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domingo, 26 de janeiro de 2014

Indígenas brasileiros em águas represadas

22/01/2014 - Indígenas brasileiros convivem mal com as águas represadas
- por Mario Osava, da Inter Press Service (IPS) - Envolverde

Foz do Iguaçu e Paulo Afonso, Brasil, 22/1/2014 – A hidrelétrica de Itaparica [foto] ocupou território dos indígenas pankararu, mas enquanto outros foram compensados, a eles coube apenas perder suas terras e o acesso ao rio São Francisco, queixam-se líderes desse povo do Nordeste do Brasil.

Já não comemos pescado como antes, mas o maior dano foi a perda da cascata sagrada, onde realizávamos nossos ritos religiosos”, lamentou à IPS o cacique José Auto dos Santos.

Quase 200 quilômetros rio abaixo, a comunidade indígena xokó sofre a diminuição de água, contida acima por grandes represas que suprimiram as cheias estacionais e regulares do São Francisco, inviabilizando os arrozais de aluvião e reduzindo drasticamente a pesca.

Efeitos semelhantes são temidos no rio Xingu [foto], na Amazônia, onde a construção da central de Belo Monte desviará parte das águas do trecho conhecido como Volta Grande, o que afetará os povos juruna e arara.

Cerca de 2.500 quilômetros ao sul, os avá-guarani assentados às margens da represa de Itaipu, na fronteira com o Paraguai, se dedicaram à piscicultura para manter seu alto consumo tradicional de pescado, em uma população crescente e com escassa terra para cultivar.

Nos anos 1970 e 1980, emergiu no Brasil uma geração de indígenas de águas paradas, quando o país construiu numerosas centrais hidrelétricas, algumas gigantescas como Itaipu, compartilhada com o Paraguai, e Tucuruí [foto], na Amazônia oriental, ambas inauguradas em 1984.

No São Francisco, cujo maior trecho cruza terras semiáridas, foram instaladas cinco centrais, que alteraram seu fluxo fluvial.

Uma delas, Sobradinho [foto], exigiu uma represa de 4.214 quilômetros quadrados, um dos maiores lagos artificiais do mundo, segundo sua operadora, a estatal Companhia Hidrelétrica do São Francisco, que tem outras 13 centrais na região nordestina.

A abertura de Sobradinho, em 1982, acabou com a plantação de arroz em terras inundáveis do território xokó, cerca de 630 quilômetros rio abaixo, contaram à IPS seus moradores.

O ciclo anual de cheias praticamente desapareceu no Baixo São Francisco desde 1986, quando foi criada em Pernambuco a represa de Itaparica, de
828 quilômetros quadrados, que regula o fluxo auxiliar de Sobradinho.

Assim, se pôs fim ao aluvião, que fertilizava os arrozais e enchia ciclicamente de peixes os lagos conectados ao rio por um canal.

Sem corrente, o rio perde força, é um prato plano que se cruza a pé”, descreveu Lucimário Apolônio Lima [foto], o cacique xokó, com uma juventude incomum entre líderes indígenas.

O jovem cacique xokó Apolônio Lima busca novas formas de sustento para seu povo, depois que a represa de Itaparica cortou suas atividades tradicionais de agricultura e pesca, dependentes das águas do rio São Francisco.

Com 30 anos, explicou à IPS que busca para sua gente, pouco mais de 400 pessoas, um futuro sustentável. Para isso, estimula a apicultura e outras produções alternativas, luta pela revitalização do São Francisco e se opõe à transposição de suas águas para combater secas no norte, um megaprojeto do governo federal.

Antes de fazer isso, é preciso dar vida ao rio, os doentes não doam sangue para transfusões”, afirmou o cacique.

Meus avós já asseguravam que as margens do São Francisco morreriam. Eu não, mas meus netos o verão”, profetizou à IPS o xamã Raimundo Xokó, de 78 anos.

Para os pankararu, estabelecidos a cinco quilômetros da muralha que represa as águas em Itaparica, as ribeiras fluviais são coisa do passado.

Seus líderes se sentem roubados.

Não temos onde pescar, a empresa tomou nossa terra, desconhecendo nosso direito legal até a margem”, explicou à IPS o xamã José João dos Santos, mais conhecido como Zé Branco.

O ex-cacique Jurandir Freire, apelidado de Zé Índio, luta por indenizações milionárias, porque os indígenas foram excluídos das compensações por sua terra inundada, ao contrário dos municípios, cujas prefeituras recebem benefícios, e os camponeses assentados nas chamadas agrovilas com áreas irrigadas.

Zé Índio esteve preso e perdeu seu cargo por liderar, em 2001, um protesto que danificou linhas de transmissão elétrica da central, que passam por montanhas do território pankararu sem compensação alguma.

A terra fértil, em um vale e ladeiras montanhosas que favorecem uma umidade que contrasta com a semiaridez à sua volta, é outra fonte de conflitos.

Desde a demarcação da Reserva Pankararu, em 1987, os indígenas pressionam o governo para retirar os agricultores brancos que ocupam a melhor parte.

Minha avó nasceu ali e morreu aos 91 anos, isso há cinco”, disse Isabel da Silva para defender que sua família e outras vizinhas pertencem ao território pankararu há mais de um século.

“Segundo a lei, temos que sair, mas fazer isso seria uma injustiça”, disse à IPS esta funcionária do Polo Sindical de Trabalhadores Rurais do Submédio São Francisco, que conseguiu o reassentamento de quase seis mil famílias camponesas afetadas pela central de Itaparica.

Há 435 famílias ameaçadas de expulsão há duas décadas, em uma medida que demora por falta de terra para reassentá-las, justificam as autoridades.

O povo pankararu vive em uma reserva de 8.376 hectares e em 2003 contava com 5.584 integrantes, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), responsável pela proteção das populações originárias.

Mas outros milhares emigraram para as cidades, especialmente São Paulo, onde mantêm sua identidade e se reúnem em ritos religiosos e festas indígenas. Com terra menos escassa, muitos regressariam, espera Zé Índio.

A escassez de terra também impacta os ocoy, situados nas margens da represa de Itaipu.

São 160 famílias, cerca de 700 pessoas, que sobrevivem em apenas 250 hectares, a maioria de florestas protegidas, vedada à agricultura.

A piscicultura, impulsionada pela empresa Itaipu Binacional, surgiu como alternativa para completar sua alimentação, diante da queda da pesca tradicional e das limitações agrícolas.

Os indígenas se destacaram entre os 850 pescadores que se somaram à iniciativa, “talvez por sua cultura, vinculada à água”, destacou à IPS o diretor de coordenação e meio ambiente da companhia, Nelton Friedrich [foto].

Com 40 tanques rede [foto abaixo], a comunidade ocoy obtém quase seis toneladas de pescado por ano, segundo o vice-cacique Silvino Vass.

No entanto, esta não é sua maior fonte alimentar e poucos participam diretamente da atividade, segundo pesquisa acadêmica realizada em 2011 por Magali Stempniak Orsi.

Além disso, os indígenas dependem muito da empresa, que lhes fornece os alevinos e a alimentação para os peixes, disse a pesquisadora, segundo a qual o projeto deve promover maior participação comunitária.

