estão também bastante sujeitos a muita especulação.

A partir dessa experiência inicial, novos títulos de natureza financeira foram sendo incorporados pelas empresas multinacionais, mas ainda não contam com mecanismos de controle ou regulamentação. Trata-se dos papéis de “redução de emissão por desmatamento e degradação evitados” (REED), por meio do qual os conglomerados e seus empreendimentos de larga escala buscam obter retornos financeiros a partir de iniciativas que podem reduzir o ritmo de destruição ambiental. É o caso da diminuição de áreas de floresta ou de regiões com atividades de extração mineral. Os mercados financeiros podem facilitar a realização dos negócios e a obtenção de recursos para os projetos, pois todo o processo ocorre por meio de emissões de títulos que têm um valor definido e que são transacionados nos balcões de negócios em todas as principais praças do mundo. No entanto, o problema é que esses papéis – em tese, associados a atividades de “economia verde” - são operados também com base na especulação, a exemplo dos demais títulos financeiros. Ou seja, trata-se um nicho voltado para o meio-ambiente, mas sem quase nenhum lastro no setor real da economia.

Os riscos da financeirização sem regulação

Em termos mais gerais, o processo de financeirização pode ser compreendido como uma etapa de aprofundamento do processo de mercantilização. Assim, em uma primeira fase, observa-se a transformação generalizada dos recursos naturais, bens, serviços e relações sociais em mercadorias. Tudo passa a ser sintetizado e tratado sob a forma de preços e quantidades, tudo passa a ser analisado segundo a ótica da oferta e da demanda. A mercantilização em larga escala abre novas oportunidades à produção nos moldes capitalistas, ampliando os espaços para os mecanismos de acumulação de capital.

Em um momento posterior, não apenas a transformação em mercadorias se consolida pelo conjunto de setores e áreas da economia e da sociedade, mas também os instrumentos financeiros associados a elas se espraiam pelos mercados. Um dos aspectos que fascina e intriga no processo de financeirização é sua dupla face. De um lado, a capacidade de criar as condições de geração de recursos para as atividades onde esteja envolvido.

De outro lado, a sua capacidade de se tornar autônomo em relação ao próprio objeto que foi a razão de seu surgimento. E assim, ele ganha vida independente nos circuitos e searas dos mercados financeiros primários, secundários, terciários e por aí vai. Nos mercados especulativos espalhados pelo mundo, por exemplo, as cotações dos papéis de carbono caíram mais de 90% entre as vésperas da crise de 2008 e os dias de hoje. Ou seja, um movimento no circuito financeiro que tem muito pouco a ver com a realidade concreta dos setores da economia verde.

A resistência dos interesses do financismo em aceitar critérios mais sérios de regulamentação, fiscalização e controle das operações dos mercados de títulos converte-se em um grande obstáculo. As catástrofes observadas a partir da crise financeira não foram suficiente para tanto. Uma das causas foi, sem dúvida, o exagerado grau de financeirização e o descontrole sobre os mercados especulativos. Assim, a insistência na ilusória “liberdade de ação das forças dos mercados” termina por comprometer qualquer busca mais responsável para criação de mecanismos de financiamento de uma economia verde, que seja sustentável em termos econômicos, sociais e ambientais.

Transformar a atmosfera, o oxigênio, o gás carbônico, os rios, os oceanos, as florestas, os subsolos, enfim a natureza, em mercadorias já é movimento bastante problemático. Permanecer aceitando que os rumos de empreendimentos nesse tipo de atividade sejam determinados apenas pelo ritmo da especulação na esfera puramente financeira é colocar uma verdadeira pá de cal na já exígua credibilidade do conceito de economia verde.

Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Fonte:Carta Maiorhttp://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6105

Leita também: http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/03/quem-ganha-e-quem-perde-com-o-redd-e.html
   

domingo, 26 de maio de 2013

Responsabilidade face ao futuro da espécie humana




Por Leonardo Boff - do Rio de Janeiro em 24/05/2013


Numa votação unânime de 22 de abril de 2009 a ONU acolheu a ideia, durante muito tempo proposta pelas nações indígenas e sempre relegada, de que a Terra é Mãe. Por isso a ela se deve o mesmo respeito, a mesma veneração e o mesmo cuidado que devotamos às nossas mães. A partir de agora, todo dia 22 de abril não será apenas o dia da Terra, mas o dia da Mãe Terra.

Esse reconhecimento comporta consequências importantes. A mais imediata delas é que a Terra viva é titular de direitos. Mas não só ela e, sim, também todos os seres orgânicos e inorgânicos que a compõem; são, cada um a seu modo, também portadores de direitos. Vale dizer, cada ser possui valor intrínseco, como enfatiza a Carta da Terra, independentemente do uso ou não que fizermos dele. Ele tem direito de existir e de continuar a existir neste planeta e de não ser maltratado nem eliminado.

Essa aceitação do conceito da Mãe Terra vem ao encontro daquilo que já nos anos 20 do século passado o geoquímico russo Wladimir Vernadsky (1983-1945), criador do conceito de biosfera (o nome foi cunhado do geólogo austríaco Eduard Suess (1831-1914) que chamava de ecologia global no sentido de ecologia o globo terrestre como um todo. Conhecemos a ecologia ambiental, a politico-social e a mental. Faltava uma ecologia global da Terra tomada como uma complexa unidade total. Na esteira do geoquímico russo, recentemente, James Lovelock, com dados empíricos novos, apresentou a hipótese Gaia, hoje já aceita como teoria científica: a Terra efetivamente comparece como um superorganismo vivo que se autorregula, tese apoiada pela teoria dos sistemas, da cibernética e pelos biólogos chilenos Maturana e Varela.

Vernadsky entendia a biosfera como aquela camada finíssima que cerca a Terra, uma espécie de sutil tecido indivisível que capta as irradiações do cosmos e da própria Terra e as transforma em energia terrestre altamente ativa. A vida se realiza aqui.

Nesse todo se encontra a multiplicidade dos seres em simbiose entre si, sempre interdependentes de forma que todos se autoajudam para existir, persistir e co-evoluir. A espécie humana é parte deste todo terrestre, aquela porção que pensa, ama, intervém e constrói civilizações.

A espécie humana possui uma singularidade no conjunto dos seres: cabe-lhe a responsabilidade ética de cuidar, manter as condições que garantam a sustentabilidade do todo.

Como descrevemos no artigo anterior, vivemos gravíssimo risco de destruir a espécie humana e todo o projeto planetário. Fundamos, como afirmam alguns cientistas, o antropoceno: uma nova era geológica com altíssimo poder de destruição, fruto dos últimos séculos que significaram um desarranjo perverso do equilíbrio do sistema Terra. Como enfrentar esta nova situação nunca ocorrida antes de forma globalizada?

Temos pessoalmente trabalhado os paradigmas da sustentabilidade e do cuidado como relação amigável e cooperativa para com a natureza. Queremos agora, brevemente, apresentar um complemento necessário: a ética da responsabilidade do filósofo alemão Hans Jonas (1903-1993) com o seu conhecido Princípio responsabilidade, seguido pelo Princípio vida.
Jonas parte da triste verificação de que o projeto da tecno-ciência tornou a natureza extremamente vulnerável a ponto de não ser impossível o desaparecimento a espécie humana. Daí emerge a responsabilidade humana, formulada neste imperativo: Aja de tal maneira que os efeitos de suas ações não destruam a possibilidade futura da vida.

