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sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Do WikiLeaks, um acordo secreto da TPP sobre o meio ambiente

15/01/2014 - Press release: texto do Acordo Secreto da Parceria Trans-Pacífico (TPP) - Capítulo sobre o meio ambiente
- redecastorphoto - Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Mickey Mouse mentindo (de dedinhos cruzados):
Claro que o meio ambiente também será considerado
no Acordo da Parceria Trans-Pacífico!

Hoje [anteontem], 15/01/2014, WikiLeaks distribuiu o texto que está sendo discutido do capítulo (na íntegra) sobre meio ambiente do Acordo da Parceria Trans-Pacífico [TPP] e o correspondente Comentário dos Participantes [orig. Chairs’ Report].

O regime legal transnacional da TPP cobriria inicialmente 12 países e equivaleria a 40% do PIB global bruto e 1/3 do comércio mundial.

Esse “Capítulo Ambiental” estava há muito tempo sendo procurado por jornalistas e grupos de defesa do meio ambiente.

O texto agora distribuído é o que foi aprovado na reunião dos Negociadores Chefes, em Salt Lake City, Utah, nos dias 19-24/11/2013.

O “Capítulo Ambiental” cobre o que as partes propõem como suas respectivas posições sobre: questões ambientais, incluindo mudança climática, biodiversidade e estoques de pesca; e comércio e investimento em bens e serviços ‘ambientais’.

Também delineia meios para decidir disputas que envolvam questões ambientais e que surjam depois de o Tratado começar a ser implementado.

Esse “Texto Consolidado” [orig. Consolidated Text] foi preparado pelos membros do Grupo de Trabalho sobre meio ambiente [orig. Environment Working Group], a pedido dos ministros designados para discutir o Tratado da Parceria Trans-Pacífico, na rodada de negociações de Brunei.

Comparado a outros capítulos do TPP, o Capítulo Ambiental chama a atenção pela ausência de cláusulas mandatórias (cujo cumprimento seja obrigatório) e de medidas claras para ser aplicado.

Os mecanismos para resolução de disputas aí criados são cooperativos, não cogentes; não há penas estipuladas nem sanções criminais propostas.

Com exceção da pesca, comércio de bens ‘ambientais’ e a discutida inclusão de outros acordos multilaterais, o Capítulo Ambiental parece ser, mais, um exercício de relações públicas.

Julian Assange, editor de WikiLeaks, declarou:

"O que o WikiLeaks está distribuindo hoje mostra que o ingrediente 'público' no Tratado da Parceria Trans-Pacífico não passa de acessório, para adoçar o paladar da mídia.

O tão falado Capítulo Ambiental do Tratado da Parceria Trans-Pacífico não passa de exercício frouxo de Relações Públicas, sem qualquer mecanismo que o torne aplicável por força de lei."

O Comentário dos Participalntes [orig. Chairs’ Report] do Grupo de Trabalho Ambiental mostra também que ainda há vastas áreas de desacordo dentro do Grupo de Trabalho.

O Comentário diz que a atual versão do Texto Consolidado já mostra concessões entre as partes, mas que ainda falta muito para que se alcance um texto final do acordo.

As principais divergências anotadas incluem o papel do Acordo TPP em face de outros acordos ambientais multilaterais e no processo para decidir disputas.

Os documentos datam de 24/11/2013 ─ último dia de discussões na rodada de Salt Lake City.

A redação desses documentos foi solicitada pelos ministros do TPP depois da rodada de Brunei, em agosto de 2013.

O Texto Consolidado foi redigido para ser documento que servisse como “área de pouso e decolagem” para acelerar futuras negociações; é considerado pelos negociadores como boa representação da posição de todas as partes, naquela data.

O Texto Consolidado e o Comentário dos Participantes [orig. Chairs’ Report] que WiliLeaks está distribuindo mostra que ainda há muita controvérsia e desacordos dentro do Grupo de Trabalho.

O Texto Consolidado que WikiLeaks publica não inclui comentários entre colchetes, como havia no Capítulo sobre Propriedade Intelectual distribuído em novembro de 2013, porque é a versão redigida pelo Grupo de Trabalho, ainda não aprovada pelos negociadores oficiais.

Mas o Texto Consolidado é complementado pelo Comentário dos Participantes, que equivale aos comentários que anotavam, no corpo do texto, entre colchetes, as discordâncias que houvesse e mostravam as respectivas posições.

Atualmente, os estados que negociam os termos desse Acordo de Parceria Trans-Pacífico são EUA, Japão, México, Canadá, Austrália, Malásia, Chile, Cingapura, Peru, Vietnã, Nova Zelândia e Brunei.

É o terceiro conjunto de documentos vazados por WikiLeaks, de documentos do Acordo Secreto da Parceiria Trans-Pacífico [orig. Secret Trans-Pacific Partnership Agreement (TPP)].

Até aqui já foram distribuídos os seguintes documentos/capítulos (em inglês):
- TPP Intellectual Property Chapter 
- TPP Agreement Documents 

Estão sendo distribuídos hoje:
- TPP Environment Chapter Consolidated Text 
- TPP Environment Chapter Working Group Chairs' Report

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/01/press-release-texto-do-acordo-secreto.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed:+redecastorphoto+(redecastorphoto)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

"Tem que morrer para germinar"

28/09/2013 - Veja se eu entendi
- Marco Aurélio Mello em seu blog DoLaDoDeLá

1. EUA escravos econômicos de seu ex-escravo e, hoje, maior parceiro, a China.

2. EUA sem apoio militar internacional para invadir a Síria, porque Wikileaks ridicularizaram seus exércitos, depois de mostrar como crianças a bordo de helicópteros de última geração bélico-militar brincam de videogame com civis no Oriente Médio.

3. EUA prendem Bradley Manning, o soldado que, no mais supremo gesto de bravura, acaba de assumir sua identidade feminina, como que para 
demonstrar que só uma alma de mulher seria capaz de levar adiante tão corajoso desejo de Justiça.

4. EUA estão apavorados, porque não conseguem por as mãos em Julian Assange, vivendo de favor numa embaixada de ex-país bananeiro no marco zero do mundo: Londres.

Assange, outro revolucionário, está inutilizado por ora e, por isso, eles passam a perseguir o vasos comunicantes do sistema de vazamentos, na peneira aberta no planeta inteiro chamada www.