Os ocoy precisam de assistência alimentar para completar suas necessidades, ao contrário de duas vizinhas comunidades avá-guarani, que contam com mais terras doadas pela Itaipu Binacional e mais produção agrícola.

Em todo caso, o apoio de Itaipu aos indígenas locais é uma exceção entre as centrais hidrelétricas.

Além de buscar alternativas de desenvolvimento para eles, cuida da sustentabilidade de toda sua sub-bacia, com o Programa Cultivando Água Boa, um conjunto de 65 ações ambientais, sociais e produtivas.

Envolverde/IPS

Fonte:
http://envolverde.com.br/sociedade/indigenas-brasileiros-convivem-mal-com-aguas-represadas/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

terça-feira, 18 de junho de 2013

O renascimento indigena sob fogo cruzado



por Mario Osava, da IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 17/6/2013 – Os tratores e as máquinas com as quais fazendeiros e outros grandes agricultores bloquearam estradas no dia 14, em mais de dez pontos de norte a sul do Brasil, destacaram o poder econômico do setor que se levantou contra a demarcação de terras indígenas. A presença de senadores e deputados nos protestos indica o crescente poder político dos ruralistas, que frequentemente impõem derrotas parlamentares ao governo que, nominalmente, desfruta de ampla maioria no Congresso.

A “paralisação nacional” de atividades, convocada pela Frente Parlamentar Agropecuária, mobilizou uns poucos milhares de pessoas em alguns lugares e centenas em outros, mas é apenas parte de uma ofensiva dos fazendeiros contra a criação de novos territórios indígenas ou a ampliação dos existentes. Modificar a Constituição de 1988, que assegura aos povos indígenas o “usufruto exclusivo” de terras que ocupavam tradicionalmente, em uma extensão suficiente para sua “reprodução física e cultural”, é o maior objetivo dos ruralistas, que em 2012 já conseguiram revisar o Código Florestal em benefício próprio e em detrimento do meio ambiente.

Outras medidas reclamadas, como participação dos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário e de centros de pesquisa agrícola no processo de demarcação, objetivam conter o reconhecimento de novas reservas indígenas. Compõem “um retrocesso completo”, segundo Marcos Terena, funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai), o órgão governamental responsável pela política para o setor, e veterano líder de lutas pela afirmação e autonomia dos povos originários.

Para os ruralistas se trata de “uma disputa patrimonial”, desejam expandir o grande negócio agropecuário como sempre, tomando terras públicas, em áreas não ocupadas ou atribuídas à conservação e a povos tradicionais, afirmou Marcio Santilli, especialista do não governamental Instituto Socioambiental e ex-presidente da Funai. Por isso buscam definir como simples conflito agrário o caso de terras identificadas como indígenas que incluem áreas privadas, que são legalmente inadmissíveis e condenadas à evacuação.

Em numerosas ocasiões são posses ilegais, mas no Mato Grosso do Sul muitos fazendeiros têm títulos de propriedade válidos, reconhecidos por governos anteriores. Ali, grande quantidade dos conflitos se prolonga há décadas e se tornaram sangrentos. Esse Estado pecuário e grande produtor de soja concentrou 57% dos 560 assassinatos de indígenas ocorridos entre 2003 e 2012 no Brasil, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica. Nem todos os homicídios se devem a disputas pela terra, mas a matança reflete a absoluta assimetria no confronto entre ruralistas e indígenas.

As mortes violentas não impediram uma explosão demográfica inimaginável há três ou quatro décadas, quando a população indígena parecia ameaçada de extinção. Nos anos 1980, estimava-se que no Brasil só restassem pouco mais de 200 mil integrantes dos povos originários. Contudo, no censo de 2010, 896.917 pessoas se declararam indígenas, o triplo de 1991, quando essa categoria passou a ser incluída entre as opções étnicas para autoidentificação das pessoas entrevistadas pelos recenseadores.

Não foi apenas a natalidade que triplicou a população. O reconhecimento na Constituição de 1988 dos direitos das minorias étnicas estimulou um renascimento indígena, que fez recuperar a identidade, mesmo mos que vivem fora de suas aldeias originais. Dos autoidentificados como indígenas em 2010, 36% vivem em cidades. Há “aldeias urbanas” em várias delas, como Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul.

A ressurreição alimenta avanços na educação indígena, às vezes com o resgate da língua originária, nas raízes culturais e na adoção de novas tecnologias. Em cerca de dez anos, “um fator novo” determinará o desenvolvimento dos povos indígenas e suas relações com a sociedade envolvente, pontuou Terena. “São os doutores indígenas”, que estão se formando nas universidades, “sem perder sua cultura própria”, especialmente no sul do Brasil, destacou.

Este ciclo representou uma virada na história brasileira de etnocídio desde a chegada dos colonizadores em 1500, quando, se estima, cinco milhões de indígenas habitavam o atual território nacional. Agora, no entanto, enfrentam novas ameaças. Além dos ruralistas, que buscam fechar as instituições que alimentaram o renascimento indígena, grandes projetos de infraestrutura na Amazônia tendem a alterar as condições tradicionais em que vivem vários povos originários.

A construção de dezenas de hidrelétricas, planejadas para os rios da bacia amazônica nos próximos anos, está intensificando as lutas entre indígenas, construtoras e governo. Às repetidas invasões indígenas na hidrelétrica de Belo Monte, em construção no rio Xingu, um grande afluente do Amazonas, no Estado do Pará, corresponde um recrudescimento da repressão policial. Esse clima de exasperação culminou com a morte de Oziel Gabriel no dia 30 de maio, aparentemente causada por um disparo da polícia no município de Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul.

A tragédia aconteceu durante uma operação policial, ordenada pela justiça, para retirar centenas de indígenas que haviam ocupado uma fazenda, identificada como parte do território tradicional dos terenas há 13 anos. Contraditórias decisões judiciais e dificuldades para indenizar o proprietário vão dilatando o processo. A correlação de forças e a prioridade que o governo dá ao desenvolvimento econômico são totalmente adversas para os indígenas.

Entretanto, eles contam com a Constituição, convênios internacionais e uma opinião pública internacional que defende a diversidade humana. Com a consciência e os valores hoje consolidados, “a sociedade brasileira não permitiria retrocessos nos direitos reconhecidos na Constituição”, declarou Paulo Maldos, secretário nacional de Articulação Social do governo federal, cuja função já o levou a perigosas negociações com grupos indígenas rebelados.

A repercussão negativa desestimula atos antiaborígines. Cada indígena assassinado, como Gabriel, se converte em um mártir que realça a resistência de seus povos. Por isso é possível que essa morte neutralize, ou pelo menos modere por algum tempo, a ofensiva ruralista contra territórios ancestrais. Segundo a Funai, há no país mais de 450 territórios indígenas em processo de demarcação, que somam mais de cem mil hectares, enquanto outra centena de territórios está em fase de identificação.

Fonte:Envolverde/IPS

 http://envolverde.com.br/ambiente/o-renascimento-indigena-brasileiro-sob-fogo-cruzado/

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O futuro dos índios

16/02/2013 - Entrevista com Manuela Carneiro da Cunha
- Por Guilherme Freitas no blog Combate ao Racismo Ambiental

Muitas vezes vistos como “atrasados” ou como entraves à expansão econômica, os povos indígenas apontam, com seus saberes e seu modo de se relacionar com o meio ambiente, um caminho alternativo para o Brasil, diz a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha (foto abaixo), que lança coletânea de ensaios sobre o tema.