Jonas trabalha ainda com outra categoria que deve ser bem entendida para não provocar uma paralisação: o temor e o medo (Furcht). O medo aqui possui um significado pedestre, um medo que nos leva instintivamente a preservar a vida e toda a espécie. Há efetivamente o temor de que se deslanche um processo irrefreável de destruição em massa, com os meios diante dos quais não tínhamos temor em construir e que, agora, temos fundado temor de que nos podem realmente destruir a todos. Daí nasce a responsabilidade face às novas tecnociências como a biotecnologia e a nanotecnologia, cuja capacidade de destruição é inconcebível. Temos que realmente nos responsabilizar pelo futuro da espécie humana por temor do desaparecimento e muito mais por amor à nossa própria vida. Queremos viver e irradiar.

Leonardo Boff é teólogo e escritor.

Fonte: Correio do Brasil http://correiodobrasil.com.br/noticias/opiniao/responsabilidade-face-ao-futuro-da-especie-humana/612751/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=b20130525


sábado, 25 de maio de 2013

Cobertura rala, redações alienadas



Por Luciano Martins Costa em 24/05/2013 na edição 747

Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 24/5/2013

   
O Globo reproduz, na edição de sexta-feira (24/5), resumo de artigo publicado no dia 15/5 na versão digital da revista britânica The Lancet, que os clichês da imprensa chamam de "a Bíblia da medicina". O texto informa que o programa Bolsa Família reduziu a mortalidade de crianças de zero a cinco anos de idade no Brasil, no período de 2004 a 2009.

O artigo, assinado pelos pesquisadores Davide Rasella, Rosana Aquino, Carlos Santos, Rômulo Paes-Souza e Maurício Barreto, está disponível em inglês, gratuitamente, no no site da publicação da publicação, para leitores registrados. Segundo o estudo, o programa social de transferência condicional de renda contribuiu com 17% na redução da mortalidade infantil em todo o Brasil.

Nos 2.800 municípios com maior número de beneficiários, os pesquisadores constataram que houve uma queda de 19,4% no número de óbitos, e uma das conclusões é de que a transferência de renda para a população miserável tem contribuição decisiva para melhorar a expectativa de vida da população em geral, particularmente por diminuir o total de mortes relacionadas à pobreza, como desnutrição e diarreia, além dos casos de problemas respiratórios.

Os pesquisadores consideram que o efeito positivo foi mais forte porque o governo não apenas manteve o programa como aumentou a área de cobertura no período estudado. Com maior visibilidade, as condições de vida da população mais pobre puderam ser melhoradas com outras iniciativas, como a inserção das famílias em programas oficiais de vacinação, acompanhamento pré-natal e outras medidas preventivas.

O artigo também observa que, mesmo um subsídio de baixo valor, como é o caso do Bolsa Família, produz efeitos significativos porque representa um reforço substancial, proporcionalmente à renda das famílias mais vulneráveis. Por outro lado, os pesquisadores consideram que foi possível produzir um estudo consistente pela grande disponibilidade de informações de qualidade adequada em muitos municípios atendidos pelo Bolsa Família. Além disso, concluem que a exigência de que os beneficiários do programa levem as crianças regularmente aos postos de saúde e as gestantes façam o acompanhamento pré-natal, como condições para receber a ajuda financeira, teve um efeito educativo de largo espectro sobre as famílias mais pobres.

De olhos vendados

O artigo foi publicado na revista científica há mais de uma semana. O Globo foi o único dos grandes jornais a dar algum espaço para o assunto, que foi tema de seminário em Brasília na quinta-feira (23/5). De modo geral, a imprensa tem evitado confrontar os resultados de certas políticas públicas adotadas a partir de 2003, como o Bolsa Família, a diplomacia menos dependente dos Estados Unidos, o fortalecimento dos bancos estatais como estratégia para estimular a concorrência no sistema financeiro, pela oferta de crédito, e outras mudanças que fazem a diferença entre o modelo adotado após o Plano Real e as políticas implementadas na última década.

Mesmo considerando que a mortalidade infantil começou a cair mais fortemente há quinze anos, o que faz justiça a medidas tomadas ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, os jornais não parecem interessados em analisar as políticas sociais. Nem mesmo para reconhecer o trabalho desenvolvido pela falecida ex-primeira dama Ruth Cardoso, que deu uma contribuição fundamental para a compreensão dos efeitos econômicos e políticos de programas sociais: seu livro intitulado Comunidade Solidária: fortalecendo a sociedade, promovendo o desenvolvimento, publicado em 2002, é tido como inspirador de alguns dos autores do Bolsa Família.

Além disso, têm acontecido desde 2006 importantes seminários anuais sobre os resultados econômicos das políticas de distribuição condicional de renda, muitos deles promovidos por um instituto cultural ligado a um dos grandes bancos privados do país, com sucessivas demonstrações de que a orientação social da economia reduz desigualdades e produz mais riqueza do que o modelo inspirado na absoluta liberdade do mercado.

Curiosamente, é o Valor Econômico, principal jornal especializado em economia e negócios, que tem dado mais destaque a essa questão. A imprensa generalista hegemônica segue achando que o Bolsa Família é uma herança das políticas clientelistas tradicionais – sendo que esse cordão umbilical já havia sido cortado por Ruth Cardoso ao oficializar o papel das organizações não-governamentais no desenvolvimento econômico-social.

Agarradas a dogmas do mercado, as redações se alienam da realidade.

Fonte: Observatório da Imprensa

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Professor vagabundo que faz greve deveria ser demitido


 Por Leonardo Sakamoto, no seu Blog


“Vagabundo que faz greve deveria ser demitido.” Algumas poucas vezes me dou ao direito de atualizar e republicar certos textos deste blog. Hoje é o caso. Pois, ouvi no trem, uma senhora reclamando destemperadamente com uma amiga dos professores da rede municipal em São Paulo, que estão em greve que começou no dia 03. Os professores pedem 17% de recomposição inflacionária dos últimos três anos. A prefeitura oferece 10,19% agora e mais 13,43% em 2014. Os sindicatos dizer que esses valores são relativos a outros acordos firmados em outros anos para incorporação de abonos. Mas, mais do que o salário de fome que ganham os professores, o que me interessa neste texto é a forma com a qual os vemos.

Quando escrevi pela primeira vez sobre isso vivíamos a greves dos mestres das universidades federais. E, é claro, essa frase nunca vem sozinha: passeata que atrapalha o trânsito? Cacete neles! Protesto em praça pública? Cacete neles! Onde já se viu? Essas pessoas têm que saber seu lugar.

Sindicatos não são perfeitos, longe disso. Assim como ocorre em outras instituições, possuem atores que resolvem voltar-se para os próprios umbigos e tornar a busca pelo poder e sua manutenção de privilégio mais importante que os objetivos para os quais foram eleitos. Ou seja, tá cheio de sindicalista pelego ou picareta, da mesma forma que empresário corrupto e sonegador. Contudo, graças à organização e pressão dos trabalhadores, importantes conquistas foram obtidas para civilizar minimamente as regras do jogo – não trabalhar até a exaustão, descansar de forma remunerada, ter salários (menos in)justos, garantir proteção contra a exploração infantil. Direitos estes que, mesmo incompletos, são chamados por alguns empregadores de “gargalos do crescimento”.