5. EUA começam a rastrear um tal de Edward Snowden e descobrem que seu contato num jornal inglês mora agora no Brasil.

6. EUA, numa ação grotesca e mal planejada, prendem em Londres um brasileiro, namorado do jornalista inglês [Glenn Greenwald], contato de Edward Snowden.

7. EUA muito curiosos entram em nossos sistemas e passam a vigiar, e por que não?, a própria presidente da ex-República das Bananas.

8. EUA perseguem Edward Snowden que, em fuga alucinada (que é o que sente quem está sendo vigiado pela maior e mais cruel "democracia" do planeta), recebe asilo da ex-temida e não menos cruel União Soviética.
Quantos mísseis eles ainda têm? Alguém na máfia russa sabe precisar?

9. EUA envergonhados diante de todo o planeta, depois do novo vazamento de Snowden que põe a nu toda a sórdida política praticada por Washington digo, em última instância, pelo Pentágono e pela indústria do óleo e seu sem-número de derivados. Na dúvida, meu caro, vai de óleo, é o que diria um dos falcões com status de conselheiro de Estado.

10. EUA tem que engolir a indicação do principal prêmio de Direitos Humanos do Parlamento Europeu a nada mais, nada menos, do que ele mesmo, Edward Snowden.

11. EUA recebem a notícia de que o Brasil não vai mais à cópola, digo, cúpula bilateral. Por trás da decisão de tal ex-subserviente vizinho está a notícia vazada por quem? Edward Snowden.

12. EUA sem China, sem Rússia, sem Brasil, sem América Latina, sem Europa, opa, fica quase sem ninguém.

13. EUA abrem as portas do mais importante "meeting" planetário: a Conferência da ONU em Washington para nada mais, nada menos, do que a furiosa Dilma Rousseff: mulher, ex-militante revolucionária, presa política, torturada nos porões da Ditadura Militar por agentes treinados pela CIA, cujo golpe fora financiado por quem mesmo? Por eles, os EUA. Alguém que vê-se logo nos olhos que tem sede de Justiça, quiçá, de vingança.

The dream is over!

Para quem põe fé nos números, o 13 aí acima é o mesmo número daquele partido que tem uma estrela, como é mesmo o nome?

Senhoras e senhores, não por acaso o ano em que estamos é 2013.

Como diria o poeta: "tem que morrer para germinar."

Fonte:
http://maureliomello.blogspot.co.at/2013/09/veja-se-eu-entendi.html

sábado, 13 de julho de 2013

A América Latina na era das cyberguerras




A luta pela autodeterminação latino-americana é importante para muito mais gente do que os que vivem na América Latina, porque mostra ao resto do mundo o que pode ser feito


Por Julian Assange* em 12/07/2013 Brasil de Fato


O que começou como meio para preservar a liberdade individual pode agora ser usado por Estados menores, para frustrar as ambições dos maiores.

O cypherpunks originais eram, na maioria, californianos libertaristas. Eu vim de tradição diferente, onde todos nós buscávamos proteger a liberdade individual contra a tirania do Estado. Nossa arma secreta era a criptografia. Já se esqueceu o quanto isso foi subversivo. A criptografia, então, era propriedade exclusiva dos Estados, para uso em suas muitas guerras. Ao escrever nossos próprios programas e distribuí-los o mais amplamente possível, liberamos a criptografia, a democratizamos e a espalhamos pelas fronteiras da nova internet.

A reação contra, sob várias leis “de tráfico de armas”, falhou. A criptografia se difundiu nos browsers da rede e em outros programas que, hoje, as pessoas usam diariamente. Criptografia forte é ferramenta vital na luta contra a opressão pelo Estado. Essa é a mensagem do meu livro Cypherpunks. Mas o movimento para disponibilizar universalmente uma criptografia forte tem de trabalhar para obter mais do que isso. Nosso futuro não está apenas na liberdade para os indivíduos.

Nosso trabalho em WikiLeaks implica compreensão semelhante da dinâmica da ordem internacional e da lógica do império. Durante o período de formação de WikiLeaks, encontramos evidências de pequenos países abusados e dominados por países maiores, ou infiltrados por empresas de fora, forçados agir contra eles próprios. Vimos o desejo popular ao qual não se dava voz e expressão, eleições compradas e vendidas, e países ricos, como o Quênia, assaltados e leiloados por plutocratas em Londres e em New York.

A luta pela autodeterminação latino-americana é importante para muito mais gente do que os que vivem na América Latina, porque mostra ao resto do mundo o que pode ser feito. Mas a independência da América Latina ainda engatinha. Tentativas para subverter a democracia latino-americana ainda acontecem, inclusive recentemente, em Honduras, Haiti, Equador e Venezuela.

Por isso, a mensagem dos cypherpunks tem importância especial para os públicos latino-americanos. A vigilância em massa não é só problema para a governança e a democracia — é uma questão geopolítica. Se a população de um país inteiro é vigiada por país estrangeiro, há ameaça contra a soberania. Intervenção após intervenção nos assuntos da democracia na América Latina ensinaram-nos a ser realistas. Sabemos que os velhos poderes ainda explorarão, para benefício deles, qualquer possibilidade de retardar ou suprimir a eclosão da independência latino-americana.

Considere-se a simples geografia. Todos sabem que os recursos em petróleo regem a geopolítica global. O fluxo do petróleo determina quem é dominante, quem é invadido, quem é posto em ostracismo fora da comunidade global. O controle físico sobre um segmento de oleoduto define maior poder geopolítico. Governos que se ponham nessa posição podem obter concessões gigantescas. Num golpe, o Kremlin pode condenar a Europa Oriental e a Alemanha a um inverno sem calefação. E até a possibilidade de Teerã controlar um oleoduto para o leste, até Índia e China, é pretexto para a lógica belicosa de Washington.

Mas o novo grande jogo não é a guerra por oleodutos. É a guerra pelos dutos pelos quais viaja a informação: o controle sobre as vias de cabos de fibras óticas que se espalham pela terra e pelo fundo dos mares. O novo tesouro global é o controle do fluxo gigante de dados que conecta todos os continentes e civilizações, conectando as comunicações de bilhões de pessoas e empresas.