Em “Índios no Brasil: História, direitos e cidadania” (Companhia das Letras), ela reúne ensaios das últimas três décadas sobre temas como a demarcação de terras e as mudanças na Constituição.

Nesta entrevista, a professora da Universidade de Chicago, convidada pelo governo federal para desenvolver um estudo sobre a relação entre os saberes tradicionais e as ciências, critica o "desenvolvimentismo acelerado" da gestão Dilma e defende "um novo pacto" da sociedade com as populações indígenas.

Índios no Brasil” é uma compilação de textos publicados desde o início da década de 1980. Ao longo desse período, quais foram as principais mudanças no debate público brasileiro sobre as populações indígenas?

Eu colocaria como marco inicial o ano de 1978, ano em que, em plena ditadura, houve uma mobilização sem precedentes em favor dos direitos dos índios. Na época, o Ministro do Interior, a pretexto de emancipar índios de qualquer tutela, queria “emancipar” as terras indígenas e colocá-las no mercado. O verdadeiro debate centrava-se no direito dos índios às suas terras, um princípio que vigorou desde a Colônia. Nesse direito não se mexia. Mas desde a Lei das Terras de 1850 pelo menos, o expediente foi o mesmo: afirmava-se que os índios estavam “confundidos com a massa da população” e distribuía-se suas terras.

Em 1978, tentou-se repetir essa mistificação. A sociedade civil, na época impedida de se manifestar em assuntos políticos, desaguou seu protesto na causa indígena. Acho que o avanço muito significativo das demarcações desde essa época teve um impulso decisivo nessa mobilização popular.

Outro marco foi a Assembleia Constituinte, dez anos mais tarde. O direito às terras tendo sido novamente proclamado e especificado, o debate transferiu-se para o que se podia e não se podia fazer nas terras indígenas, e dois temas dominaram esse debate: mineração e hidrelétricas.

Muito significativa foi a defesa feita pela Coordenação Nacional dos Geólogos de que não se minerasse em áreas indígenas, que deveriam ficar como uma reserva mineral para o país. Desde essa época, as mudanças radicais dos meios de comunicação disseminaram para um público muito amplo controvérsias como a que envolve por exemplo Belo Monte e hidrelétricas no Tapajós, e situações dramáticas como as dos awá no Maranhão ou dos kaiowá no Mato Grosso do Sul.

Creio que a maior informação da sociedade civil mudou a qualidade dos debates. Um tema novo de debates surgiu com a Convenção da Biodiversidade, em 1992, o dos direitos intelectuais dos povos indígenas sobre seus conhecimentos. E finalmente, com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), está se debatendo a forma de colocar em prática o direito dos povos indígenas a serem consultados sobre projetos que os afetam.

Você observa que a população indígena no país aumentou de 250 mil pessoas, em 1993, para 897 mil, segundo o Censo de 2010. A que pode ser atribuído esse aumento? As políticas de demarcação de terras e promoção dos direitos indígenas têm correspondido a ele?

O grande aumento da população indígena se deu no período de 1991 a 2000. Entre 2000 e 2010, o aumento foi proporcionalmente menor do que na população em geral. Só uma parcela desse crescimento pode ser atribuído a uma melhora na mortalidade infantil e na fertilidade. O que realmente mudou é que ser índio deixou de ser uma identidade da qual se tem vergonha. Índios que moram nas cidades, em Manaus por exemplo, passaram a se declarar como tais. E comunidades indígenas, sobretudo no Nordeste, reemergiram. Mas, contrariamente ao que se pode imaginar (e se tenta fazer crer), essas etnias reemergentes não têm reclamos de terras de áreas significativas.

Como avalia a atuação do governo da presidente Dilma Rousseff em relação às populações indígenas, diante das críticas provocadas pela Portaria 303 (que limitaria o usufruto das terras indígenas demarcadas) e o novo Código Florestal, por exemplo?

O Executivo tem várias faces: seu programa de redistribuição de renda está sendo um sucesso; mas seu desenvolvimentismo acelerado atropela outros valores básicos. Além disso, o agronegócio só tem aumentado seu poder político, o que desembocou no decepcionante resultado do aggiornamento do Código Florestal em 2012. O governo tentou se colocar como árbitro, mas ficou refém de um setor particularmente míope do agronegócio, aquele que não mede as consequências do desmatamento e da destruição dos rios.

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências, em vários estudos enviados ao Congresso e publicados, apresentaram as conclusões e recomendações dos cientistas. Foram ignoradas. Agora acaba de sair um estudo do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia) que reitera e quantifica uma das recomendações centrais desses estudos. Para atender à demanda crescente de alimentos, a solução não é ocupar novas terras, e sim aumentar a produtividade, particularmente na pecuária, responsável pela ocupação de novos desmatamentos.

O governo tem um papel fundamental a desempenhar: cabe a ele estabelecer segurança, regularizando o caos que hoje reina na titulação das terras no Brasil. Basta ver que, como se noticiou há dias, as terras tituladas no Brasil ultrapassam as terras que realmente existem em área equivalente a mais de dois estados de São Paulo. Um cadastro confiável é perfeitamente possível, é preciso vontade política para alcançá-lo.

Você perguntou especificamente pela Portaria 303/2012, da Advocacia Geral da União, que pretende abusivamente estender a todas as situações de terras indígenas as restrições decididas pelo STF para o caso complicadíssimo de Raposa Serra do Sol em Roraima.

Ela é mais um sintoma de tendências contraditórias dentro do Executivo, que, por um lado, conseguiu “desintrusar” pacificamente uma área xavante, mas, por outro lado, admite uma portaria como essa. Ela é um absurdo, e não é à toa que foi colocada em banho-maria pelo governo. Foi suspensa, mas não cancelada.

A própria Associação Nacional dos Advogados da União pediu em setembro sua revogação e caracterizou sua orientação como “flagrantemente inconstitucional”. Essa portaria também fere pelo menos quatro artigos da Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário.

Em um ensaio da década de 1990, você já falava sobre a disputa por recursos minerais e hídricos em áreas indígenas. Acredita que essas disputas estão mais acirradas hoje?

Já na Constituinte, em 1988, esses dois temas foram centrais. Chegou-se a um compromisso, que estipulava condições para acesso a esses recursos: ouvir as comunidades afetadas e autorização do Congresso Nacional (artigo 231 parágrafo 3).

A disputa não mudou, mas o ambiente político atual favorece uma nova ofensiva da parte dos que nunca se conformaram. E assim surgem novas investidas no Congresso: projetos de lei para usurpar do Executivo a responsabilidade da demarcação das terras e para abrir as áreas indígenas à mineração.

Por sua vez, Belo Monte foi enfiado goela abaixo de modo autoritário: o Executivo atropelou a consulta prévia, livre e informada a que os índios têm direito, e não foram cumpridas condicionantes essenciais acordadas, por exemplo no tocante ao atendimento à saúde indígena.

