sábado, 31 de agosto de 2013

Severinas: as novas mulheres do sertão

29/08/2013 - por Eliza Capai (*), para a Agência Pública (**)
- extraído do site Envolverde

Cada um tem que saber o seu lugar: a mulher tem qualidade inferior, o homem tem qualidade superior.”

É bem assim que fala, sem rodeios, um dos homens mais respeitados do município de Guaribas, no sertão do Piauí, pai de sete filhos (seis mulheres e um homem). “O homem é o gigante da mulher”, completa “Chefe”, como é conhecido Horacio Alves da Rocha na comunidade.

Para chegar a Guaribas são dez horas desde a capital, Teresina, até a cidadezinha de Caracol. Dali, 40 minutos de estrada de terra cercada de 
caatinga até o jovem município, fundado em 1997.

Titulares do Bolsa Família, as sertanejas estão começando a transformar seus papéis na família e na sociedade do interior do Piauí e se libertando da servidão ao homem, milenar como a miséria.

Em 2003, Guaribas foi escolhida como piloto do programa Fome Zero. Tinha então o segundo pior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Brasil, 0,214 – para efeito de comparação, o país com pior IDH do mundo é Burundi, na África com índice 0,355.

Hoje, Guaribas tem 4.401 habitantes, 87% deles recebendo o Bolsa Família. São 933 famílias beneficiadas, com renda média mensal de R$ 182. 

O IDH saltou para 0,508.
Em todo o Brasil, o Bolsa Família atende a 13,7 milhões de famílias – sendo que 93,2% dos cartões estão em nome de mulheres. São elas que recebem 
e distribuem a renda familiar.

Eu vivi a escravidão”, diz Luzia Alves Rocha, 31 anos, uma das seis filhas de Chefe. Aos três meses, muito doente, ela foi dada pelo pai para os avós criarem. Quando eles morreram, uma tia assumiu a menina. “Achei que ela não ia aguentar aquela vida de roça: era vida aquilo?”, pergunta a tia Delci.

Luzia trabalhou na roça, passou fome, perdeu madrugadas subindo a serra para talvez voltar com água na cabaça. “Quando tinha comida a gente comia, se não, dormia igual passarinho”, diz. Trabalhava sem salário, sem nenhum direito trabalhista, sem saber como seria a vida se a seca não passasse e a chuva não regasse o feijão e a mandioca. Era “a escravidão”.

Luzia Alves Rocha, 31 anos, fez laqueadura depois do segundo filho: “Se não a vida ia ser mais pior”, explica. Num outro momento, ela comemora: “Minha filha hoje já alcançou coisas que eu não alcancei.

Quando a seca piorou, Luzia pensou em migrar para São Paulo. Foi então que chegou o programa social do governo: “Com esta ajudinha já consigo levar”, diz. Luzia decidiu ficar em Guaribas. Os filhos estudam. O marido e ela cuidam da roça.

A libertação da ‘ditadura da miséria’ e do controle masculino familiar amplo sobre seus destinos permite às mulheres um mínimo de programação da própria vida e, nesta medida, possibilita-lhes o começo da autonomização de sua vida moral. O último elemento é fundante da cidadania”, analisam os pesquisadores Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani, da Universidade de Campinas e da Universidade Federal de Santa Catarina, no livro Vozes do Bolsa Família: Autonomia, dinheiro e cidadania.

Durante a pesquisa, eles ouviram beneficiários do programa observando as transformações decorrentes do Bolsa-Família – em especial na vida das mulheres. Chegaram à conclusão que a mudança é grande: “Quando você tem um patamar de igualdade mínimo, você muda a sociedade. Claro que as coisas não são automáticas. Isto não pode ser posto como salvação da nação, mas é um começo.

Luzia conseguiu realizar o sonho de diversas das mulheres ouvidas pela socióloga Walquiria Leão. Ela juntou R$ 50 e seguiu para o hospital da cidade vizinha, de São Raimundo Nonato para fazer laqueadura das trompas: “se tivesse mais filho a vida ia ser mais pior”.

Segundo Walquíria, o desejo de controlar a natalidade foi manifestado por diversas das mulheres que ela entrevistou entre 2006 e 2011 em Alagoas, Vale do Jequitinhonha, Piauí, Maranhão e Pernambuco.

Serena, uma das filhas de Luzia, tem 8 anos e está na terceira série. Ela ajuda a arrumar a casa, já sabe cozinhar, ajuda na roça. Mas não perde suas aulas. Logo depois de cantar o alfabeto e os números, diz que quer ser “advogada e médica”. Quando perguntada sobre casamento, a pequena afirma, com a mão na cintura: “eu não vou casar, vou ser sol-tei-ra…”, diz, demorando nas sílabas.

Em maio o valor do Bolsa Família de Luzia saltou de R$ 70 reais para R$ 212. A mãe comemora: “Agora já posso comprar as coisas para minha filha: a sandália dela arrebentou e pude comprar outra”. No pé da menima, o calçado que custou R$ 7,50. “Primeiro comprei para a menina, num outro mês compro pra mim”, explica Luzia, com os pés descalços.

“Minha sina”
Do outro lado do vale que liga o centro de Guaribas ao bairro Fazenda, Norma Alves Duarte, 44 anos, vive numa casa de dois quartos. Na sala, paredes mal rebocadas mostram as marcas da massa corrida. No canto, um pequeno móvel com uma TV.

A vida toda ela ajudou a mãe doente, quase não estudou – cursou até a segunda série. Como todas as mulheres dali, as atividades de criança incluíam colher feijão, pegar lenha e buscar água no olho d’água, que fica a dois quilômetros.

Norma Alves Duarte, 44 anos, depois de falar que é casada com homem vaidoso e bebedor, emenda: “Fazer o que né? Destino é destino: quem traz uma sina tem que cumprir.

Norma tem 12 irmãos, 2 filhos e vive com o segundo marido – o primeiro a abandonou depois de 20 dias. “Era pau e cachaça. Aí depois arrumei o pai 
destes meninos. É bom mas é doido, vaidoso o velho, bebedor… Ele é bruto demais, ignorante que só. Fazer o que né? Destino é destino: quem traz uma sina tem que cumprir.”

“Esta palavra, sina, faz parte do que nós chamamos de cultura da resignação e acho que ela foi de fato rompida com o Bolsa Família”, diz a socióloga Walquiria Leão.

No início do programa, Norma ganhava R$ 42 com seu cartão. Agora “tira” R$ 200. “Mudou, porque eu pego meu dinheirinho, compro minhas coisas, assim mesmo ele (o marido) xingando. Eu não dou ele, ele tem o dele. Ele não me dá nenhum real, bota para comer dentro de casa mas não me dá nem um real, nem dez centavos.”

Para Walquíria Leão, “a renda liberta a pessoa de relações privadas opressoras e de controles pessoais sobre sua intimidade, pois a conforma em uma função social determinada, permitindo-lhe mais movimentação e, portanto, novas experiências”.

Mais divórcios
Ao saírem da miséria, “da espera resignada pela morte por fome e doenças ligadas à pobreza”, nas palavras de Walquiria, estas mulheres começam a 
protagonizar suas vidas.

Elenilde Ribeiro, 39 anos, vive em Cajueiro, bairro de Guaribas onde a água ainda não chegou mas o Bolsa Família já: “Tiro R$ 134 no meu cartão mas para mim está sendo mil.”