Não é segredo que, na Internet e no telefone, todas as rotas que entram e saem da América Latina passam pelos EUA. A infraestrutura da Internet dirige 99% do tráfego que entra e que sai da América do Sul por linhas de fibras óticas que atravessam fisicamente fronteiras dos EUA. O governo dos EUA não mostrou qualquer escrúpulo quanto a quebrar sua própria lei e plantar escutas clandestinas nessas linhas e espionar os seus próprios cidadãos. Todos os dias, centenas de milhões de mensagens de todo o continente latino-americano são devoradas por agências de espionagem dos EUA, e depositadas para sempre em armazéns do tamanho de pequenas cidades. Os fatos geográficos sobre a infraestrutura da internet, portanto, têm consequências sobre a independência e a soberania da América Latina.

O problema também transcende a geografia. Muitos governos e militares latino-americanos protegem seus segredos com maquinário de criptografia. São caixas e programas que “desmontam” as mensagens na origem e as “remontam” no destino. Os governos compram essas máquinas e programas para proteger seus segredos — quase sempre o próprio povo paga (caro) —, porque temem, corretamente, que suas comunicações sejam interceptadas.

Mas as empresas que vendem esses equipamentos e programas caros mantêm laços estreitos com a comunidade de inteligência dos EUA. Seus presidentes e altos executivos são quase sempre matemáticos e engenheiros da NSA (Agência Nacional de Segurança dos EUA) capitalizando as invenções que eles mesmos criaram para o Estado de Vigilância. Não raras vezes, as máquinas que vendem são quebradas: quebradas propositalmente, por uma razão. Não importa quem as use ou como as usem — as agências dos EUA conseguem “remontar” os sinais e leem as mensagens.

Esse equipamento é vendido para a América Latina e outros países como útil para proteger os segredos do comprador, mas são, de fato, máquinas para roubar aqueles segredos.

Enquanto isso, os EUA aceleram a próxima grande corrida armamentista. A descoberta do vírus Stuxnet vírus — e depois dos vírus Duqu e Flame — marca o início de uma nova era de programas complexos usados como arma, que Estados poderosos fabricam para atacar estados mais fracos. A primeira ação agressiva contra o Irã visou a minar os esforços daquele país com vistas a defender sua soberania — ideia que é anátema para os interesses de EUA e de Israel na região.

Longe vai o tempo em que usar vírus de computador como arma de ataque era peripécia de romance de ficção científica. Agora, é realidade global, que se espalha graças ao comportamento leviano do governo de Barack Obama, em violação da lei internacional. Outros estados agora por-se-ão na mesma trilha, aumentando a própria capacidade de ataque.

Os EUA não são os únicos culpados. Em anos recentes, a infraestrutura de internet de países como Uganda tem recebido grandes investimentos chineses. Gordos empréstimos chegam, em troca de contratos africanos para que empresas chinesas construam a espinha dorsal da infraestrutura de internet ligando escolas, ministérios do governo e comunidades ao sistema global de fibra ótica.

A África vai-se conectando online, mas com máquinas vendidas por potência estrangeira aspirante ao status de superpotência. A internet africana será o meio pelo qual o continente continuará subjugado no século 21?

Essas são algumas das importantes vias pelas quais a mensagem dos cypherpunks vai além da luta pela liberdade individual. A criptografia pode proteger não só as liberdades civis e os direitos individuais, mas a soberania e a independência de países inteiros, a solidariedade entre grupos que lutem por causa comum, e o projeto da emancipação global. Pode ser usada para enfrentar não só a tirania do estado contra o indivíduo, mas a tirania do império contra estados menores.

O grande trabalho dos cypherpunks ainda está por fazer. Junte-se a nós.


*Julian Assange é editor-chefe do Wikileaks. Foi agraciado com o Amnesty International New Media Award em 2009 e o Sydney Peace Foundation Gold Medal, o Walkley Award for Journalism e o Martha Prize em 2011. Texto publicado em Outras Palavras, e traduzido por Vila Vudu.

Fonte:http://www.brasildefato.com.br/node/13557


quinta-feira, 11 de abril de 2013

Wikileaks lança Biblioteca de Documentos Diplomáticos

por Natalia Viana (*) -  Fonte: Site Envolverde

Espero não ler essa conversa daqui a 25 anos na mídia”, disse o ex-secretário-geral do Itamaraty Jorge de Carvalho e Silva (foto), a um diplomata americano no começo de 1973, em plena ditadura militar.

Carvalho e Silva reclamava da política americana de liberação de documentos oficiais, quase 40 anos antes da Lei de Acesso à Informação brasileira ser aprovada.

O tema da desclassificação de documentos era “muito sensível” para a ditadura brasileira, relatou o então embaixador americano John Crimmins em um despacho diplomático no qual comentava o diálogo.

Segundo Crimmins, o Itamaraty e o Conselho de Segurança Nacional haviam decidido que documentos secretos do Brasil só deveriam ser liberados após 50 anos, e ainda assim, os pedidos seriam analisados “caso a caso”.

Carvalho e Silva não podia imaginar que, quatro décadas depois, não apenas sua conversa poderia ser publicada pela mídia, mas estaria disponível para 2 bilhões de usuários da internet pelo mundo.

O relato em questão pode ser facilmente acessado através do projeto PlusD, Biblioteca de Documentos Diplomáticos dos EUA, lançado pelo WikiLeaks em parceria com 18 veículos internacionais, incluindo as agências de notícias AP e AFP e os jornais La Repubblica, da Itália, La Jornada, do México, Página 12, da Argentina – e a Agência Pública, no Brasil.

Pela primeira vez, a organização de Julian Assange traz não um vazamento, mas uma nova maneira de buscar documentos que já estavam em domínio público. O PlusD agrega 1,7 milhão de documentos diplomáticos de 1973 a 1976 – quando Henry Kissinger dirigia a política externa americana – e 250 mil de 2003 a 2010, constantes no vazamento mais famoso da organização, o Cablegate.

Não se pode confiar no governo americano para registrar a história das suas interações no mundo. Ainda bem que uma organização com tradição de resistir à censura agora tem uma cópia dos arquivos”, diz Assange, fundador do WikiLeaks.

Os documentos da era Kissinger constantes no PlusD foram desclassificados e colocados online pelo National Archives and Records Administration (NARA), o arquivo nacional americano, a partir de 2006, após passarem por uma detalhada revisão do Departamento de Estado e do próprio National Archives.