É esquizofrênico reclamar que não há no Brasil quantidade suficiente de força de trabalho devidamente preparada para fazer frente às necessidades de inovação e produtividade e, ao mesmo tempo, chutar feito caixa de giz vazia as reivindicações de professores por melhores condições e remuneração. Como acham que o processo de formação ocorre? Por osmose? Cissipartição? Geração espontânea a partir dos argumentos fedidos desse povo?

Incrível como muitos colegas, ao tratarem sobre a greve dos professores, chamam sempre as mesmas fontes de informação que dizem, sempre, as mesmas coisas: é hora de apertar os cintos, os grevistas só pensam neles, a economia não aguenta, bando de vagabundos, já para a senzala, enfim. Não existe imparcialidade jornalística. Qualquer estudante de jornalismo aprende isso nas primeiras aulas. Quando você escolhe um entrevistado e não outro está fazendo uma opção, racional ou não, por isso a importância de ouvir a maior diversidade de fontes possível sobre determinado tema. Fazer uma análise ou uma crítica tomando partido não é o problema, desde que não se engane o leitor, fazendo-o acreditar que aquilo é a única intepretação possível da realidade.

Infelizmente, muitos veículos ou jornalistas que se dizem imparciais, optam sistematicamente por determinadas fontes, sabendo como será a análise de determinado fato. Parece até que procuram o especialista para que legitime um ponto de vista. Ou têm preguiça de ir além e fugir da agenda da redação, refrescando suas matérias com análises diferentes. Ou alguém acha que é aleatório escolherem sistematicamente o professor José Pastore para analisar direitos trabalhistas?

Apoio os professores. Apoio os metalúrgicos de fábricas de automóveis. Apoio os controladores de vôo. Apoio os cobradores e motoristas de ônibus. Apoio os bancários. Apoio os garis. Apoio os residentes médicos. Apoio o santo direito de se conscientizarem, reconhecerem-se nos problemas, dizer não e entrar em greve até que a sociedade pressione e os patrões escutem. Mesmo que a manifestação deles torne minha vida um absurdo.

Por fim, estou farto daquele papinho do self-made man cansativo de que os professores e os alunos podem conseguir vencer, com esforço individual, apesar de toda adversidade, “ser alguém na vida”. Aí surgem as histórias do tipo “Joãozinho comia biscoitos de esterco com insetos e vendia ossos de zebu para sobreviver. Mas não ficou esperando o Estado, nem seus professores lhe ajudarem e, por conta, própria, lutou, lutou, lutou (às vezes, contando com a ajuda de um mecenas da iniciativa privada), andando 73,5 quilômetros todos os dias para pegar o ônibus da escola e usando folhas de bananeira como caderno. Hoje é presidente de uma multinacional”. Passando uma mensagem “se não consegue ser como Joãozinho e vencer por conta própria sem depender de uma escola de qualidade e de um bom professor, você é um verme nojento que merece nosso desprezo”. Afe. Daí para tornar as instituições públicas de ensino e a figura do próprio professor cada vez mais acessórias é um passo.

Educação é a saída, mas qual educação? Aquela defendida pelo pessoal do “Amigos do Joãozinho”? Educar por educar, passar dados e técnicas, sem conscientizar o futuro trabalhador e cidadão do papel que ele pode vir a desempenhar na sociedade, é o mesmo que mostrar a uma engrenagem o seu lugar na máquina e ponto final. Uma das principais funções da escola deveria ser produzir pessoas pensantes e contestadoras que podem colocar em risco a própria estrutura política e econômica montada para que tudo funcione do jeito em que está. Educar pode significar libertar ou enquadrar. Que tipo de educação estamos oferecendo? Que tipo de educação queremos ter? Para essa tarefa, professores bem formados e remunerados são fundamentais.

Em algumas sociedades, pessoas assim, que protestam, discutem, debatem, discordam, mudam são úteis para fazer um país crescer. Por aqui, são vistas com desconfiança e chamadas de mal-educadas e vagabundas. Ironia? Não, Brasil.

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/05/23/professor-vagabundo-que-faz-greve-deveria-ser-demitido/



quinta-feira, 23 de maio de 2013

Joaquim e seu estilo


Paulo Moreira Leite em seu Blog

Aos poucos, Joaquim Barbosa autoriza o país a identificar um estilo político.

Sabendo do risco de ser adorado pelos conservadores, que tentam enfeitá-lo com o mito de “menino pobre que mudou o Brasil”, agora reproduzido até pela revista Time (se houve tal “menino pobre” nós sabemos quem ele é, como se chama, de onde veio e o que fez, certo?),

Joaquim achou necessário  colocar-se como pessoa de esquerda.

Apenas por isso declarou que a imprensa brasileira é de “direita”.

Tempos atrás, fez questão de revelar seu voto em Lula e Dilma, lembram?

Sempre de olho no povão, xingou o Congresso e disse que temos partidos de mentirinha. Como isso é sempre chato e incomoda quem lê jornais, mandou dizer que falou como acadêmico.

O método de Joaquim Barbosa para construir seu próprio mito político já é conhecido. Consiste em quebrar regras de convívio democrático e respeito entre instituições. Depois, dá uma volta sobre o próprio passo.

Quem procura, de uns tempos para cá, conseguir um lugar na turma do gargarejo finge que não vê a coerência em determinados movimentos apenas porque são duplos.

Joaquim disse em tom de crítica:

 “O Congresso não foi criado para única e exclusivamente deliberar sobre o Poder Executivo. Cabe a ele a iniciativa da lei. Temos um órgão de representação que não exerce em sua plenitude o poder que a Constituição lhe atribui, que é o poder de legislar.”

Sob a presidência de Joaquim, o Supremo inaugurou uma fase na qual tem feito o possível para diminuir o Congresso e interferir em sua atividade.

O Congresso tentou legislar sobre royalties do petróleo. Foi impedido pelo Supremo. Tentou regulamentar a distribuição de verbas públicas e tempo na TV para partidos políticos – Gilmar Mendes assinou uma liminar. O Congresso quer resolver o que fazer com o mandato de deputados condenados no mensalão, como diz a Constituição. O Supremo manda cassar de qualquer maneira.

Já aposentado, o ex-presidente do Supremo, Ayres Britto, justifica a atuação extrajudicial do STF sem muitos pudores.

Diz que “o experimentalismo” do Supremo se explica pela “inércia do legislador.” Ou seja: com este Congresso lento, sem lideranças (quem sabe preguiçoso e corrupto, não é assim?), o STF se acha no direito de fazer mais do que a lei manda. É a Constituição à moda de Ayres Britto.

Eu acho muito estranho que alguém reclame  da omissão do Congresso semanas depois da aprovação de uma lei crucial  para o bem-estar do país -- a legislação que regula o trabalho doméstico, última herança do regime escravocrata.

Considerando que foi uma legislação criada pelos parlamentares e aprovada por eles, após pressões, manobras protelatórias e ataques de todo tipo, que se prolongaram durante anos, pergunto como alguém pode reclamar do Congresso nesses dias, como se fosse possível esquecer um avanço numa área que se encontrava estagnada desde 13 de maio de 1888.

Ou melhor: entendo perfeitamente porque se fala mal do Congresso por esses dias. Uma pena.

Há outras coisas, também.

Jornalistas que integram a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, que possui tantos profissionais respeitáveis em seu quadro de sócios e dirigentes, resolveram convidar o presidente do STF para uma palestra.

Pergunto se aquele jornalista que deveria chafurdar na lama estará na plateia.