No vilarejo de Cajueiro, a uma hora do centro de Guaribas por uma estrada de terra esburacada, a água ainda não chegou às casas. Elenilde Ribeiro, 39 anos, caminha com a sobrinha por um areial com a lata na cabeça, outra na mão. É ela quem cria a menina. “Não quero que ela sofra como eu sofri”, diz.

Chegando na casa, o capricho se mostra nos paninhos embaixo de copos metálicos, na estante com fotos de família, o brasão do Palmeiras, e um gato de louça ao lado da imagem de Jesus. Do lado de fora, o banheiro – onde se usa caneca e penico –, um pátio bem varrido, uma horta suspensa, e uma pilha de lenha que Elenilde mesma coleta e quebra, apontando: “está aqui meu botijão de gás”.

Os olhos de Elenilde marejam quando conta ter sido abandonada pelo marido há treze anos, mas seu tom de voz muda ao falar do papel da renda em sua vida. “Tiro R$ 134 no meu cartão Bolsa Família mas para mim está sendo mil. Porque com este dinheirinho eu tenho o dinheiro certo para comprar (na venda) e o dono me confia. E eu sei que com isso, com ele me confiar, eu já estou comendo a mais”, explica.

Elenilde também se livrou de trabalhar na roça dos outros em troca de uma diária de R$ 5. “Eu quando pego o meu dinheiro (do cartão) vou na venda, pago a conta mais velha e espero pela vontade do vindião, aí ele vai e me franqueia… E eu vou e compro de novo”.

Segundo Walquíria Leão, isso tem ajudado a mulher a conquistar um novo papel na comunidade. “A experiência anterior de vida era sempre de ser desrespeitada, desconsiderada porque ela não tinha dinheiro”.

No final da mesma rua, Domingas Pereira da Lima, 28 anos, não se arrepende de ter abandonado o marido. “Ele ficava namorando com uma e com outra e eu num resisti, vim embora”.

Prendendo o choro, ela continua: “Deixava eu com as crianças e se tacava no meio do mundo. A vida não é fácil mas vou levando a vida devagarzinho aqui.” Desde então, Domingas cuida dos quatro filhos com o apoio das irmãs e da mãe.

Em 2003, quando chegou o Fome Zero, foram solicitados 993 divórcios no Piauí. Em 2011 o número saltou para 1.689 casos. Dos casos não consensuais, 134 foram requeridos por mulheres em 2003; em 2011 esse número saltou para 413 – um aumento de 308%.

Ainda assim, na pequena Guaribas, a mulher ficar presa em casa em dias de festa, o alcoolismo e a infidelidade masculina são histórias contadas com naturalidade. “Vixi, aqui se conta nos dedos as mulheres que não apanham do marido”, é comum as mulheres dizerem.

Na delegacia da cidadezinha, o delegado explica que por ali o clima é sempre “muito tranquilo, sem nenhuma ocorrência. Só umas brigas de casal, coisa que a gente aconselha e eles voltam” diz.

Mirele Aline Alves da Rocha é uma das que se conta nos dedos. Aos 18 anos, a bonita jovem explica: “Apesar da minha idade já ser avançada para os daqui, eu não estou nem aí para o que eles falam. Eu quero é estudar”.

A maioria das amigas se casaram aos 13 anos. Já Mirele, solteira, cursa o 
terceiro ano do Ensino Médio na escola estadual de Guaribas, onde vive com a tia – os pais moram no município de Cajueiro.

O cartão do Bolsa Família está no nome da mãe, que recebe R$ 102 por Mirele e pelo caçula de nove anos. Ambos estudam. “Eu vejo a realidade da minha mãe e não quero seguir pelo mesmo caminho. Eu quero estudar para ter um futuro, para ser independente, para não ficar dependendo de um homem”, decreta a jovem.

No primeiro bimestre de 2013, em Guaribas, a frequência escolar atingiu o percentual de 96,23%, para crianças e adolescentes entre 6 e 15 anos –
o equivalente a 869 alunos – e 82,29% para os jovens entre 16 e 17 anos, de um total de 175.

Mirele vai fazer o Enem e “ver o que dá”. Para cursar faculdade ela terá que sair de Guaribas mas planeja se graduar e voltar: “Gosto mesmo é daqui”.

Nunca é demais lembrar que nossa pobreza não é um fato contingente, mas deita raízes profundas na nossa história e na forma de conduzir politicamente as decisões estatais”, avalia Walquiria.

O Bolsa Família deveria se transformar em política publica, não mais política de um governo”.

É um processo, um avanço que mal começou. E ainda é muito insuficiente. Mas quem narra uma história tem que ser capaz de narrar todos os passos desta história”, finaliza.

(*) Eliza Capai é documentarista independente, autora do filme Tão Longe é Aqui. Esta reportagem foi realizada através do Concurso de Microbolsas de Reportagem da Pública.

(**) Publicado originalmente no site Agência Pública.

Fonte:
http://envolverde.com.br/sociedade/severinas-as-novas-mulheres-do-sertao/

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O mundo aprende a andar sem os EUA

28/08/2013 - Spengler [*] em 19/08/2013, no Asia Times Online
- Excerto traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

O barulhão assustador que se está ouvindo, como eu já disse dia 15/8 na CNBC, é a implosão da influência norte-americana no Oriente Médio.

oferecimento que Vladimir Putin [foto] fez, dia 17/8, de ajuda militar ao exército egípcio, depois que o presidente Obama cancelara exercícios militares conjuntos com egípcios, mostra o ponto mais baixo da curva da importância dos EUA em todo o pós-Guerra Fria.

Rússia, Arábia Saudita e China trabalham juntas para tentar minimizar o dano provocado pelos erros dos norte-americanos. É precisamente o que fazem, em silêncio, há mais de um ano.

O alarme soou para a democracia egípcia, quando a Fraternidade Muçulmana ergueu-se de seu passado tenebroso, mas nem assim a Washington oficial acordou.

O Egito estava à beira de morrer de fome, quando os militares depuseram Mohamed Mursi.

A maior parte dos pobres no Egito já estava há meses vivendo do pão subsidiado pelo estado, e até o fornecimento desse pão estava ameaçado. Os militares trouxeram US$12 bilhões de ajuda recebida dos estados do Golfo, o suficiente para evitar uma catástrofe humanitária.

A realidade é essa. É a única coisa sobre a qual Rússia, Arábia Saudita e Israel concordam.

A atitude errática, vacilante, dos EUA sobre o Egito, não é só erro estúpido, tolo, mas uma completa catástrofe institucional.

O presidente Obama cercou-se de uma camarilha, com Susan Rice como Conselheira de Segurança Nacional, ladeada por Valerie Jarrett, milionária da indústria da construção de moradias públicas nascida no Irã.

Comparada à equipe de Obama, o pessoal de Zbigniew Brzezinski [foto] eram colossos intelectuais no Conselho de Segurança Nacional de Jimmy Carter.

Essa gente agora são amadores e ninguém jamais consegue prever o que inventarão, de hoje para amanhã. (...) 

E tampouco interessa o que digam os especialistas do Partido Republicano. Poucos Republicanos eleitos discutirão com McCain [foto abaixo], porque os eleitores já não suportam ouvir falar de Egito e já não confiam nos Republicanos, depois dos fracassos no Iraque e no Afeganistão.

Nenhum dos dois partidos tem capacidade institucional para deliberar inteligentemente sobre os interesses dos EUA.

