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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O Congresso Nacional e a Desnacionalização Fundiária


24/09/2012 - Mauro Santayana em seu blog

Há cem anos, sobre um vasto território entre o Paraná e Santa Catarina, uma empresa norte-americana, a Southern Brazil Lumber & Colonization, reinava absoluta.

Com a maioria de empregados norte-americanos, contratados por Percival Farquhar, que pretendia transformar o Brasil em vasta empresa de sua propriedade, a Lumber abatia todas as árvores de valor comercial, da imbuia à araucária.

Todas as manhãs, ao som de um gramofone, os empregados – incluídos os brasileiros – reunidos na sede da empresa, em Três Barras, entoavam o hino norte-americano, The Star-Spangled Banner, enquanto a bandeira de listras e estrelas era hasteada. Ao anoitecer, repetia-se a cerimônia, ao recolher-se o pavilhão.

Ali mandavam e desmandavam os ianques. O imenso espaço em que se moviam os homens de Farquhar estava fora da jurisdição brasileira.

Embora não houvesse sido a única razão do conflito, a Lumber esteve no centro da Guerra do Contestado, um dos mais épicos movimentos de afirmação nacionalista do povo brasileiro. Nele, houve de tudo, dos interesses econômicos de Farquhar e seus assalariados pertencentes às oligarquias políticas, ao fanatismo religioso, em que não faltou uma Joana d’Arc – a menina Maria Rosa morta aos 15 anos na beira do Rio Caçador, lutando como homem.

Enquanto houver nações, a terra, o sangue e a honra continuarão unidos para dar corpo ao que chamávamos pátria, e de que nos esquecemos hoje. 

Quem conhece história sabe que os movimentos internacionalistas, quase sempre a serviço dos impérios, acabam sendo vencidos pelos sentimentos mais poderosos dos povos identificados pela cultura, pelas crenças – e pela língua.

Nós podemos conhecer muitas línguas, mas só saberemos expressar os sentimentos mais fortes naquela que aprendemos dos lábios maternos.

Podemos conhecer todas as paisagens do mundo, mas só nos identificamos com aquelas que os nossos olhos descobriram sob o sol da infância.


Mas há duas formas de pisar o chão pátrio: a dos ricos e a dos pobres.

Isso explica por que os grandes agronegocistas brasileiros estão pressionando o governo e o Congresso, a fim de que sejam abolidas as restrições (já de si débeis) à aquisição de terras nacionais pelos estrangeiros. Eles querem ganhar, ao se associarem aos capitais de fora ou participando da especulação de terras. Calcula-se que mais de um por cento das terras brasileiras já pertençam, e de forma legalizada, aos alienígenas.

A essa enorme área há que se acrescentar glebas imensas, adquiridas de forma subreptícia, e sem conhecimento público, porque os cartórios de imóveis estão dispensados de registrar a nacionalidade dos compradores.


O Congresso está para aprovar a flexibilização das leis que regulam o assunto, ao estender à agropecuária a Doutrina Fernando Henrique Cardoso, que considera empresa nacional qualquer uma que se estabelecer no Brasil, com o dinheiro vindo de onde vier e controlada por quem for, e que tenha sua sede em Nova Iorque ou nas Ilhas Virgens.



Nós tivemos, no século 19, uma equivocada política colonizadora, que concentrou, nos estados meridionais, a presença de imigrantes europeus.


Isso implicou a criação de enclaves culturais que se revelariam antinacionais, durante os anos 30 e 40 do século passado.


Foi difícil ao Brasil conter a quinta-coluna nazista e fascista que se aliava ao projeto de Hitler de estabelecer, no Cone Sul, a sua Germânia Austral. O governo de Vargas foi compelido a atos de firmeza – alguns com violência – a fim de manter a nossa soberania na região.



Só no Piauí, a venda de glebas aos estrangeiros aumentou em 138% entre 2007 e 2010.



São terras especiais, como as do sudoeste da Bahia, que estão sendo ocupadas até mesmo por neozelandeses.



Estamos em momento histórico delicado, em que os recursos naturais passam a ser disputados com desespero por todos.

As terras férteis e molhadas, de que somos os maiores senhores do mundo, são a garantia da sobrevivência no futuro que está chegando, célere.

Nosso território não nos foi doado. Nós o conquistamos, e sobre ele mantivemos a soberania, com muito sangue e sacrifícios imensos.