E aquele outro, brother, que ousou perguntar pela serenidade do ministro do STF, e foi advertido que isso era visão de branco?

Podemos imaginar, desde já, o próximo release explicando, mais uma vez, que o ministro falou na ABRAJI como acadêmico, num “exercício intelectual”, numa tentativa de disfarce conhecido, pois poder não faz “análise”, nem “sociologia”, nem “psicologia”.

Poder é poder durante 24 horas do dia.

Se isso fosse verdade, não haveria motivo aceitável para um assessor do STF esclarecer opiniões privadas do seu presidente, concorda?

Não custa lembrar que movimentos temerários de aproximação com posturas autoritárias costumam fazer vítimas entre os companheiros de viagem.

Principal trombone do golpe de 64, Carlos Lacerda não demorou a perder seus direitos políticos.  Articulador civil do golpe, o Estado de S. Paulo tornou-se alvo prioritário da censura.

Depois de apoiar centros de tortura, nossos espertalhões de ontem derramam lágrimas de crocodilo quando falam sobre as revelações da Comissão da Verdade.

Aliomar Baleeiro, udenista que foi golpistas em 1954, 1956 e 1964, acabou a carreira no Supremo,  fazendo arrependidas manifestações a favor os direitos humanos e das liberdades públicas.  Tarde demais – mesmo para limpar biografias.

A questão de Joaquim é aqui e agora.

Em maio de 2013, o ambiente em torno do Supremo é outro. O debate sobre embargos irá abrir, necessariamente, uma discussão que ficou abafada durante o julgamento, em torno de falhas e contradições que ajudaram a produzir penas tão severas.

Será difícil repetir aquele ambiente de unanimidade cívica do ano passado.

Mas Joaquim vai tentar.    

http://istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Delegado da PF responderá a inquérito por apreender equipamentos de jornalista



Durante ação de desocupação de indígenas Terena, delegado Alcídio de Souza Araújo apreende computador e gravador de jornalista. Entidades de classe repudiam ação

Por Daniel Santini e Verena Glass | Repórter Brasil
 
O delegado Alcídio de Souza Araújo, da Superintendência da Polícia Federal de Mato Grosso do Sul, responderá a inquérito interno pela apreensão irregular de equipamentos do jornalista Ruy Sposati no sábado, dia 18, durante ação de desocupação de indígenas Terena em uma fazenda em Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul. Sem apresentar ordem judicial ou dar explicações, o policial determinou a apreensão de um computador, um gravador e lentes para câmara fotográfica, todos retirados da mochila do profissional. O jornalista fazia a cobertura para a página do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), organização que acompanha questões indígenas.

A Repórter Brasil tentou ouvir o delegado, mas ele informou que não poderia dar entrevistas sem autorização do superintendente Edgar Paulo Marcon.  O superintendente, por sua vez, por meio da assessoria de imprensa, informou que ele responde a inquérito sobre o caso e não está autorizado a se pronunciar enquanto não apresentar relatório justificando o procedimento.

A apreensão foi registrada em vídeo: veja no link,  final do texto


Além de responder a inquérito na Polícia Federal, o delegado pode ter problemas em outras esferas. De acordo com o advogado do Cimi, Adelar Cupsinski, a entidade está entrando com representações contra Araújo no Ministério da Justiça, no Ministério Publico Federal (MPF) e na Ouvidoria da Polícia Federal. “As representações são por abuso de autoridade, uma vez que o delegado não tinha ordem de busca e apreensão e feriu explicitamente o direito constitucional do exercício de profissão do jornalista Ruy. Mas também estamos pedindo a abertura de investigações criminais, uma vez que a retenção ilegal do equipamento do repórter pode configurar vários outros crimes previstos no código penal. Num segundo momento, entraremos também com um processo por danos morais e materiais”, afirma Cupsinski. Clique aqui para ler a representação do Cimi.

No MPF, quem acompanha a questão envolvendo os Terena é o procurador Emerson Kalif Siqueira. A reportagem tentou contato nesta segunda-feira, 20, sem sucesso.

Direito à informação
A apreensão de equipamentos do jornalista também provocou reações entre organizações que defendem o trabalho da imprensa. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Mato Grosso do Sul acompanham a questão. O presidente da Fenaj, Celso Schröder, vê com preocupação ações contra jornalistas não só no Estado, mas em todo o país.

“Pessoas incomodadas com atividade jornalística movem-se no sentido de inibi-la, impedi-la. Essas ações têm elementos cerceadores e acontecem em vários níveis no Estado Brasileiro. No Judiciário, jornalistas enfrentam ações para tirar blogs do ar sem praticamente nenhuma possibilidade de defesa. No Executivo, há ações de agentes de estado como polícias federais e policiais militares. Em alguns casos existe uma incompreensão, uma confusão; em outros há má fé. É uma vertente com viés autoritário”, afirma.

“A ideia de impedir que a informação circule a partir de uma ação de autoridade é perigosa e precisamos reagir a isso. No Brasil está aumentando o número de morte e violência contra jornalistas. E, enquanto em outros países a violência está relacionada à cobertura de guerra ou policial, no Brasil ela aparece na área política. Quando o trabalho do jornalista é considerado impertinente, a autoridade o inibe. Isso é uma ameaça ao Estado de Direito. Se olharmos países como México, Colômbia e Honduras, estados paralelos se estabeleceram a partir da impressão que a imprensa precisava ser calada, que aquilo que se produzia não era do interesse de determinados setores”, completa, para finalizar:

“Não combatemos mau jornalismo com não jornalismo. Bom jornalismo é aquele livre. Tem que ser regrado, submetido a princípios republicanos, legais, porque ninguém está acima da lei, mas em que os jornalistas tenham liberdade para trabalhar”.

Entenda o caso

A operação em que o jornalista teve equipamentos apreendidos aconteceu na Fazenda Buriti, em Sidrolândia (MS), a cerca de 70 km de Campo Grande (MS). Conforme determinação judicial,  600 famílias Terena devem ser retiradas do local. Além da Polícia Federal, também foram destacadas para ação a Tropa de Choque da Companhia Independente de Gerenciamento de Crises (Cigcoe) e a Polícia Rodoviária Militar

Os indígenas alegam que a área faz parte da Terra Indígena Buriti, declarada em 2010 como de ocupação tradicional pelo Ministério da Justiça. Em nota sobre a reintegração em si, a assessoria de imprensa da Polícia Federal reitera a necessidade de cumprir a determinação judicial, e alega que o Cimi prejudicou as negociações. “As diversas reuniões ocorridas com lideranças indígenas em busca da solução pacífica da crise não chegaram ao resultado esperado, especialmente em razão da presença de indivíduos estranhos  à comunidade indígena, que se apresentaram como sendo representantes do CIMI e da COPAI/OAB/MS [Comissão Permanente de Assuntos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil / Mato Grosso do Sul], apontados pelos próprios indígenas como os motivadores do agravamento da ocupação e os estimuladores da desobediência à ordem judicial vigente”, diz o texto. Leia na íntegra.

