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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

MST na defesa da comida saudável

23/01/2014 - “MST terá papel de defesa da comida saudável”, afirma especialista
- Rodrigo Vianna - Escrevinhador

O MST completa nesta semana [19/1] 30 anos.

Foram anos de enfrentamento com o latifúndio, organização de assentamentos de trabalhadores rurais e resistência ao controle da agricultura por empresas estrangeiras.

O MST democratizou o acesso à terra, possibilitando que mais de 500 mil famílias fossem assentadas. E conseguiu isso através da luta pela terra. Nenhum governo fez o que o MST fez”, afirma o geógrafo Bernardo Mançano Fernandes [foto], professor da Universidade Estadual Paulista (UNESP).

Mançano avalia que a resistência do MST representa uma vitória da democracia no Brasil. Para ele, o movimento cumprirá daqui pra frente o papel de produzir comida saudável.

A seguir, leia a entrevista de Mançano, um dos maiores estudiosos em questão agrária e movimentos sociais do campo, ao Blog Escrevinhador.

Quais as contribuições do MST para o Brasil nesses 30 anos?

A construção da democracia é uma delas, quanto mais durar o MST mais democracia teremos.

Nestes 30 anos o MST democratizou o acesso à terra, possibilitando que mais de 500 mil famílias fossem assentadas.

E conseguiu isso através da luta pela terra. Nenhum governo fez o que o MST fez.

A ocupação da terra é a principal forma de acesso à terra. A diminuição das ocupações significa a diminuição dos assentamentos. É o que acontece hoje.

Mas para o MST aumentar o número de famílias nas ocupações, a renda da população assentada precisa melhorar.

O que representa na história do Brasil e da América Latina a resistência por três décadas de um movimento que organiza camponeses e trabalhadores rurais?

Representa a vitória da democracia.

Os períodos de ditadura foram períodos de destruição do campesinato. O avanço do campesinato é um indicador de qualidade da democracia.

A diminuição do número de ocupações de terra diminui a importância política do MST no atual estágio de desenvolvimento da agricultura no país?

De forma alguma. Mas, o tempo das grandes ocupações passou. A luta agora é por terra e para viver melhor na terra.

Os assentamentos precisam melhorar muito para que possa atrair mais família para a luta pela terra.

O MST tem uma grande responsabilidade em apresentar um projeto de desenvolvimento do campesinato para o Brasil.

Como fazer a luta pela reforma agrária em um quadro de expansão territorial, econômica, política e ideológica do agronegócio?

É preciso mostrar para a sociedade as diferenças entre agronegócio e campesinato.

O agronegócio procura evitar esta diferença, afirmando que a agricultura familiar é agronegócio.

É preciso manter a diferença para que a sociedade entenda que o campesinato produz comida saudável enquanto o agronegócio produz comida contaminada, produz lixo.

A reforma agrária tem que ser feita na perspectiva da agroecologia, com ordenamento territorial para proteção ambiental.

Os limites do agronegócio está no que ele mais defende: a produção em grande escala.

Na sua avaliação, que papel o MST cumprirá no próximo período?

O papel da defesa da comida e contra as commodities.

Cada vez mais a luta será por comida saudável. Este é o futuro do campesinato.

A luta pela terra será indissociável da luta pela comida saudável.

Fonte:
http://www.rodrigovianna.com.br/geral/mst-tem-o-papel-de-defesa-da-comida-saudavel-afirma-especialista.html

Leituras afins:

- 30 anos do MST e o ódio da mídia - Altamiro Borges
A obesidade e a fome - Entrevista com Esther Vivas
- XV Simpósio Internacional IHU - “Alimento e Nutrição no contexto dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio” - de 05 a 08 de maio de 2014
- Nuvens de veneno - Wellinton Nascimento 
- Fome: 10 fatos para saber em 2014 - Ana Duarte Carmo

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A obesidade e a fome

16/01/2014 - “A obesidade e a fome são os dois lados de um sistema alimentar que não funciona
- Entrevista com Esther Vivas - Instituto Humanitas Unisinos (IHU)

Por ocasião da sua visita a Tenerife para a comemoração do Dia Internacional das Mulheres Rurais (15 de outubro), tivemos a oportunidade de conversar com Esther Vivas, [foto] ativista social e pesquisadora de políticas agrárias e alimentares.

A entrevista está publicada na revista Mundo Rural n. 13, do AgroCabildo, Cabildo de Tenerife, 14-01-2014. A tradução é de André Langer.

Eis a entrevista.

Qual é o estado do atual modelo de produção, distribuição e consumo de alimentos?
Atualmente, enquanto milhões de pessoas no mundo não têm o que comer, outros comem muito e mal.

A obesidade e a fome são os dois lados da mesma moeda: a de um sistema alimentar que não funciona e que condena milhões de pessoas à má nutrição.

Vivemos, definitivamente, em um mundo de obesos e famélicos.

Os números deixam isso claro: 870 milhões de pessoas no mundo passam fome, enquanto 500 milhões têm problemas de obesidade, segundo indica o relatório O Estado Mundial da Agricultura e da Alimentação 2013, publicado recentemente pela FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), e que este ano analisa a mácula da má nutrição.

Uma problemática que não afeta apenas os países do Sul, mas que aqui está cada vez mais próxima.

A fome severa e a obesidade são apenas a ponta do iceberg.

Como acrescenta a FAO, dois milhões de pessoas no mundo sofrem deficiências de micronutrientes (ferro, vitamina A, iodo...), 26% das crianças têm, em consequência, atraso no crescimento e 1,4 bilhão vivem com sobrepeso.

O problema da alimentação não consiste apenas em se podemos comer ou não, mas no que ingerimos, de que qualidade, procedência, como foi elaborada.

Não se trata apenas de comer, mas de comer bem.

E quem sai ganhando com este modelo?
A indústria agroalimentar e a grande distribuição, os supermercados, são os principais beneficiários.

Alimentos quilométricos (que vêm da outra ponta do mundo), cultivados com altas doses de pesticidas e fitossanitários, em condições precárias de trabalho, prescindindo do campesinato, com pouco valor nutritivo... são alguns dos elementos que o caracterizam.

Em suma, um sistema que antepõe os interesses particulares do agrobusiness [agronegócio] às necessidades alimentares das pessoas.

Como afirma Raj Patel [foto] em seu livro Obesos e Famélicos (Los Libros de Lince, 2008):

“A fome e o sobrepeso globais são sintomas de um mesmo problema (...) 

Os obesos e os famélicos estão vinculados entre si pelas cadeias de produção que levam os alimentos do campo à nossa mesa”.

E acrescento: para comer bem, para que todos possam comer bem, é preciso romper com o monopólio destas multinacionais na produção, distribuição e consumo de alimentos. Para que acima do afã do lucro, prevaleça o direito à alimentação das pessoas.

E quem sai perdendo?
Estamos correndo o risco do desmantelamento de um setor, o agrário, estratégico para a nossa economia.

Algo que não é novo, mas que com as atuais medidas só se agravou.

Atualmente, menos de 5% da população ativa no Estado espanhol trabalha na agricultura, e uma parte muito significativa são pessoas maiores de idade.

Algo que, segundo os padrões atuais, é símbolo de progresso e modernidade.

Talvez, teríamos que começar a nos perguntar com que parâmetros se definem ambos os conceitos.

