quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Cristina Kirchner, coragem de enfrentar monopólios

29/10/2013 - Que a coragem de Cristina Kirchner em enfrentar monopólios de mídia inspire Dilma
- Paulo Nogueira (*) - Diário do Centro do Mundo

Há uma enorme torcida na mídia brasileira contra o governo de Cristina Kirchner.

Colunistas brasileiros festejaram “o fim de seu ciclo” na Argentina depois dos resultados das eleições legislativas de domingo.

Mas como mostrou hoje a charge do jornal argentino Página 12: que “derrota” peculiar é aquela em que o governo mantém a maioria no Congresso.

Pois foi isso o que aconteceu na Argentina.

E eis que, mal terminada a apuração dos votos, Cristina obtém uma de suas maiores vitórias como presidenta, senão a maior. A Suprema Corte da Argentina aprovou a famosa Ley de Medios.

É uma lei que combate monopólios e estimula a pluralidade nos debates trazidos pela mídia.

O grupo Clarín – uma espécie de Globo local – se bateu quanto pôde contra a lei. Seu ponto – quem acredita nele acredita em tudo – é que se trata de uma legislação contra a liberdade de expressão.

Mentira

O grupo Clarín poderá continuar a dizer o que quer. Apenas não terá o monopólio da voz.

A decisão da justiça encerra a disputa: o Clarín vai ter que se desfazer de parte de seu monstruoso portfólio de mídia.

Conexões com o Brasil são inevitáveis.

Até quando a Globo continuará a desfrutar de seu monopólio abjeto, com o qual seus três acionistas herdaram a maior fortuna brasileira?


Até quando a mídia negará aos brasileiros, sem embaraço de qualquer natureza, pluralidade nos debates?

Cristina Kirchner fez uma coisa que nem Lula e nem Dilma (pelo menos até aqui) ousaram: enfrentou a mídia.

Ah, as circunstâncias lá são diferentes, objetarão alguns. Sim, nada é exatamente igual em dois países. Isto é um truísmo.

A real diferença entre o caso argentino e o caso nacional reside na bravura de Cristina para combater o bom combate.

No Brasil, há décadas, sucessivos governos se acovardam quando se trata de lidar com a mídia.

Numa situação patética, as empresas de jornalismo não pagam imposto pelo papel com que imprimem suas publicações, sejam jornais ou revistas.

São os cofres públicos financiando, pelo chamado “papel imune”, empresas riquíssimas empenhadas em perpetuar privilégios nocivos à sociedade.

Outra mamata inacreditável é a reserva de mercado de que a mídia goza, ela que fala tanto na importância do livre mercado.

Num artigo relativamente recente publicado no Globo para defender a reserva, foi dito que as novelas são “patrimônio nacional”, e por isso não podem ser ameaçadas pela concorrência estrangeira.

Também foi dito que haveria risco de uma emissora chinesa fazer propaganda de Mao Tsetung, caso instalada no Brasil.

O autor desse beatialógico é o hoje ministro do Supremo Luís Roberto Barroso, à época advogado do órgão de lobby da Globo, a Abert.

Quanto o poder irrestrito da mídia é ruim para o Brasil foi espetacularmente demonstrado em 1954 e em 1964, quando seus donos conspiraram abertamente contra governos eleitos e fizeram campanhas nas quais a verdade foi a primeira vítima.

Curiosamente, depois de chegar ao poder com uma grande frase segundo a qual a esperança deveria vencer o medo, o PT agiu de forma oposta em relação à mídia.

O medo venceu a esperança.

Mesmo sem dentes, mesmo com Ibope em queda livre, mesmo sem ganhar uma única eleição em muitos anos, mesmo ameaçado de morte pela internet, o Jornal Nacional continua a meter medo, melhor, pavor em administrações petistas.

Em Cristina Kirchner, a esperança foi maior que o medo, e o resultado é uma conquista histórica não dela, não de seu governo – mas da Argentina.

(*) O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

Fonte:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/que-a-coragem-de-cristina-kirchner-em-enfrentar-monopolios-de-midia-inspire-dilma/

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

STF garante direitos indígenas

24/10/2013 - STF garante direitos constitucionais indígenas
- por Felipe Milanez (*)
- em seu blog, no site da Carta Capital

Decisão sobre a terra indígena Raposa Serra do Sol não vincula condicionantes a outros casos de disputas territoriais.