No ensaio sobre a política indigenista do século XIX, você mostra como naquele momento se consolidou uma visão dos índios como povos “primitivos” que teriam por destino serem incorporados ao “progresso” ocidental. Até que ponto essa ideia persiste hoje?

Essa visão está cada vez mais obsoleta: a noção triunfalista de um progresso medido por indicadores como o PIB é hoje seriamente criticada. Valores como sustentabilidade ambiental, justiça social, desenvolvimento humano e diversidade são parte agora do modo de avaliar o verdadeiro progresso de um país.

Por outra parte, no século XIX, positivistas e evolucionistas sociais puseram em voga a ideia de uma marcha inexorável da História: qualquer que fosse a política, os índios estariam fadados ao desaparecimento, quando não simplesmente físico, pelo menos social. Essa também é uma falácia que a História ela própria desmistificou: os índios, felizmente, estão aqui para ficar.

A História não se faz por si, são pessoas que fazem a História, e seus atos têm consequências. Usa esse entulho ideológico quem carece de argumentos.

No ensaio “O futuro da questão indígena”, você defende a necessidade de “um novo pacto com as populações indígenas” e aponta a “sociodiversidade” como “condição de sobrevivência” para o mundo. Como define “sociodiversidade”, e o que seria esse “novo pacto”?

O Brasil não é só megadiverso pela sua grande diversidade de espécies, ele também é megadiverso pelas sociedades distintas que abriga. Segundo o censo do IBGE de 2010, há 305 etnias indígenas no Brasil, que falam 274 línguas. Essa sociodiversidade é, segundo Lévi-Strauss, um capital inestimável de imaginação sociológica e uma fonte de conhecimento. Um mundo sem diversidade é um mundo morto.

E quanto ao pacto com as populações indígenas que evoco, trata-se do seguinte: os índios que conservaram a floresta e a biodiversidade até agora (basta ver como o Parque Nacional do Xingu é uma ilha verde num mar de devastação) estão sujeitos a grandes pressões de madeireiras e de vários outros agentes econômicos. Nada garante, se as condições não mudarem, que possam continuar nesse rumo. Para o Brasil, que precisa com urgência de um programa de conservação da floresta em pé, um pacto com as populações indígenas para esse fim seria essencial.

Na Rio+20, você participou de um painel sobre as contribuições dos saberes indígenas para as ciências. O que pode ser feito para possibilitar esse diálogo?

O conhecimento das diversas sociedades indígenas pode continuar a trazer contribuições da maior relevância para temas como previsão e adaptação a mudanças climáticas, conservação da biodiversidade, ecologia, substâncias com atividade biológica, substâncias com possíveis usos industriais e muitos outros. Isso já está reconhecido e posto em prática no âmbito da Convenção pela Diversidade Biológica e no Painel do Clima, por exemplo.

Poder-se-ia pensar que bastaria recolher essas informações e usá-las na nossa ciência quando úteis. Mas há outra dimensão importante desses saberes, que é seu modo específico de produzir conhecimento. Essa diversidade nos permite pensar diferentemente, sair dos limites de nossos axiomas. Não se trata, como fazem certos movimentos new age, de atribuir um valor superior aos conhecimentos tradicionais; não se trata de aderir a eles. Tampouco se trata de assimilá-los e diluí-los na ciência acadêmica. A importância de modos de conhecimento diferentes é nos fazer perceber que se pode pensar de outro modo.

Foi abandonando um único postulado de Euclides que Lobatchevski e Bolayi viram de modo inteiramente novo a geometria. Por isso o diálogo dos diferentes sistemas de conhecimentos entre si e com a ciência deve preservar a autonomia de cada qual.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, via CNPq, encomendou-me um estudo para lançar as bases de um novo diálogo entre ciência e sistemas de conhecimentos tradicionais. Não é simples. Mas desde já sabemos que isso implicará formas institucionais que empoderem os vários parceiros.

Um projeto-piloto que está sendo planejado nesse contexto responde a uma das diretrizes da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) que faz parte do Tratado sobre Recursos Fitogenéticos. Trata-se da conservação da diversidade agrícola de cultivares de mandioca, sob a condução de populações indígenas do Rio Negro. A escolha não é por acaso. As agricultoras do médio e do alto Rio Negro conseguiram manter, criar e acumular centenas de variedades de mandioca.

Como interpreta mobilizações populares recentes em torno de causas indígenas, como aconteceu em favor dos guarani kaiowá?

Acho salutares essas mobilizações que, como já disse, são fruto de uma nova era na informação. Diante do recuo político nas questões ambiental, indígena e quilombola, há vozes que se levantam com indignação. A situação trágica dos guarani kaiowá, pontuada por suicídios de jovens, é emblemática do absurdo que seria a aplicação da Portaria 303/2012.

Uma ampliação mais do que justa de suas terras — já que as que lhes garantiram não correspondem ao que determina o artigo 231 da Constituição — levaria a colocar em risco as poucas terras que têm.

Os suicídios kaiowá atingem cada um de nós: somos todos kaiowá.

Fonte:
http://racismoambiental.net.br/2013/02/o-futuro-dos-indios-entrevista-com-manuela-carneiro-da-cunha/

Originalmente publicado em O Globo:
http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2013/02/16/o-futuro-dos-indios-entrevista-com-manuela-carneiro-da-cunha-486492.asp

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Dilma refém do PMDB

Acabo de chegar de Mato Grosso do Sul. Voltei muito preocupada com a possibilidade de golpes em cascata em toda a América do Sul. A situação ambiental na região Centro-Oeste que conheci há 50 anos, quando meus pais deixaram o Paraná, é desoladora. O agronegócio passa por cima de tudo e de todos como um trator. Para meu desespero, quando voltei ao Rio, onde moro há dezenas de anos, meu colega de blog Rodrigo Brandão alertou-me que o deputado Henrique Alves (PMDB-RN) seria o presidente da Câmara. Não dormi mais. As imagens de Alves afrontando o governo Dilma durante a reforma do Código Florestal não saíam das minhas retinas. Assim, mesmo com problemas domésticos e de saúde, pedi ao Rodrigo que me ajudasse a fazer uma pesquisa e construir um texto para mostrar o perigo que significa Henrique Alves presidente da Câmara e o risco que correríamos se o PT entregasse as duas Casas legislativas ao PMDB.
Zilda Ferreira

Cenário ameaçador se desenha para os próximos dois anos, caso PT abra mão do comando da Câmara e do Senado

Alves: na presidência da Câmara, ele pode desestabilizar governo Dilma

Por Rodrigo Brandão* e Zilda Ferreira**

Em 2010, durante a discussão de alianças para as eleições gerais daquele ano, PT e PMDB fecharam um acordo. Com a perspectiva de elegerem bancadas numericamente muito próximas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, os dois maiores partidos brasileiros e líderes da Frente Brasil Popular combinaram um rodízio de presidentes nas duas Casas para a legislatura 2011-15. Meses atrás o presidente do PT, Rui Falcão, foi aos líderes do PMDB reiterar a vigência do "pacto", o que significa que em fevereiro toda a bancada petista, a maior da Câmara, deve ajudar a eleger o deputado federal Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) presidente para o biênio que encerra a legislatura, a terminar em janeiro de 2015.