Não é a primeira vez que o delegado Alcídio comanda uma operação contra indígenas Terena. Em 2010, em Miranda (MS), ele esteve à frente da negociação frustrada de desocupação, que resultou em uma ação violenta com uso de bombas de efeito moral e disparo de balas de borracha. O episódio também foi registrado em vídeo, confira:

Fonte: Repórter Brasil. Veja os vídeos no link.

http://reporterbrasil.org.br/2013/05/delegado-da-pf-respondera-a-inquerito-por-apreender-equipamentos-de-jornalista/

Leia também: http://www.brasileducom.blogspot.com.br/2013/05/governo-contra-os-indios.html:

terça-feira, 21 de maio de 2013

Governo contra os índios

Dalmo de Abreu Dallari*

Uma vez mais – e agora com a colaboração ativa de setores do governo federal – está em curso uma tentativa de negar cumprimento às determinações constitucionais de reconhecimento e proteção dos direitos das comunidades indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, para entregar essas terras aos investidores do agronegócio. O dado novo é que a iniciativa ostensiva da nova investida contra os direitos indígenas vem da cúpula do governo federal, que é justamente o principal responsável pela defesa desses direitos, por expressa e muito clara determinação constitucional. É oportuno lembrar que a última tentativa de retirada da proteção desses direitos foi feita por meio de uma proposta de emenda constitucional, a PEC 215, de autoria de um deputado do estado de Roraima, que, absurdamente, pretendia transferir para o Legislativo a tarefa, essencialmente administrativa, de demarcação das áreas indígenas. Essa tentativa não prosperou, por sua evidente inconstitucionalidade e pelo reconhecimento da absoluta impossibilidade prática de incumbir o Legislativo de realizar tarefas para cuja execução ele não tem qualquer preparo nem as mínimas condições práticas.  A denúncia desse absurdo criou um obstáculo para o avanço daquela proposta.

Agora a investida dos interesses do agronegócio sobre as terras indígenas vem, surpreendentemente, da cúpula do Poder Executivo federal. Quem aparece como propositora de um novo tratamento da questão da identificação e demarcação das terras indígenas pelo governo federal é a ministra-chefe da Casa Civil, Gleise Hoffmann, que não tem a mínima familiaridade com o assunto, jamais tendo participado de qualquer atividade com ele relacionado. É também oportuno e necessário lembrar que já existe, na estrutura do governo federal um órgão especializado nas questões indígenas, que é a Funai (Fundação Nacional do Índio), criada pela Lei federal nº 5.371, de 5 de dezembro de 1967, em substituição ao antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que existia desde 1910. Por seu objetivo específico a Funai vem acumulando conhecimentos e experiências no trato das questões indígenas. O que tem sido denunciado há vários anos, sem qualquer efeito prático, é que, certamente por influência de poderosos interesses econômicos e, em decorrência, de poderes políticos, a Funai não tem recebido o apoio necessário para o melhor desempenho de suas tarefas, entre as quais se inclui a demarcação das áreas indígenas, intensamente cobiçadas por investidores do setor agrícola.

É pública e notória a interferência do agronegócio nessa área, já tendo sido objeto de informações pormenorizadas e de muitos comentários a atuação da senadora Kátia Abreu, cuja família é ocupante de grandes áreas rurais no estado de Tocantins e que acumula, ilegalmente, o desempenho do mandato de senadora com o exercício da presidência da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, dando indisfarçável preferência aos interesses dessa área quando eles se opõem aos interesses de todo o povo brasileiro, como ficou evidente na discussão da alteração do Código Florestal, ou a interesses de setores sociais especialmente protegidos pela Constituição, como é o caso das comunidades indígenas. Inúmeras vezes tem sido alegada a insuficiência dos meios de que dispõe a Funai para o cumprimento, pelo governo federal, da obrigação constitucional de demarcação das terras indígenas, estabelecida no artigo 231 da Constituição de 1988. O que se tem deixado muito evidente é que há anos não são dados à Funai os recursos de que ela necessita, ficando muito claro o propósito de utilizar a inoperância da Funai como pretexto para transferir a outros setores do governo (ou de fora do governo, como se viu pela PEC 215) a tarefa de reconhecimento e demarcação das áreas indígenas, com o indisfarçável objetivo de redução substancial da extensão dessas áreas.

Pela proposta agora encampada pela ministra-chefe da Casa Civil, no processo de identificação e demarcação das terras indígenas deverão ser considerados, com especial atenção, dados do Ministério da Agricultura e do Ministério das Cidades, parecendo haver a intenção de colocar em plano secundário a Funai, que se limitaria a fornecer laudos antropológicos. Um ponto que causou estranheza foi o deslocamento do assunto da área do Ministério da Justiça, ao qual a Funai está vinculada, para a Casa Civil. Nada impede que outros órgãos do governo federal sejam consultados e forneçam informações à Funai, mas esta, por sua natureza, por sua organização e pela experiência acumulada, é que deve ter a principal responsabilidade no cumprimento do encargo de dar efetividade a essa obrigação constitucional do governo da República. Espera-se que o ministro da Justiça tome conhecimento das intenções da Casa Civil e que use sua influência para que a Funai receba mais recursos e, com a colaboração de outros setores do governo, acelere o processo de demarcação das áreas indígenas.

*Dalmo de Abreu Dallari é jurista. - dallari@noos.fr
Fonte: Jornal do Brasil online
http://www.jb.com.br/sociedade-aberta/noticias/2013/05/10/governo-contra-os-indios/

Leia também :
http://www.unmultimedia.org/radio/portuguese/2013/05/comeca-o-forum-permanente-da-onu-sobre-questoes-indigenas/

Veja o vídeo da violência do Estado... 

Redução da maioridade penal - Parte 2

13/04/2013 - Leitura para diminuir pena?
- Por Caipira Zé do Mér em seu blog ImprenÇa

Crédito da foto: C.O.D. Library
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acaba de autorizar a remição de pena através de leitura e estudo.

A ideia é aplicar a mesma lógica da remição de pena pelo trabalho, educando os presos.

A questão é controversa {é?}, mas não é novidade no país.

Conforme o próprio documento oficial {não acredite em mim, veja aqui}, a medida já foi implementada no Paraná, Piauí, está para ser validada em Goiás e em Santa Catarina.

A medida, em realidade, começou pontualmente por arbitrariedade de alguns juízes.

O resultado foi tão positivo que deu início a um projeto nacional e tem regras. Ou seja, não basta que o sujeito diga que leu.

Como nas escolas, o preso deverá fazer uma redação ao término de 21 dias. Será uma resenha a respeito do livro.

V – O preso participante do Projeto receberá orientações para tal, preferencialmente, através de Oficinas de Leitura, sendo cientificado da necessidade de alcançar os objetivos propostos para que haja a concessão da
remição de pena, a saber:

a) ESTÉTICA: Respeitar parágrafo; não rasurar; respeitar margem; letra cursiva e legível;
b) LIMITAÇÃO AO TEMA: Limitar-se a resenhar somente o conteúdo do livro, isto é, não citar assuntos alheios ao objetivo proposto;
c) FIDEDIGNIDADE: proibição de resenhas que sejam consideradas como plágio. {não acredite em mim, veja aqui - PDF}

Vale lembrar que a lógica utilizada é a mesma da remição de pena pelo trabalho.

Um mês de leitura equivale a menos 4 dias de pena. Isso, claro, se a resenha seguir as regras acima.

Mas antes que o pessoal indignado tenha tempo para isso, vejamos os fatos.

Qual o grau de escolaridade dos presos? {se você quer saber mais do censo penitenciário, veja o post “Redução da Maioridade Penal: Bom ou ruim? – Parte 1 - Dados“ [http://www.imprenca.com/2012/11/reducao-da-maioridade-penal-bom-ou-ruim-parte-1-dados.html] }

A verdade é que a remição de pena pelos estudos já está amplamente aceita {não acredite em mim, veja aqui}.