Luis Roberto Barroso, relator do processo, profere seu voto enquanto é observado por indígenas

No julgamento dos embargos da Petição (PET) 3388, na quarta-feira, 24, em Brasília, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu os direitos constitucionais dos povos indígenas restringindo a aplicação da decisão, que contém 19 "condicionantes", apenas para o caso ao que se refere o julgamento: a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Os ministros foram precisos em afirmar: a decisão não tem efeito vinculante, não se estendendo a outros litígios que envolvam terras indígenas.

Qualquer extensão da decisão deste caso para um outro caso é mera "argumentação", segundo disse o relator, ministro Roberto Barroso [foto].

De forma clara, assim ele definiu a decisão do acórdão que estava em sede de embargos: "decisão atípica e não é um bom padrão a ser seguido".

As condicionantes teriam sido escritas para garantir a aplicação daquela decisão de 2009 na área, para ser efetiva, com a retirada dos invasores e a proteção do direito territorial dos povos indígenas. Por isso, de forma "atípica", a Corte definiu certas condições para o caso.

Portanto, segundo Barroso: "Uma outra demarcação pode levar em conta outras circunstâncias. A solução não pode ser a mesma para demarcações de áreas com outras características. As condicionantes estabelecidas para Raposa Serra do Sol valem apenas para este caso."

As "19 condicionantes" haviam sido oferecidas, na época, pelo falecido juiz Menezes Direito [foto], e criaram conflitos desde que o acórdão que protegeu a demarcação da Raposa Serra do Sol foi publicado.

Ruralistas, assim como o advogado da União, Luis Inácio Adams [foto abaixo], representando os interesses do governo federal, passaram a fazer uma interpretação extensiva desse argumento, tentando impedir novas demarcações e autorizar empreendimentos sem consulta aos índios.

Na visão dessas partes, não caberia demarcar nenhuma terra onde os índios não estivessem em 1988, não poderia haver nenhuma "ampliação", e os indígenas não teriam direito de serem consultados sobre projetos de "interesse nacional" (um termo complicado de ser definido) que recaiam sobre seus territórios tradicionais.

Portanto, Adams editou uma Portaria, a 303, e os ruralistas usaram os argumentos em mandados de segurança, como se a decisão da Raposa Serra do Sol funcionasse como uma súmula vinculante.

O alvo de Menezes Direito, cuja opinião serviu ao lobby ruralista, não era especificamente a terra indígena em Roraima mas, longe de lá, as terras guaranis no Mato Grosso do Sul e no sul do País, e os projetos desenvolvimentistas do governo federal.

Mesmo os casos de demarcações nos quais houvesse nulidade absoluta do processo não poderiam ser revistos.

A tentativa de Menezes Direito de produzir uma legislação por meio de uma decisão jurídica foi rechaçada pelos ministros do STF.

A decisão do STF sobre a demarcação da Raposa Serra do Sol não vincula juízes e tribunais quando do exame de outros processos relativos a terras indígenas diversas, explicou o ministro Barroso.

E, se não vincula o judiciário, também não deve vincular o Executivo na administração pública. Nesse sentido, a Portaria 303 da AGU, assinada por Adams em 2012 e que estava suspensa, perdeu sua justificativa maior.

A portaria era um dos principais alvos do movimento indígena, pois reescrevia as 19 condicionantes de Menezes Direito para os casos gerais.

Produzia, assim, uma interpretação da Constituição Federal que inovaria a ordem legislativa, o que perpassa os poderes dos advogados da União. Em meio a protestos, a medida foi suspensa.

STF e o acirramento dos conflitos
As argumentações sobre a aplicação da lei e o funcionamento do sistema jurídico podem sempre ser múltiplas e contraditórias.

É o que tem ocorrido nas decisões da Corte Suprema: decisões de Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa geralmente são antagônicas às de Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello no que tange os direitos indígenas.

Quando cai no colo de um ou de outro um processo, cada um decide do jeito que quer.

Lewandowski [foto] já havia decidido pela não aplicação
das condicionantes, enquanto Gilmar Mendes encontrou nelas um subterfúgio para suspender a demarcação da Terra Indígena Arroio-Korá, dos Kaiowá e Guarani, no Mato Grosso do Sul. 

Infelizmente, o STF, que deveria ser uma instituição pacificadora e garantidora do Direito, é um dos grandes responsáveis pelo acirramento de conflitos no campo no País e pela concentração fundiária.

A Corte, órgão máximo do Judiciário, é apontada pelo governo como responsável por travar as demarcações.

Apesar do julgamento ter sido favorável aos povos indígenas, os adversários dos índios passaram a contar na imprensa uma versão diferente, de que quem perdeu teria ganhado. Algo como: não ganhou, mas levou.