Aí entra um problema, apontado por algumas lideranças do PT no Legislativo. Nenhuma menção ao Senado foi feita. E o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) já se lançou candidato à sucessão de José Sarney, para a qual é favorito absoluto. Mesmo porque no Senado, ao contrário da Câmara, o regimento não permite candidaturas avulsas. Ou seja, somente candidaturas indicadas diretamente pelos partidos são aceitas, uma por partido.

Renan Calheiros pode ser um presidente do Senado melhor do que foi José Sarney. Alvo constante de campanhas difamatórias por parte da grande imprensa, Calheiros poderá ser mais permeável aos projetos de lei ligados a esse campo que a esquerda luta para emplacar no Brasil. Como um guarda-chuva a abarcar os pontos principais desta agenda está a reforma do marco regulatório das comunicações, mas podemos aí enumerar a desconcentração da propriedade de mídias e o próprio fim da propriedade cruzada dos meios de comunicação, além da recuperação de aspectos fundamentais da Lei de Imprensa derrubada pelo STF – como o direito de resposta. Em resumo, lutamos por uma “Ley de Medios” aos moldes daquela aprovada na Argentina.

Há também no horizonte a necessidade de aprovação do Marco Civil da Internet, cujo texto (construído por lideranças do Parlamento em conjunto com ativistas pelas mídias livres) tramita por comissões. O Marco Civil é fundamental para garantir neutralidade da rede e que o Brasil se imponha a tentativas monopolistas – e censoras – surgidas na arena internacional, com uma legislação progressista e soberana.

A alternativa Requião
Por outro lado, um senador como Roberto Requião (PMDB-PR), que em seus dois últimos mandatos à frente do governo do Paraná (2003-10) implantou várias políticas para a democratização das comunicações e tem sido leal ao governo democrático-popular, seria certamente um nome ainda mais adequado para liderar a Câmara Alta no biênio que encerra a atual legislatura. Biênio esse que coincide com os dois últimos anos do (esperamos) primeiro mandato da presidenta Dilma Rousseff.

Requião é um nacionalista e um progressista, é o governador que parou o Porto de Paranaguá para impedir embarque e desembarque de soja transgênica. Lideranças como ele, à frente do Legislativo, significam que retrocessos como a derrubada da portaria presidencial que restringe compra de terras por estrangeiros, caso passem na Câmara, dificilmente passem sem resistência pelo Senado.

Tudo isso leva em conta um cenário em que o acordo PT-PMDB de 2010 não é cumprido na sua totalidade, mas apenas em parte. Se realmente "acordo político foi feito para cumprir", como tem repetido Rui Falcão, o PMDB estaria obrigado a incondicionalmente apoiar um nome do PT para a presidência do Senado. Que poderia ser o piauiense Wellington Dias ou o acreano Jorge Vianna. Não vai acontecer, tudo indica.

Voltemos então nossas atenções à Câmara. E aí vem, além do problema com a “palavra dada” pela metade e que pode transformar-se em impasse, um impasse ainda maior e que ameaça a própria continuidade do projeto político que elegeu Lula em 2002 e 2006 e Dilma em 2010. Com o PMDB senhor das duas Casas Legislativas e Michel Temer, outro peemedebista, vice-presidente da República, praticamente toda a linha sucessória da presidenta Dilma Rousseff passa a ser formada por filiados a apenas um dos partidos que compõem a coalizão de governo.Lembremos que esse mesmo partido, hoje base do governo Dilma, participou da coalizão liderada por Fernando Henrique Cardoso entre 1995 e 2002, antes de apoiar a primeira candidatura presidencial de José Serra. Dilma ficaria então refém, na governabilidade e na própria sustentação do projeto político do PT, de um partido que levou alguns anos para desembarcar no governo Lula.

Eleição de Henrique Alves pode afetar governabilidade
O nome apontado até o momento pelo PMDB para presidir a Câmara dos Deputados é motivo de grande inquietação. Henrique Alves é membro da bancada ruralista e foi uma das principais lideranças do Congresso Nacional na articulação para aprovação e na própria defesa da reforma do Código Florestal, um dos piores retrocessos da nossa história republicana e que acabou por constranger a presidenta Dilma às vésperas da Rio+20. Mesmo com a clara orientação do Planalto a sua base para que barrasse os pontos fundamentais do projeto de lei, o líder do PMDB orientou sua bancada no sentido contrário e ainda articulou apoios em outros partidos governistas para atropelar um acordo construído por toda a base aliada no Senado, que atenuava os aspectos mais negativos da reforma. 

Alves contribuiu assim diretamente para abalar a credibilidade do Brasil diante do mundo inteiro num momento dos mais delicados, talvez o maior desafio do governo Dilma no campo geopolítico. Depois de afrontar o governo, está prestes a ganhar de presente a direção da Câmara Baixa e com o apoio do PT. 

Com os ruralistas chegando de corpo e alma ao comando da nave-mãe do Poder Legislativo, é de se esperar que todos ou pelo menos a maioria dos pontos constantes em sua agenda ganhem selo de urgência ou urgência urgentíssima, garantias de que determinado projeto de lei terá celeridade e prevalência diante de outros. Entre as prioridades ruralistas está, para substituir a portaria do Poder Executivo – baseada em um parecer da Advocacia Geral da União – que restringe compra de terras por estrangeiros, a aprovação de uma lei escancarando o mercado de imóveis rurais ao capital externo.

Em toda a região Centro-Oeste é grande a campanha para derrubar essa restrição imposta pelo governo Dilma. O agroimperialismo ganha cada vez mais terreno e assim pode acelerar a ocupação dos cerrados com as culturas intensivas da soja e da cana-de-açúcar (biocombustível), além da pecuária intensiva. É um processo que desrespeita as peculiaridades do bioma e massacra as populações indígenas, com o objetivo de produzir commodities para exportação. Completando o cenário de horrores no Centro-Oeste, crescem as pressões para que o governo libere a instalação de dezenas de pequenas hidrelétricas no Pantanal, além de usinas de álcool. 

A respeito da questão indígena, há mais uma ameaça no horizonte e que pode transformar-se em pesadelo ao termos uma liderança negativa como Henrique Alves à frente da Câmara. É que outra prioridade da bancada ruralista para os próximos anos legislativos é a reforma do Código Mineral, defendida de peito aberto inclusive por latifundiários que sonham ocupar o Ministério da Agricultura. Com a reforma, os ruralistas pretendem abrir caminho à concessão de licenças para mineração dentro de reservas indígenas.

Tanto a liberação da compra de terras por estrangeiros como a reforma do Código Mineral são projetos de lei que já passaram em comissões justamente na Câmara dos Deputados, obviamente dominadas por ruralistas e seus representantes. Por sinal, o nó político-parlamentar que vivemos hoje, com o setor agropecuário superrepresentado (para dizer o mínimo) no Congresso Nacional, em grande parte se deve às falhas do sistema político e eleitoral brasileiro. Uma reforma política, implantando o financiamento público de campanhas, é urgente. Com o PMDB aliado ao latifúndio concentrando tanto poder, trata-se apenas de um sonho distante. 