Cerca de 320 mil são documentos originalmente classificados – cerca de 250 mil confidenciais e 70 mil, secretos.

Dentre 1,7 milhão de documentos, mais de 300 mil estão em formato microfilme na sede do National Archives em Washington (não disponíveis no site); e há entre eles 250 mil “cartões de retenção”, indicando os documentos que não foram liberados para desclassificação por serem, ainda hoje, considerados sensíveis para os EUA.

Para o Brasil, o novo projeto do WikiLeaks tem especial importância. Embora parte dos documentos já tenha sido publicada pela imprensa brasileira, o arquivo completo expõe em detalhe as ações de Kissinger em relação à ditadura brasileira entre 1973 e 1976 – em especial, durante o governo do general Ernesto Geisel.

Até agora não se sabia a real dimensão deste arquivo. São mais de 8.500 documentos enviados pelo Departamento de Estado dos EUA para o Brasil e mais de 13.200 documentos enviados da embaixada americanas em Brasília e consulados a Washington – mais de 1.400 são confidenciais, e mais de 115 secretos.

Dezenas de despachos mostram que a missão americana acompanhava de perto os relatos de tortura e de censura à imprensa. Também há dezenas de registros de treinamentos policias e militares, sempre encorajados pelo próprio Crimmins e por Henry Kissinger (foto acima), que primava por ter uma relação próxima com o Brasil – em especial nos temas hemisféricos, como o embargo a Cuba.

Também há detalhes sobre como a embaixada lidou com a prisão e tortura de dois cidadãos americanos, o ex-deputado estadual Paulo Stuart Wright, que tinha dupla cidadania, e o missionário Frederick Morris.

Facilitando a liberação de novos documentos americanos
Esses documentos são difíceis de acessar, então, na verdade, ainda estão envoltos em uma cortina de segredo”, explica o porta-voz do WikiLeaks, Kristinn Hrafnsson.

Eles também dão uma visão geral do que ainda está escondido”.

O PlusD traduz na prática premissas defendidas pelos ativistas de dados governamentais abertos – em suma, que as informações devem ser disponibilizadas a todos, de maneira aberta, não proprietária e em formato facilmente pesquisável e manuseável na web.

Isso deveria ser trabalho dos governos, mas eles têm tendência de fazer o oposto”, diz.

Segundo a equipe do WikiLeaks, além dos documentos do National Archives estarem disponíveis em arquivos de PDFs isolados – de difícil busca e manuseio – havia imperfeições técnicas que dificultavam a busca por um público amplo.

No site do NARA, grafias diferentes para as mesmas palavras levavam a erros na busca. Kissinger, por exemplo, estava escrito de 10 formas diferentes.

A equipe do WikiLeaks realizou uma “engenharia reversa” de todos os PDFs, além de uma análise de campos individuais, através de programas desenvolvidos para lidar com o grande volume de dados e corrigir os erros.

É uma expansão do Cablegate. O projeto mostra que o WikiLeaks aprimorou sua capacidade técnica para processar e apresentar ao público grandes bases de dados”, explica o porta-voz.

O PlusD permite busca em formato de texto, permitindo uma maior variedade de campos de pesquisa, como por tipo de documento (despachos diplomáticos, memorandos, relatórios de inteligência), agência que o produziu, classificação original e tamanho do texto. Os telegramas contêm links para todas as outras comunicações que fazem parte da correspondência.

O Plus D também está aberto para pessoas que possuem documentos diplomáticos dos EUA e queiram incorporar a essa biblioteca, através do email plusd@wikileaks.org.

Esses documentos cobrem um período muito turbulento da história contemporânea – em especial em países que sofreram com ditaduras diretamente apoiadas ou endossadas pelos EUA, como na América Latina.

É importante que esses países tenham um acesso rápido e fácil para todas as informações relevantes na busca de entender o que acontecer”, diz Kristinn. “O WikiLeaks quer ver isso acontecer no Brasil e em outros países”.

No Brasil
Um dos principais objetivos do PlusD é facilitar os pedidos pela Lei de Acesso à Informação americana para liberar documentos que ainda são mantidos em segredo, o que pode ser feito através das informações nos milhares de “cartões de retenção” constantes no site.

Entre os documentos da embaixada no Brasil ainda não liberados – o total é de 2.108 – que podem ser úteis à Comissão da Verdade estão, por exemplo, um telegrama secreto de Brasília, de 26 de abril de 1973, intitulado “Aumento em prisões relacionadas a subversão e alegações de tortura”;

outro, do consulado do Rio de Janeiro de 15 de dezembro de 1976 intitulado “Terrorismo da direita: acontecimentos relativos à aliança anti-comunista no Brasil”, de 15 de dezembro de 1976;

e outro, do consulado de São Paulo de 6 de agosto de 1975, chamado “Mortes e desaparecimentos de extremistas chilenos”.

Os documentos já liberados sobre o Brasil traçam uma detalhada narrativa histórica das relações bilaterais. Há por exemplo dezenas de trocas de correspondência entre Henry Kissinger e o ministro do exterior Azeredo da Silveira, além de relatos de conversas com altos membros do governo militar, como o ministro da Justiça Armando Falcão, jornalistas e religiosos como o Cardeal de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns.

O público pode ver na íntegra o documento que relata as ameaças recebidas pelo adido político do consulado dos EUA em São Paulo, Claris Halliwell, que costumava frequentar a sede do Departamento de Ordem Política e Social entre 1971 e 1973.

Halliwell era identificado como “cônsul”, segundo o registro de visitas do DOPS e chegou a ir ao prédio no Largo General Osório – onde ocorriam torturas – duas vezes por mês. A ligação foi feita por um anônimo com sotaque paulista, segundo um telegrama de 26 de outubro de 1973, que disse: “se você não parar de nos atacar, nós vamos tomar medidas contra você”.

A Comissão Estadual da Verdade de São Paulo pediu ao Itamaraty que interceda junto aos EUA para pedir mais informações sobre Halliwell.

Outros documentos são particularmente intrigantes, como um breve e ríspido despacho confidencial enviado pelo embaixador americano durante o período, John Crimmins, ao Departamento de Estado em 22 de dezembro de 1976, com o aviso “não distribuir”, no qual ele afirma que “um oficial da embaixada viu Vernon Walters no estacionamento do Ministério do Exterior ontem”.