Dentre os veteranos dos 
governos Reagan e Bush há vários que compreendem com clareza o que se disputa no mundo, mas o Partido Republicano é incapaz de atuar sob orientação deles. Por isso o fracasso institucional nos EUA é tão profundo.

Os deputados e senadores Republicanos vivem em pânico ante a possibilidade de serem derrotados por isolacionistas como o senador Rand Paul (R-KY) – e seguirão o quixotesco senador McCain.

E outras potências regionais e mundiais farão tudo que possam para conter o desmando e a confusão que reina nos EUA. (...) 

A rede Russia Today noticiou, dia 7/8, que: 

(...) a Arábia Saudita ofereceu-se para comprar $15 bilhões em armas da Rússia, e ofereceu uma lista de vantagens e facilitações econômicas e políticas ao Kremlim – no esforço para reduzir o apoio que Moscou continua a dar ao presidente sírio Bashar Assad. 

A posição dos russos não mudará. Quanto a isso, já não há dúvidas. (...) 

O que se vê bem claramente, é que Riad está confiando, não mais em Washington, mas em Pequim, para garantir sua capacidade de transportar e disparar armas atômicas.

A China tem interesse profundo na segurança saudita: é o maior importador de petróleo saudita. É altamente provável que os EUA já se tornem independentes de petróleo importado em algum momento da próxima década, mas a China precisará do petróleo do Golfo Persa por tempo futuro não determinado. (...)

Os russos temem que o radicalismo islâmico escape totalmente de qualquer controle no Cáucaso e talvez em outros pontos, com a Rússia evoluindo 
para ser país de maioria muçulmana. 

Os chineses temem os uigures, povo muçulmano de origem turca, que já é metade da população da província Xinjiang, no oeste da China.

Mas o governo Obama (e Republicanos do establishment como John McCain) insistem que os EUA devem apoiar governos islamitas democraticamente eleitos. É erro gravíssimo. A Fraternidade Muçulmana é tão democrática quanto o Partido Nazista (...).

Países tribais, com altos índices de analfabetismo não têm parâmetro para a tomada democrática de decisões.

Enquanto os EUA continuarem a declarar apoio a “oposições democráticas” muçulmanas no Egito e na Síria, o resto do mundo continuará a tratar os 
norte-americanos como doidos varridos, lunáticos sem conserto, e todos tratarão de garantir seus próprios interesses sem os EUA.

Os turcos, é certo, reclamarão contra o destino de seus amigos na Fraternidade Muçulmana, mas pouco podem fazer. Os sauditas financiam grande parte do enorme déficit nas contas turcas; e quase toda a energia que chega à Turquia vem-lhe dos russos.

Além de errarem na avaliação dos eventos egípcios, os analistas norte-americanos erraram praticamente toda a leitura que tentam fazer do quadro 
mundial.

Na direita norte-americana, o consenso dominante há anos é que a Rússia acabaria por implodir economicamente e demograficamente.

Mas a taxa de fertilidade total na Rússia, ao contrário, subiu, de um ponto calamitosamente baixo de menos de 1,2 nascidos vivos por mulher em 1990, para cerca de 1,7 em 2012, no ponto intermediário, superior ao 1,5 da Europa e pouco abaixo do 1,9 dos EUA.

Faltam dados para avaliar a tendência, mas já está bem claramente indicado que é erro descartar a Rússia, seja por qual critério for, pelo menos por hora. (...)

Taxa de fertilidade no mundo em 2011 (nascidos por mulher)
(clique na imagem para aumentar) 

Gostem ou não gostem, a Rússia não sumirá do mapa.

Analistas norte-americanos veem os problemas russos com os muçulmanos no Cáucaso, com o superficialismo de quem se diverte com a desgraça alheia. 

Durante os anos 1980s o governo Reagan apoiou jihadistas no Afeganistão, contra os russos, porque a União Soviética era, então, a encarnação perfeita do mal.

Hoje, a Rússia não chega a ser exatamente amiga-irmã dos EUA, é claro, mas o terrorismo islamista é que é o pior dos males, e os EUA bem fariam se seguissem o exemplo dos sauditas e se unissem aos russos, contra o terrorismo islamista.

No caso da China, o consenso era que a economia chinesa desabaria rapidamente esse ano, o que geraria problemas políticos.

Os dados do comércio chinês de junho mostram exatamente o contrário disso: um aumento nas importações (incluindo crescimento de 26% ano a ano nas importações de minério de ferro e de 20% no petróleo) indica que a China continua a crescer confortavelmente mais de 7% por ano.

A transição da China, de modelo exportador movido a trabalho barato, para modelo de manufatura com alto valor agregado e economia de serviços ainda é desafio gigantesco, talvez o maior de toda a história da economia; mas absolutamente não há qualquer sinal de que a China esteja fracassando ante o desafio que se propôs.

Gostem ou não, a China continuará a marcar o ritmo do crescimento da economia mundial.

Crescimento do PIB da China e dos EUA até 2028
(Clique na imagem para visualizar melhor) 

Os EUA, se escolhessem exercitar o próprio poder e cultivar seus talentos culturais, ainda seriam capazes de derrotar os “opositores”. Mas escolheram nada fazer, e a rédea afinal escapou das mãos de Washington.

Os norte-americanos só ouvirão falar de desenvolvimento importante, se e 
quando outros países decidirem divulgar seus próprios sucessos. É justo prevenir os leitores de que aqueles, dentre nós, norte-americanos, que 
ainda mantemos condições e meios razoavelmente satisfatórios de vida e progresso, não conseguiremos mantê-los igualmente satisfatórios no futuro. 

Meu registro de sucessos nas previsões que faço não é de todo mau. Em 2003, avisei que a tentativa do governo de George W Bush de construir 
nações no Iraque e no Afeganistão terminaria em tragédia.

E no início de 2006, escrevi: “Gostem ou não, os EUA só produzirão caos, e nada podem fazer para escapar dele.” (...)

Ninguém mais precisa de analistas de política externa.

Em 2013, os cães da guerra estão soltos e escolherão, eles, os próprios caminhos.

Nos EUA, basta abrir a janela de casa, que já se ouvem os latidos.
__________________________

[*] Spengler, apelido de David P. Goldman, escreve a coluna Spengler para o Asia Times Online e contribui frequentemente para as publicações The Tablet, First Things (2009-2011) e outras. Foi Chefe Global de Pesquisa de Dívida do Bank of America (2002-2005), Diretor Global de Estratégia de Crédito do Credit Suisse (1998-2002). Ocupou cargos importantes nas organizações financeiras Bear Stearns e Cantor Fitzgerald. Foi colunista da revista Forbes (1994-2001). Seu livro How Civilizations Die (and why Islam is Dying, Too) foi lançado em setembro de 2011.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.co.at/2013/08/o-mundo-aprende-andar-sem-os-eua.html

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O espírito da medicina cubana

26/08/2013 - Paulo Nogueira - Diário do Centro do Mundo

Num momento em que se debate tanto se vale a pena ou não importar médicos de Cuba, o Diário faz um mergulho no tema.

Estudantes americanos formados pela aclamada Escola de Medicina América Latina

O que a Grã-Bretanha pode aprender com o sistema médico de Cuba?

Assim começou uma reportagem de um dos mais prestigiosos programas jornalísticos britânicos, o Newsnight, da BBC.