Câmara dos Deputados sob liderança de forças progressistas
Já que o PMDB se dispõe a cumprir apenas parte do acordo de rodízio, infelizmente sem ao que parece grande resistência do PT, que seja esse “pacto” adiado para outro momento ou congelado ad eternum. Em lugar de entregar as duas Casas Legislativas e deixar Dilma Rousseff “nas mãos” de um dos dois grandes partidos da base, seria melhor então que o PT mantivesse o comando da Câmara. Nomes não faltam. O pernambucano Fernando Ferro, o baiano Emiliano José e o paulista Paulo Teixeira são lideranças comprometidas com a necessária (e urgente) regulação da mídia e, no caso de Ferro, trata-se de um deputado com histórico marcado pelo respeito ao meio ambiente.

A particularidade na Câmara é que ali, onde o regimento permite candidaturas avulsas, começam a surgir sinais de que haverá dissidência. O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) já manteve conversas com lideranças de pelo menos quatro partidos e o PDT, outro integrante da base de governo, já sinalizou que pode apoiá-lo. O PSB nos abre pelo menos duas alternativas que trariam ao menos mais pluralismo à cúpula do Legislativo, além disso melhorando a interlocução com a agenda dos movimentos sociais: Beto Albuquerque (PSB-RS) mas, principalmente e enfaticamente, Luiza Erundina (PSB-SP; foto).


Albuquerque é um apoiador de primeira hora dos governos Lula e Dilma, mas Erundina é uma líder política nascida na Paraíba e eleita em 1988 a primeira mulher prefeita de São Paulo, responsável pela até hoje considerada melhor gestão que a “mais brasileira das cidades brasileiras” – por reunir em profusão gente de todas as partes do país – viu. Erundina tem sido uma líder incansável na defesa de pautas como a Comissão da Verdade e a Lei de Transparência Pública, ambas saídas do papel em grande parte graças ao esforço da deputada, a revogação da Lei de Anistia e a regulação da mídia. Com Erundina à frente da Câmara, os movimentos pelos direitos humanos ganhariam uma importante interlocutora. Erundina é também uma liderança que agrega, que colocaria o PSB pela primeira vez no comando do Poder Legislativo Federal e poderia ajudar a aparar certas arestas entre os governistas.

As cartas estão na mesa. Num ano que promete ser dos mais difíceis, quando embates duros deverão ser travados tanto na arena doméstica quanto fora de nossas fronteiras – mas nos interessando diretamente, sobretudo os próximos às fronteiras –, podemos o PT e a esquerda aproveitar a eleição das Mesas Diretoras do Legislativo para dar uma nova cara ao Congresso Nacional. É fundamental neste momento oxigenar a própria base de apoio ao governo, agregando seus membros e mobilizando-os em torno de projetos que motivaram a própria candidatura Dilma Rousseff em 2010.
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** da Equipe do Blog EDUCOM

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Partido da Terra: “os prefeitos com mais hectares estão no PSDB"

26/08/2012 - Diário Liberdade da Galícia

O jornal do PCO [Partido da Causa Operária] entrevista Alceu Castilho, jornalista e autor do livro "Partido da Terra, como os políticos conquistam o território brasileiro", que mapeia o movimento dos latifundiários e donos da terra no Brasil.

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Causa Operária: O que te despertou para a pesquisa que resultou no livro?
Alceu Castilho: Eu morei em Brasília entre 2005 e 2007. Eu escrevia para um pool de jornais paulistas. Em 2006, com as eleições para o Congresso, fiz uma série chamada "Câmara Bilionária", a partir das declarações de bens dos deputados eleitos. A série saiu em 2007 e tratava de bens diversos, imóveis urbanos, imóveis rurais, carros, empresas, dinheiro no colchão... e o que mais me chamou atenção foram os dados sobre bens rurais.

Fazendas, gados, empresas agropecuárias. Seja pelo volume, seja pelas curiosidades nas declarações, valores defasados ou hipervalorizados, e a própria extensão de terras. Então decidi fazer um levantamento maior sobre a posse de bens rurais por políticos. Indo além dos deputados federais.

Em 2008 eu decidi começar a análise pelos dados dos prefeitos, incialmente só no Pará. Mas acabei levantando de todos os prefeitos e depois de todos os vices. Foram cerca de 11 mil declarações. Estava feita a base do livro. Em 2010 eu completei os dados com deputados estaduais, federais, senadores, suplentes de senadores, governadores, vice-governadores, presidente e vice-presidente da república eleitos.

Causa Operária: Porque esse nome "Partido da Terra"?
Alceu Castilho: O livro chegou a ter outros nomes. Um deles era o "movimento dos políticos com terra". ... Acabamos optando por esse nome que sintetiza bem a atuação desses políticos. Pois se trata de um movimento suprapartidário que caracteriza os partidos transversais, um conceito utilizado na Itália, em relação a essas causas suprapartidárias.

O título tem como complemento "como os políticos conquistam o território brasileiro". Portanto, a ideia é essa. Eles são como um partido mesmo, com a característica de defender uma causa. A causa da propriedade.

Causa Operária: Você encontrou dificuldade para ter acesso às informações? Encontrou barreiras?
Alceu Castilho: Não. Porque a opção desde o início foi trabalhar com os dados que eles mesmos forneceram. O livro já existiria só com essa base que é pública. Uma coisa que eu gostaria de ressaltar é que é possível fazer muita coisa em termo de jornalismo e mesmo de pesquisa acadêmica a partir de informações que estão por aí. É claro que o livro não trabalha só com esse tipo de informação. Tem outras, mas não é o tipo de coisa que a gente poderia ficar dependendo deles. Imagina se teríamos resposta de 13 mil políticos com relação aos seus bens. Teve uma ou outra dúvida que eu tentei tirar e eles não responderam. Mas apesar de haverem imprecisões ou ausências com relação à declaração de bens é possível dizer que muitos políticos tem certo prazer em ostentar seus bens rurais. Suas fazendas, seus gados. O vínculo é tão grande com essa questão que muitos deles têm sim certo orgulho disso, o que facilita a pesquisa.

Causa Operária: Os dados são confiáveis e o que representam com relação ao território nacional?
Alceu Castilho: Logo no início verifico várias camadas com relação à posse de bens rurais pelos políticos. O primeiro capítulo a gente se propõe a contar a quantidade de hectares que esses políticos possuem. Então, tem uma base de dois milhões de hectares [ha] que é a base mínima. Que está lá declarada por eles mesmos. Em outros casos eles declaram o valor do bem, mas não informam o ha. Cerca de 1/3 dos bens declarados cai nesse ponto. Só que a partir daí eu projeto o que eram dois milhões como facilmente identificados com mais um milhão e tantos mil ha, só de coisas que eles efetivamente declaram, mas não informaram o tamanho. Tem ha nas mãos de empresas que eles declararam as empresas, mas não a terra, assim por diante.