Segundo Crimmins, “o oficial conhece Walters bem e não há absolutamente nenhuma dúvida da sua cabeça de que a pessoa que ele viu foi Walters”. Indignado, o ex-embaixador pergunta a Kissinger: “Walters não deu a conhecer sua presença à embaixada. Qual é o propósito da sua visita?”.

Vernon Walters, que foi adido militar da embaixada brasileira entre 1962 e 1967 – em pleno golpe militar – acabava de deixar o cargo de vice-diretor da CIA, que ocupou de maio de 1972 a julho de 1976.

Não há nenhum registro oficial de sua visita ao Brasil em dezembro daquele ano.

(*) Publicado originalmente no site Agência Pública.

Não deixe de ler:
- O embaixador John Crimmins e a ditadura militar - André Araujo

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade e, excetuando uma ou outra, inexistem no texto original.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

No livro de Assange: liberdade e o futuro da internet

02/02/2013 - Especial: a apresentação do livro de Julian Assange
- Por Natalia Viana (*) no blog Outras Palavras

“Uma guerra furiosa pelo futuro da sociedade está em andamento. Para a maioria, essa guerra é invisível”, alerta Julian Assange, fundador do WikiLeaks, na apresentação do seu programa de entrevistas World Tomorrow, realizado em parceria com a rede de TV russa WT – e que serviu de base para este livro.

De um lado, uma rede de governos e corporações que espionam tudo o que fazemos. Do outro, os cypherpunks, ativistas e geeks virtuosos que desenvolvem códigos e influenciam políticas públicas.

Foi esse movimento que gerou o WikiLeaks”.

É com essa descrição em mente que o leitor deve percorrer cada página deste livro, que traz uma das mais instigantes conversas públicas entre importantes partícipes desta batalha: a batalha pela liberdade na rede.


Na obra, Assange, ao lado dos companheiros de armas – e eficientes desenvolvedores de códigos digitais – Jérémie Zimmermann, Jacob Appelbaum e Andy Müller-Maguhn, disseca temas essenciais que estão definindo, hoje, os principais embates sobre como deve ser o futuro da internet.

Jacob Appelbaum
Andy Müller-Maguhn
A rede mundial de computadores apresenta, como muitas tecnologias, uma variedade de usos possíveis. É, como a energia elétrica, a semente de uma gama infinita de possibilidades, e semente poderosa: seu potencial ainda está sendo descoberto ao mesmo tempo que seu rumo vai sendo definido pelo caminhar tecnológico e pelo caminhar político.

Fica cada vez mais claro, assim, que a rede é espaço de disputa política. Um exemplo: em 2012, nos EUA, após diversos protestos, a opinião pública conseguiu forçar a suspensão de duas legislações que estavam sendo discutidas no Congresso norte- americano, a Sopa (Stop Online Piracy Act [Lei de Combate à Pirataria On-line]) e a Pipa (Protect IP Act [Lei de Prevenção a Ameaças On-line à Criatividade Econômica e ao Roubo de Propriedade Intelectual]).

Ambas previam a possibilidade de bloqueio de sites, inclusive estrangeiros, por infração de direitos autorais.

O leitor brasileiro conhece bem esse embate. Nos últimos anos, a discussão sobre a fronteira digital por aqui também tem se centrado na propriedade intelectual.

Durante os dois mandatos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), o Ministério da Cultura tornou-se apoiador da cultura digital livre, baseada no compartilhamento do conhecimento e no incentivo ao uso de ferramentas como o software livre (ou não proprietário) e as licenças creative commons, que permitem a reutilização de qualquer produção, de acordo com os interesses do autor.

O debate ressurgiu com toda força quando, durante o governo posterior, de Dilma Rousseff, o Ministério tentou reverter essa política.





Em Cypherpunks – liberdade e o futuro da internet, Assange e seus coautores enfocam uma dimensão dessa batalha ainda pouco conhecida no Brasil – mas que se faz urgente. Trata-se do que o australiano chama de “militarização do ciberespaço”, a vigilância das comunicações em rede por serviços de segurança e inteligência de diversos países.

Ele detalha: Quando nos comunicamos por internet ou telefonia celular, que agora está imbuída na internet, nossas comunicações são interceptadas por organizações militares de inteligência. É como ter um tanque de guerra dentro do quarto. [...] Nesse sentido, a internet, que deveria ser um espaço civil, se transformou em um espaço militarizado.

Mas ela é um espaço nosso, porque todos nós a utilizamos para nos comunicar uns com os outros, com nossa família, com o núcleo mais íntimo de nossa vida privada. Então, na prática, nossa vida privada entrou em uma zona militarizada. É como ter um soldado embaixo da cama”.

Ao longo deste livro, são muitos, e instigantes, os apontamentos como esse, feitos pelos quatro “geek-filósofos”, pensadores originais das estruturas culturais, econômicas e políticas do ciberespaço.


Antes de prosseguir, porém, devemos voltar à outra trincheira de Assange na rede digital, aquela que lhe trouxe reconhecimento no mundo todo: o WikiLeaks.

Como o próprio autor pontua, o WikiLeaks, organização que se dedica a publicar documentos secretos revelando a má conduta de governos, empresas e instituições, é fruto da cultura cypherpunk.

Seu modo revolucionário de fazer jornalismo é indissociável dos temas abordados neste livro e indissociável da filosofia do próprio Julian Assange.


Fundado em 2007, o WikiLeaks ficou famoso em 2010, quando publicou milhares de documentos secretos norte-americanos supostamente vazados pelo soldado Bradley Manning (foto), que servia no Iraque.

O primeiro vazamento, em abril, consistia em um único vídeo de dezessete minutos. Seu conteúdo era chocante: de dentro de um helicóptero Apache, soldados norte-americanos atacavam doze civis desarmados – entre eles, dois jornalistas da agência de notícias Reuters. Antes da publicação, a agência tentara, sem sucesso, obter o vídeo mediante a Foia (Freedom of Information Act, a Lei norte-americana de acesso à informação).