É uma retórica confusa, mas que ficou patente na declaração de Adams logo após o julgamento:

"[A decisão] reforça a portaria da AGU. O que a portaria é, é uma orientação técnica do advogado-geral à área jurídica dizendo que, na interpretação da norma constitucional, na aplicação da norma constitucional, nós temos que observar as condicionantes."

Acontece que a decisão do STF é justamente o contrário do argumento utilizado pelo advogado. Uma eventual tentativa de publicar a Portaria não será resguardada pelo STF, a priori, mas apenas opinião externada pelo órgão advocatício, e que deverá enfrentar opiniões contrárias e manifestações.

Em aberto
O STF deixou em aberto grandes questões, no entanto, que estão em debate no Brasil.

Tendo sido refutada a restrição das demarcações, resta o problema da "consulta prévia" aos povos indígenas, direito adquirido com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.

Para Raul do Valle, advogado do Instituto Socioambiental, o problema é o seguinte

"A decisão de 2009 é extremamente ambígua, dizendo que a instalação de bases militares, bem como suas intervenções, não precisam de consulta prévia para ocorrerem, no que o ministro 
Barroso concordou.

Mas ela estende essa mesma regra à "expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas, de cunho estratégico", sendo que a definição de "estratégico" caberia ao Conselho de Defesa Nacional.

Claramente uma extrapolação e uma afronta ao estado de Direito, na medida em que permite que decisões totalmente discricionárias possam impedir o exercício de um direito 
fundamental.

Se esse conselho decidir que é estratégico ao país vender soja para China com o menor preço possível estaria o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) autorizado a cortar uma pequena terra Kaingang no Paraná ao meio, sem consulta, porque seu desvio encareceria a saca exportada por Paranaguá em alguns centavos?"

Para Valle [foto acima], porém, é importante frisar que o voto de Barroso foi claramente pela negativa dessa hipótese, "dizendo que nem tudo pode ser considerado 'estratégico'".

Até o lado espiritual dos povos indígenas foi debatido pelos ministros em suas togas.

Há igrejas na Raposa Serra do Sol, protestantes e católicas, e a dúvida era se elas deveriam serem expulsas após a demarcação.

Sobre esse ponto, Barroso reafirmou o princípio constitucional da liberdade religiosa, facultando aos indígenas o poder da escolha se querem ou não a permanência das igrejas, templos, etc. No entanto, fez questão de frisar a "proteção aos locais de culto".

Nesse sentido, o trabalho das agências missionárias fundamentalistas, que praticam o proselitismo, segue sendo proibido nas terras indígenas, conforme portaria da Funai que expulsou missões internacionais que tentam evangelizar povos e traduzir a bíblia.

Essas atividades continuam sendo consideradas contrárias a lei. Isso não significa que os povos indígenas não possam praticar diferentes religiões que as suas tradicionais.

Mas invadir terras indígenas para converter os povos que lá habitam permanece sendo considerado uma afronta à proteção aos locais de culto.

As almas indígenas, conforme publiquei aqui no blog, em seus locais de culto que são os territórios tradicionais, devem continuar protegidas pelo Estado da sanha fundamentalista.

No julgamento, após terem sido tomadas as decisões centrais, os ministros que aparentemente teriam opinião diversa passaram a oferecer um debate raso, permeado de preconceito e discriminação aos povos indígenas.

[Gilmar] Mendes, [à direita, com Marco Aurélio Mello] que possui fazendas no Mato Grosso, chegou a citar uma reportagem preconceituosa da revista Veja, [VEJA - Edição 2091 - 17 de dezembro de 2008] como é a tônica da publicação, contrária aos índios da Raposa Serra do Sol.

Mendes inclusive deixou transparecer uma expressão de raiva no momento em que pronunciou "tribos de índios vivendo nos lixões" [ao lado].

Ao que Marco Aurélio de Mello deu seguimento ao bate-papo, como uma conversa de compadres na varanda do curral, revirando fantasmas da Ditadura e criticando os índios "aculturados" (um conceito que carrega significados discriminatórios).

Eles haviam aproveitado o gancho de Teori Zavascki [foto].

Segundo o advogado Raul Valle, Zavascki "queria, por alguma razão, dizer que os efeitos dos julgados se
estendiam a outros casos, mas não teve coragem".

Após uma grande confusão na sua argumentação, Zavascki resumiu tudo dizendo que o futuro é imprevisível e que tudo pode mudar um dia. Sob esse alerta, o relator Barroso completou: pode cair um meteorito aqui amanhã.

A onda anti-indígena em curso no Brasil hoje não acabou com a decisão do STF.

Especialmente pelos argumentos que aparentemente tornariam a decisão ambígua.