A agricultura camponesa é uma prática em extinção.

Atualmente, milhares de propriedades fecham suas portas. Sobreviver no campo e trabalhar a terra não é tarefa fácil.

E quem mais sai perdendo no atual modelo de produção, distribuição e consumo de alimentos são, precisamente, aqueles que produzem os alimentos.

A renda agrária situava-se, em 2007, segundo a COAG, em 65% da renda geral. Seu empobrecimento é claro. Avançamos para uma agricultura sem camponeses.

E, se estes desaparecem, nas mãos de quem fica a nossa alimentação?

Que relação existe com a atual situação de crise?
A crise econômica só piorou esta situação.

Cada vez mais pessoas são empurradas a comprar produtos baratos e menos nutritivos, segundo se desprende do relatório Geração XXL (2012), da companhia de pesquisa IPSOS.

Como estes indicam, na Grã-Bretanha, para dar um exemplo, a crise fez com que as vendas de carne de cordeiro, verduras e frutas frescas diminuíssem consideravelmente, ao passo que o consumo de produtos enlatados, como biscoitos e pizzas, aumentasse nos últimos cinco anos.

Uma tendência generalizável a outros países da União Europeia.

Milhões de pessoas sofrem hoje as consequências deste modelo de alimentação “fast food”, que acaba com a nossa saúde.

As doenças vinculadas ao que comemos só aumentaram nos últimos tempos: diabetes, alergias, colesterol, hiperatividade infantil, etc.

E isto tem consequências econômicas diretas.

Segundo a FAO, a estimativa do custo econômico do sobrepeso e da obesidade foi, em 2010, de aproximadamente 1,4 bilhão de dólares.

Existe alguma alternativa?
Quais são os elementos e a condições necessárias para elas?
Como indica a organização internacional GRAIN, a produção de alimentos multiplicou-se por três desde os anos 1960, ao passo que a população mundial tão somente duplicou desde então, mas os mecanismos de produção, distribuição e consumo, a serviço dos interesses privados, impedem aos mais pobres a obtenção necessária de alimentos.

O acesso, por parte do pequeno agricultor, à terra, à água, às sementes... não é um direito garantido. Os consumidores não sabem de onde vem aquilo que comem, não podem escolher consumir produtos livres de transgênicos.

A cadeia agroalimentar foi se alargando progressivamente afastando, cada vez mais, produção e consumo, favorecendo a apropriação das diferentes etapas da cadeia por empresas agroindustriais, com a consequente perda de autonomia de camponeses e consumidores.

Diante deste modelo dominante do agrobusiness, onde a busca do lucro econômico se antepõe às necessidades alimentares das pessoas e ao respeito ao meio ambiente, surge o paradigma alternativo da soberania alimentar.

Uma proposta que reivindica o direito de cada povo a definir suas políticas agrícolas e alimentares, a controlar seu mercado doméstico, a impedir a entrada de produtos excedentes através de mecanismos de dumping, a promover uma agricultura local, diversa, camponesa e sustentável, que respeite o território, entendendo o comércio internacional como um complemento à produção local.

A soberania alimentar implica em devolver o controle dos bens naturais, como a terra, a água e as sementes, às comunidades e lutar contra a privatização da vida.

Não são propostas utópicas? Que estratégias são requeridas?

Um dos argumentos que os detratores da soberania alimentar utilizam é que a agricultura ecológica é incapaz de alimentar o mundo.

Mas contrariamente a este discurso, vários estudos demonstram que esta afirmação é falsa.

Esta é a conclusão de uma exaustiva consulta internacional impulsionada pelo Banco Mundial [BM] em parceria com a FAO, o PNUD, a Unesco, representantes de governos, instituições privadas, científicas, sociais, etc., projetado como um modelo de consultoria híbrida, que envolveu mais de 400 cientistas e especialistas em alimentação e desenvolvimento rural durante quatro anos.

É interessante observar como, apesar de que o relatório tivesse estas instituições na retaguarda, concluía que a produção agroecológica provia de ingressos alimentares e monetários os mais pobres, ao mesmo tempo que gerava excedentes para o mercado, sendo melhor garantia de segurança alimentar que a produção transgênica.

O relatório da IAASTD, publicado no começo de 2009, apostava na produção local, camponesa e familiar e na redistribuição das terras nas mãos das comunidades rurais.

O relatório foi rechaçado pelo agrobusiness e arquivado pelo Banco Mundial, embora 61 governos o aprovassem discretamente, com exceção dos Estados Unidos, Canadá e Austrália, entre outros.

Alcançar este objetivo requer uma estratégia de ruptura com as políticas agrícolas neoliberais impostas pela Organização Mundial do Comércio [OMC], pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional [FMI], que erodiram a soberania alimentar dos povos a partir de seus ditados de livre comércio, planos de ajuste estrutural, endividamento externo, etc.

Frente a estas políticas, é preciso gerar mecanismos de intervenção e de regulação que permitam estabilizar os preços, controlar as importações, estabelecer cotas, proibir o dumping e, em momentos de sobreprodução, criar reservas específicas para quando estes alimentos escassearem.

Em nível nacional, os países têm que ser soberanos na hora de decidir seu grau de autossuficiência produtiva e priorizar a produção de alimentos para o consumo doméstico, sem intervenções externas.

Mas, reivindicar a soberania alimentar não implica em um retorno romântico ao passado; antes, trata-se de recuperar o conhecimento e as práticas tradicionais e combiná-las com as novas tecnologias e os novos saberes.

Não deve consistir tampouco em um projeto localista, nem numa “mistificação do pequeno”, mas em repensar o sistema alimentar mundial para favorecer formas democráticas de produção e distribuição de alimentos.

A que responde o auge dos grupos de consumo? Como foi a evolução mais recente destes grupos na Espanha?
Os grupos e as cooperativas de consumo propõem um modelo de agricultura cujos objetivos se centram
- em encurtar a distância entre produção e consumo, em relações de confiança e solidariedade entre ambos os extremos da cadeia, entre o campo e a cidade;
- em apoiar uma agricultura camponesa e de proximidade que cuida da nossa terra e que defende um mundo rural vivo com o propósito de poder viver dignamente do campo;
- e em promover uma agricultura ecológica e de temporada, que respeite e tenha em conta os ciclos da terra.

Assim mesmo, nas cidades, estas experiências permitem fortalecer o tecido local, gerar conhecimento mútuo e promover iniciativas baseadas na autogestão e na autoorganização.

De fato, a maior parte dos grupos de consumo encontra-se nos núcleos urbanos, onde a distância e a dificuldade para contatar diretamente com os produtores são maiores, e, deste modo, pessoas de um bairro ou localidade se juntam para realizar “outro consumo”.

Existem, assim mesmo, vários modelos: aqueles em que o produtor serve semanalmente uma cesta, fechada, com frutas e verduras ou aqueles em que o consumidor pode escolher quais alimentos de estação quer consumir de uma lista de produtos oferecidos pelo camponês com quem trabalha.

Também, em nível legal, encontramos majoritariamente grupos inscritos, como associações, e, alguns poucos, de experiências mais consolidadas e com longa trajetória, com formato de sociedade cooperativa.