Uma equipe do programa foi enviada a Cuba para entender por que é tão comum o “olhar de admiração” sobre a medicina cubana.

O Diário selecionou trechos que jogam luzes sobre um tema que vem despertando discussões apaixonadas no site e fora dele: a questão da importação de 6.000 médicos cubanos para trabalharem em áreas remotas no Brasil.

O relato do Newsnight foi acrescido de trechos do relatório de uma visita de integrantes do Comitê de Saúde do Parlamento britânico. Da mistura surgiu um retrato da saúde de Cuba.

Bom proveito.

“A lógica subjacente do sistema cubano é incrivelmente simples. Em razão principalmente do bloqueio econômico americano, a economia cubana continuamente sofre.

Saúde, no entanto, é uma prioridade nacional, por razões em parte românticas: Che Guevara, ícone do Partido Comunista, era médico.

Mas muito mais por pragmatismo: a saúde admirável da população é certamente uma dos principais razões pelas quais a família Castro ainda está no poder.

A prioridade em Cuba é impedir que as pessoas fiquem doentes, em primeiro lugar.

Em Cuba você recebe anualmente a visita de um médico. A idéia não é apenas verificar a sua saúde, mas ter um olhar mais amplo sobre seu estilo de vida e o ambiente familiar. Essa visita é feita de surpresa, para ser mais eficiente.

Os médicos estão espalhados por toda a população, e o governo lhes fornece habitação, bem como às enfermeiras.

A expectativa de vida em Cuba é maior do que a dos Estados Unidos. A relação médico-paciente ser comparada a qualquer país da Europa Ocidental.

Há em Cuba um médico por cada 175 pessoas. No Reino Unido, é 1 por 600 pessoas.

Cuba dá ênfase à formação generalista. O currículo foi alterado na década de 80 para garantir que mais de 90 por cento de todos os graduados completem três anos em clínica geral. 

Há um compromisso com o diagnóstico triplo (físico / psicológico / social). Os médicos são reavaliados frequentemente.

Também chama a atenção a Policlínica – uma engenhosa invenção que visa proporcionar serviços como odontologia, pequenas cirurgias, vasectomias e
raios-X sem a necessidade de uma visita a um hospital.

Cada Policlínica  tem uma série de especialistas (pediatria, ginecologia, dermatologia, psiquiatria) que resolvem boa parte dos problemas de saúde das comunidades e assim reduzem a necessidade de busca de hospital. Com isso, a lista de espera nos hospitais é quase inexistente.

Todos os lugares que visitamos eram geridos por profissionais da saúde (médicos e enfermeiros). 

Fizemos uma visita à Escola de Medicina América Latina, onde médicos estagiários  de todo o mundo -  muitos deles, para nossa surpresa, americanos (foto) –  recebem treinamento à moda cubana.

E nos deparamos em nossa visita com  pequenos detalhes que podem fazer uma grande diferença: pelotões de aposentados se exercitando todas as 
manhãs nos parques de Havana.

Apesar de os hospitais não serem equipados com o nível de TI encontrado no Reino Unido, por causa do bloqueio americano, os profissionais de saúde têm uma paixão por dados e estatísticas que eles usam com freqüência para fins de governança na saúde.

O contexto da revolução cubana e as estruturas sociais desenvolvidos localmente levaram ao envolvimento contínuo do Estado no sistema de saúde. 

Isto é visto não como a cereja no topo do bolo, mas como uma parte muito importante do próprio bolo."

Fonte:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/author/diario-do-centro-do-mundo/


Leia também:http://www.brasil247.com/pt/247/saudeebemestar/113323/Globo-censura-%E2%80%9CMedicina-cubana-revoluciona.htm

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O "controle" da mídia no Brasil


Sim. Existe ‘controle’ da mídia no Brasil


*Por Venício A. de Lima em 27/08/2013 na edição 761 - Observatório da Imprensa

     
Em debate sobre “A mídia e a corrupção”, realizado durante o seminário “Corrupção: diálogos interdisciplinares”, promovido pelo tradicional Centro Acadêmico Afonso Pena (CAAP), da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, na quarta-feira (21/8), respondi a uma pergunta de futura advogada preocupada em saber se as normas e princípios da Constituição de 1988 permitiam o “controle” sobre a mídia no Brasil.

Respondi de imediato: não; claro que não. As normas e princípios da Constituição de 1988 impedem claramente que haja “controle” do Estado sobre a mídia. Não há possibilidade de volta à censura estatal nem de qualquer ameaça do Estado à liberdade de expressão ou à liberdade da imprensa.

Embutido na pergunta, tudo indica, estava o conhecido mantra da grande mídia brasileira e de seus eloquentes porta-vozes que identificam qualquer manifestação sobre regulação, independentemente de sua origem, como tentativa autoritária de “controlar” a mídia por intermédio do Estado ou, em outras palavras, volta à censura estatal, atentado à liberdade de expressão e à liberdade da imprensa (tratadas, aliás, como se fossem a mesma coisa).

Resposta errada

O debate continuou, outras perguntas foram feitas e me dei conta de que havia cometido um erro grave. Minha resposta assumia como verdadeiro o falso pressuposto contido no mantra da grande mídia de que somente o Estado pode “controlar” a mídia.

Solicitei, então, ao mediador do debate que, por favor, me permitisse corrigir uma resposta incorreta.

Sim. Apesar das normas e princípios da Constituição de 1988 é possível que exista “controle” sobre a mídia. Na verdade, esse “controle” vem sendo exercido diariamente. Todavia, não pelo Estado, mas pelos oligopólios privados de mídia.

São esses oligopólios que – contrariando as normas e princípios da Constituição em vigor – “controlam” a mídia e ameaçam a liberdade de expressão e a liberdade da imprensa ao impedir o acesso das vozes da maioria da população brasileira ao espaço de debate público cuja mediação, apesar das TICs, monopolizam.

Constituição não regulamentada


Esse “controle” da mídia pelos oligopólios privados se sustenta de diferentes formas. Uma delas é o poderoso (e bem remunerado) lobby que nos últimos 25 anos tem pressionado continuamente deputados e senadores e impedido que normas e princípios da Constituição de 1988 relativas à comunicação social sejam regulamentados. Sem serem regulamentados, não são cumpridos.

É por isso que, apesar de a Constituição rezar que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio” (parágrafo 5º do artigo 220), apenas uns poucos grupos privados controlam os meios de comunicação diretamente ou indiretamente através de “redes” de afiliadas cuja “formação” não obedece a qualquer regulação.

É por isso que, apesar de a Constituição rezar que “os Deputados e Senadores não poderão firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes” (alínea ‘a’ do inciso I do artigo 54), muitos deles mantêm vínculos com empresas privadas concessionárias do serviço público de radiodifusão, numa viciosa circularidade que inviabiliza a aprovação de projetos que regulem as normas e princípios constitucionais sobre a comunicação social no Congresso Nacional.

É por isso que, apesar de a Constituição rezar que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão devem atender “aos princípios de preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família” (artigo 221), o que se escuta nas emissoras de rádio e se vê na televisão, salvo raras exceções, é exatamente o oposto.

É por isso que, apesar de a Constituição rezar que as outorgas e renovações de concessões, permissões e autorizações para o serviço público de radiodifusão sonora e de sons e imagens devem “observar o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal” (artigo 223), a imensa maioria das concessões, permissões e autorizações de radiodifusão no país continua a ser explorada por empresas privadas.