Não podemos cedê-los aos estrangeiros, a menos que estejamos dispostos a viver contidos em nossa própria pátria, desviando-nos das colônias estrangeiras, cada uma delas marcada por bandeira diferente.

Ao contrário da liberalização que pretendem alguns parlamentares do agronegócio, que esperam um investimento de 60 bilhões na produção de soja e milho transgênicos no país – o que devemos fazer, e com urgência, é restringir, mais ainda, a venda de terras aos estrangeiros, sejam pessoas físicas ou jurídicas.

Do contrário, e em tempo relativamente curto, teremos que expulsá-los, seja de que forma for, e enfrentar, provavelmente, a retaliação bélica de seus países de origem.

É melhor evitar tudo isso, antes que seja tarde.


Fonte:
http://www.maurosantayana.com/2012/09/a-posse-da-terra-e-desnacionalizacao.html

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Partido da Terra: “os prefeitos com mais hectares estão no PSDB"

26/08/2012 - Diário Liberdade da Galícia

O jornal do PCO [Partido da Causa Operária] entrevista Alceu Castilho, jornalista e autor do livro "Partido da Terra, como os políticos conquistam o território brasileiro", que mapeia o movimento dos latifundiários e donos da terra no Brasil.

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Causa Operária: O que te despertou para a pesquisa que resultou no livro?
Alceu Castilho: Eu morei em Brasília entre 2005 e 2007. Eu escrevia para um pool de jornais paulistas. Em 2006, com as eleições para o Congresso, fiz uma série chamada "Câmara Bilionária", a partir das declarações de bens dos deputados eleitos. A série saiu em 2007 e tratava de bens diversos, imóveis urbanos, imóveis rurais, carros, empresas, dinheiro no colchão... e o que mais me chamou atenção foram os dados sobre bens rurais.

Fazendas, gados, empresas agropecuárias. Seja pelo volume, seja pelas curiosidades nas declarações, valores defasados ou hipervalorizados, e a própria extensão de terras. Então decidi fazer um levantamento maior sobre a posse de bens rurais por políticos. Indo além dos deputados federais.

Em 2008 eu decidi começar a análise pelos dados dos prefeitos, incialmente só no Pará. Mas acabei levantando de todos os prefeitos e depois de todos os vices. Foram cerca de 11 mil declarações. Estava feita a base do livro. Em 2010 eu completei os dados com deputados estaduais, federais, senadores, suplentes de senadores, governadores, vice-governadores, presidente e vice-presidente da república eleitos.

Causa Operária: Porque esse nome "Partido da Terra"?
Alceu Castilho: O livro chegou a ter outros nomes. Um deles era o "movimento dos políticos com terra". ... Acabamos optando por esse nome que sintetiza bem a atuação desses políticos. Pois se trata de um movimento suprapartidário que caracteriza os partidos transversais, um conceito utilizado na Itália, em relação a essas causas suprapartidárias.

O título tem como complemento "como os políticos conquistam o território brasileiro". Portanto, a ideia é essa. Eles são como um partido mesmo, com a característica de defender uma causa. A causa da propriedade.

Causa Operária: Você encontrou dificuldade para ter acesso às informações? Encontrou barreiras?
Alceu Castilho: Não. Porque a opção desde o início foi trabalhar com os dados que eles mesmos forneceram. O livro já existiria só com essa base que é pública. Uma coisa que eu gostaria de ressaltar é que é possível fazer muita coisa em termo de jornalismo e mesmo de pesquisa acadêmica a partir de informações que estão por aí. É claro que o livro não trabalha só com esse tipo de informação. Tem outras, mas não é o tipo de coisa que a gente poderia ficar dependendo deles. Imagina se teríamos resposta de 13 mil políticos com relação aos seus bens. Teve uma ou outra dúvida que eu tentei tirar e eles não responderam. Mas apesar de haverem imprecisões ou ausências com relação à declaração de bens é possível dizer que muitos políticos tem certo prazer em ostentar seus bens rurais. Suas fazendas, seus gados. O vínculo é tão grande com essa questão que muitos deles têm sim certo orgulho disso, o que facilita a pesquisa.