Os primeiros grupos surgiram, no Estado espanhol, no final dos anos 1980 e começo dos anos 1990, majoritariamente na Andaluzia e na Catalunha,  embora também encontremos alguns em Euskal Herria e no País Valencià, entre outros.

Uma segunda onda se deu nos anos 2000, quando estas experimentaram um crescimento muito importante ali onde já existiam e apareceram pela primeira vez onde não tinham presença.

Atualmente, estas iniciativas se consolidaram e multiplicaram de maneira muito significativa, em um processo difícil de quantificar devido ao seu caráter particular.

O auge destas experiências responde, do meu ponto de vista, a duas questões centrais.

Por um lado, a uma crescente preocupação social sobre o que se come, diante da proliferação de escândalos alimentares, nos últimos anos, como a doença da vaca louca, os frangos com dioxinas, a gripe suína, a e-coli, etc.

Comer, e comer bem, importa de novo. E, por outro lado, a necessidade de muitos ativistas sociais de buscar alternativas no cotidiano, para além de se mobilizarem contra a globalização neoliberal e seus artífices.

Justamente depois da emergência do movimento antiglobalização e antiguerra, no começo dos anos 2000, uma parte significativa das pessoas que participaram ativamente destes espaços impulsionaram ou entraram para fazer parte de grupos de consumo agroecológico, redes de intercâmbio, meios de comunicação alternativos, etc.

Que papel tem as mulheres neste processo?
Avançar na construção de alternativas ao atual modelo agrícola e alimentar implica em incorporar uma perspectiva de gênero.

Trata-se de reconhecer o papel que as mulheres têm no cultivo e comercialização daquilo que comemos.

Entre 60% e 80% da produção de alimentos nos países do Sul, segundo dados da FAO, recai sobre as mulheres.

Estas são as principais produtoras de cultivos básicos como o arroz, o trigo e o milho, que alimentam as populações mais empobrecidas do Sul global.

Mas, apesar de seu papel chave na agricultura e na alimentação, elas são, junto com as crianças, as mais afetadas pela fome.

As mulheres, em muitos países da África, Ásia e América Latina enfrentam enormes dificuldades para ter acesso a terra, obter créditos, etc.

Mas estes problemas não se dão apenas no Sul.

Na Europa, muitas camponesas sofrem de uma total insegurança jurídica, já que a maioria delas trabalha em explorações familiares onde os direitos administrativos são propriedade exclusiva do titular da exploração e as mulheres, apesar de trabalhar nela, não têm direito a auxílios, à plantação, a uma cota láctica, etc.

A soberania alimentar tem que romper não apenas com um modelo agrícola capitalista, mas também com um sistema patriarcal, profundamente arraigado em nossa sociedade, que oprime e submete as mulheres.

Uma soberania alimentar que não inclua uma perspectiva feminista estará condenada ao fracasso.

Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/527306-a-obesidade-e-a-fome-sao-os-dois-lados-de-um-sistema-alimentar-que-nao-funciona-entrevista-com-esther-vivas

Leituras afins:

- XV Simpósio Internacional IHU - “Alimento e Nutrição no contexto dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio” - de 05 a 08 de maio de 2014
- Nuvens de veneno - Wellinton Nascimento 
- Fome: 10 fatos para saber em 2014 - Ana Duarte Carmo

Nota:

A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O papel da OMC e o que querem os ativistas

Esclarecimento ao leitor: publicamos hoje dois textos de dois momentos distintos, mas ambos alusivos à OMC (Organização Mundial do Comércio - World Trade Organization, da sigla em inglês).

O primeiro se reporta ao dia de maio passado em que Roberto Azevedo, indicado pelo governo federal, foi eleito seu Diretor Geral.

O segundo, ao acordo vitorioso firmado no último dia 07/12 em Bali, Indonésia, entre as nações integrantes da organização, visando destravar as negociações voltadas para a liberalização do comércio mundial, iniciadas em Doha, no Catar, em 2001 e praticamente estagnadas desde então.

As eventuais críticas a esse acordo manifestadas nestes dois textos em nada se alinham com aquelas feitas pela grande mídia conservadora brasileira, objeto do texto que divulgamos ontem (Brasil, uma dupla vitória), cujo propósito ao criticá-lo, visa apenas desqualificar toda e qualquer iniciativa do governo petista, ainda mais aquelas que possam ser vistas como uma vitória, principalmente, como neste caso, quando o evento tem repercussão internacional. (Educom)

13/05/2013 - O papel da OMC - Maria Luisa Mendonça - Brasil de Fato

A escolha do diplomata brasileiro, Roberto Azevedo, para a Direção Geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) foi comemorada por diversos setores políticos e midiáticos no Brasil.

Entretanto, é necessário retomarmos a posição dos movimentos sociais que denunciam os impactos causados por políticas identificadas com a chamada “liberalização” comercial.

Desde a sua criação em 1995, o principal papel da OMC tem sido expandir seu poder de regulamentação de políticas comerciais em cerca de 150 países.

Apesar de difundir a ideologia do livre comércio, a OMC possui uma complexa estrutura de normas utilizadas para estimular a formação de monopólios no acesso a mercados internacionais.

A abrangência dos acordos contidos na OMC vai além de temas relacionados ao comércio internacional, incluindo propriedade intelectual e privatização de setores de “serviços” que incluem direitos básicos como saúde e educação.

A política central da diplomacia brasileira na OMC tem sido estimular o lobby em favor de vantagens comerciais para o agronegócio.

Esta política é contrária à posição dos movimentos sociais rurais que defendem o lema “OMC fora da agricultura”.

Durante mais de uma década, as negociações no âmbito da OMC enfrentaram constantes “fracassos” já que, obviamente, os países centrais não fizeram e dificilmente farão concessões em relação à proteção de sua própria agricultura e indústria.

Mesmo assim, sucessivos governos no Brasil insistem em pedir a eliminação dos subsídios e a “abertura” dos mercados nos países “ricos”, ao mesmo tempo em que mantêm forte apoio estatal para o agronegócio.

Este duplo discurso esconde a inevitabilidade da criação de impasses neste tipo de negociação comercial, que só se resolveriam se os países centrais deixassem de proteger suas economias, o que só os repetidores das reclamações contra os malvados subsídios dos países ricos parecem acreditar.

A possibilidade mais provável é sempre de que os países periféricos se submetam às regras estabelecidas nestes espaços multilaterais.

A política externa brasileira em função do lobby do agronegócio se manteve ao longo dos anos, mesmo com os repetidos e previsíveis “fracassos” das negociações da OMC.

Tanto no período considerado neodesenvolvimentista, quanto naquele chamado de neoliberal, prevalece a defesa de uma política estatal de apoio ao modelo agroexportador, com base no argumento de que seria a forma possível de se garantir “equilíbrio” na balança comercial brasileira.

Como o papel do Diretor-Geral da OMC é principalmente defender as regras estabelecidas e tentar “destravar” as negociações, a escolha de Roberto Azevedo para o cargo pode levar o Brasil a fazer maiores concessões.

De qualquer forma, o avanço destes acordos terá sempre a função de facilitar a ampliação de monopólios privados, seja nos países centrais ou periféricos.

Fonte:
http://www.brasildefato.com.br/node/12892

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08/12/2013 - OMC: Ativistas dizem que acordo de Bali favorece grandes corporações
- Da Redação - Carta Maior

Ministros de 159 países fecharam modesto pacote que prevê desburocratização do comércio global e incentivo às trocas agrícolas.