O paradoxo do Estado financiador do “controle” privado

No Brasil, os “critérios técnicos” adotados pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR) para distribuição dos recursos oficiais de publicidade se baseiam na diretriz “comercial” que considera “a audiência de cada veículo [como] o balizador de negociação e de distribuição de investimentos. A programação de recursos deve ser proporcional ao tamanho e ao perfil da audiência de cada veículo” (ver “Transparência e a desconcentração na publicidade do governo federal“).

Como já argumentei neste Observatório (ver “Publicidade oficial: Quais critérios adotar?“), o artigo 1º da Constituição de 1988 reza que um dos fundamentos da democracia brasileira é o pluralismo político (inciso V) e, logo em seguida, o artigo 5º garante que é livre a manifestação do pensamento (inciso IV). Essa garantia é confirmada no caput do artigo 220, que impede a existência de qualquer restrição à manifestação do pensamento, à expressão e à informação.

Por outro lado, o inciso I, do artigo 2º do Decreto nº 6.555/2008, que “dispõe sobre as ações de comunicação do Poder Executivo Federal”, determina que “no desenvolvimento e na execução das ações de comunicação (...), serão observadas as seguintes diretrizes, de acordo com as características de cada ação: afirmação dos valores e princípios da Constituição”.

Decorre, portanto, que a responsabilidade primeira da negociação e distribuição de qualquer investimento oficial – inclusive, por óbvio, aqueles de publicidade – deveria ser a proteção e garantia do pluralismo político e da liberdade de expressão.

Da mesma forma, considerando apenas que “a programação de recursos deve ser proporcional ao tamanho e ao perfil da audiência de cada veículo”, a Secom-PR descumpre também os princípios gerais da atividade econômica definidos no “Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira” da Constituição.

Na verdade, contrariam-se os incisos IV (livre concorrência), VII (redução das desigualdades regionais e sociais) e IX (tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte) do artigo 170, e o parágrafo 4º (repressão ao abuso de poder econômico, com vistas à eliminação da concorrência e aumento arbitrário dos lucros) do artigo 173.

A Secom-PR – vale dizer, o Estado brasileiro –, paradoxalmente, tem sido um dos principais financiadores do “controle” que os oligopólios privados exercem sobre a mídia no Brasil.

Inversão da realidade


Ao difundir a noção de que o Estado brasileiro é o único agente capaz de exercer o “controle da mídia” e, ainda mais, ao empunhar como exclusivamente suas as bandeiras da liberdade de expressão e da liberdade da imprensa, os oligopólios privados de mídia constroem publicamente a imagem daqueles que pelejam para que mais vozes tenham acesso ao debate público como se fossem os inimigos da liberdade e pretendessem fazer exatamente o que, de fato, já é feito por eles, os oligopólios privados – isto é, o “controle” da mídia.

Com o desmesurado poder de que desfrutam, conseguem fazer prevalecer publicamente uma inversão do que de fato acontece (o processo de “inversão da realidade”, como se sabe, foi identificado, nomeado e explicado faz mais de 150 anos).

O debate na Faculdade de Direito da UFMG me ofereceu a oportunidade de argumentar, ainda uma vez mais, que, apesar das normas e princípios da Constituição de 1988, existe, sim, “controle” da mídia no Brasil. E ele tem sido exercido exatamente por aqueles que se apresentam como defensores exclusivos da liberdade de expressão e da liberdade: os oligopólios privados de mídia.

***

*Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros

Sakamoto culpa jornalistas também pelo show de horrores sobre médicos cubanos

Por Leonardo Sakamoto - no seu Blog
Parte dos jornalistas passou dias dizendo o que quis sobre a vinda dos médicos cubanos, sem se preocupar em checar informações ou as consequências de suas ações.
São escravos, vêm em aviões negreiros, são incompetentes, indolentes e teve até quem disse que as médicas pareciam “empregadas domésticas” (o fantástico é que a tosca em questão achou que estava ofendendo as doutoras mas, no fundo, rasgava preconceito contra uma suposta aparência de trabalhadoras domésticas).
Muito jornalista também deu voz de forma passiva e servil ao corporativismo médico desmiolado, ou seja, ouviu e transmitiu aberrações sem questionar. Que é a função primordial dele.
Isso alimentou um bando de filhos das classes média e alta, com formação política zero, conhecimento histórico inexistente, pouco senso crítico e zero de autocrítica. Que depois de bem “fundamentados”, levaram seus jalecos brancos para a porta de aeroportos a fim de repetirem o que ouviram.
Em suma, todo e toda jornalista que ajudou a inflar o monstro da xenofobia e do preconceito neste caso ou ao longo dos anos ou se omitiu diante disso tem uma parcela de culpa nesse show de horrores e de vergonha alheia.
Não somos nós que vamos a público tentar agredir estrangeiros. Da mesma forma que não é a mão de pastores ou deputados que seguram a faca, o revólver ou a lâmpada fluorescente que atacam homossexuais. Mas somos nós que, muitas vezes, na busca por audiência ou para encaixar um fato em nossa visão de mundo, tornamos a agressão banal, quase uma necessidade para restabelecer a ordem das coisas.
Parabéns colegas, a gente é o máximo.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Obsessão anti-Dilma ajuda Marina


Por Paulo Moreira Leite*

A atitude generosa dos meios de comunicação diante das dificuldades de Marina Silva para registrar a Rede de Sustentabilidade no TSE só se explica pela obsessão conservadora de impedir de qualquer maneira a reeleição de Dilma Rousseff.

Basta ler as pesquisas eleitorais recentes para constatar o óbvio. Entre tantos concorrentes oposicionistas, o único nome que aparece como concorrente competitiva é Marina Silva.

Outro candidato, Aécio Neves, pode até ganhar fôlego e demonstrar maior musculatura. No momento, enfrenta, mais uma vez, o apetite de José Serra de roubar-lhe a faixa de concorrente.

A obsessão em impedir a reeleição de Dilma cresceu depois que sua recuperação junto ao eleitorado foi confirmada pelo Ibope e ajuda a entender o caráter desonesto da campanha contra a vinda de médicos cubanos.

Numa atitude que demonstra até onde o interesse eleitoral pode chegar, nosso conservadorismo deixa claro que prefere sacrificar a saúde da população mais pobre, sem assistência médica de nenhum tipo, apenas para tentar impedir que Dilma possa apresentar alguma – modesta mesmo, vamos reconhecer – melhoria numa área tão abandonada do serviço público.

Enquanto isso, Marina tem sido tratada a pão de ló.

Agora, ela procura um tratamento preferencial: seus advogados querem ampliar o prazo legal para o exame e aprovação das 492.000 assinaturas necessárias para legalização de seu partido, a Rede de Sustentabilidade.

Certo? Errado?

Não se preocupe. Se for preciso, dá-se um jeito.

Há antecedentes no tratamento especial a Marina.

Numa decisão que mais tarde seria revertida pelo plenário do STF, em abril o ministro Gilmar Mendes fez um momento brusco em benefício da sua candidatura, acolhendo um mandato de segurança que a beneficiava. O Congresso debatia naquele momento uma medida que, ao atrapalhar a criação de novos partidos num universo com 29 siglas já existentes, poderia dificultar a formação da Rede.