Causa Operária: Os dados são confiáveis e o que representam com relação ao território nacional?
Alceu Castilho: Logo no início verifico várias camadas com relação à posse de bens rurais pelos políticos. O primeiro capítulo a gente se propõe a contar a quantidade de hectares que esses políticos possuem. Então, tem uma base de dois milhões de hectares [ha] que é a base mínima. Que está lá declarada por eles mesmos. Em outros casos eles declaram o valor do bem, mas não informam o ha. Cerca de 1/3 dos bens declarados cai nesse ponto. Só que a partir daí eu projeto o que eram dois milhões como facilmente identificados com mais um milhão e tantos mil ha, só de coisas que eles efetivamente declaram, mas não informaram o tamanho. Tem ha nas mãos de empresas que eles declararam as empresas, mas não a terra, assim por diante.

O eleitor não fica sabendo dos detalhes pela justiça eleitoral, mas fiz uma pesquisa para e em cinco casos, como no do senhor Blairo Maggi, já identifiquei um milhão e cem mil hectares. Com apenas cinco políticos. Como eu digo, essa camada vai aumentando e já cheguei a quatro milhões de ha. Isso sem incluir os vereadores que são mais de 50 mil. A gente poderia fazer uma projeção aí também... estou falando então de políticos eleitos em 2008 e 2010. Esses números não contam suplentes de deputados, não contam os políticos que não foram eleitos nesses pleitos... mas estão sempre aí em cargos públicos. Caso por exemplo de Geddel Vieira Lima. O Jader Barbalho embora esteja no senado não entrou no levantamento porque na época estava barrado; e assim por diante. Prefeitos não eleitos no Pará têm mais terras do que os que foram eleitos. A partir daí é possível fazer outra projeção de milhões de hectares nas mãos de políticos brasileiros. Como eu digo, são várias camadas. O que é fato é que eles possuem uma quantidade significativa do território brasileiro.

O primeiro capítulo traz esses números detalhados. Os dois milhões de início, facilmente identificados estão relacionados por partidos, e só isso dá 0,57% da propriedade de terras declaradas no País. Como eu cheguei a quatro milhões e quatrocentos mil só com o que eles declararam em 2008 e 2010, a gente já tem 1,2% do território. E assim vai aumentando. Ou seja, é muita terra. ... Por exemplo, 4,4 milhões de ha é o tamanho da Holanda, da Suíça, é metade de Portugal. Isso não é pouca terra.

Causa Operária: Porque os ocupantes de cargos eletivos?
Alceu Castilho: "Os proprietários da terra no Brasil ocupam o legislativo, invadem o executivo, cultivam o judiciário". O livro trata diretamente do pessoal que foi eleito porque seus dados estão disponíveis. No judiciário as pessoas não são eleitas. Os dados não estão acessíveis. Qual seria a base para investigar? ... E não que o judiciário não apareça. Porque no livro tem várias histórias que mencionam promotores e juízes.

Uma das conclusões do livro é que a gente tem um sistema político ruralista, muito mais do que uma bancada ruralista. Se é sistêmico, há uma conexão entre os poderes, entre as esferas de cada poder... Essa é uma das conclusões centrais a que o livro chega a partir do próprio levantamento de dados.

Causa Operária: Você disse que começou a pesquisa pelo Pará. Por quê?
Alceu Castilho: O Pará é objeto do quarto capítulo que se chama "Pará, onde vale tudo". Foi o objeto inicial da pesquisa porque é o estado com maior conflito de terras no Brasil. É palco de trabalho escravo, de desmatamento, de ameaça a camponeses. É onde mais morrem camponeses no Brasil.

Em muitos desses casos há políticos protagonistas. É um estado enorme, representativo da ocupação da Amazônia, do arco do desmatamento, é para onde está indo o gado e muitas coisas mais, empurradas pelo agronegócio. O Pará sintetiza muitas historias desse país arcaico.

Causa Operária: Como é a posse da terra por partidos políticos?
Alceu Castilho: O livro divide-se em cinco partes. "Território", "Dinheiro", "Política", "Ambiente" e "Excluídos". Em, "Política", o primeiro capítulo se chama "movimento suprapartidário". É baseado em dados das eleições 2008-2010 e mostra que políticos de quase todos os partidos possuem terras e possuem latifúndios....

Os prefeitos com mais hectares estão no PSDB, seguido de perto pelo PMDB - que eu supunha seria o líder por ser o maior partido brasileiro. Estão próximos, mas os tucanos estão à frente... Em terceiro está o PR; em quarto o PT; em quinto o DEM.