Então fica a dúvida: pode por trabalho, pode por estudo porque não poderia pela leitura?

É importante lembrar {por mais utópico que pareça} que a nossa constituição prevê que as penas sejam forma de reeducação do condenado e não punição pura e simples.

É isso que faz com que a pena de morte seja inconstitucional e a pena máxima seja de 30 anos {esta, em minha opinião poderia ser revista para, por exemplo, 40 anos, posto que a expectativa de vida tem subido a cada ano}.

Porque a ideia é que o preso seja recolocado na sociedade e não volte a cometer crimes.

É importante ressaltar que boa parte dos que acham que preso não é ser humano é parte considerável do problema.

Sem querer cair {mas já caindo} no dilema ovo e galinha quando boa parte da população pensa desta forma o preso que já cumpriu pena fica impossibilitado de ingressar no mercado de trabalho e acaba, por consequência, voltando a cometer crimes.

Mas ler?!

Sim, caro leitor, ler.

A sociedade brasileira já faz da leitura parte importante do processo educacional.

Senão vejamos:

Não há nos vestibulares parte importante baseada apenas e tão somente na leitura?

Não há leitura obrigatória nas escolas?

Não há campanhas públicas de incentivo à leitura?

Não há incentivo fiscal aos livros?

Então parece-me legítimo que a remição de pena seja feita através da leitura.

Ah, mas o preso vai preferir ler um livrinho a estudar, seu caipira!

Primeiro é preciso se questionar se isso é mesmo real.

Você, pensando no seu futuro, preferiria ler ou graduar-se? Ambos?

Ótimo, eu também! E o preso também!

Sempre é bom lembrar que o preso que acaba se formando tem remição ainda maior da pena:

§ 5o  O tempo a remir em função das horas de estudo será acrescido de 1/3 (um terço) no caso de conclusão do ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento da pena, desde que certificada pelo órgão competente do sistema de educação.(Incluído pela Lei nº 12.433, de 2011) {não acredite em mim, veja aqui}

É mais inteligente, portanto, formar-se.

Os ganhos diretos para a sociedade são diversos.

Mais gente escolarizada, maior a chance de ingresso no mercado de trabalho, reduzindo as chances do preso voltar a cometer delitos.

Além disso, o tempo remido fica atrelado ao comportamento do preso dentro dos presídios, conforme a mesma disposição:

Art. 127.  Em caso de falta grave, o juiz poderá revogar até 1/3 (um terço) do tempo remido, observado o disposto no art. 57, recomeçando a contagem a partir da data da infração disciplinar. (Redação dada pela Lei nº 12.433, de 2011) {não acredite em mim, veja aqui}

Indiretamente a remição ajuda a reduzir os custos carcerários, considerando os prejuízos causados pelas faltas graves {rebeliões, etc.}.

Diretamente a remição ajuda a cumprir o que diz a constituição ou seja, ajuda a reabilitar os presos.

Fonte:
http://www.imprenca.com/2013/04/leitura-para-diminuir-pena.html

Leia também:
- Redução da maioridade penal-Bom ou ruim? - Parte 1 - Dados - Caipira Zé do Mér

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Redução da maioridade penal. Bom ou ruim? - Parte 1

06/11/2012 - Parte 1 - Dados
- Por Caipira Zé do Mér em seu blog ImprenÇa

De tempos em tempos a sociedade ganha tons de cinza {é para aproveitar o hype, liga não} e incita medidas, digamos, duvidosas, ainda que para a maioria seja algo óbvio.

Crédito: Dav’ Carton – I Love this Picture
O problema do óbvio, no entanto, quando estamos na política, é que ele em geral leva em conta coisas não-tão-óbvias e acaba por cair no poço fundo do clichê {normalmente “universidade do crime”, “político corrupto é pleonasmo”, entre outras pérolas}.

Para falar de violência e, principalmente, para falar de maioridade penal, é preciso antes ter em conta alguns dados.

Aquele velho choque de realidade que costuma tirar o clichê das discussões, não é mesmo?! Pois vamos a eles…

Os dados mostram que há déficit de vagas no sistema prisional brasileiro

{não acredite em mim, veja aqui – Conselho Nacional de Justiça}

Ok, dirão os mais espertos, “vamos parar de prender, porque não há espaço prisional?”.

E a resposta vem em forma de outra pergunta: Há mesmo tanta gente precisando ser presa? Um exemplo básico, apenas para apimentar a discussão: A lei de drogas diz que usar não é passível de cadeia. Mas traficar sim.

Contudo, a lei não determina uma quantidade exata que delimite o uso do tráfico {e nem seria justo, posto que cada organismo é um e que as quantidades utilizáveis podem variar de ser humano para ser humano}.

Daí que um ser humano branco, classe média alta, parado numa blitz da lei seca, é descoberto com uma porção de cocaína e outra de maconha.

Daí que outro ser humano, negro, classe pobre, parado numa blitz da lei seca, é descoberto ao mesmo tempo, em outro canto da cidade, com uma porção de cocaína e outra de maconha. {a vida é assim, tem dessas coincidências, que bom, facilita o texto}

Caberá aos policiais decidirem quem é traficante e quem é usuário
Num mundo perfeito, ambos seriam usuários {ou ambos seriam traficantes, num mundo tragicamente perfeito}.

No mundo real, os dados mostram quê:

Segundo Timothy Ireland, representante da área educacional da Unesco no Brasil, dados do Ministério da Saúde indicam no perfil da maioria dos presos no Brasil, são de jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa escolaridade, são 73,83% do total da população carcerária.

Mais da metade 66%, não chegaram a concluir o ensino fundamental. {não acredite em mim, veja aqui}

Não se preocupe, foi só uma coincidência ilustrativa. Seguimos.

A questão em questão {eu adoro quando repito essas palavras, dá um quê de não sei quê que parece chic!} são os jovens que são presos. Ou melhor, deveriam ser. Ou melhor, não deveriam. Enfim, questão confusa.

Dados da FEBEM - Fundação Casa, mostram quê:

Reincidência na Fundação Casa cai para 22%
O percentual é bem inferior aos 29% de reincidência observados até o ano passado nas unidades da antiga Febem.


O índice total de reincidência em todas as unidades da Fundação Casa é de 22%, taxa sete pontos percentuais menor em comparação à da antiga Febem. {não acredite em mim, veja aqui}

Uma simples reestruturação do sistema ‘prisional’ infanto-juvenil {na Fundação Casa são aceitos seres humanos da alta sociedade a partir de 12 e no máximo 18 anos} foi capaz de diminuir a reincidência {essa é aquela palavra difícil que, no fundo, no fundo, quer dizer: jovens que voltaram a fazer caquinha e foram pegos de novo} destes bípedes, em 7%.

Uma pesquisa pouco aprofundada, mostra o perfil dos que estão abrigados na Fundação Casa {SP}:




{não acredite em mim, veja aqui – Fundação Casa – PDF}

Vamos interpretar os slides?
51% dos internos morava só com a mãe
57% das mães eram trabalhadoras não qualificadas {e, portanto, com baixa renda familiar}

A média de idade é de 16,7 anos.

Ou seja, trocando em miúdos, estão lá os que eram filhos de mães que ganhavam pouco.

Ou seja, a grande maioria é pobre, mesmo. {Pode me chamar de gênio, mas é importante clarificar o óbvio}.

Agora quais são os dados de violência entre os jovens?