Bali, Indonésia – A Organização Mundial do Comércio (OMC) conseguiu fechar neste sábado (7/12) o seu primeiro acordo global em quase 20 anos, ao obter apoio de ministros de 159 países para um modesto pacote que prevê desburocratização do comércio global, incentivo às trocas agrícolas e foco no desenvolvimento dos países pobres.

Foi uma vitória pessoal do diretor geral da organização, o brasileiro Roberto Azevêdo [foto], no cargo desde setembro de 2013.

Pela primeira vez na história, a OMC verdadeiramente entregou o que promete”, comemorou Azevêdo.

O encontro em Bali foi marcado pela disputa entre Estados Unidos e Índia.

Os norte-americanos queriam que os indianos pusessem limite em seu programa de compra de alimentos, que visa garantir renda e soberania alimentar a milhões de pequenos agricultores do país.

Diante da recusa da Índia, os ministros negociaram deixar a questão para mais tarde, permitindo a assinatura do acordo.

Na OMC, tudo tem de ser feito por consenso e a recusa de apenas uma delegação pode interromper o processo.

Críticas
Para ONG Focus on the South Global, com forte atuação no sudeste asiático, o acordo aprovado na OMC é ruim para trabalhadores e pequenos produtores rurais.

Segundo documento divulgado pela organização e apoiado por diversas entidades indonésias e indianas, “a proposta de facilitação do comércio vai beneficiar principalmente grandes corporações, e os compromissos de longo prazo para os países menos desenvolvidos foram diluídos em promessas vagas”.

A Focus on the South Global apontou ainda a incoerência dos países ricos, que cobram o fim de políticas públicas nos países menos desenvolvidos, ao mesmo tempo em que mantêm bilionários programas de subsídios para seus agricultores.

Os subsídios agrícolas nos países desenvolvidos continuam a devastar a nossa agricultura, e as táticas de pressão estão a minar a unidade dos países em desenvolvimento para que se chegue a acordo com soluções verdadeiramente justas”, afirma o manifesto.

Vigilância
Em sua análise sobre o acordo de Bali, o Trade Game, um observatório mantido pelas organizações italianas Confederazione Generale Italiana del Lavoro (Cgil), Arcs/Arci, Fairwatch e Legambiente, também denunciou a atuação das delegações dos EUA e da União Europeia.

Segundo o Trade Game, “EUA e UE [União Europeia] desempenharam um jogo perigoso em Bali: não assumiram qualquer compromisso vinculativo para um maior equilíbrio no comércio global, e quiseram impor medidas pesadas para os países emergentes”.

A partir de agora, as negociações sobre o acordo em Bali continuarão na sede da OMC, em Genebra.

Os sindicatos e a sociedade civil precisam continuar críticos e vigilantes”, disse manifesto divulgado pelo Trade Game.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/OMC-Ativistas-dizem-que-acordo-de-Bali-favorece-grandes-corporacoes/7/29752

Leia também:
- Brasil, uma dupla vitória - Arnóbio Rocha

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem nos textos originais.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Tem água pra ver, mas não pra beber



por Coletivo Nigéria*, para a Agência Pública


Nos arredores do maior açude do Ceará, moradores de assentamentos, cidadezinhas e vilas sofrem com a seca enquanto a água passa diante dos seus olhos para abastecer o agronegócio, a indústria, e a capital, Fortaleza.

Leva-se uma hora para chegar da nova à velha Jaguaribara em um barco de alumínio com um motor de popa de 25 HP. A extensão do Castanhão, o maior açude cearense, impressiona, mas o nível d’água baixou tanto nos últimos dois anos que a antiga sede do município, inundada há uma década pela própria barragem, emergiu. A seca reduziu à metade a capacidade de 6,7 bilhões de metros cúbicos do Castanhão, que perde 22 mil litros de água por segundo, quase metade deles conduzidos pelo Eixão das Águas, o canal de transposição, à região metropolitana de Fortaleza. O sistema Castanhão-Eixão das Água responde por 37% da capacidade de armazenamento de água do Ceará.

A reaparição da antiga Jaguaribara, que jazia sob a obra de engenharia hidráulica que prometia reduzir drasticamente os efeitos da seca no Vale do Jaguaribe, tem um quê de fantasmagórica no período mais árido que o Ceará enfrenta nos últimos 50 anos. Dos 184 municípios do entorno do rio Jaguaribe, represado pela barragem, 175 estão em situação de emergência. A nova Jaguaribara, a cidade planejada que substituiu a que foi submersa pelo açude, está sendo abastecida por carros-pipa e seus moradores chegam a pagar R$ 8 o quilo do feijão, enquanto os pequenos agricultores às margens do Eixão, o canal que abastece Fortaleza, precisam repartir a água com os animais e vêem suas lavouras perdidas.

A mais de 200 quilômetros dali, porém, o Castanhão, via Eixão das Águas, garante a água na capital cearense e, em breve, vai suprir também a demanda hídrica do Complexo Industrial e Portuário do Pecém, o maior projeto de infraestrutura para o desenvolvimento econômico do Ceará, localizado na região metropolitana da capital. Resta apenas concluir o quinto trecho do Eixão das Águas – que então terá 255 km de extensão – o que está previsto para setembro.

A água do Castanhão vai completar seu trajeto do sudeste do Estado, onde está o açude, ao litoral cearense. O objetivo é final é o complexo industrial conjugado ao porto, que vem registrando crescimentos anuais entre 20% e 30%, composto por uma siderúrgica da Vale, uma refinaria da Petrobrás e duas usinas termelétricas da empresa MPX, do grupo de Eike Batista – que já opera com uma das usinas e vai colocar a outra em funcionamentonos próximos meses. As duas usinas térmicas, planejadas para gerar 1.085 MW, vão consumir até 800 litros de água por segundo. A demanda total de água prevista para o complexo é de 5 mil l/s de “água bruta” – o termo técnico para a água doce não tratada.

Dez anos de promessas não cumpridas

Em um cenário em que 71 dos 143 reservatórios monitorados pela Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (Cogerh) estão com níveis abaixo de 30%, o Castanhão, inaugurado em 2003, cumpre missão de seguir abastecendo Fortaleza, que concentra mais da metade da população do Estado, e de parte considerável do agronegócio no Estado, como a produção de frutas para exportação no perímetro irrigado da Chapada do Apodi, com altas taxas de crescimento. Mas, como mostra a situação dos moradores de Nova Jaguaribara, ainda não trouxe benefícios à população local, nem mesmo aos que perderam suas casas para a obra.

Dos 22 mil litros por segundo de vazão do Castanhão, 10 mil seguem pelo Eixão das Águas e 12 mil são despejados no leito do Rio Jaguaribe – o maior rio cearense, com cerca de 600 km de extensão, margeado por empreendimentos do agronegócio. Esse volume de água explica por que, ao contrário de Recife, por exemplo, nem a seca prolongada trouxe ameaça de racionamento à capital cearense, destaca o coordenador geral do Complexo do Castanhão, José Ulisses de Sousa, engenheiro do Departamento de Obras Contra as Secas (Dnocs).