Meses depois, em julho, o WikiLeaks publicou 75 mil diários militares sobre a guerra do Afeganistão, que comprovaram centenas de assassinatos indiscriminados de civis pelas forças dos EUA. Em outubro, a organização publicou 400 mil relatos secretos sobre a ocupação no Iraque, provando a constante tortura contra prisioneiros.

O maior vazamento, no entanto, viria no final de novembro. Uma verdadeira enxurrada. O projeto, chamado “Cablegate”, não era apenas o mais extenso material restrito a ser vazado na história do jornalismo.

Os 251.287 comunicados diplomáticos provenientes de 274 embaixadas dos EUA no mundo todo compunham o mais abrangente relato de como funcionam as relações internacionais – e também de como líderes de cada um desses países, além dos EUA, se comportam a portas fechadas.

A publicação, realizada em parceria com alguns dos principais veículos da imprensa global – e Guardian, e New York Times, Le Monde, El País e Der Spiegel, teve um profundo impacto na opinião pública. Estava ali um relato inédito da nossa história recente, preciso, datado. E delicioso.

Através dele, aprenderíamos como se dão na prática as negociações políticas, em milhares de reuniões discretas, comentários maliciosos, negociações por trás das cortinas. Um comentarista chegou a afirmar que o material constitui um novo tipo de literatura.

As revelações desnudaram aspectos sinistros da política externa dos Estados Unidos, como os pedidos da Secretária de Estado Hillary Clinton (foto) a 33 embaixadas e consulados para que diplomatas espionassem representantes de diversos países na ONU, reunindo números de cartões de crédito, senhas, dados de DNA.

Outros documentos expunham mais claramente os crimes de guerra no Iraque – como um relatório que descrevia a execução sumária de dezessete civis, incluindo quatro mulheres e cinco crianças, e as tentativas de refrear processos criminais contra soldados norte-americanos.

Os relatos da embaixada norte-americana na Tunísia, que descreviam em detalhe a extrema corrupção do governo do ditador Ben Ali, foram um enorme incentivo para a revolta tunisiana que acabou por derrubá-lo em meados de janeiro de 2011 – e outros países seguiram o exemplo, no que ficou conhecido como a Primavera Árabe.

Foi assim que grande parte da imprensa mundial travou contato com a filosofia do WikiLeaks. Tratava-se da aplicação radical da máxima cypherpunkprivacidade para os fracos, transparência para os poderosos” e do princípio fundamental da filosofia hacker:

A informação quer ser livre.

Para isso, Assange uniu a expertise de desenvolvedor de códigos digitais aos fundamentos mais básicos do jornalismo, prática que tanto se diz em crise; em essência, trazer à tona histórias de interesse público.

Foi ele quem desenvolveu o código original, o primeiro “dropbox” do WikiLeaks, através do qual os documentos poderiam ser enviados à organização, valendo-se da mesma proficiência que já mostrara quando criou o sistema de criptografia "rubberhose", desenvolvido para que defensores de direitos humanos consigam manter em segredo parte dos dados criptografados mesmo se pressionados sob tortura por regimes autoritários.

No WikiLeaks, a ideia era manter um canal totalmente seguro para o envio de documentos, com uma criptografia poderosa, que fosse não apenas inviolável a ataques, mas que erradicasse qualquer informação sobre a sua origem.

A tecnologia, acreditava Assange, seria libertadora: permitiria que whistleblowers – fontes internas de organizações – denunciassem violações por parte de governos e empresas sem medo.


Nada mais de encontros em garagens subterrâneas, como fizera o famoso “Garganta Profunda”, codinome do informante dos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, no escândalo Watergate, que levou à queda do presidente norte-americano Richard Nixon (foto) em 1974.

Agora, whistleblowers como ele, que sempre foram fontes essenciais do fazer jornalístico, teriam a possibilidade do completo anonimato. O próprio Julian Assange garante que desconhece a identidade daqueles que vazaram material ao WikiLeaks. Mais do que isso: qualquer pessoa poderia se tornar um whistleblower, ou informante, em potencial, vazando de maneira segura documentos do governo, organização ou empresa em que trabalha.

O desenho da web também permitia, pela primeira vez, a transferência e publicação de milhões de documentos, o que antes era impossível: há algumas décadas, para reunir a documentação do Cablegate seriam necessários centenas de caminhões carregados de papéis.


O WikiLeaks significava a libertação da verdade por meio da criptografia. Poderosa a princípio, essa ideia tem sido forçadamente neutralizada após o tratamento cruel destinado ao soldado Bradley Manning (foto), que permaneceu durante mais de 880 dias preso sem julgamento, boa parte desse tempo sob tratamento “cruel e desumano”, segundo o relator da ONU para tortura.

É importante lembrar que Bradley Manning não foi conectado ao vazamento por alguma quebra na segurança criptográfica do código do WikiLeaks, mas por supostamente ter confessado em um chat ser a fonte dos documentos.

Outras reações alvejam a organização, como o próprio Assange explica ao longo do livro. Basta dizer que, em julho de 2012, o porta-voz do Departamento de Justiça dos EUA Dean Boyd admitiu que a investigação sobre o WikiLeaks continuava ativa. Desde dezembro de 2010, uma semana depois da publicação do Cablegate,

Assange ficou em prisão domiciliar no Reino Unido – no momento de publicação deste livro, ele estava isolado havia mais de duzentos dias na embaixada equatoriana, onde recebera asilo diplomático.


Isso não refreou o trabalho do WikiLeaks, o que demonstra que a capacidade técnica da sua equipe se sobrepõe a esses achaques.

Nesse meio tempo, a organização publicou setecentos arquivos sobre prisioneiros de Guantánamo (foto), revelando inclusive detalhes dos interrogatórios; 2 milhões de emails do governo da Síria; centenas de propagandas de empresas de vigilância e espionagem digital; e centenas de documentos secretos do Departamento de Defesa dos EUA sobre suas políticas de detenção militar.

A batalha travada pelo WikiLeaks é tanto política quanto tecnológica.

Voltando ao aspecto jornalístico, a organização representa ainda um marco importante ao disponibilizar, por princípio, toda a base documental de suas publicações – vale lembrar que, além de divulgar documentos, o WikiLeaks produziu dezenas de matérias, vídeos e artigos de opinião. Por outro lado, no jornalismo tradicional são poucos os veículos que disponibilizam todo o material-base de suas reportagens para que seja escrutinado e reutilizado pelo público.