(…) Tal é o peso das causas externas que em 2010 foram responsáveis por 53,2% – acima da metade – do total de mortes na faixa de 1 a 19 anos de idade. {não acredite em mim, veja aqui – Mapa da Violência 2012 – PDF}

E daí? –  pergunta o ser humano que agora perde seu tempo com essas linhas. Pois é. Daí nada, chega de perfumaria, vamos ao que interessa: {não acredite em mim, veja aqui – Censo Penitenciário}

Oras bolas, amiguinhos, se o problema é a Juventude Transviada {EPA!}, o normal seria uma maioria de presos próximo aos 18 anos, certo?

Mas a realidade {sempre ela…} cai sobre nossos colos e nos mostra que a grande maioria dos presos está entre 29 e 34 anos.

É claro, que quando você coloca no jornal a frase: “maioria dos presos têm entre 18 e 34 anos” você não está mentindo… Só que também não está falando a verdade.

O mundo real, bem diferente daqueles casos isolados mostrados na televisão, mostra que há jovens de 16,7 anos {note o 0,7} acomodados na Fundação Casa.

E os dados prisionais mostram presos com média de idade de 30 anos.

Isso pode significar duas coisas:

Os jovens entre 17 e 28 anos são excelentes em esconder provas e, por isso, não são maioria entre os presos;

Os jovens entre 17 e 28 anos não são número relevante na produção da violência e, portanto, não justificam uma redução da maioridade penal.

Aqui falamos apenas dos dados práticos, do porquê não se justifica tal medida.

Na Parte 2, que publicaremos amanhã, falaremos dos riscos da medida.

Fonte:
http://www.imprenca.com/2012/11/reducao-da-maioridade-penal-bom-ou-ruim-parte-1-dados.html

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

domingo, 19 de maio de 2013

Liberdade de expressão para os outros


Por Paulo Moreira Leite, em seu  blog:

Não é de hoje que nossos políticos descobriram que toda medida capaz de agradar os interesses da mídia é uma ótima maneira de receber um bom tratamento em reportagens e entrevistas.

Em véspera de uma campanha eleitoral, esse costume salta à vista.

Jornais e TVs protegem personalidades com as quais têm uma identidade política e ideológica.

Seria muito natural, não fosse a obsessão de nossos jornais e revistas em denunciar a “troca de favores” entre políticos como uma espécie de crime permanente de nossa vida pública.

Mas o toma lá dá cá também envolve questões que interessam à mídia como negócio.

É isso que move a discussão atual sobre direito de resposta, analisada com maestria por Jânio de Freitas em sua coluna na Folha.

Em debate no Congresso, a regulamentação do direito de resposta concentra, hoje, os últimos direitos da sociedade diante da imprensa.  Depois que o Supremo deu um brinde aos donos de jornal,  eliminando a Lei de Imprensa sem nada colocar no lugar, quem se considera prejudicado por uma reportagem deve ir à luta na Justiça Comum.

Eu acho um pouco estranho.

Com direito legítimo a usufruir de garantias especiais  – pois sua atividade envolve a liberdade de expressão e não se confunde com plantio de batatas ou venda de biscoitos –, não se compreende por que jornais e jornalistas não querem incluir personagens frequentes de sua atividade – as vítimas de  erros de informação --  neste universo diferenciado.

Levando este raciocínio às últimas consequências, uma pessoa poderia concluir que se acredita que a liberdade de imprensa existe para servir aos jornais e jornalistas – e não a toda sociedade.

Em sua última versão, que alterou a essência de um projeto original, do senador Roberto Requião, o resultado é acentuar a banalização dos erros da mídia, garantindo aos jornalistas o conforto de responder a um processo nos ritmos longos, quase infinitos, do sistema judiciário.

É errado.

Toda pessoa que já foi vítima de um erro da imprensa sabe que o direito de resposta é o único instrumento para uma pessoa esclarecer uma ofensa a sua honra e a sua imagem.

Você pode até entrar na Justiça, condenar o jornal e, se tiver sorte e bons advogados, receber um bom dinheiro.

Mas este processo levará anos para ser concluído – tempo suficiente para que a mentira finque raízes na memória  das pessoas e todos já tenham se esquecido do episódio quando a sentença for assinada.

Jânio repara que o novo projeto repete uma velha exigência, de garantir que o direito de resposta tenha o mesmo espaço e a mesma localização da noticia anterior. É a melhor garantia que só haverá reparação para notinhas, observa, com sagacidade.

A questão central no jornalismo não é espaço, mas tempo.  A atividade funciona na velocidade, que define a disputa por sua mercadoria mais importante – o furo.

Se a notícia é sempre para ontem, a correção deve ser para hoje – no mínimo.

Não é difícil. Minha experiência em redações ensina que basta uma consulta honesta e isenta às partes envolvidas que 99% das histórias podem ser esclarecidas em 24 horas.

Da mesma maneira que um editor publica uma reportagem – questionando os dados dos repórteres, conferindo versões e assim por diante –, é possível fazer a engenharia reversa da notícia e apurar se houve um erro, quando foi cometido, e garantir que o distinto público seja informado.

Um outro aspecto é interno à  profissão. Jogar uma resposta para as calendas é a melhor forma de colocar a sujeira embaixo do tapete.

E isso estimula o sentimento de impunidade,  primeiro passo para alimentar a arrogância – e novas injustiças -- de toda corporação que não precisa prestar contas de seus atos.

Numa experiência como jurado do Prêmio Esso, assisti à vitória de uma reportagem que, menos de uma semana depois de ter sido publicada, já fora desmentida em vários aspectos. Nem a foto principal  correspondia ao que estava escrito na legenda.

Ninguém sabia disso, entre os jurados, mas a informação acabou chegando a nós durante os debates, antes da premiação ser resolvida.

Candidata ao prêmio nacional, após muito debate interno a reportagem foi rebaixada. Ganhou um prêmio regional. Ou seja: bem ou mal, foi vitoriosa numa disputa daquele que era considerado o mais importante prêmio da imprensa brasileira. Chato, né?

Leia também : "O dia em que adoramos ver a TV Globo" e veja no texto de abertura como o STF ajudou enterrar o direito de resposta.

http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/11/o-dia-em-que-adoramos-ver-tv-globo.html


sábado, 18 de maio de 2013

Banda larga democratizada será pá de cal no bloqueio à informação



Virá o momento em que informações urgentes não passarão mais pelos grandes meios para chegar ao público. Em São Paulo, a prefeitura anuncia o acesso gratuito à internet nas ruas, passo decisivo para o avanço da democratização das informações.

Laurindo Lalo Leal Filho*

 
Artigo publicado originalmente na ‘Revista do Brasil’ – edição de maio de 2013

Em 1994, o respeitável jornal inglês “The Guardian” atirou no que viu e acertou no que não viu. Em um exercício premonitório encartou numa de suas edições alguns exemplares do que poderia ser o jornal no então longínquo ano de 2004.

A novidade, além do tamanho reduzido, era a personalização das informações. Através de um banco de dados, o jornal saberia exatamente quais eram os interesses de cada um dos seus leitores os quais, através de um cartão magnético, imprimiriam um exemplar pessoal em qualquer banca.

Havia ainda o requinte de a impressão ser feita em um tipo de fibra impermeável, capaz de resistir a água das banheiras, local onde o jornal poderia ser lido com grande conforto, bem ao gosto dos ingleses.