Por outro lado, nem todos os 18 assentamentos planejados para receber as famílias desalojadas pela barragem foram concluídos. A maior parte dessas famílias era arrendatária de terras alheias e não recebeu indenização pelas casas perdidas. Na ponta final do Eixão das Águas, a obra atingiu os índios Anacé, que tiveram uma lagoa aterrada, riachos represados e perderam suas terras para grandes indústrias e para a infraestrutura do governo.

Houve esperança no início. Os primeiros assentamentos a serem construídos, como o Curupati Peixes, desenvolveram com sucesso a psicultura em Jaguaribara, e hoje o Castanhão é pontilhado por gaiolas para a criação de peixes em cativeiro, principalmente tilápias. Segundo, o engenheiro Ulisses, “é o maior parque psicultor do País”. Outros assentamentos foram destinados à pecuária leiteira, como o Mandacaru, em que cada família recebeu três hectares de terra para o cultivo do pasto. Mas as “matrizes” – as vacas leiteiras – que deveriam chegar de Minas Gerais, como prometido à época da inundação, uma década depois ainda não chegaram.

“Concordo que é um pouco tarde”, concede Ulisses. “É a questão da burocracia do sistema do governo brasileiro. Nós temos vários órgãos fiscalizadores, temos uma Lei de Licitações engessada, que proíbe a gente de correr. Não tem como. A gente fica engessado. Tem que esperar licitação, Procuradoria dar parecer, ai demora mesmo. Agora que é tarde, é”, reconhece o engenheiro. “Existe um débito do governo com essas comunidades, mas em nenhum momento parou-se de trabalhar em cima de alcançar o objetivo do projeto inicial do Castanhão”, afirma.

Ulisses também reconhece que é um “absurdo” que as comunidades às margens do Castanhão tenham que ser abastecidas através de carros-pipa. Dos 820 caminhões da Operação Carro-pipa no Ceará – coordenada pelo Exército e pela Defesa Civil e responsável por atender a 134 municípios do estado –, dois deles abastecem exclusivamente Jaguaribara, incluindo casas da sede do município.

“Essas coisas pretas são do pipa mesmo”

O dono e motorista de um destes caminhões é Fabiano Souza, de 33 anos, que encontramos despejando 8 mil litros de água na cisterna do agricultor Francisco Ferreira Sobrinho, o seu Zé Vital, a cerca de 300 metros de uma das margens do açude. A água é captada a alguns quilômetros dali, na estação de tratamento da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (Cagece), e não tem muito boa cara dentro da cisterna de seu Zé Vital.

“Essas coisas pretas assim são do pipa mesmo, ferrugem talvez. Não tem problema não porque a gente bota no filtro e bota na geladeira. A gente bebe dela aqui e nunca ninguém adoeceu, não”, confia seu Zé Vital.

No centro comercial de Jaguaribara a revolta com a falta d’água na vizinhança do açude transborda na fala de Dona Jacinta Sousa, 48 anos. Para reforçar a dificuldade por que passa o município ela pega uma maletinha de ferramentas repleta de pequenos blocos de anotações, que registram os muitos débitos não saldados em seu comércio. “Eu tenho raiva quando pego nela!”, diz, fechando a valise e jogando-a mais uma vez para debaixo de seu birô.

Em Jaguaribara, quase todas as mercadorias vêm de fora. Segundo os entrevistados, o peixe, criado nos projetos de psicultura, é a única opção de renda da cidade – além das aposentadorias, das bolsas governamentais e dos empregos na Prefeitura. Praticamente todas as frutas e verduras do comércio vêm de Fortaleza ou da Chapada do Apodi, com preços inflacionados pela seca. Ou seja, além do prejuízo na lavoura, os pequenos agricultores precisam pagar até duas vezes mais para comer.

As chuvas de abril, maio e junho, que amenizaram os impactos da estiagem, não significaram o fim da seca – especialmente porque o segundo semestre é naturalmente o período de estio no semiárido brasileiro. Também não alteraram consideravelmente os níveis dos açudes, apenas dois deles estão com mais de 90% de seus níveis máximos: Curral Velho e Gavião, ambos alimentados pelo Castanhão. O primeiro, localizado no município de Morada Nova, é o marco entre os trechos I e II do Eixão das Águas; o segundo, na região metropolitana de Fortaleza, fica na intersecção entre os trechos IV e V, de onde parte tanto a água da capital quanto a tubulação de 55 km que leva ao Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP).

No percurso entre um e outro reservatório, porém, populações das margens do canal sofrem com a escassez de água – como os moradores do Assentamento Amazonas e da comunidade Piauí de Dentro, localizados na fronteira entre os municípios de Morada Nova e Russas.


No Assentamento Amazonas, que cobre uma faixa de terra de 3.700 hectares, cortada pelo Eixão, o ano passado e os primeiros três meses deste foram improdutivos, com água suficiente apenas para a sobrevivência. Além do abastecimento do carro-pipa, que enche as cisternas de uma a duas vezes por semana, uma outorga da Cogerh autorizou retirar 15 mil litros de água por dia do canal. Mas, embora o assentamento exista há 15 anos, não há adutora instalada para abastecer as mais de 50 famílias. Eles têm que pagar um trator para transportar a água, por 25 a 30 reais a carrada (mil litros. Conforme o tamanho do rebanho e da família, isso significa desembolsar até R$ 150 por semana, retirados das bolsas governamentais e aposentadorias.

Os assentados Irmão Nem, presidente da associação dos assentados, e Antônio Porfírio, o Tonhão, que ocupava esse cargo quando foram feitas as negociações para que o canal cortasse a terra do assentamento, afirmam que até hoje as promessas da época da construção do Eixão das Águas não foram cumpridas.

“Na época, eles indenizaram essa parte aqui [a faixa de terra por onde hoje passa o canal]. Mas quando foi pra passar o pique, veio uma equipe do governo e prometeu que deixava áreas irrigadas aqui pra nós. No caso, ele prometeu 50 hectares, pelo menos meio hectare de irrigação pra cada um. Sendo 46 de irrigação e 4 hectares de tanque de peixe. Mas infelizmente já se passou o tempo e até hoje ninguém encontrou isso aí”, conta Irmão Nem.

Na Fazenda Melancias tem água

A poucos quilômetros dali, porém, uma adutora abastece a Fazenda Melancias, propriedade da Agropecuária Esperança que pertence a um dos maiores grupos econômicos do Ceará – o Grupo Edson Queiroz, dono de emissoras de televisão e rádio, jornal, universidade, fábricas de eletrodomésticos, distribuidoras de água mineral e gás butano etc. Dois grandes canos captam água do Eixão para irrigar a pastagem, que alimenta o rebanho de ovinos e caprinos. Entre 2003 e 2011, a empresa foi flagrada três vezes pelo Ministério Público do Trabalho pelo uso de trabalho escravo em outras de suas fazendas no Maranhão e no Piauí.

Na lista de outorgas para o Eixão, sete estão em nome da Agropecuária Esperança, totalizando uma vazão de 2.318 litros por segundo. Questionado sobre o assunto, o diretor de Planejamento da Cogerh, João Lúcio, afirmou que a vazão para a fazenda foi reduzida para priorizar o abastecimento da grande Fortaleza na estiagem, e negou a existência de privilégios no acesso à água.