Ao justificar uma intervenção insólita no processo, o ministro empregou um argumento de natureza política. Sugeriu que, ao prejudicar a formação do partido de Marina, a medida poderia prejudicar o equilíbrio entre as candidaturas em 2014.

A medida em debate no Congresso até poderia estar errada, vamos admitir. O problema é que, num país onde a Constituição diz que todos os poderes emanam do povo, quem tem o direito de decidir se os pleitos serão equilibrados, desequilibrados, uma barbada ou uma disputa aflita até o último minuto é o eleitor – e mais ninguém.

Capaz de obter a marca respeitável de 20 milhões de votos em 2010, Marina Silva demonstra uma imensa dificuldade para construir uma organização coletiva e estabelecer um projeto coerente de disputa pelo poder político. Sua dificuldade para reunir quase meio milhão de assinaturas certificadas pela Justiça eleitoral não envolve um problema burocrático nem se explica pela má vontade de cartórios eleitorais. A causa é política.

“O que é a Rede?”, podemos perguntar.

Marina já declarou que a Rede não é da situação nem da oposição. Mesmo assim, foi poupada de qualquer crítica impiedosa, ao contrário do que ocorreu com Gilberto Kassab, quando disse que seu PSD não era de direita nem de esquerda.

O fiasco na coleta de assinaturas tem uma causa óbvia. Marina não tem uma máquina política profissional, com um mínimo de articulação nacional, como acontece com todo partido que tem ambições reais de chegar ao poder de Estado.

Tampouco conseguiu construir um movimento social orgânico, estruturado, para bater pernas voluntariamente em busca do apoio do cidadão comum.

Isso acontece porque até agora Marina não conseguiu entrar no debate político real sobre o país.

Existe como mito, o que tem inegável valor eleitoral enquanto permanecer sob proteção dos meios de comunicação.

Mas até agora não formulou um projeto coerente para o país, o que tem seu preço quando se tenta construir um partido, formar alianças, cobrar lealdades, definir prioridades e preferências.

Sua bandeira maior, o ambientalismo, tem um inegável poder de atração, em especial junto a eleitores jovens.

Falta explicar, no entanto, como se pretende combinar o controle ambiental com outras necessidades. Não estamos na Alemanha. (Eu acho que nem na Alemanha as discussões ocorrem como se pensa que elas ocorrem, mas deu para entender, certo?)

Até as crianças sabem que não existe ecologia grátis. Exigências ambientais têm a contrapartida inevitável de reduzir a velocidade do crescimento econômico, o que coloca uma questão essencial, que é saber como Marina pretende combinar um discurso que faz do meio ambiente a prioridade número 1 com a necessidade de o país desenvolver-se, criar empregos e gerar riquezas para garantir uma situação de bem-estar à maioria de sua população.

Economistas de extração tucana e até mais conservadora que hoje cercam a candidata se dão bem com a ecologia porque ela ajuda a falar -- com elegância -- sobre limites naturais para o crescimento, em decrescimento, que é uma recessão programada, e outros eufemismos de quem considera que o desenvolvimento e a criação de empregos deixaram de ser prioridade mesmo no Brasil. Essa aproximação não surpreende, portanto, e ajuda Marina a ser abençoada pelo grande capital financeiro.

Mas economistas disputam votos na academia, costumam brilhar em reuniões fechadas e cobram somas milionárias para fazer profecias em encontros com empresários. Marina irá procurar votos junto ao povão pregando medidas recessivas e corte em gastos públicos e políticas sociais, como reza a cartilha de princípios de austeridade de seus economistas?

Irá dizer que o Estado de Bem-Estar Social é meio caminho andado para a servidão humana, como afirma Friederich Hayek, guru austríaco da maioria deles?

Outro aspecto é que a maior parte dos 20 milhões de votos de Marina são fruto de um casamento que juntou duas conveniências. O cansaço de uma parcela da juventude com o PT e o conservadorismo de setores evangélicos mobilizados contra a legalização do aborto e os direitos dos gays.

Embora candidatos que mobilizam grandes parcelas do eleitorado sejam capazes, normalmente, de conseguir votos em setores diferenciados e mesmo em conflito permanente, estamos falando de um casamento-relâmpago entre parcelas da sociedade que se detestam e se excluem.

Resumindo: foram eleitores de Marina, em grande parte, que organizaram grandes protestos para denunciar Feliciano. São eleitores de Marina, também, que lhe dão apoio.

Como combinar tudo isso e fazer um partido?

Essa é a pergunta.


Fonte:http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/08/obsessao-anti-dilma-ajuda-marina.html


*Paulo Moreira Leite
Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o Outro General da Casa".

Leia também:http://brasileducom.blogspot.com.br/2013/08/marina-quatro-anos-depois_21.html

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O cinismo e a desfaçatez é a pior face do corporativismo médico


Que tal assumir um posto de saúde em Tefé ou em Santo Antonio do Salto da Onça?


Com a aceleração da execução do programa do governo federal Mais Médicos, os porta-vozes do atraso e da irresponsabilidade, geralmente presidentes de conselhos e associações médicas, encontram imenso espaço na mídia tradicional para revelar seus interesses mesquinhos.

por Washington Araújo - Carta Maior
   
O cinismo e a desfaçatez é a pior face do corporativismo médico.

Com a aceleração da execução do programa do governo federal Mais Médicos, os porta-vozes do atraso e da irresponsabilidade, geralmente presidentes de conselhos e associações médicas, encontram imenso espaço na mídia tradicional para revelar seus interesses mesquinhos: manter a população carente sem médicos para assim manter seu poder de barganha junto ao Ministério da Saúde, às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.

A agenda – antes oculta – revela-se agora escancarada. A vinda de médicos estrangeiros para o Brasil coloca em risco de morte qualquer possibilidade de êxito na longa queda-de-braço entre governos e classe médica. O governo, seja de qual cor partidária for, sabe que precisa disponibilizar médicos pelo Brasil profundo. As corporações médicas sabe que somente acuando o governo poderá efetivamente aumentar seus salários, diminuir a carga horária semanal dos médicos, criar a ambicionada carreira de Estado para profissionais da saúde, hipervalorizar o pagamento de horas extras, superdimensionar o preço dos plantões.. E a lista... é infindável.

Lamentavelmente, alguns países europeus como a França e a Alemanha, mostram sempre que pode, sua carranca xenofóbica. O Brasil não precisa se alinhar a eles, ainda mais em se tratando da vinda de médicos, sejam de Cuba, sejam de Marte. Será necessário repisar argumentos óbvios? Não nos esqueçamos jamais de que o Brasil, desde o início, foi e é um país de imigrantes. Porque brasileiros legítimos mesmo, apenas os nossos indígenas o são, já que quando os portugueses por aqui aportaram há cerca de 500 atrás, já os encontraram aqui nesta Pindorama até então desconhecida do restante do mundo.

O que se busca com tanto esperneio amplificado generosamente por meios de comunicação que também priorizam suas agendas partidárias é nada mais que manter a reserva de mercado para a prestação de assistência médica à população.

A propósito, não seria uma boa iniciativa que o Conselho Federal de Medicina, tão ousado em boicotar o programa Mais Médicos, providenciasse missões de médicos brasileiros para áreas muito necessitadas desses profissionais, países como a Tanzânia, Zanzibar, Síria, Faixa de Gaza, Gabão, Somália? Por que ninguém critica programas mantidos por organismos como as Nações Unidas,Médicos Sem Fronteiras, Cruz Vermelha e Crescente Verde? Todos esses programas, alguns reconhecidos com o Nobel da Paz, enviam médicos para regiões de conflitos, áreas de risco ou apenas de grande pobreza e nunca colocam como prerequisito que em tais locais existam hospitais bem equipados, postos de saúde com linhas telefônicas funcionando, sistema de água corrente.