O bate papo dos ministros deu indicativos de que o STF empurrou para o Legislativo e o Executivo a pressão contrária aos índios.

E o Executivo tenta argumentar que vai se "inspirar" na decisão para agir de acordo com seus interesses e editar, novamente, normas que restringem direitos.

No entanto, por mais que se mire os índios como adversários de seus interesses, no caso do governo e ruralistas, em um aspecto o STF foi claro, sem nenhuma ambiguidade: vai ser preciso respeitar a Constituição Federal de 1988.

Caso ela seja mudada, tudo muda. Mas, hoje, o que vale é a Constituição e o sistema jurídico de hierarquia das normas e a separação dos poderes.

A Casa Grande, representada pelos grandes detentores de terras que não admitem interferências em seus negócios, vai ter de aceitar. 

Assim como o governo, submetido a um controle constitucional. Essa é a regra do jogo do "contrato social" que constitui o Brasil.

Conforme alerta o Conselho Indigenista Missionário, os desafios 
enfrentados pelos povos indígenas não foram resolvidos:

"O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) ressalta, todavia, que o encerramento do julgamento e a publicação do acórdão da Petição 3388 não servirão para cessar as problemáticas no tocante a questão das terras tradicionais dos povos indígenas.

É de se presumir que as forças político econômicas anti-indígenas continuem o ataque violento que vem desferindo contra os povos e seus direitos constitucionalmente estabelecidos."

Caso caia um meteorito em Brasília, cuja possibilidade alertou o ministro Barroso, muita coisa pode acontecer.

No entanto, mesmo assim, as 19 condicionantes formuladas por Menezes Direito não serão aplicadas fora do caso da Raposa Serra do Sol.

(*) Felipe Milanez, pesquisador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Felipe Milanez escreve sobre meio ambiente, conflitos sociais e questões indígenas. É também pesquisador visitante na Universidade de Manchester e integra o European Network of Political Ecology (Entitle). 

Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/blogs/blog-do-milanez/raposa-serra-do-sol-stf-garante-direitos-constitucionais-indigenas-6541.html

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Marina na Rede do Itaú

25/10/2013 - A Rede da Marina, a Rede do Itaú, Marina na Rede do Itaú, e Marcelo Mirisola.
Ou 'Caiu na Rede é...trouxa'.
- Antonio Mello em seu blog do Mello

- Teria sido apenas uma incrível coincidência?
- Teria sido feito de caso pensado?

- Quem nasceu primeiro, o ovo (Rede) da Marina ou a galinha (Rede) do Itaú?


Logo após a ex-senadora Marina Silva tentar e não conseguir registrar seu Rede, no TSE, o banco Itaú, que tem uma das herdeiras da família Setúbal, Maria Alice Setúbal [foto], como uma das principais apoiadoras da Rede, o banco Itaú, eu dizia, resolveu que seu Redecard passaria a se chamar apenas Rede.

Num notável sincronismo, uma Rede balança a outra, tentando pegar os peixes-otários, os trouxas que somos nós - pelo jeito é o que pensam que somos.

Não vejo chiadeira contra essa tramoia canalha do partido sem registro com o banco sem vergonha, que quanto mais fatura e lucra, mais demite. Ou alguém aí leu alguma declaração de 
Marina sobre este excesso de Redes?

Para comentar essa miscelânea política, ou melhor, essa promiscuidade safada que nos tenta impingir gato (Rede de Marina) por lebre (Rede do Itaú), fui buscar trechos de um artigo do escritor Marcelo Mirisola, na época comentando outra miscelânea, esta cultural, envolvendo o mesmo banco e a mesma Maria Alice Setúbal: A nova senzala (transversalidades)

Fonte:
http://blogdomello.blogspot.co.at/2013/10/a-rede-da-marina-rede-do-itau-marina-na.html


31/03/2013 - A nova senzala (transversalidades)
- Por Marcelo Mirisola
- blog Congresso em foco

Não foi uma, nem duas, nem meia dúzia de vezes que tentei publicar um artigo na segunda página da Folha, na seção Tendências/ Debates. Jamais consegui.

Fiquei especialmente contrariado com duas recusas. O primeiro texto, “Boilesen ontem, hoje e sempre”, trata, como todo mundo está careca de saber, da Operação Oban [Operação Bandeirantes, evento da época da ditadura civil-militar].

No segundo texto, “Setubão no forévis”, discorro sobre a morte de Olávo Setúbal, que foi banqueiro desde sempre e prefeito biônico da cidade de São Paulo, indicado por Paulo Egydio Martins num dos períodos mais turbulentos da ditadura militar 
(1975-79).