“Se houver disponibilidade, essa água vai atender o pequeno e vai atender o grande. Não desconhecemos a questão política, porque a gente sabe que a sociedade tem suas correlações de forças, mas nós temos nossa visão aqui na Cogerh. Se tiver água, nós vamos atender os pequenos e vamos atender o grande”, insistiu.

De fato, a lista com 240 outorgas ao longo do canal é formada principalmente por pequenos usuários, que consomem volumes entre 0,4 e 10 l/s. Contudo, não é possível precisar quantos destes estão na mesma situação do Assentamento Amazonas, que possui a outorga, mas não a adutora. A instalação da adutora é de responsabilidade de quem solicita a outorga e os trabalhadores rurais não tem como bancar esse custo, o que prejudica toda a atividade econômica nas pequenas propriedades.

Mesmo quando já investimento do Estado para as adutoras, outros problemas podem inviabilizar o abastecimento das comunidades. A Secretária de Recursos Hídricos – órgão ao qual está subordinada a Cogerh – investiu R$ 6,5 milhões em 23 sistemas de abastecimento que atendem a 32 comunidades localizadas a uma distância de até 2 km das margens dos trechos I, II e III do Eixão. Segundo a secretaria, foram construídas infraestrutura de captação, adução, reservação e chafariz para estas comunidades e outros 12 sistemas estão em fase de licitação. No entanto, ressalva feita pela própria assessoria do órgão, seis dos sistemas já instalados estão parados por falta de infraestrutura suficiente de energia elétrica, de responsabilidade da Companhia Energética do Ceará.

Da varanda se vê, mas não chega na casa

Apesar de não ter sido citada pela secretaria, este parece ser o caso da comunidade de Piauí de Dentro – vizinhas ao Assentamento Amazonas –, em que as 60 famílias continuam sem acesso à água do Eixão. A agricultora Maria Glécia, de 31 anos, conta que a adutora instalada pelo programa da SRH com recursos do Fundo de Combate à Pobreza funcionou durante uma hora e meia. Há mais de um ano está parada, assim como estão sem uso a caixa d’água e o chafariz construídos para distribuir a água.

“Agora tá até bom, tá chovendo um pouquinho… Mas foi ruim, viu? 2012 a gente vendo os bichos morrer… E a gente também. Tinha dia que não tinha água. A gente sabia que tinha aqui, mas como tirar?”, pergunta.

Glécia mora com a família a menos de 40 metros do canal. A varanda dá vista para o cânion de 30 metros de profundidade formado depois que o topo de serra foi dinamitado para a passagem da água, por gravidade, do Castanhão ao litoral. Mas, como não é possível manualmente puxar a água através do cânion, ela precisa percorrer 3 km até encontrar um trecho do Eixão ao nível do terreno. O motor que deveria bombear a água queimou logo após ser ligado. Nem o eletricista enviado pelo governo, nem as inúmeras visitas semanais que seu pai, líder comunitário, fez à sede do município de Russas, deram jeito na situação.

Glécia, o marido Josemberg, o irmão Wagner e o cunhado Gertúlio não sabem dizer quantas cabeças de gado perderam pela falta de água ou mesmo por caírem dentro do canal ao escorregarem no desfiladeiro, que não possui qualquer proteção. Outras tantas foram furtadas depois que o trânsito de pessoas aumentou na área com a abertura da estrada que margeia o canal. Por isso, ninguém cria mais gado solto ali.

As obras do Eixão trouxeram outros impactos graves à comunidade. As pedras e sedimentos gerados pela obra, assim como a engenharia utilizada para o desvio do curso da água, acabaram por aterrar parte de uma lagoa e de um açude da comunidade, hoje água salobra. O cânion separou de um lado a vila de casas e do outro os lotes de terras dos moradores, o que transformaria um percurso original de poucos metros num jornada de 3 km cada trecho, não fosse a resistência. Foi preciso a comunidade se mobilizar e passar três dias inteiros deitada sobre dinamites até conseguir a garantia do governo de que seria construída uma ponte no local.

Para a indústria, água subsidiada

A lista de outorgas de uso de água para o CIPP já soma uma demanda de 3.860 l/s, incluindo empreendimentos que ainda serão instalados, como a Companhia Siderúrgica do Ceará. A CSP, um investimento da Vale em parceria com as multinacionais sul-coreanas Dongkuk e Posco, lidera a lista com uma demanda de 1,5 mil l/s, quando entrar em operação em 2017. Mas, no momento, a Cogerh já fornece uma vazão de 55 l/s para a fase de terraplanagem. A demanda da CSP inclui o consumo de água a termelétrica que será construída para fornecer energia à siderúrgica.

As duas usinas termelétricas da MPX possuem duas outorgas no valor total de 800 l/s, volume que deverá ser usado na totalidade quando a segunda unidade entrar em operação, no segundo semestre. Não é tão grande se comparado ao utilizado pela agricultura irrigada, que representa cerca de 60% da demanda do estado, mas está entre os maiores da indústria. Além disso, ao contrário do que ocorre em projetos semelhantes da MPX no Chile e no Maranhão, as térmicas do Pecém não dessalinizam a água do mar, que fica a poucos quilômetros da usina.

No vídeo institucional das térmicas do Pecém, a empresa chega a se gabar da “abundância” de água: “Além do carvão mineral, outra matéria é necessária para a geração de energia: a água. Nessa região, ela é encontrada em abundância devido à proximidade com o reservatório da Cogerh.”

O reservatório ao qual o vídeo se refere é o Açude Sítio Novos, com capacidade para 50 mil m³, ou seja, um açude de pequeno porte. Não por acaso, afora o Eixão das Águas, cinco outras cinco barragens de mesmo tamanho serão construídas para abastecer o pólo industrial – como mostra o documento “Cenário Atual do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (versão preliminar)”, produzido pelo Pacto pelo Pecém, uma articulação de várias instituições em torno do projeto do CIPP, capitaneada pelo Conselho de Altos Estudos da Assembleia Legislativa do Ceará, fortemente engajada na concretização do CIPP.

Alguns deputados estaduais chegaram a formar uma caravana para percorrer o Estado com o objetivo de pressionar a Petrobrás para iniciar a construção da Refinaria Premium II – que compõe com a siderúrgica da Vale os empreendimentos-âncora do complexo –, e as matérias de interesse do CIPP são tratadas com deferência na assembléia. Em junho de 2011, por exemplo, os deputados estaduais aprovaram um desconto de 50% no preço da água consumida pelas térmicas da MPX, o que foi contestado por parte da opinião pública cearense.

Os subsídios, uma tradição da política econômica do Nordeste desde pelo menos os primórdios da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) na década de 1960, são defendidos até hoje pelo secretário estadual de Recursos Hídricos, César Pinheiro: “Pra você trazer empresas pro Nordeste, você tem que fazer um incentivo. Então pra térmica nós demos um desconto de 50%, mas nós fizemos uma coisa que não é discutida. A térmica fica parada durante um período do ano e nesse período ela paga água. Quer use ou não, nós estamos cobrando dela e é um valor significativo. Então não é 50%, porque quando ela não tá usando, nós estamos cobrando. Isso dá um balanço para que nós não tenhamos prejuízo”, diz Pinheiro.