Mas no caso do Brasil, o CFM em sua insana luta para manter o status quo de pessoas morrendo por falta de assistência médica básica, passa a brandir argumentos risíveis – “não adianta ter médicos sem hospitais”, “não adianta médicos sem centros cirúrgicos” – como se deixando a população à própria sorte fosse muito mais sábio e razoável que colocar à sua disposição médicos vindos de outros países. A verdade é que boa parte dos médicos brasileiros não cogitam, nem de longe, residir em um rincão afastado dos grandes centros urbanos, sem as comodidades do acesso a bons supermercados, bons cinemas e teatros, sem acesso a bons clubes e shoppings. É tanto que em uma primeira fase o Mais Médicos deu preferência a médicos brasileiros. E qual foi o resultado? Ao menos 701 municípios de praticamente todos os Estados do país não receberam uma mísera inscrição. Isso significa que 701 municípios continuarão sem contar com um médico sequer para atender à saúde de sua população.

Isso é justo?

No caso dos 4.000 médicos cubanos prontos para virem ao Brasil pelo programa Mais Médicos 84% deles contam com mais de 16 anos de experiência médica, e a maioria detêm experiência no exercício da medicina em países diversos dos seus. Então, qual o problema?

O problema é o cinismo e a desfaçatez levados a extremo. Querem partidarizar o atendimento público de saúde. E para isso contam, como sói poderia se esperar, com a velha e tradicional mídia – a mídia que torce pelo quanto pior melhor como melhor atalho para virar o jogo político.

Precisamos urgentemente de um organismo nos moldes da organização não-governamental ‘Médico Sem Fronteiras’ atuando dentro do Brasil. Sem fronteiras ideológicas, sem fronteiras corporativistas, sem fronteiras elitistas. Existem médicos abnegados. E muitos. Nem precisam ir para a Somália ou o Haiti. Bastam ir para o interior da Amazônia, da Bahia, do Rio Grande do Sul. A dor humana não tem nacionalidade. Nem a enfermidade.

Aos médicos que criticam a vinda dos cubanos, um conselho:

"Ao invés de boicotarem qualquer iniciativa para a vinda de médicos estrangeiros, porque não pensam em assumir posto de saúde em Tefé ou em Santo Antonio do Salto da Onça?"

Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com


domingo, 25 de agosto de 2013

O pior analfabeto é o analfabeto midiático




“Ele imagina que tudo pode ser compreendido sem o mínimo esforço intelectual”. Reflexões do jornalista Celso Vicenzi em torno de poema de Brecht, no século 21


Celso Vicenzi, no Outras Palavras / Pragmatismo Político


“Ele ouve e assimila sem questionar, fala e repete o que ouviu, não participa dos acontecimentos políticos, aliás, abomina a política, mas usa as redes sociais com ganas e ânsias de quem veio para justiçar o mundo. Prega ideias preconceituosas e discriminatórias, e interpreta os fatos com a ingenuidade de quem não sabe quem o manipula. Nas passeatas e na internet, pede liberdade de expressão, mas censura e ataca quem defende bandeiras políticas. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. E que elas – na era da informação instantânea de massa – são muito influenciadas pela manipulação midiática dos fatos.

Não vê a pressão de jornalistas e colunistas na mídia impressa, em emissoras de rádio e tevê – que também estão presentes na internet – a anunciar catástrofes diárias na contramão do que apontam as estatísticas mais confiáveis. Avanços significativos são desprezados e pequenos deslizes são tratados como se fossem enormes escândalos. O objetivo é desestabilizar e impedir que políticas públicas de sucesso possam ameaçar os lucros da iniciativa privada. O mesmo tratamento não se aplica a determinados partidos políticos e a corruptos que ajudam a manter a enorme desigualdade social no país.

Questões iguais ou semelhantes são tratadas de forma distinta pela mídia. Aula prática: prestar atenção como a mídia conduz o noticiário sobre o escabroso caso que veio à tona com as informações da alemã Siemens. Não houve nenhuma indignação dos principais colunistas, nenhum editorial contundente. A principal emissora de TV do país calou-se por duas semanas após matéria de capa da revista IstoÉ denunciando o esquema de superfaturar trens e metrôs em 30%.

O analfabeto mediático é tão burro que se orgulha e estufa o peito para dizer que viu/ouviu a informação no Jornal Nacional e leu na Veja, por exemplo. Ele não entende como é produzida cada notícia: como se escolhem as pautas e as fontes, sabendo antecipadamente como cada uma delas vai se pronunciar. Não desconfia que, em muitas tevês, revistas e jornais, a notícia já sai quase pronta da redação, bastando ouvir as pessoas que vão confirmar o que o jornalista, o editor e, principalmente, o “dono da voz” (obrigado, Chico Buarque!) quer como a verdade dos fatos. Para isso as notícias se apoiam, às vezes, em fotos e imagens. Dizem que “uma foto vale mais que mil palavras”. Não é tão simples (Millôr, ironicamente, contra-argumentou: “então diga isto com uma imagem”). Fotos e imagens também são construções, a partir de um determinado olhar. Também as imagens podem ser manipuladas e editadas “ao gosto do freguês”. Há uma infinidade de exemplos. Usaram-se imagens para provar que o Iraque possuía depósitos de armas químicas que nunca foram encontrados. A irresponsabilidade e a falta de independência da mídia norte-americana ajudaram a convencer a opinião pública, e mais uma guerra com milhares de inocentes mortos foi deflagrada.

O analfabeto midiático não percebe que o enfoque pode ser uma escolha construída para chegar a conclusões que seriam diferentes se outras fontes fossem contatadas ou os jornalistas narrassem os fatos de outro ponto de vista. O analfabeto midiático imagina que tudo pode ser compreendido sem o mínimo de esforço intelectual. Não se apoia na filosofia, na sociologia, na história, na antropologia, nas ciências política e econômica – para não estender demais os campos do conhecimento – para compreender minimamente a complexidade dos fatos. Sua mente não absorve tanta informação e ele prefere acreditar em “especialistas” e veículos de comunicação comprometidos com interesses de poderosos grupos políticos e econômicos. Lê pouquíssimo, geralmente “best-sellers” e livros de autoajuda. Tem certeza de que o que lê, ouve e vê é o suficiente, e corresponde à realidade. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o espoliador das empresas nacionais e multinacionais.”

O analfabeto midiático gosta de criticar os políticos corruptos e não entende que eles são uma extensão do capital, tão necessários para aumentar fortunas e concentrar a renda. Por isso recebem todo o apoio financeiro para serem eleitos. E, depois, contribuem para drenar o dinheiro do Estado para uma parcela da iniciativa privada e para os bolsos de uma elite que se especializou em roubar o dinheiro público. Assim, por vias tortas, só sabe enxergar o político corrupto sem nunca identificar o empresário corruptor, o detentor do grande capital, que aprisiona os governos, com a enorme contribuição da mídia, para adotar políticas que privilegiam os mais ricos e mantenham à margem as populações mais pobres. Em resumo: destroem a democracia.