A tendência, é claro, já existia: na era da internet qualquer um pode ser produtor de notícia. Porém, o WikiLeaks avança mais um passo, trazendo essa lógica para o lugar do jornalismo em essência, ao valer-se dos segredos de Estado, documentos que comprovam violações de direitos humanos por empresas, o rastro documental dos crimes dos poderosos – que sempre foram a base para o jornalismo investigativo.

Permite, assim, que dezenas de veículos independentes, jornalistas, ativistas – e usuários – se apropriem dessa documentação e se tornem também provedores de jornalismo de qualidade.

Há aí uma noção hacker intrínseca na maneira de o WikiLeaks praticar jornalismo: se por um lado a organização se alia a veículos tradicionais de mídia – assim como a veículos não tradicionais – por outro ela incentiva a disseminação de conteúdos livres, fora dessa indústria.

E a indústria da notícia é hoje uma das principais trincheiras na disputa sobre
o vasto mundo da internet.

O Cablegate no Brasil

Muitos criticaram, na época do lançamento do Cablegate, a parceria estabelecida com grupos de mídia que concentram a produção e a disseminação da informação, agindo às vezes como barreira para “a informação que quer ser livre”.

Diziam que o WikiLeaks fortalecia a indústria tradicional da notícia. Sei disso porque fiz parte da equipe selecionada por Julian Assange para pensar uma estratégia de divulgação para os documentos, tendo coordenado a divulgação dos 3 mil documentos de embaixadas e consulados norte-americanos no Brasil.

Foram seis meses de trabalho, que renderam uma das experiências mais ricas e completas de disseminação dos relatos diplomáticos.

No percurso, aprendi que o modo de produção do WikiLeaks, em si, questiona e abala a indústria de notícias.

Não se trata de um conceito teórico apenas; na semente do WikiLeaks – que, como organização fundamentalmente da era digital, não “é”, não termina de “ser” jamais, passa por constantes transmutações – está o questionamento profundo do controle da informação noticiosa.

A ideia, desde o começo, era que as histórias se espalhassem o máximo possível, de modo a chegar aos cidadãos dos países aos quais se referiam. Do ponto de vista logístico, disseminar esses documentos de maneira profissional e orquestrada para tantos países parecia uma tarefa impossível.

Mas, graças à estratégia de Assange, em um ano eles haviam chegado a mais de setenta parceiros de todo o mundo – jornais, revistas, sites independentes, jornalistas freelancers, ONGs.

É um feito notável, e sem dúvida um marco na história do jornalismo.

A ideia de Assange sempre foi expandir a quantidade de veículos que recebe- riam o material – a contragosto dos parceiros iniciais e Guardian, e New York Times, Le Monde, El País e Der Spiegel. E espalhar o material também para os países periféricos, longe dos centros de poder da Europa e dos EUA.

Acompanhei de perto esse embate colossal, que marcava já o início das rusgas da indústria de notícias com o WikiLeaks, porque Assange considerava o Brasil um país estratégico, que precisava ser contemplado logo na primeira leva.

Sob protestos dos jornais do hemisfério Norte, divisamos uma maneira de seguir em frente. Além de compartilhar documentos específicos com um grande veículo brasileiro, eu escreveria reportagens para o site do WikiLeaks, sob a licença creative commons, com disseminação livre, para o site da organização.


Uma dezena de jornalistas independentes de outros países, voluntários como eu, fizeram o mesmo, e o resultado foi uma profusão de matérias sobre documentos que não tinham recebido atenção daquele grupo de veículos da imprensa tradicional.

Um exemplo foi o documento que ficou conhecido como “A lista de compras do Império”, ignorado pelos grandes jornais. Ele dissecava os interesses estratégicos norte-americanos em todo o mundo – de gasodutos na Rússia até minério de ferro e nióbio no Brasil.


Nele, o Departamento de Estado de Hillary Clinton pedia que suas embaixadas pesquisassem a segurança dessas instalações em segredo: Não estamos pedindo que as embaixadas consultem os governos a respeito dessa solicitação”, dizia o documento.

O processo de publicação dos documentos da missão norte-americana no Brasil acabou sendo um dos mais criativos e extensos, e teve também uma boa dose de experimentação.

Começou com uma dura decisão, já que só existem três jornais de circulação nacional – Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo – todos eles parte de conglomerados com interesses que muitas vezes interferem na cobertura de temas nacionais.

Isso reflete a concentração histórica da mídia no Brasil, onde cinco empresas, pertencentes a seis famílias, controlam 70% de toda a mídia.

Existem, claro, excelentes repórteres que poderiam fazer um bom trabalho, mesmo que soubéssemos desde o começo que algumas histórias seriam parciais e outras jamais seriam publicadas.

Assim, decidi entrar em contato com a Folha de S.Paulo, por meio do jornalista Fernando Rodrigues, diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.

Na véspera do vazamento, escrevi a primeira história que seria publicada no site do WikiLeaks, e enviei-a ao jornal, junto com trechos dos documentos. Relatava que a polícia federal prendera suspeitos de terrorismo sob acusações de outros crimes para não atrair a atenção.

A história foi publicada pela Folha e depois reproduzida por toda a imprensa. O governo Lula negou a informação, e o assunto morreu por aí. Mas a publicação chamou a atenção de toda a mídia para as futuras revelações, de modo que todos pediam mais: jornais, rádio, TVs.


Decidimos, então, trabalhar também com O Globo, no Rio de Janeiro, para dinamizar a cobertura e garantir que um jornal serviria de contrapeso ao outro. A direção da Folha não ficou muito contente com isso, mas concordou. Assim começou uma colaboração inédita entre dois dos maiores jornais brasileiros e uma organização internacional sem fins lucrativos.

Todos os temas eram decididos conjuntamente, e a Folha, o Estado e o WikiLeaks publicavam simultaneamente reportagens sobre o mesmo lote de documentos. A parceria funcionou muito bem, e produziu uma centena de
boas reportagens.

Embora os dois jornais adotassem ângulos similares em algumas histórias, outras foram cobertas de maneira bem diferente. O Globo, por exemplo, criticou duramente um ex-embaixador norte-americano que afirmara que a presidenta Dilma Rousseff teria realizado um roubo armado durante a ditadura militar. A Folha foi mais leniente.