Não me interessa, agora, divagar sobre esses textos. Vale que, no final das contas, os publiquei aqui no Congresso em Foco. Nenhuma vírgula foi censurada. Só tenho a agradecer a Sylvio Costa, editor deste site.

Pois bem, não é de hoje que me chama a atenção a presença constante de dona Maria Alice Setúbal na seção Tendências/ Debates”, o filé mignon da Folha de S. Paulo.

Dona Maria Alice [foto], como indica o nome, é herdeira de Olavo Setúbal, e provavelmente deve ser acionista do banco Itaú.

Nos créditos de seus artigos, consta que é doutora em Psicologia e presidente dos conselhos do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária da Fundação Tide Setúbal. 

Seus artigos são redundantes. Ela gosta de usar a palavra “transversalidade”.

Não faz muito tempo que os Setúbal se uniram aos Moreira Salles, hoje, os negócios das duas famílias se ramificam em vários segmentos “comunitários” e “culturais”; Waltinho Salles é o mais notório sintoma, digo, o mais notório representante da aliança entre os Salles e os Setúbal.

Quem viu Diários de Motocicleta poderia jurar que o diretor é um revolucionário que, no lugar das armas, teria optado pelo lirismo para combater o monstro das injustiças e do capitalismo. 


Mas é sempre bom lembrar que tanto ele como dona Maria Alice são – antes de qualquer coisa – banqueiros.

O Instituto Moreira Salles é um exemplo impecável de cuidado com o patrimônio artístico brasileiro.

Só para se ter uma pequena ideia, o acervo do IMS reúne cerca de 550 mil fotografias, 100 mil músicas, uma biblioteca com 400 mil itens e uma pinacoteca com mais de 3 mil obras.

As partituras, os arranjos, os suores e piolhos, tudo de Pixinguinha [foto], inclusive a alma, está lá.

As obras de Millôr, Vinicius de Moraes, Décio de Almeida Prado, entre dezenas de músicos, artistas plásticos e escritores, constam do espólio Moreira Salles.

Aqui, eu me pergunto: esse tesouro foi comprado ou doado? Caso a primeira opção seja verdadeira, seria correto dizer que as almas desses artistas – embora estejam abertas a visitação – são de propriedade dos Moreira Salles? Tudo estaria perdido se não fosse a benevolência dos Salles? O que o Estado brasileiro tem a dizer a respeito? E das calcinhas do Wando, quem é que cuida?

O império cultural dos banqueiros abarca, além do IML, digo, IMS, a folha de pagamento das mais ilustres mentes do país (estes – ainda – não morreram), e contabiliza, além da revista de ensaios Serrote, a revista Piauí, cujo editor-chefe é Joaozinho Salles, irmão de Waltinho.

Às vezes, é curioso notar que a Piauí deixa escapar um certo ranço da praça Vilaboim, sobretudo na publicidade inteligente” que vende antes das sessões de cinema, cujas salas de exibição são deles mesmos.

Pois os irmãos Salles têm o domínio, digamos assim, de toda cadeia produtiva: desde os sets de filmagem até a pipoca antes, durante e depois dos Dogvilles aos quais somos
pleonasticamente (e sem vaselina) incluídos.

Existe – reparem – uma inércia materna (ou imanência…) que paira sobre os caixas eletrônicos e os cines-Itaú. A gente se ferra e acha que banco é cinema.

Do que eu falava? Ah, sim de dona Maria Alice. Já volto à dona Maria Alice, agora vou falar um pouco da revista Piauí.

Ah, como eu queria escrever na Piauí! Uma revista que disfarça a afetação como quem não quer exatamente disfarçar a afetação que, afinal de contas, é sinônimo de qualidade e marca registrada da Pça. Villaboim, sabem aquele ricaço que não usa meia?

A revista dos Moreira Salles, além de forçar uma casualidade, cultiva um humor elegante na medida exata de um aparente descompromisso com a grossura e vulgaridade das demais publicações do ramo.

Como se a Piauí, enfadada por natureza, proclamasse: “vejam só que lixo é a Bravo! … mais um produto da linha de montagem da Abril, os bregas publicam Capricho e Veja, nós não: somos iguais mas somos diferentes”.

Piauí faz o tipo cínico elegante, avant-garde goiabada cascão, PT do PSDB, mocassim sem meia.