Para o analfabeto midiático, Brecht teria, ainda, uma última observação a fazer: Nada é impossível de mudar. Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual.



O analfabeto político

O pior analfabeto, é o analfabeto político.
Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe que o custo de vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha
Do aluguel, do sapato e do remédio
Depende das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que
Se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia política.
Não sabe o imbecil,
Que da sua ignorância nasce a prostituta,
O menor abandonado,
O assaltante e o pior de todos os bandidos
Que é o político vigarista,
Pilanta, o corrupto e o espoliador
Das empresas nacionais e multinacionais.
Bertold Brecht

Fonte:Blog do Saraiva

sábado, 24 de agosto de 2013

A hora da ação política



Por Luiz Inácio Lula da Silva, no sítio do Instituto Lula:

A lenta retomada da economia global e os seus enormes custos sociais, especialmente nos países desenvolvidos exigem uma corajosa mudança de atitude. É preciso identificar com clareza a raiz da crise de 2008, que em muitos aspectos se prolonga até hoje, para que os líderes políticos e os órgãos multilaterais façam o que deve ser feito para superá-la.

A verdade é que, no dia 15 de setembro de 2008, quando o banco Lehman Brothers pediu concordata, o mundo não se viu apenas mergulhado na maior crise financeira desde a quebra da Bolsa de Nova York em 1929. Viu-se também diante da crise de um paradigma.

Outros grandes bancos especuladores nos Estados Unidos e na Europa só não tiveram o mesmo destino porque foram socorridos com gigantescas injeções de dinheiro público. Ficou evidente que a crise não era localizada, mas sistêmica. O fracasso não era somente desta ou daquela instituição financeira, mas do próprio modelo econômico (e político) predominante nas décadas recentes. Um modelo baseado na ideia insensata de que o mercado não precisa estar subordinado a regras, de que qualquer fiscalização o prejudica e de que os governos não tem nenhum papel na economia, a não ser quando o mercado entra em crise.

Segundo este paradigma, os governos deveriam transferir a sua autoridade democrática, oriunda do voto – ou seja, a sua responsabilidade moral e política perante os cidadãos – a técnicos e organismos cujo principal objetivo era o de facilitar o livre trânsito dos capitais especulativos.

Cinco anos de crise, com gravíssimo impacto econômico e sofrimento popular, não bastaram para que esse modelo fosse repensado. Infelizmente, muitos países ainda não conseguiram romper com os dogmas que levaram ao descolamento entre a economia real e o dinheiro fictício, e ao círculo vicioso do baixo crescimento combinado com alto desemprego e concentração de renda nas mãos de poucos.

O mercado financeiro expandiu-se de modo vertiginoso sem a simultânea sustentação do crescimento das atividades produtivas. Entre 1980 e 2006, o PIB mundial cresceu 314%, enquanto a riqueza financeira aumentou 1.291%, segundo dados do McKinseys Global Institute e do FMI. Isso, sem incluir os derivativos. E, de acordo com o Banco Mundial, no mesmo período, para um total de US$ 200 trilhões em ativos financeiros não derivados, existiam US$ 674 trilhões em derivativos.

Todos sabemos que os períodos de maior progresso econômico, social e político dos países ricos durante o século XX não tem nada a ver com a omissão do Estado nem com a atrofia da política.

A decisão política de Franklin Roosevelt, de intervir fortemente na economia norte-americana devastada pela crise de 1929, recuperou o país justamente por meio da regulação financeira, o investimento produtivo, a criação de empregos e o consumo interno. O Plano Marshall, financiado pelo governo norte-americano na Europa, além de sua motivação geopolítica, foi o reconhecimento de que os EUA não eram uma ilha e não poderiam prosperar de modo consistente num mundo empobrecido. Por mais de trinta anos, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, o Welfare State foi não apenas o resultado do desenvolvimento mas também o seu motor.

Nas últimas décadas, porém, o extremismo neoliberal provocou um forte retrocesso. Basta dizer que, de 2002 a 2007, 65% do aumento de renda dos EUA foram absorvidos pelos 1% mais ricos. Em quase todos os países desenvolvidos há um crescente número de pobres. A Europa já atingiu taxas de desemprego de 12,1% e os EUA, no seu pior momento, de mais de 10%.

O brutal ajuste imposto à maioria dos países europeus – que já foi chamado de austericidio – retarda desnecessariamente a solução da crise. O continente vai precisar de um crescimento vigoroso para recuperar as dramáticas perdas dos últimos cinco anos. Alguns países da região parecem estar saindo da recessão, mas a retomada será muito mais lenta e dolorosa se forem mantidas as atuais políticas contracionistas. Além de sacrificar a população europeia, esse caminho prejudica inclusive as economias que souberam resistir criativamente ao crack de 2008, como os EUA, os BRICS e grande parte dos países em desenvolvimento.

O mundo não precisa e não deve continuar nesse rumo, que tem um grande custo humano e risco político. A redução drástica de direitos trabalhistas e sociais, o arrocho salarial e os elevados níveis de desemprego criam um ambiente perigosamente instável em sociedades democráticas.

Está na hora de resgatar o papel da política na condução da economia global. Insistir no paradigma econômico fracassado também é uma opção política, a de transferir a conta da especulação para os pobres, os trabalhadores e a classe média.

A crise atual pode ter uma saída economicamente mais rápida e socialmente mais justa. Mas isso exige dos líderes políticos a mesma audácia e visão de futuro que prevaleceu na década de 1930, no New Deal, e após a II Guerra Mundial.

É importante que os EUA de Obama e o Japão de Shinzo Abe estejam adotando medidas heterodoxas de estímulo ao crescimento. Também é importante que muitos países em desenvolvimento tenham investido, e sigam investindo, na distribuição de renda como estratégia de avanço econômico, apostando na inclusão social e na ampliação do mercado interno. O aumento de renda das classes populares e a expansão responsável do crédito mantiveram empregos e neutralizaram parte dos efeitos da crise internacional no Brasil e na América Latina. Investimentos públicos na modernização da infraestrutura também foram fundamentais para manter as economias aquecidas.

Mas para promover o crescimento sustentado da economia mundial isso não é suficiente. É preciso ir além. Necessitamos hoje de um verdadeiro pacto global pelo desenvolvimento, e de ações coordenadas nesse sentido, que envolvam o conjunto dos países, inclusive os da Europa.

Políticas articuladas em escala mundial que incrementem o investimento público e privado, o combate à pobreza e à desigualdade e a geração de empregos podem acelerar a retomada do crescimento , fazendo a roda da economia mundial girar mais rapidamente.

Elas podem garantir não só o crescimento, mas também bons resultados fiscais, pois a aceleração do crescimento leva à redução do déficit público no médio prazo. Para isso, é imprescindível a coordenação entre as principais economias do mundo, com iniciativas mais ousadas do G-20. Todos os países serão beneficiados com essa atuação conjunta, aumentando a corrente de comércio internacional e evitando recaídas protecionistas.

A economia do mundo tem uma larga avenida de crescimento a ser explorada: de um lado pela inclusão de milhões de pessoas na economia formal e no mercado de consumo – na Ásia, na África e na América Latina – e de outro com a recuperação do poder aquisitivo e das condições de vida dos trabalhadores e da classe média nos países desenvolvidos. Isso pode constituir uma fonte de expansão para a produção e o investimentos mundiais por muitas décadas.

Fonte:Blog do Miro