A forma não vingou, mas o conteúdo personalizado ganhou força através de outro caminho, a internet. Com uma diferença fundamental: o fim da rígida divisão entre emissores e receptores. Papeis que agora são assumidos sem distinção por todos os envolvidos nas trocas de mensagens eletrônicas.

O resultado já pode ser percebido num ainda incipiente mas promissor crescimento da liberdade de expressão pelo mundo. Quem está se dando mal são os grandes grupos empresariais de comunicação, até aqui senhores absolutos da verdade.

Muitos já acusam o golpe, alguns discretamente, outros de forma ensandecida como certos colunistas da grande mídia que têm suas informações e opiniões contraditadas em blogs e nas redes sociais.

Um desses, “José Neumânne Pinto, foi ao Congresso pedir uma ‘lei dura’ para a internet, usando um caso de ofensa pessoal, típico no Código Penal, para restabelecer mecanismos de exceção”, como apontou o site Brasil 247.

Antes dele, nas eleições presidenciais a força da comunicação alternativa já havia sido sentida pelo candidato José Serra. Acostumado a controlar os grandes meios de comunicação com telefonemas para seus proprietários e editores e receber deles total apoio, Serra viu-se diante do contraditório exposto por diferentes blogues, chamados por ele de “sujos”. Era o reconhecimento explicito do poder da nova mídia que veio para ficar.

São inúmeras as notícias censuradas pela velha mídia e que só chegam ao conhecimento de parte do público graças a internet. Por exemplo, por qualquer critério jornalístico as mortes de oito apoiadores do presidente Maduro da Venezuela, logo após as eleições naquele país, seriam notícia. Com detalhamento das circunstâncias em que ocorreram e a completa identificação da vítimas. Mas quem se informou pelo Jornal Nacional nada ficou sabendo como bem mostrou o blogueiro Eduardo Guimarães.

Quando os temas são mais complexos a censura é ainda pior. Basta ver o debate em torno da alta de preços de alguns produtos e os riscos inflacionários. Posições diferentes daquelas que defendem a alta de juros como solução não tem vez na grande mídia.

No auge dessas discussões a ‘Globonews’, numa conversa entre os seus invariáveis comentaristas, colocou durante alguns minutos na tela a legenda implacável: “Dilema da política econômica: inflação ou juros altos”. Qualquer outra opinião estava liminarmente censurada.

A pá de cal nesse bloqueio informativo a que os brasileiros estão submetidos há décadas será dada quando a banda larga da internet se universalizar. Virá o momento em que informações urgentes não passarão mais pelos grandes meios para chegar ao público.

Aliás, quem já está ligado à rede testemunhou isso na notícia da prisão do segundo suspeito dos atentados em Boston, divulgada em primeira mão através do twitter.

Em São Paulo, a prefeitura anuncia o acesso gratuito à internet nas ruas, passo decisivo para o avanço da democratização das informações.

Com isso, parte da profecia do 'Guardian' se concretizará, com o cidadão buscando as notícias de forma personalizada mas sem a necessidade do cartão magnético. Ficam faltando, para os ingleses, computadores e celulares impermeáveis a água da banheira.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial). Twitter: @lalolealfilho.

Fonte: Carta  Maior
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6095


Leia também: http://www.brasileducom.blogspot.com.br/2013/05/projeto-de-lei-da-midia-democratica-o.html


sexta-feira, 17 de maio de 2013

Judiciário trava a Reforma Agrária


Por José Coutinho Júnior
Da Página do MST

O poder Judiciário tem sido um dos principais opositores do processo de Reforma Agrária no Brasil. Além de autorizar ações violentas de despejo contra camponeses acampados e evitar ao máximo a condenação de latifundiários que cometeram crimes contra os trabalhadores rurais, o Judiciário é um dos grandes responsáveis por áreas já desapropriadas, mas que ainda não se tornaram assentamentos devido à trâmites na justiça.

De 531 áreas cujos processos tramitam no Judiciário, 237 estão paradas há anos nos tribunais por “óbice judicial”, uma ação jurídica utilizada para suspender o processo de desapropriação.

No caso das áreas de assentamentos, essa mesma ação geralmente é perpetrada pelos proprietários, ao questionarem o laudo de improdutividade de suas terras,feito pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), e alegando que o valor recebido pela desapropriação é insuficiente.

Segundo o presidente do Incra, Carlos Guedes de Guedes, em declaração ao jornal O Globo, os entraves judiciais dessas áreas custam ao órgão federal pelo menos R$ 485,5 milhões, mais da metade do orçamento anual do Instituto, de R$ 720 milhões. A meta do Incra para este ano é assentar 30 mil famílias, total que poderia ser beneficiado com os imóveis que estão parados nos tribunais.

Tais impasses fazem com que as áreas fiquem com a situação jurídica indefinida por anos. Para Nilcio Costa, militante e advogado do MST, se não fossem esses empecilhos, as desapropriações das áreas seriam rápidas.

“Sem obstáculos, ao receber a petição, o juiz deve imediatamente dar posse ao Incra. Em um ano deveria ser possível desapropriar uma área. Na prática, obviamente isso não ocorre. Há casos de áreas com mais de 10 anos no judiciário”, destaca.

Segundo Joaquim da Silva, da direção estadual do MST em Sorocaba, o Incra pouco faz para pressionar o Judiciário e agilizar a situação dessas áreas. “Na nossa avaliação, quem deveria ter essa articulação com a justiça é o Incra, já que ele é parte interessada. Mas vemos também muito corpo mole por parte dos responsáveis da instituição”.

Acampamentos

Enquanto os impasses no Judiciário continuam, mais de 150 mil famílias vivem em condições precárias nos acampamentos. Joaquim cita o caso do acampamento Santa Maria da Conquista, em Sorocaba.

“Cinquenta famílias acampam em frente à fazenda. Já tivemos oito despejos na beira da estrada. Tem uma área da companhia de luz que é bem em frente à fazenda. Então quando somos despejados da estrada vamos para essa área, e quando tem um despejo da companhia voltamos para a estrada, e por aí vai”.

A área de 700 hectares já foi desapropriada e paga pelo governo federal, mas se encontra desde 2007 na 2ª vara de Sorocaba. O proprietário contesta o laudo de improdutividade do Incra, sendo que a vistoria do instituto demonstrou que as terras estavam abandonadas há nove anos.

Uma reunião de conciliação irá ocorrer no dia 5 de junho para tentar resolver a situação do acampamento. Além desta área, o MST reivindica mais duas áreas na região: a da fazenda Sapituva, e a Ligiane, que desde de 2003 e 2004 se encontram igualmente travadas no Judiciário.

Os Sem Terra acampados vivem de trabalhos temporários e com cestas básicas distribuídas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Joaquim conta que as famílias vivem num clima de tensão.
“É uma agonia muito forte, primeiro porque moramos debaixo de uma rede de alta tensão, que passa pela beira da estrada, de 40 mil volts. É um risco grande que corremos. Segundo porque estamos há anos nessa situação de pressionar por meio de lutas, sermos despejados e refazer o acampamento”.

As áreas citadas por Joaquim são apenas um exemplo de diversas outras situações semelhantes que acontecem por todo país, tendo como principal responsável à forma como o Poder Judiciário lida com a Reforma Agrária. “Todos os processos de vistoria do Incra são questionados, e os juízes tem sido excessivamente cuidadosos em atender os interesses e as ações dos proprietários”, afirma Nilcio.