Entre os parlamentares o primeiro é o PMDB; o PSDB vai para quinto lugar; o DEM fica em segundo; o PR se mantém em terceiro; e o PDT em quarto lugar. A posição tem a ver com a quantidade de pessoas eleitas também.

A gente conhece mais os figurões do Congresso... mas o PSDB não é tão associado a esse universo rural. Mas mostra que nas prefeituras tem essa base de grotões, de prefeitos latifundiários. Entra no que eu falei do sistema político. A imprensa fala muito das cúpulas e esquece que o País é muito mais amplo do que a opinião do líder do governo, ou líder da oposição de plantão... Os dados mostram que essa capilaridade existe. São esses clãs, são esses coronéis que colocam os presidentes e governadores de plantão como reféns desse sistema político que é patrimonialista, clientelista, etc. no caso, a própria existência do que eu chamo de esquerda latifundiária é mais uma evidência disso.

Nessa lista dos cinco mais só aparece o PDT, desses partidos originalmente de esquerda. Mas temos latifundiários do PT, do PPS, PSB e assim por diante. O PCdoB no levantamento não aparece, mas já teve um latifundiário no Tocantins candidato ao governo, Leomar Quintanilha. Só o Psol não aparece. Além do PCdoB. Isso falando dos partidos com representação, gente eleita nos casos mencionados. Vereador eu não sei. Isso também é
importante deixar claro.

Eu digo que os filhos do MDB tem mais terra que os filhos da Arena. E que existe uma maior tolerância nos dias de hoje com relação aos ruralistas. Eu não acho que a expressão bancada ruralista explique bem. Por isso que falo em política ruralista. Em 1987/88 durante a constituinte isso estava mais definido. Existia uma oposição clara de muitos deputados à bancada ruralista, que a final de contas foi vitoriosa. Mas havia o confronto. Havia até uma demonização de personagens ruralistas. Como Ronaldo Caiado que agora é deputado, na época nem era, mas era o líder da UDR. E hoje não. Hoje eles estão aceitos pelos políticos desses outros partidos, inclusive ditos de esquerda.

Eu conto no livro que o PSB e o PV, o partido socialista e o partido verde, cedem membros da Comissão de Agricultura para o DEM, para partidos de direita... É simplesmente acordo político. Ou seja, os Manda-Chuva desses mega partidos também estão fazendo o jogo dos ruralistas. Não são só o Ronaldo Caiado, a Cátia Abreu e o Abelardo Lupion etc. os nomes mais conhecidos da bancada ruralista. Os braços mais agressivos dos ruralistas.

O sistema é bem mais amplo que essas figuras.

Eles foram incorporados. Houve uma progressiva aceitação, no mínimo por conveniência política. Em nome da governabilidade... Os pactos políticos mostram isso. No momento que um presidente tucano de um partido que já foi efetivamente socialdemocrata governa junto com o DEM e depois vem o PT e governa junto com o PR com o PTB, PP, PMDB, a gente tem uma incorporação da demanda desses políticos arcaicos. Essa "aceitação" então migra para o conjunto da sociedade.

Causa Operária: A incorporação dessa demanda tem a ver, por exemplo, com o governo do PT defendendo o Novo Código Florestal, com o PCdoB...?
Alceu Castilho: Como eu disse o PCdoB nesse levantamento não apareceu como partido com políticos que tenham muitos ha, mas é bem verdade que tem poucos políticos eleitos pelo PCdoB. E o Aldo Rebelo aparece em vários momentos do livro. No capítulo que fala do código florestal, por exemplo.

Aldo Rebelo tem sido um dos maiores aliados dos ruralistas. Ao ponto de podermos defini-lo sim como ruralista. Um ruralista sem-terra.

Nas conclusões do livro cito um caso que presenciei em Brasília. Centenas de manifestantes do MLST [Movimento de Libertação dos Sem Terra] sendo presos no gramado em frente ao Congresso a mando do então presidente da Câmara, Aldo Rebelo. Isso eu vi. Eu estava lá no gramado. Só não fui preso porque era repórter. Todo mundo que estava no gramado foi preso... Caracterizou estado de exceção. Essas pessoas foram levadas para o estádio nacional. Vi crianças e adolescentes baixando a cabeça com policiais falando "entra, senta, abaixa a cabeça", para todo mundo.