A lei que instituiu o desconto estabelece que a empresa deve consumir no mínimo 7.200.000 m³ por ano, o que representa aproximadamente 228 l/s. Se o número for confrontado com os 800 l/s previstos na outorga, portanto, em três meses e meio as térmicas atingem a cota mínima determinada. A reportagem da Pública entrou em contato com a assessoria da MPX para uma entrevista sobre as tecnologias de reuso de água e redução da emissão de gases poluentes das duas térmicas do Pecém. Mas foi informada de que a empresa não poderia se pronunciar por estar no “período de silêncio”, uma determinação da Comissão de Valores Mobiliários que tenta impedir que empresas envolvidas no momento em transações influencie o mercado.

Os vizinhos das termelétricas

“É muito distinto você ter uma população que veio ter um contato com o automóvel em 1971, veio ter uma televisão colorida em 90, 94, pra de repente estar no ano 2000 e já ter filhos pilotando retroescavadeiras, trator de esteira, ganhando muito dinheiro”, diz Kleber Nogueira, 31 anos, professor da Escola Indígena Direito de Aprender do Povo Anacé, um dos oito indígenas que conversou com a Pública na escola, localizada na comunidade de Matões, hoje na área do CIPP (Complexo Industrial e Portuário de Pecém).

Ainda é difícil para eles engolir o projeto industrial que os expulsou de suas terras e os jogou na área de influência do complexo. Além da vizinhança com as termelétricas da MPX, os indígenas sofreram ainda mais com a transformação dos municípios litorâneos de Caucaia e São Gonçalo do Amarante, que até pouco tempo viviam da pesca e da agricultura familiar

“Ninguém perguntou pra nós… É isso que me faz raiva, é isso que me faz ficar chateada, me deixa com vontade de gritar, estraçalhar mesmo… Não tem como a gente falar de impactos, nesse momento, pro choro não vir aqui, porque em menos de um mês a gente perdeu quatro pessoas na comunidade, por conta dessa porcaria dessa Estruturante (via rodoviária) que passou aí e que não é sinalizada. Uma menina morreu num acidente de carro, antes de ontem uma criança de menos de anos também foi atropelada”, desabafa Andrea Coelho, moradora da Comunidade do Bolso, outro povoado Anacé.

Entre os impactos causados pela atividade econômica acelerada está a drenagem de pequenos riachos e nascentes da comunidade para a instalação das indústrias, e o aterramento da Lagoa do Murici – um dos vários mananciais de água da região, com um lençol freático bastante próximo à superfície, como aponta o estudo “O povo indígena Anacé e seu território tradicionalmente ocupado”, encomendado pelo Ministério Público Federal. Produzido pelo professor Jeovah Meireles, do Departamento de Geografia da UFC, e outros dois analistas periciais em Antropologia, o parecer demostrou que várias comunidades da área decretada como de interesse público foram ignoradas pelo Estudo de Impacto Ambiental do CIPP.

“Quem tá lá fora não sabe o que está acontecendo aqui na ponta do Eixão, não sabe que a água que sai de lá vem trazendo na tubulação essa enxurrada de coisas. Você pensa que mudou só uma forma de vida, uma coisa bem simples, mas não. O impacto é bem maior. Porque esse Eixão das Águas vem pra alimentar a sede de um complexo industrial”, diz Kléber.

Hoje, boa parte dos Anacé está de mudança para a nova área que conseguiram conquistar a leste do Complexo, para onde os ventos não podem levar a fumaça e a fuligem do carvão mineral das térmicas. Mas os índios que assinaram os primeiros acordos de desapropriação tiveram sorte pior: moram hoje debaixo do “sovaco da MPX”, como eles próprios dizem.

* O Coletivo Nigéria é formado pelos jornalistas Bruno Xavier, Pedro Rocha, Roger Pires e Yargo Gurjão e sediado em Fortaleza (CE). Há mais de dois anos trabalha com produções audiovisuais e assessoria de comunicação de movimentos sociais. Esta reportagem foi realizada através do Concurso de Microbolsas de Reportagem da Pública.

** Publicado originalmente no site Agência Pública.http://www.apublica.org/2013/07/tem-agua-pra-ver-mas-nao-pra-beber-seca-no-nordeste/

Nota da Editora do Blog: Veja as fotos e vídeo na matéria original.
 Estamos  republicando este excelente trabalho do Coltivo Nigéria, feito com apoio Agência Pública. a fim de  denuciar  o descumprimento da resolução da ONU 64/292 de 28 de julho de 2010, que determina ´como direito Humano  Água e Saneamento. O Brasil é signatário dessa Resolução  e portanto, creio que cabe  à ANA-Agência Nacional de Águas- fiscalizar o cumprimento... 

(Leia também:)http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/04/o-problema-da-seca-no-nordeste-nao-e.html

http://brasileducom.blogspot.com.br/2010/08/agora-agua-para-todos.html

terça-feira, 18 de junho de 2013

O renascimento indigena sob fogo cruzado



por Mario Osava, da IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 17/6/2013 – Os tratores e as máquinas com as quais fazendeiros e outros grandes agricultores bloquearam estradas no dia 14, em mais de dez pontos de norte a sul do Brasil, destacaram o poder econômico do setor que se levantou contra a demarcação de terras indígenas. A presença de senadores e deputados nos protestos indica o crescente poder político dos ruralistas, que frequentemente impõem derrotas parlamentares ao governo que, nominalmente, desfruta de ampla maioria no Congresso.

A “paralisação nacional” de atividades, convocada pela Frente Parlamentar Agropecuária, mobilizou uns poucos milhares de pessoas em alguns lugares e centenas em outros, mas é apenas parte de uma ofensiva dos fazendeiros contra a criação de novos territórios indígenas ou a ampliação dos existentes. Modificar a Constituição de 1988, que assegura aos povos indígenas o “usufruto exclusivo” de terras que ocupavam tradicionalmente, em uma extensão suficiente para sua “reprodução física e cultural”, é o maior objetivo dos ruralistas, que em 2012 já conseguiram revisar o Código Florestal em benefício próprio e em detrimento do meio ambiente.

Outras medidas reclamadas, como participação dos ministérios da Agricultura e do Desenvolvimento Agrário e de centros de pesquisa agrícola no processo de demarcação, objetivam conter o reconhecimento de novas reservas indígenas. Compõem “um retrocesso completo”, segundo Marcos Terena, funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai), o órgão governamental responsável pela política para o setor, e veterano líder de lutas pela afirmação e autonomia dos povos originários.

Para os ruralistas se trata de “uma disputa patrimonial”, desejam expandir o grande negócio agropecuário como sempre, tomando terras públicas, em áreas não ocupadas ou atribuídas à conservação e a povos tradicionais, afirmou Marcio Santilli, especialista do não governamental Instituto Socioambiental e ex-presidente da Funai. Por isso buscam definir como simples conflito agrário o caso de terras identificadas como indígenas que incluem áreas privadas, que são legalmente inadmissíveis e condenadas à evacuação.

Em numerosas ocasiões são posses ilegais, mas no Mato Grosso do Sul muitos fazendeiros têm títulos de propriedade válidos, reconhecidos por governos anteriores. Ali, grande quantidade dos conflitos se prolonga há décadas e se tornaram sangrentos. Esse Estado pecuário e grande produtor de soja concentrou 57% dos 560 assassinatos de indígenas ocorridos entre 2003 e 2012 no Brasil, segundo dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica. Nem todos os homicídios se devem a disputas pela terra, mas a matança reflete a absoluta assimetria no confronto entre ruralistas e indígenas.