Mas não se enganem! Os publishers são banqueiros e esse descompromisso serve apenas para distrair os órfãos de uma direita envergonhada que sofre porque a calle 23 em El Vedado não é uma travessa da Rua Maranhão (eu penso que isso é positivo, e já enviei dois textos pra lá que foram recusados… será que dona Maria Alice também é colaboradora da Piauí?);

E assim, resumidamente, numa barafunda de boas intenções e um inferno que está repleto de casualidades premeditadas, canelas nuas e um charme indisfarçável, guichês intransponíveis e juros estratosféricos, ficamos com a impressão de que a agiotagem é apenas um insignificante detalhe diante das inegáveis contribuições dos clãs Moreira Salles e Setúbal para a cultura brasileira.

Painel - Burle Marx - IML
Mas não é. Evidentemente não é. E eu digo isso porque sou correntista do banco Itaú, pago altos juros pra dona Maria Alice Setúbal e também sou leitor de suas intervenções na seção 
Tendências/ Debates da Folha de S. Paulo. Gostaria de acreditar que o jornal ainda não foi absorvido pelo acervo do Instituto Moreira Salles (IML).

Voltando à dona Maria Alice Setúbal.

O que madame teria de tão importante para acrescentar, tirante suas “transversalidades”, ao debate de ideias, ou, mais especificamente, por que as idéias dela são tão relevantes para desfilar na seção Tendências/ Debates da Folha?

Vou arriscar um diagnóstico.

Os textos de madame costumam ter a marca indelével que conduz do óbvio ao ululante, são como folders, propagandas de condomínio que indicam, ou melhor, cobram o caminho da felicidade, apesar de a felicidade, pobre e acuada felicidade, não ter sido consultada a respeito de tão nobre encaminhamento. 

Mas uma coisa dona Maria Alice sabe fazer, algo que circula em seu sangue de agiota, ela sabe cobrar.

No seu último artigo, “Novas formas de aprender e ensinar”, publicado no dia 27 de março, dona Maria Alice Setúbal aposta na “inteligência coletiva” que – segundo sua bola de cristal high-tech – está na iminência de ser consumada pela força da revolução tecnológica.

Madame não costuma deixar lacunas porque cumpre sua função, repito, que é levar o nada a lugar nenhum com a marca da excelência, como se o mundo fosse uma agência bancária cor-de-laranja protegido por portas giratórias e slogans de publicidade.

Não obstante, dessa vez, madame deu uma vacilada.

Dona Maria Alice Setúbal esquece que o lado de fora não tem ar condicionado. Revolucionária, decreta o fim do ensino linear. 

Para madame, o ensino da maioria das escolas – que ainda trabalham com aulas expositivas e livros didáticos – não faz mais sentido diante do conhecimento que é “transversal e produzido nas conexões entre várias informações”.

Bem, esses conhecimentos ou essas conexões, que eu saiba, só existem e funcionam em sua plenitude nos sistemas de cobrança do banco de madame e na bolsa de valores. No mínimo, dona Maria Alice Setúbal, que se imagina mensageira do futuro, é uma debochada.

Convenhamos que a “realidade transversal” que os nossos professores experimentam nas salas de aula têm outros nomes que nem o eufemismo mais engenhoso poderia disfarçar, tais como humilhação, porradaria, salário de merda.

Para coroar seu pensamento revolucionário, dona Maria Alice, sentencia: “Essa transversalidade se expressa nas demandas das empresas e nas expectativas dos jovens”.

Que jovens são esses? Aqueles que madame adestra em seus canis cor-de-laranja? Qual a expectativa deles? Telefonar pras nossas casas às sete horas da manhã para nos lembrar que somos devedores do Itaú? Ou a expectativa desses jovens é subir na vida, e virar gerente de banco?

Dona Maria Alice vai além e se entrega, ela acredita que a tecnologia vai produzir “pessoas que saibam resolver problemas, comunicar-se claramente, trabalhar em equipe e de forma colaborativa. Que usem as tecnologias com desenvoltura para selecionar, sistematizar e criticar informações. E que sejam inovadoras e criativas”.

Ora, madame quer empregados que não a incomodem, e encerra seu raciocínio ou exige, de forma impositiva e castradora: “E que sejam inovadoras e criativas”.

Não querendo fazer leitura subliminar, nem ser Lacaniano de buteco, mas esse “E que sejam inovadoras e criativas” é de amargar, hein, madame?

O artigo de dona Maria Alice é uma ordem de comando. A voz da dona, a mulher que visivelmente não pode ser contrariada. Difícil ler e não sentir-se um empregadinho dela.

Ao mesmo tempo em que ordena “inovação e criatividade”, elimina a possibilidade de reação: “para fazer da tecnologia uma aliada da educação, é preciso vencer o medo do novo e superar a cultura da queixa”.