Mulheres com crianças de colo... na madrugada ainda passaram frio e fome na delegacia. Tudo isso eu vi. Ninguém me contou. E tudo isso a mando de um presidente de um partido chamado "comunista". Então esse exemplo é preciso para mostrar que ruralista não são apenas as figuras mais tidas como tais. Vai muito além.

Causa Operária: Você poderia destacar algumas histórias do livro?
Alceu Castilho: Em "Território", no capítulo "Pará, onde vale tudo", temos o detalhamento da história do que eu chamo "dono do Pará", o senhor Jader Barbalho. A história de enriquecimento dele é à base de bens rurais e tem a ver com a atuação dele como ministro do governo Sarney, exatamente ministro da Reforma Agrária. Jader Barbalho já foi governador do Pará, presidente do Senado, já foi preso e algemado tem uma história emblemática em relação a essa conexão entre bens públicos e privados.

Na parte "Dinheiro" eu continuo falando de enriquecimento e falo do Renan Calheiros, cujo gado para gente até da UDR, tinha a peculiaridade de ser mais valioso que a média do gado vendido no Brasil, ou em Alagoas na época. Falo da bezerra de ouro de Joaquim Roriz, a bezerra milionária que ele declarou para justificar transações. Em "Dinheiro" falo do enriquecimento.

Na parte "Política", eu cito o exemplo do Abelardo Lupion e toda a história relacionada ao avó dele, Moises Lupion, governador paranaense que foi escola brasileira, especialista em cessão de terras públicas para uma elite latifundiária. Essa elite é também composta por políticos.

Na parte "Ambiente", o livro traz uma lista inédita de políticos madeireiros. Temos alguns casos de prefeitos que foram presos por crimes ambientais. Inclusive por conta de suas madeireiras. Essa parte detalha esses casos de madeireiras e serrarias nas mãos diretamente de políticos.

E a última parte que são os "Excluídos", são três capítulos, e fala dos brasileiros escravizados, mortos e ameaçados, sempre tendo os políticos como fio condutor. Aqui o caso mais emblemático é o que está no final do livro, do senhor Paulo César Quartiero, hoje deputado do DEM, já foi prefeito de Pacaraima, em Roraima que montou uma verdadeira milícia na Raposa Serra do Sol, hoje reconhecidamente terra indígena. Ele como arrozeiro armou uma milícia. O relato do que esse senhor fez em Roraima é impressionante. Ele construiu um arsenal de guerra para combater e ferir índios. E hoje esse senhor migrou como arrozeiro para a Ilha do Marajó, não por acaso no Pará. Então essa história não acaba.

Causa Operária: Qual a relação que o livro estabelece entre a perseguição e morte de camponeses, o trabalho escravo e o chamado partido da terra?
Alceu Castilho: A conexão é direta. Existem conexões indiretas, mas essa é direta. As maiores chacinam no Brasil foram com a atuação da PM. Essa PM agiu a mando de governadores. Que ao contrário do Fleury em São Paulo que ficou conhecido como Marechal do Carandiru, esses governadores não ficaram conhecidos como Marechal do Corumbiara ou Marechal do Eldorado dos Carajás.

Trabalho escravo e morte de camponeses ocorrem e ocorreram ao longo da história do Brasil em terras de políticos. "O cabra marcado para morrer", o famoso do filme, João Pedro Teixeira, paraibano, segundo relatos biográficos foi morto a mando do senhor Agnaldo Ribeiro, avô do atual Ministro das Cidades, que é homônimo dele por sinal.

Eu conto os hectares dos políticos que já foram formalmente acusados de trabalho escravo. São mais de cem mil. São 780 vezes o tamanho da ocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos. E a lei diz que terra com trabalho escravo deve ser desapropriada. Não é à toa que o capítulo sobre isso é o mais gordo do livro. Para contar minimamente cada história de politico envolvido com trabalho escravo.