Ambos os jornais publicaram que os EUA estavam preocupados com a segurança em relação às Olimpíadas de 2016 no Brasil; eu escrevi um artigo para o site do WikiLeaks descrevendo que os EUA estavam fazendo lobby para prover treinamento e segurança, assim como aumentando sua presença no país.

Ter três veículos analisando ao mesmo tempo os mesmos documentos permitiu vislumbrar de maneira única como funciona o jornalismo – e como o mesmo material pode ser tratado de maneiras diferentes.

Um exemplo é o texto “Meu amigo Jobim”, publicado no site do WikiLeaks, onde descrevi, com base nos documentos, como o ex-ministro da Defesa Nelson Jobim (foto) manteve diversas reuniões com o embaixador norte-americano em que compartilhava abertamente sua antipatia em relação ao “antiamericanismo” do Itamaraty, passando a ele informações sobre uma compra de caças, de interesse comercial dos EUA, e sobre parcerias militares com outros países no combate ao narcotráfico.

Os documentos revelavam como a administração George W. Bush usava a estratégia de manter contatos estreitos com Jobim para contrabalançar a postura independente do Brasil, chamando-o de “incomumente ativista” em defesa dos interesses norte-americanos.

A Folha de S.Paulo recebeu os mesmos documentos, mas enfatizou o fato de que o Itamaraty é visto pelos EUA como “inimigo”.


O artigo publicado no site do WikiLeaks foi reproduzido nas redes sociais e levou muitos websites de esquerda a chamar Jobim de traidor, gerando um escândalo político que o enfraqueceu no momento em que ele assumia seu segundo mandato à frente do Ministério da Defesa no governo de Dilma Rousseff.

Jobim saiu oito meses depois, e no seu lugar assumiu o ex-chanceler Celso Amorim (foto), tão criticado por ele por trás das portas da embaixada norte-americana em Brasília.

Em meados de janeiro de 2011, estava claro que os jornais não iriam exaurir todos os documentos, por causa de suas limitações de diários impressos e comerciais.

Ao mesmo tempo, eu havia começado um blog que tinha uma ótima interação com leitores interessados nas histórias ainda não contadas. Foi assim que concebemos uma segunda etapa da divulgação.

Dessa vez, seria o público, em vez dos editores, a decidir os temas de interesse. Através do blog, eu pedi aos leitores que sugerissem tópicos, e selecionei os duzentos mais pedidos.

Para publicar as histórias, criamos uma força-tarefa de blogueiros, para quem enviei os documentos antes da publicação no site.


Foi assim, apostando em uma parceria com veículos não tradicionais, que vieram à tona furos referentes às reuniões do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do ex-governador de São Paulo, José Serra com diplomatas norte-americanos, bem como as declarações do então subprefeito da Sé, Andrea Matarazzo, de que o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin seria membro da Opus Dei.

Nenhum dos dois jornais, parceiros de primeira hora, haviam publicado essas informações.

As publicações dos blogueiros, porém, também arrefeceram após um tempo. Faltava-lhes estrutura, pessoal e expertise para um trabalho exaustivo como o de pesquisar centenas de documentos – trabalho natural de um tipo específico de jornalista, aquele que se dedica a reportagens investigativas.

Foi assim que, em meados de março, juntei-me a um grupo de mulheres jornalistas para fundar a Agência Pública, primeira agência de jornalismo investigativo sem fins lucrativos do Brasil.

Inspirada em organizações similares de outros países, usamos como filosofia a disseminação livre de conteúdo, em creative commons, e a divulgação das bases de todas as nossas reportagens – todos os documentos.


A Pública realizou então a última fase de publicação dos documentos do Cablegate relativos ao Brasil.

Isso foi feito por crowdsourcing: uma redação temporária formada por quinze jornalistas se reuniu na sede da Agência Pública. Surpreendentemente, conseguimos publicar mais cinquenta matérias baseadas nos documentos diplomáticos.

Novas revelações incluíam reuniões entre diplomatas norte-americanos e representantes da imprensa e a transferência secreta para o Brasil de trinta agentes da DEA (Drug Enfrorcement Agency) norte-americana, que haviam sido expulsos da Bolívia em 2008, acusados de espionagem.

Essas histórias criaram mais um furor na mídia, que reproduziu o conteúdo em creative commons. E provaram que, na nova fronteira digital, é possível para um grupo de jornalistas independentes produzir e disseminar conteúdo de qualidade – e até prosseguir nas histórias ignoradas pela mídia tradicional.

É como uma caixa de Pandora: será impossível agora conter o fluxo de jornalismo independente inspirado pelo trabalho do WikiLeaks.

Passados dois anos dessa experiência, na conversa com seus colegas cypherpunks que você lerá a seguir, Julian Assange disseca as limitações com as quais teve contato na produção de jornalismo no Ocidente – que, segundo ele, vive um tipo de censura sofisticada:

Podemos pensar na censura como uma pirâmide. É só a ponta dela que aparece na areia, e isso é proposital.

A ponta pública – calúnias, assassinatos de jornalistas, câmeras sendo apreendidas pelos militares e assim por diante –, é uma censura publicamente declarada. Mas esse é o menor componente.

Abaixo da ponta, na camada seguinte, estão todas as pessoas que não querem estar na ponta, que se envolvem na autocensura para não acabar lá.

Na camada subsequente estão todas as formas de aliciamento econômico ou clientelista que são direcionadas às pessoas para que elas escrevam sobre isso ou aquilo.

A próxima camada é a da economia pura – sobre o que vale economicamente a pena escrever.

O conceito do WikiLeaks é um marco no jornalismo porque permite a subversão das camadas mais profundas dessa “censura”.

Não é à toa que, após a lua-de-­mel inicial do vazamento do Cablegate, grande parte do mainstream da imprensa tenha se tornado hostil à organização.

É apenas mais um front nas batalhas digitais de Assange.

(*) Natalia Viana é jornalista, codiretora da Agência Pública e autora e coautora de três livros: Plantados no chão: assassinatos políticos no Brasil hoje, Habeas corpus: que se apresente o corpo – a busca dos desaparecidos políticos no Brasil.

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Fonte:
http://www.outraspalavras.net/2013/02/02/especial-a-apresentacao-do-livro-julian-assange/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.