O eleitor não fica sabendo dos detalhes pela justiça eleitoral, mas fiz uma pesquisa para e em cinco casos, como no do senhor Blairo Maggi, já identifiquei um milhão e cem mil hectares. Com apenas cinco políticos. Como eu digo, essa camada vai aumentando e já cheguei a quatro milhões de ha. Isso sem incluir os vereadores que são mais de 50 mil. A gente poderia fazer uma projeção aí também... estou falando então de políticos eleitos em 2008 e 2010. Esses números não contam suplentes de deputados, não contam os políticos que não foram eleitos nesses pleitos... mas estão sempre aí em cargos públicos. Caso por exemplo de Geddel Vieira Lima. O Jader Barbalho embora esteja no senado não entrou no levantamento porque na época estava barrado; e assim por diante. Prefeitos não eleitos no Pará têm mais terras do que os que foram eleitos. A partir daí é possível fazer outra projeção de milhões de hectares nas mãos de políticos brasileiros. Como eu digo, são várias camadas. O que é fato é que eles possuem uma quantidade significativa do território brasileiro.

O primeiro capítulo traz esses números detalhados. Os dois milhões de início, facilmente identificados estão relacionados por partidos, e só isso dá 0,57% da propriedade de terras declaradas no País. Como eu cheguei a quatro milhões e quatrocentos mil só com o que eles declararam em 2008 e 2010, a gente já tem 1,2% do território. E assim vai aumentando. Ou seja, é muita terra. ... Por exemplo, 4,4 milhões de ha é o tamanho da Holanda, da Suíça, é metade de Portugal. Isso não é pouca terra.

Causa Operária: Porque os ocupantes de cargos eletivos?
Alceu Castilho: "Os proprietários da terra no Brasil ocupam o legislativo, invadem o executivo, cultivam o judiciário". O livro trata diretamente do pessoal que foi eleito porque seus dados estão disponíveis. No judiciário as pessoas não são eleitas. Os dados não estão acessíveis. Qual seria a base para investigar? ... E não que o judiciário não apareça. Porque no livro tem várias histórias que mencionam promotores e juízes.

Uma das conclusões do livro é que a gente tem um sistema político ruralista, muito mais do que uma bancada ruralista. Se é sistêmico, há uma conexão entre os poderes, entre as esferas de cada poder... Essa é uma das conclusões centrais a que o livro chega a partir do próprio levantamento de dados.

Causa Operária: Você disse que começou a pesquisa pelo Pará. Por quê?
Alceu Castilho: O Pará é objeto do quarto capítulo que se chama "Pará, onde vale tudo". Foi o objeto inicial da pesquisa porque é o estado com maior conflito de terras no Brasil. É palco de trabalho escravo, de desmatamento, de ameaça a camponeses. É onde mais morrem camponeses no Brasil.

Em muitos desses casos há políticos protagonistas. É um estado enorme, representativo da ocupação da Amazônia, do arco do desmatamento, é para onde está indo o gado e muitas coisas mais, empurradas pelo agronegócio. O Pará sintetiza muitas historias desse país arcaico.

Causa Operária: Como é a posse da terra por partidos políticos?
Alceu Castilho: O livro divide-se em cinco partes. "Território", "Dinheiro", "Política", "Ambiente" e "Excluídos". Em, "Política", o primeiro capítulo se chama "movimento suprapartidário". É baseado em dados das eleições 2008-2010 e mostra que políticos de quase todos os partidos possuem terras e possuem latifúndios....

Os prefeitos com mais hectares estão no PSDB, seguido de perto pelo PMDB - que eu supunha seria o líder por ser o maior partido brasileiro. Estão próximos, mas os tucanos estão à frente... Em terceiro está o PR; em quarto o PT; em quinto o DEM.

Entre os parlamentares o primeiro é o PMDB; o PSDB vai para quinto lugar; o DEM fica em segundo; o PR se mantém em terceiro; e o PDT em quarto lugar. A posição tem a ver com a quantidade de pessoas eleitas também.

A gente conhece mais os figurões do Congresso... mas o PSDB não é tão associado a esse universo rural. Mas mostra que nas prefeituras tem essa base de grotões, de prefeitos latifundiários. Entra no que eu falei do sistema político. A imprensa fala muito das cúpulas e esquece que o País é muito mais amplo do que a opinião do líder do governo, ou líder da oposição de plantão... Os dados mostram que essa capilaridade existe. São esses clãs, são esses coronéis que colocam os presidentes e governadores de plantão como reféns desse sistema político que é patrimonialista, clientelista, etc. no caso, a própria existência do que eu chamo de esquerda latifundiária é mais uma evidência disso.

Nessa lista dos cinco mais só aparece o PDT, desses partidos originalmente de esquerda. Mas temos latifundiários do PT, do PPS, PSB e assim por diante. O PCdoB no levantamento não aparece, mas já teve um latifundiário no Tocantins candidato ao governo, Leomar Quintanilha. Só o Psol não aparece. Além do PCdoB. Isso falando dos partidos com representação, gente eleita nos casos mencionados. Vereador eu não sei. Isso também é
importante deixar claro.

Eu digo que os filhos do MDB tem mais terra que os filhos da Arena. E que existe uma maior tolerância nos dias de hoje com relação aos ruralistas. Eu não acho que a expressão bancada ruralista explique bem. Por isso que falo em política ruralista. Em 1987/88 durante a constituinte isso estava mais definido. Existia uma oposição clara de muitos deputados à bancada ruralista, que a final de contas foi vitoriosa. Mas havia o confronto. Havia até uma demonização de personagens ruralistas. Como Ronaldo Caiado que agora é deputado, na época nem era, mas era o líder da UDR. E hoje não. Hoje eles estão aceitos pelos políticos desses outros partidos, inclusive ditos de esquerda.

Eu conto no livro que o PSB e o PV, o partido socialista e o partido verde, cedem membros da Comissão de Agricultura para o DEM, para partidos de direita... É simplesmente acordo político. Ou seja, os Manda-Chuva desses mega partidos também estão fazendo o jogo dos ruralistas. Não são só o Ronaldo Caiado, a Cátia Abreu e o Abelardo Lupion etc. os nomes mais conhecidos da bancada ruralista. Os braços mais agressivos dos ruralistas.

O sistema é bem mais amplo que essas figuras.

Eles foram incorporados. Houve uma progressiva aceitação, no mínimo por conveniência política. Em nome da governabilidade... Os pactos políticos mostram isso. No momento que um presidente tucano de um partido que já foi efetivamente socialdemocrata governa junto com o DEM e depois vem o PT e governa junto com o PR com o PTB, PP, PMDB, a gente tem uma incorporação da demanda desses políticos arcaicos. Essa "aceitação" então migra para o conjunto da sociedade.

Causa Operária: A incorporação dessa demanda tem a ver, por exemplo, com o governo do PT defendendo o Novo Código Florestal, com o PCdoB...?
Alceu Castilho: Como eu disse o PCdoB nesse levantamento não apareceu como partido com políticos que tenham muitos ha, mas é bem verdade que tem poucos políticos eleitos pelo PCdoB. E o Aldo Rebelo aparece em vários momentos do livro. No capítulo que fala do código florestal, por exemplo.

Aldo Rebelo tem sido um dos maiores aliados dos ruralistas. Ao ponto de podermos defini-lo sim como ruralista. Um ruralista sem-terra.

Nas conclusões do livro cito um caso que presenciei em Brasília. Centenas de manifestantes do MLST [Movimento de Libertação dos Sem Terra] sendo presos no gramado em frente ao Congresso a mando do então presidente da Câmara, Aldo Rebelo. Isso eu vi. Eu estava lá no gramado. Só não fui preso porque era repórter. Todo mundo que estava no gramado foi preso... Caracterizou estado de exceção. Essas pessoas foram levadas para o estádio nacional. Vi crianças e adolescentes baixando a cabeça com policiais falando "entra, senta, abaixa a cabeça", para todo mundo.