Existem muitos casos de camponeses mortos e ameaçados em "Excluídos". E os políticos estão diretamente relacionados. Para não falar da conexão indireta. É óbvio. Quando você tem uma CPI da Terra, em 2005, e as pessoas vão a campo investigar os desmandos, a grilagem, as ameaças aos camponeses, fazem um relatório; e chegam os ruralistas e fazem um relatório paralelo condenando os sem-terra... O senhor Álvaro Dias (PSDB) que presidia a CPMI da Terra não colocou a mão na massa... mas ele próprio, junto com Lupion e outros, promoveram um relatório absolutamente vergonhoso, que finalmente foi rasgado em Plenário, pela senadora Ana Júlia Carepa, que se tornaria ela mesma governadora do Pará. As conexões são diretas e indiretas como parte de um sistema político ruralista.

Causa Operária: Como atua esse "partido" de rincões e também do Congresso Nacional e como se dá a questão dos financiamentos de campanha?
Alceu Castilho: Na parte de "Política", existe o capítulo "eleições mais que currais"... A ideia é que as expressões de currais, voto de cabresto contam muito sobre como funcionam o coronelismo, como funciona a perpetuação eleitoral desses proprietários de terra, mas não sintetiza tudo. A gente tem essa fase mais "moderna" do financiamento de campanha por grandes grupos agropecuários. Alguns grupos já foram citados em denúncias de trabalho escravo e outros não. Eu não faço nenhum julgamento, apenas faço constatações.

Tem o caso JBS Friboi, por exemplo, que doou mais de 30 milhões em 2010 a campanhas diversas. Inclusive para a presidente Dilma Rousseff. Aí a gente tem o que eu chamo "bancada da Friboi", que são 48 parlamentares eleitos. Sendo 41 deputados e sete senadores. No ano passado, somente um desses deputados votou contra as mudanças no Código Florestal. É coincidência? O Leitor conclui.

Em 2012 numa votação farsesca do Novo Código Florestal esse número aumentou para três. Mas eu chamo de farsa porque em 2012 a porteira já estava aberta e alguns deputados posaram de defensores do meio ambiente e para fazerem jogo de cena votaram contra. A votação real foi lá de atrás. Quando todos os parlamentares do PCdoB votaram a favor. E assim por diante. A posição do PT era a favor do novo Código Florestal. Mas na hora da eleição quem precisa fazer jogo de cena porque tem um eleitorado supostamente mais progressista, mais de esquerda, faz jogo de cena. Quem não precisa não faz. Simples assim.

Causa Operária: O que você espera com o livro?
Alceu Castilho: Eu espero que o livro contribua para o debate sobre a conexão entre política e questão agrária, e política e questão ambiental. E contribua para o eleitor brasileiro refletir melhor sobre seus votos.

Contribua para que os grupos de pressão ligados a essas questões tenham mais instrumentos para promover esse debate político e tentar fazer frente à esse sistema político excludente, perpetuador de desigualdades, perpetuador de violência.

Leia também:

Fonte: 
http://www.diarioliberdade.org/brasil/consumo-e-meio-natural/30569-partido-da-terra-“os-prefeitos-com-mais-hectares-estão-no-psdb.html

sexta-feira, 6 de julho de 2012

No Mato Grosso, tensão aumenta entre xavantes e latifundiários em terra cobiçada por agronegócio

06/7/2012 - por Felipe Milanez, da Carta Capital (*)
extraído do site Envolverde

No norte do Mato Grosso, um conflito entre índios e fazendeiros por uma terra homologada como indígena há 14 anos, porém quase toda invadida por latifundiários, tem ganhado proporções que perpassam a disputa local.

Nas últimas semanas, especialmente após a Rio+20 e seguida de um acórdão do Tribunal Reginal Federal que garante a posse aos índios, os ânimos foram acirrados e a iminência de violência física aumenta à medida que começa a se esgotar o prazo para o governo federal promover a retirada de não-índios da área.

O território xavante, chamado Marãiwatsédé, está no centro de um eixo de escoamento de soja e gado, onde o governo federal quer asfaltar a BR-158. O traçado ficaria fora da reserva e da Ferrovia Centro-Oeste, que liga as cidades de Campinorte (GO) e Lucas do Rio Verde (MT).

A disputa por este território expõe a dificuldade do governo em controlar os conflitos fundiários na Amazônia. Os pequenos posseiros, tradicionais inimigos dos índios na região, deram lugares aos grandes ruralistas – que se negam a deixar o território. A pressão externa tem provocado divisões internas dos Xavantes, que colocam em risco a vida das principais lideranças. “Nós vamos conseguir, tenho certeza”, diz o advogado dos fazendeiros, Luiz Alfredo Abreu, irmão da senadora Kátia Abreu (PSD-TO), uma das principais líderes dos agropecuaristas no Congresso Nacional.