Como se madame dissesse: “Publiquem meu artigo genial, obedeçam, e calem a boca. O futuro é meu, e se eu disser que é coletivo e cor-de-laranja, dá na mesma”.

O pior é que os filmes do Waltinho Salles são feitos no mesmo diapasão. A mesma lógica, a diferença é que ele ordena lirismo.

Eles são banqueiros! Em vez de desfilarem seus preconceitos e visões de mundo revolucionárias nas páginas dos jornais, na “pedagogia”, nos cinemas, no mundo do entretenimento e nas artes em geral, essa gente faria muito mais pela sociedade e pela cultura se extinguisse suas financeiras e baixasse os juros pros pobres coitados de seus correntistas.

Não desejo a fila da Taií pros meus coleguinhas escritores nem pros rappers que frequentam os saraus do Itaú cultural.

Até a alma do Leminski (“ocupação Leminski”) eles compraram.

Eu falava de madame (versão 2013) que diz que samba é coisa de gente elegante. Dessa vez a visita periódica que madame faz à sua cozinha, também conhecida como “Tendências/Debates”, 
ultrapassou o terror costumeiro, e, no lugar de marcar presença e autoridade, madame só fez azedar o cuscuz.

Ela devia ser mais discreta, como Olavão, [Olavo Setúbal, foto] o patriarca, o banqueiro. Não se deve confiar demais na vassalagem (leia-se correntistas e leitores).

No mesmo dia que madame publicou seu artigo, aconteceu uma coincidência reveladora, logo acima do texto de sinhá, no “Painel do leitor”, uma dona de casa, Mara Chagas, reclamava enfurecida da nova lei das empregadas domésticas, e fazia coro – às avessas, mas coro – à mme. Setúbal: 

As empregadas domésticas não trabalham aos sábados, não cumprem as oito horas diárias, o serviço tem que ser ensinado (não são mão de obra especializada), almoçam e lancham na casa dos patrões sem cobrança alguma e faltam sem avisar. Como ficará o empregador diante disso?

Eis a questão.

Pelo menos dona Mara Chagas, a leitora, foi honesta e direta, e não precisou de transversalidades” para exprimir suas ideias revolucionárias.

E o melhor: ela não vai concorrer ao Oscar, e jamais vai se manifestar no “Tendências/ Debates”. Nem ela, nem eu.

(*) Marcelo Mirisola é uma das grandes revelações da literatura brasileira dos anos 1990. Formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra as panelinhas do mundo cultural. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Ed. 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.

Fonte:
http://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/colunistas/a-nova-senzala-transversalidades/


Perguntinha do blog: Será que a recente proposta de "disruptura" da Marina [foto] foi inspirada nas "transversalidades" da sua, agora, amiga de infância Maria Alice?

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

As lições de Libra

25/10/2013 - Mauro Santayana em seu blog

(JB) - A mobilização de várias organizações, e a greve dos petroleiros, com a apresentação de dezenas de ações na justiça, não conseguiu impedir que o Leilão de Libra fosse realizado, com a vitória de duas estatais chinesas, duas multinacionais européias, e participação, em 40%, da Petrobras.

Obviamente, do ponto de vista do interesse nacional, o ideal seria que o negócio tivesse ficado totalmente com a Petrobras, ou melhor, com outra empresa, 100% estatal e brasileira (a PPSA não tem estrutura de produção  própria) que fosse encarregada de operar exclusivamente essas reservas.

Não podemos esquecer que a Petrobras – por obra e arte sabe-se muito bem de quem - não é mais uma empresa totalmente nacional.

Os manifestantes que enfrentaram a polícia, nas ruas do Rio de Janeiro, ontem, estavam – infelizmente - e muitos nem sabem disso, defendendo não a Petrobras do “petróleo é nosso”, mas uma empresa que pertence, em mais de 40%, a capitais privados nacionais e estrangeiros, que irão lucrar, e muito, com o petróleo de Libra nos próximos anos.

De qualquer forma, a lei de partilha, da forma como foi aprovada, praticamente impedia que a Petrobras ficasse com 100% do negócio.

Além disso, institucionalmente, a empresa tem sido sistematicamente sabotada, nos últimos anos, pelo lobby internacional do petróleo.

cometeram-se, no Brasil, diversos equívocos que a enfraqueceram empresarialmente, o mais grave deles, o incentivo dado à venda de automóveis, sem que se tivesse assegurado, primeiro, fontes alternativas – e, sobretudo nacionais – de combustível.

A questão geopolítica é, também, bastante delicada. O Brasil lançou-se, com determinação e talento, à pesquisa de petróleo na zona de projeção de nosso território no Atlântico Sul, antes 
de estar militarmente preparado para defendê-la.