Mulheres com crianças de colo... na madrugada ainda passaram frio e fome na delegacia. Tudo isso eu vi. Ninguém me contou. E tudo isso a mando de um presidente de um partido chamado "comunista". Então esse exemplo é preciso para mostrar que ruralista não são apenas as figuras mais tidas como tais. Vai muito além.

Causa Operária: Você poderia destacar algumas histórias do livro?
Alceu Castilho: Em "Território", no capítulo "Pará, onde vale tudo", temos o detalhamento da história do que eu chamo "dono do Pará", o senhor Jader Barbalho. A história de enriquecimento dele é à base de bens rurais e tem a ver com a atuação dele como ministro do governo Sarney, exatamente ministro da Reforma Agrária. Jader Barbalho já foi governador do Pará, presidente do Senado, já foi preso e algemado tem uma história emblemática em relação a essa conexão entre bens públicos e privados.

Na parte "Dinheiro" eu continuo falando de enriquecimento e falo do Renan Calheiros, cujo gado para gente até da UDR, tinha a peculiaridade de ser mais valioso que a média do gado vendido no Brasil, ou em Alagoas na época. Falo da bezerra de ouro de Joaquim Roriz, a bezerra milionária que ele declarou para justificar transações. Em "Dinheiro" falo do enriquecimento.

Na parte "Política", eu cito o exemplo do Abelardo Lupion e toda a história relacionada ao avó dele, Moises Lupion, governador paranaense que foi escola brasileira, especialista em cessão de terras públicas para uma elite latifundiária. Essa elite é também composta por políticos.

Na parte "Ambiente", o livro traz uma lista inédita de políticos madeireiros. Temos alguns casos de prefeitos que foram presos por crimes ambientais. Inclusive por conta de suas madeireiras. Essa parte detalha esses casos de madeireiras e serrarias nas mãos diretamente de políticos.

E a última parte que são os "Excluídos", são três capítulos, e fala dos brasileiros escravizados, mortos e ameaçados, sempre tendo os políticos como fio condutor. Aqui o caso mais emblemático é o que está no final do livro, do senhor Paulo César Quartiero, hoje deputado do DEM, já foi prefeito de Pacaraima, em Roraima que montou uma verdadeira milícia na Raposa Serra do Sol, hoje reconhecidamente terra indígena. Ele como arrozeiro armou uma milícia. O relato do que esse senhor fez em Roraima é impressionante. Ele construiu um arsenal de guerra para combater e ferir índios. E hoje esse senhor migrou como arrozeiro para a Ilha do Marajó, não por acaso no Pará. Então essa história não acaba.

Causa Operária: Qual a relação que o livro estabelece entre a perseguição e morte de camponeses, o trabalho escravo e o chamado partido da terra?
Alceu Castilho: A conexão é direta. Existem conexões indiretas, mas essa é direta. As maiores chacinam no Brasil foram com a atuação da PM. Essa PM agiu a mando de governadores. Que ao contrário do Fleury em São Paulo que ficou conhecido como Marechal do Carandiru, esses governadores não ficaram conhecidos como Marechal do Corumbiara ou Marechal do Eldorado dos Carajás.

Trabalho escravo e morte de camponeses ocorrem e ocorreram ao longo da história do Brasil em terras de políticos. "O cabra marcado para morrer", o famoso do filme, João Pedro Teixeira, paraibano, segundo relatos biográficos foi morto a mando do senhor Agnaldo Ribeiro, avô do atual Ministro das Cidades, que é homônimo dele por sinal.

Eu conto os hectares dos políticos que já foram formalmente acusados de trabalho escravo. São mais de cem mil. São 780 vezes o tamanho da ocupação do Pinheirinho, em São José dos Campos. E a lei diz que terra com trabalho escravo deve ser desapropriada. Não é à toa que o capítulo sobre isso é o mais gordo do livro. Para contar minimamente cada história de politico envolvido com trabalho escravo.

Existem muitos casos de camponeses mortos e ameaçados em "Excluídos". E os políticos estão diretamente relacionados. Para não falar da conexão indireta. É óbvio. Quando você tem uma CPI da Terra, em 2005, e as pessoas vão a campo investigar os desmandos, a grilagem, as ameaças aos camponeses, fazem um relatório; e chegam os ruralistas e fazem um relatório paralelo condenando os sem-terra... O senhor Álvaro Dias (PSDB) que presidia a CPMI da Terra não colocou a mão na massa... mas ele próprio, junto com Lupion e outros, promoveram um relatório absolutamente vergonhoso, que finalmente foi rasgado em Plenário, pela senadora Ana Júlia Carepa, que se tornaria ela mesma governadora do Pará. As conexões são diretas e indiretas como parte de um sistema político ruralista.

Causa Operária: Como atua esse "partido" de rincões e também do Congresso Nacional e como se dá a questão dos financiamentos de campanha?
Alceu Castilho: Na parte de "Política", existe o capítulo "eleições mais que currais"... A ideia é que as expressões de currais, voto de cabresto contam muito sobre como funcionam o coronelismo, como funciona a perpetuação eleitoral desses proprietários de terra, mas não sintetiza tudo. A gente tem essa fase mais "moderna" do financiamento de campanha por grandes grupos agropecuários. Alguns grupos já foram citados em denúncias de trabalho escravo e outros não. Eu não faço nenhum julgamento, apenas faço constatações.

Tem o caso JBS Friboi, por exemplo, que doou mais de 30 milhões em 2010 a campanhas diversas. Inclusive para a presidente Dilma Rousseff. Aí a gente tem o que eu chamo "bancada da Friboi", que são 48 parlamentares eleitos. Sendo 41 deputados e sete senadores. No ano passado, somente um desses deputados votou contra as mudanças no Código Florestal. É coincidência? O Leitor conclui.

Em 2012 numa votação farsesca do Novo Código Florestal esse número aumentou para três. Mas eu chamo de farsa porque em 2012 a porteira já estava aberta e alguns deputados posaram de defensores do meio ambiente e para fazerem jogo de cena votaram contra. A votação real foi lá de atrás. Quando todos os parlamentares do PCdoB votaram a favor. E assim por diante. A posição do PT era a favor do novo Código Florestal. Mas na hora da eleição quem precisa fazer jogo de cena porque tem um eleitorado supostamente mais progressista, mais de esquerda, faz jogo de cena. Quem não precisa não faz. Simples assim.

Causa Operária: O que você espera com o livro?
Alceu Castilho: Eu espero que o livro contribua para o debate sobre a conexão entre política e questão agrária, e política e questão ambiental. E contribua para o eleitor brasileiro refletir melhor sobre seus votos.

Contribua para que os grupos de pressão ligados a essas questões tenham mais instrumentos para promover esse debate político e tentar fazer frente à esse sistema político excludente, perpetuador de desigualdades, perpetuador de violência.

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Fonte: 
http://www.diarioliberdade.org/brasil/consumo-e-meio-natural/30569-partido-da-terra-“os-prefeitos-com-mais-hectares-estão-no-psdb.html