Eu não tenho medo. Eu quero a terra. Eu morro pela terra”, rebate o cacique Damião Paridzané.

Liderados por Damião, os Xavante realizaram uma série de protestos durante a Rio+20, no Rio de Janeiro, no fim de junho. Auxiliados pela Operação Amazônia Nativa (Opan), foram recebidos pelo Greenpeace no navio da ONG atracado na cidade durante o encontro internacional. O ato simbólico acabou ganhando visibilidade internacional, o que irritou profundamente os fazendeiros.

Problema surgiu nos anos 60
A diáspora de Marãiwatsédé é decorrente da expulsão dos índios da região em 1966, e um dos problemas mais constrangedores do indigenismo no Brasil. Os Xavante foram levados em aviões da FAB para um outro território Xavante localizado 400 quilômetros ao sul, um aldeamento organizado por uma missão católica. Nos primeiros quinze dias, uma epidemia de sarampo matou 150 índios, e os sobreviventes fugiram para outras áreas Xavante, vivendo em uma espécie de exílio interno no País.

Após ser adquirido por uma empresa colonizadora paulista, de Ariosto da Riva, o território Marãiwatsédé passou para as mãos do Grupo Ometto e se transformou no latifúndio Suiá-Missu, com 1,8 milhão de hectares. Depois foi adquirido pela Liquigás e, em seguida, passou para as mãos da empresa italiana Agip Petrolli.

Nessa sucessão jurídica de posse, o esbulho dos Xavante passou em silêncio. Foi na Eco-92 que a situação mudou. O encontro internacional serviu para dar visibilidade, e a Agip foi constrangida, na Itália, por seus atos contrários aos direitos indígenas no Brasil. A sede da empresa decidiu devolver as terras aos índios, mas, no Brasil, o latifúndio foi invadido. Os posseiros e os fazendeiros que hoje ocupam ilegalmente a área chegaram durante esse período.

Cizânia interna faz parte dos Xavante aliar-se aos fazendeiros
Há alguns anos, os fazendeiros invasores ganharam aliados inesperados: alguns guerreiros xavantes, pintados e armados com bordunas, que há alguns anos estavam do outro lado do front. Chamados de “mercenários” pelo grupo indígena, envolve uma questão bem mais profunda de conflitos de poder dos Xavante. Visto de fora, no entanto, esse grupo de dissidentes tem sido considerado parte da “estratégia de Cortéz”, em referência ao “conquistador” espanhol do México, que fomentava divisões internas e alianças com índios rivais para a conquista dos territórios.

No caso, a briga interna acirrada nos últimos anos é entre o cacique Damião e seu irmão, Rufino, expulso da aldeia. Damião, segundo alguns sertanistas da Funai, teria ganho demasiado poder em uma má atuação do órgão indígenista para dirimir as divergências, como acumulando um cargo no órgão e o poder interno. Rufino, uma liderança também importante e que lutou, por anos, pelo retorno ao território, estaria sofrendo graves problemas de saúde – ele já teve uma perna amputada em razão de diabetes. A fragilidade física, junto da falta de espaço na aldeia, e com o território ocupado, teria sido o estopim para a aliança improvável com os posseiros.

Rufino, que também é uma liderança importante, procurou aliados xavante em outras terras indígenas, como Parabubure, São Marcos, e na aldeia Água Branca, fundada por Damião no território Pimentel Barbosa. Alguns desses índios, segundo informações de fontes do local, estariam recebendo 300 reais para participar da mobilização e teriam sido levados em ônibus fretados pelos fazendeiros. “Esses índios estão sendo usados, eles não sabem de nada, só ganharam dinheiro de fazendeiro. Eles não querem trabalhar na área”, acusa Damião.

As reivindicações de Rufino, que não foi localizado pela reportagem, não são claras. Algumas fontes afirmam que ele reivindica as terras do Parque Estadual que está sendo oferecido pelo estado do Mato Grosso, e outras que ele reivindica as terras dos cemitérios antigos.