As mortes violentas não impediram uma explosão demográfica inimaginável há três ou quatro décadas, quando a população indígena parecia ameaçada de extinção. Nos anos 1980, estimava-se que no Brasil só restassem pouco mais de 200 mil integrantes dos povos originários. Contudo, no censo de 2010, 896.917 pessoas se declararam indígenas, o triplo de 1991, quando essa categoria passou a ser incluída entre as opções étnicas para autoidentificação das pessoas entrevistadas pelos recenseadores.

Não foi apenas a natalidade que triplicou a população. O reconhecimento na Constituição de 1988 dos direitos das minorias étnicas estimulou um renascimento indígena, que fez recuperar a identidade, mesmo mos que vivem fora de suas aldeias originais. Dos autoidentificados como indígenas em 2010, 36% vivem em cidades. Há “aldeias urbanas” em várias delas, como Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul.

A ressurreição alimenta avanços na educação indígena, às vezes com o resgate da língua originária, nas raízes culturais e na adoção de novas tecnologias. Em cerca de dez anos, “um fator novo” determinará o desenvolvimento dos povos indígenas e suas relações com a sociedade envolvente, pontuou Terena. “São os doutores indígenas”, que estão se formando nas universidades, “sem perder sua cultura própria”, especialmente no sul do Brasil, destacou.

Este ciclo representou uma virada na história brasileira de etnocídio desde a chegada dos colonizadores em 1500, quando, se estima, cinco milhões de indígenas habitavam o atual território nacional. Agora, no entanto, enfrentam novas ameaças. Além dos ruralistas, que buscam fechar as instituições que alimentaram o renascimento indígena, grandes projetos de infraestrutura na Amazônia tendem a alterar as condições tradicionais em que vivem vários povos originários.

A construção de dezenas de hidrelétricas, planejadas para os rios da bacia amazônica nos próximos anos, está intensificando as lutas entre indígenas, construtoras e governo. Às repetidas invasões indígenas na hidrelétrica de Belo Monte, em construção no rio Xingu, um grande afluente do Amazonas, no Estado do Pará, corresponde um recrudescimento da repressão policial. Esse clima de exasperação culminou com a morte de Oziel Gabriel no dia 30 de maio, aparentemente causada por um disparo da polícia no município de Sidrolândia, no Mato Grosso do Sul.

A tragédia aconteceu durante uma operação policial, ordenada pela justiça, para retirar centenas de indígenas que haviam ocupado uma fazenda, identificada como parte do território tradicional dos terenas há 13 anos. Contraditórias decisões judiciais e dificuldades para indenizar o proprietário vão dilatando o processo. A correlação de forças e a prioridade que o governo dá ao desenvolvimento econômico são totalmente adversas para os indígenas.

Entretanto, eles contam com a Constituição, convênios internacionais e uma opinião pública internacional que defende a diversidade humana. Com a consciência e os valores hoje consolidados, “a sociedade brasileira não permitiria retrocessos nos direitos reconhecidos na Constituição”, declarou Paulo Maldos, secretário nacional de Articulação Social do governo federal, cuja função já o levou a perigosas negociações com grupos indígenas rebelados.

A repercussão negativa desestimula atos antiaborígines. Cada indígena assassinado, como Gabriel, se converte em um mártir que realça a resistência de seus povos. Por isso é possível que essa morte neutralize, ou pelo menos modere por algum tempo, a ofensiva ruralista contra territórios ancestrais. Segundo a Funai, há no país mais de 450 territórios indígenas em processo de demarcação, que somam mais de cem mil hectares, enquanto outra centena de territórios está em fase de identificação.

Fonte:Envolverde/IPS

 http://envolverde.com.br/ambiente/o-renascimento-indigena-brasileiro-sob-fogo-cruzado/

domingo, 9 de junho de 2013

Megaprojetos na Amazônia ameaçam os povos indígenas isolados


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Fonte da notícia: Cimi - Conselho Indigenista Missinário

A equipe do Conselho Indigenista Missionário – Cimi, de apoio aos povos indígenas isolados, reunida em Manaus nos dias 4 a 7 de junho/2013 fez uma análise dos impactos dos megaprojetos de infraestrutura projetados e em construção na Amazônia sobre esses povos.

Foi constatado que está em curso uma campanha contra os direitos dos povos indígenas veiculada diariamente pelos grandes meios de comunicação para respaldar os interesses dos empresários do agronegócio, latifundiários, mineradoras e a política desenvolvimentista do Governo Federal, caracterizada pelo autoritarismo, pelo uso da violência pelas forças repressivas (dois indígenas assassinados pela PF, um Munduruku/PA em novembro/2012 e outro Terena/MS em maio/2013), pelo desrespeito a Constituição, as convenções internacionais e a legislação ambiental.

Este cenário, que se materializa na Amazônia pelas obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, pelo avanço do desmatamento, do gado, da exploração madeireira, mineral e petrolífera, espalha os conflitos na região e é particularmente trágico para a vida e o futuro dos povos indígenas isolados.

No Maranhão os Awá Guajá tem o seu território sistematicamente invadido por madeireiros que agem impunemente há anos, inclusive em terras indígenas já regularizadas aonde vivem estes indígenas isolados. Este fato foi recentemente denunciado a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

Os isolados Avá Canoeiro na Ilha do bananal Tocantins estão ameaçados pelos projetos de monocultura, que retiram água do rio Javaé e Formoso, assoreando e contaminando os rios, pelas invasões de pescadores, e pela projeção de duas estradas que cortarão a ilha ao meio.

As barragens de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira atingem cinco grupos indígenas isolados. A existência desses grupos só foi reconhecida após terem sido concedidas as licenças de instalação das obras. Estes grupos, em busca de um habitat mais seguro, estão se aproximando de fazendas e de aldeias de outros povos indígenas podendo gerar conflitos.

Na bacia do Rio Xingu, 06 grupos indígenas isolados sofrem a influência da barragem de Belo Monte. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, CIDH, em 29 de julho de 2011, determinou ao Estado brasileiro que adotasse medidas para a proteção da vida, a saúde e a integridade pessoal dos membros das comunidades indígenas em situação de isolamento. Após três anos, praticamente inexistem ações do governo para cumprir a solicitação.

A vida de outros 5 grupos de isolados será ameaçada caso sejam construídas as barragens, atualmente na fase de estudos, da bacia do rio Tapajós.

As empresas petrolíferas ameaçam os povos indígenas isolados no Departamento de Ucayali no lado peruano e no lado brasileiro, na terra indígena Vale do Javari no Amazonas e no Acre.  Na mesma região está em estudo a construção da ferrovia Cruzeiro do Sul-AC/Brasil – Pucalpa/Peru, cujo traçado incide diretamente sobre o território do povo indígena isolado do igarapé Tapada.

Denunciamos à sociedade brasileira que o risco a vida dos povos isolados vem aumentando nos últimos anos e tem-se agravado com a atual política do governo Dilma de imposição de um modelo macro econômico altamente agressivo e depredador.

Manaus, AM, 07 de junho de 2013.

Equipe do Cimi de apoio aos povos indígenas isolados

 http://cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6961&action=read&page=34