O embate entre certos segmentos da reserva das Forças Armadas - principalmente aqueles que fazem lobby ou estão ligados a empresas de países ocidentais – e militares nacionalistas que propugnam que se busque tecnologia onde ela esteja disponível, como os BRICS, tem atrasado o efetivo rearme do país, que, embora necessário, deve ser conduzido com cautela, para não provocar nem atrair demasiadamente a  atenção de nossos adversários.

O mundo está mudando, e o Brasil com ele.
Seria ideal se pudéssemos simplesmente virar as costas para os países ocidentais - que sempre exploraram nossas riquezas e tudo fizeram para tolher nosso desenvolvimento - e nos integrarmos, de uma vez por todas, ao projeto BRICS, e a países como a China e a Índia, que estarão entre os maiores mercados do mundo nas próximas décadas.

Esse movimento de aproximação com os maiores países emergentes –  lógico e inevitável, do ponto de vista histórico – terá que ser feito, no entanto, de forma paulatina e ponderada. 

Parte da sociedade ainda acredita – por ingenuidade, interesse próprio ou falta de brio, mesmo – que para sermos prósperos e felizes basta integrarmo-nos e sujeitarmo-nos plenamente à Europa e aos Estados Unidos.

E que temos que abandonar toda veleidade de assumir um papel de importância no contexto geopolítico global, mesmo sendo a sexta maior economia e o quinto maior país do mundo em território e população.

É essa contradição e esse embate, que vivemos hoje, em vários aspectos da vida nacional, incluindo a defesa e a exploração de petróleo. É preciso explorar o petróleo do pré-sal e nos armar, para, se preciso for, defendê-lo.

Mas, nos dois casos, não podemos esperar para fazê-lo nas condições ideais.

O resultado do Leilão de Libra reflete, estrategicamente, essa contradição geopolítica. Mesmo que esse quadro não tenha sido ponderado para efeito da negociação, ele sugere que se buscou 
uma solução feita, na medida, para agradar a gregos e troianos. 

Sem deixar de mandar um recado aos norte-americanos.


Independente da questão de capital e de tecnologia – a da Petrobras é  superior à dos outros participantes do consórcio – poderíamos dizer que:
a) Os chineses entraram porque, como membros do BRICS, e parceiros antigos em outros projetos estratégicos, como o CBERS, não poderiam ficar de fora.
b) Os franceses foram contemplados porque são também parceiros estratégicos, no caso, na área bélica, por meio do PROSUB, na construção de nossos submarinos convencionais e atômico.
c) Os anglo-holandeses da Shell – mais os ingleses que os holandeses – entraram não só para reforçar a postura de que o Brasil não estava fechando as portas ao “ocidente”, mas também para tapar a boca de quem, no país e no exterior, dizia que o leilão estaria fadado ao fracasso devido à ausência de capital privado.

O lobby internacional do petróleo, no entanto, não descansa.


Antes e depois do resultado do leilão, já podia ser lido em dezenas de jornais, do Brasil e do exterior, que o modelo de 
partilha, do jeito que está, é insustentável e terá que ser mudado.

Apesar da declaração do Ministro de Minas e Energia de que o governo não pretende alterar nada – e da defesa dos resultados do leilão feita pela Presidente da República na televisão – já se 
fala na pele do urso e as favas se dão por contadas.

Os argumentos são de que não houve concorrência – interessante, será que o “mercado” pretendia que o governo ficasse com mais petróleo do que ficou? – que a Petrobras não tem escala para assumir os poços que serão licitados no futuro – uma “consultoria” estrangeira disse que a Petrobras já está com “as mãos cheias” com Libra, e as exigências de conteúdo local.

Isso tudo quer dizer o seguinte: a guerra pelo petróleo brasileiro não acaba com o leilão de Libra. Ela está apenas começando, e vai ficar cada vez pior.

Já que não podemos ter o ideal, fiquemos com o possível.

Os desafios para a Petrobras, daqui pra frente, serão tremendos, tanto do ponto de vista institucional, quanto do operacional, na formação e contratação de mão de obra, no gerenciamento de projetos, no endividamento, no conteúdo nacional.

É hora de cerrar fileiras em torno daquela que é – com todos os seus problemas - a nossa maior empresa de petróleo.

A sorte está lançada. A partir de agora, os adversários do Brasil, e da Petrobras, vão fazer de tudo para que ela se dê mal no pré-sal.

Fonte:
http://www.maurosantayana.com/2013/10/as-licoes-de-libra.html