Acirramento recente
A disputa local entre posseiros, sem terra e fazendeiro contra os índios ganhou, a partir de 2011, ares nacionais. A Confederação Nacional da Agricultura (CNA), junto da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato), passaram a ver a área como prioritária na defesa dos interesses ruralistas. Denúncias do Greenpeace sobre produção ilegal de carne na área indígena, e que seria vendida ao frigorifico JBS, numa campanha em que a ONG não levou adiante, serviu para aumentar a animosidade com os ruralistas. E houve o encontro dos Xavante com o Greenpeace durante a Rio+20.

Enquanto, no Mato Grosso, fazendeiros, posseiros e xavante aliados reunia-se com o governador do estado, em Brasília, a Funai organizava um encontro na Casa Civil com a Polícia Federal e o Incra para definir as estratégias para promover a desintrusão da área. O órgão deve cumprir a decisão do Tribunal Regional Federal de devolver a terra aos índios em 20 dias a partir da publicação do acórdão. No entanto, o advogado Abreu, dos ruralistas, diz que vai recorrer aos tribunais superiores (STJ e o STF). A favor do interesse de seus clientes ele aponta fatos novos, como a recente aliança com a divergência indígena, a tentativa de impugnação de laudo de uma antropóloga e um mapa onde a Funai aponta a existência de aldeias e cemitérios fora da área.

Evocando um costumaz argumento da “pressão internacional”, os ruralistas miram seus argumentos contra o apoio do Greenpeace e as decisões favoráveis aos índios na Justiça Federal: “Esses tribunais regionais e de primeira instancia sofrem pressão de ONGs, desse encontro internacional que foi a Rio+20, sofre a pressão e não estão isentos para julgar. Penso que só os tribunais superiores vão ter a possibilidade de julgar com isenção sem que se sintam pressionados, por esse momento historico que vive o Brasil que é a Rio+20", afirma o advogado Luiz Alfredo Abreu, que entrou no processo ano passado, após dois desastres de aviões que mataram os advogados do caso.

Ainda em 2011, na tribuna do Senado, o senador Jayme Campos (DEM) disse estar preocupado com o “aumento exacerbado” na ampliação e criação de novas reservas indígenas em Mato Grosso: “Meu Deus, onde nós vamos parar? O Mato Grosso vai acabar.” O argumento tenta restringir a capacidade da Funai de demarcar terras. “Sem o controle do Legislativo, áreas indígenas são hoje determinadas, na maioria das vezes, de acordo com a conveniência isolada de militantes sociais e antropólogos, amparados por resoluções, portarias e instruções normativas, não raro arbitrárias ou a partir de critérios dúbios, que trazem como resultado final uma reconfiguração do território brasileiro que nem sempre corresponde à realidade dos interesses nacionais”, avaliou.

Marãiwatséde é área indígena, homologada e garantida judicialmente”, afirma o assessor da presidência da Funai, Aluízio Azanha. “O governo vai cumprir a desintrusão. Primeiro, retirando os grandes fazendeiros que estão lá ilegalmente. Em seguida, os pequenos posseiros que possuem direito a reforma agrária”. A Funai também estaria se mobilizando para desarticular a divisão interna dos Xavante, que estaria sendo utilizada pelos ruralistas. “Marãiwatsédé é terra indígena mais desmatada do país. Não é possível falar em produção quando não se respeita a legislação. Isso é insustentável”, afirma Azanha.

Os xavante são os maiores latifundiários do mundo”, afirma Abreu. “Eles têm 1,5 milhão de hectares no Mato Grosso, isso dá 26 mil hectares por família”. Afirmando que a terra está demarcada irregularmente, diz que os índios, junto dos proprietários, vão entrar com recurso no Supremo. “Xavante é uma etnia que não vive na mata, só no Cerrado. As plantas medicinais, as iniciações sexuais, são tudo feito através de plantas medicinais do Cerrado”, explica.

Damião, o líder xavante, rebate. “Nós não vamos desistir do que é nosso. Eu quero é que saia fazendeiro e posseiro. Isso é que a comunidade quer”, diz Damião. “Eles usam os índios, mas a cabeça é dos fazendeiros. Aqui tá difícil, queimaram ponte, fizeram buraco na estrada para ninguém passar.” Damião tinha em torno de 8 anos quando foi transferido, junto de seu povo, e aparece nas fotografias da época, ao lado do avião da FAB. “Eu nasci e cresci em Marãiwatsédé”, diz ele. “E quero morrer em Marãiwatsédé”.

(*) Publicado originalmente no site Carta Capital.

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