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segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O fim de uma era

10/01/2014 - O final de uma era vai chegando. Que mundo será o novo?
- Fernando Brito - Tijolaço

As eras históricas, que se mediam em milênios, depois em séculos, vão se tornando cada vez mais curtas, encolhimento que provém do desenvolvimento produtivo-tecnológico do ser humano, que vai miniaturizando o mundo.

Aconteceu algo hoje [10/01/2014] que, embora todos o esperassem, é um marco nesta mudança global.

A China tomou o lugar de maior potência comercial do planeta dos Estados Unidos, que o haviam roubado da Inglaterra no início do século passado.

Ano passado haviam empatado, com ambos com 3,8 trilhões de dólares em importações e importações, somadas.

Este ano, com crescimento de mais de 7% e quase 4,2 trilhões de dólares, abriu folga para os EUA, que devem ficar estagnados em valor.

O Brasil anda pouco acima da vigésima posição nesse ranking, ainda.

Beiramos o meio trilhão de dólares, com valor semelhante de entrada e saída de mercadorias.

Tornar-se o maior centro do fluxo comercial não faz da China a maior potência econômica do mundo.

Seu PIB é ainda perto de 20% menor que o dos EUA e, no PIB per capita, com sua população gigantesca, menor que o do Brasil.

Mas é como dizia o telefonista de um jornal que se acabava, aqui no Rio quando lhe perguntavam: alô, é da Gazeta?
E ele respondia: por enquanto...

Dependendo do critério (paridade de poder de compra ou conversão cambial direta) o PIB chinês superará o dos EUA um pouco antes ou um pouco depois de 2020.

Um estudo, do ano passado, da consultoria PWC, fusão da Price Waterhouse e Coopers & Lybrand inglesas , mostra que em 2050 já será a vez da Índia, outro gigante asiático, deixar para trás os EUA.

O Brasil, segundo este estudo, terá passado o Japão e se tornado a quarta economia mundial.

Os tigres asiáticos serão outros, porque é preciso tamanho territorial e populacional para ocupar a posição de maiores numa economia que, com todos os seus males, caminha no sentido do distributivismo.

Este é o mundo novo que vai se afirmando, para o qual nossas elites não têm olhos – e nem antevisão.

Os chineses mandam os seus jovens estudarem português, aos milhares, para se prepararem para o relacionamento comercial com o Brasil e a África portuguesa.

Aqui, o mandarim ainda é “folclore”.

Julgam que o centro mundial do comércio é em Miami e que os chineses colocaram uma nave na Lua porque são bons em fogos de artifício.

E se acham…

Nós temos é de olhar esse mundo novo e melhorar nossa inserção nos negócios mundiais.

E escolher se vamos ser parceiros de quem cresce ou vassalos de quem obsolesce.

Fonte:
http://tijolaco.com.br/blog/?p=12433

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A água virtual que o Brasil tanto exporta

12/09/2012 - Brasil exporta cerca de 112 trilhões de litros de água doce por ano (*)
- por HC para o Eco Debate

Atuação no mercado de commodities coloca em pauta a exportação indireta de recursos hídricos.

Contêineres saem diariamente de portos na costa brasileira abarrotados de carne bovina, soja, açúcar, café, entre outros produtos agrícolas exportados para o mundo. Mas dentro deles há um insumo invisível, cujo valor ultrapassa cálculos estritamente econômicos.

Ao longo do ano, o Brasil envia ao exterior cerca de 112 trilhões de litros de água doce, segundo dados da Unesco – o equivalente a quase 45 milhões de piscinas olímpicas ou mais de 17 mil lagoas do tamanho da Rodrigo de Freitas.

Tantos litros são o total dos recursos hídricos necessários para produzir essas commodities. E colocam o País como o quarto maior exportador de “água virtual”, atrás apenas de Estados Unidos (314 trilhões litros/ano), China (143 trilhões litros/ano) e Índia (125 trilhões litros/ano).

A exportação desse recurso, ainda que indiretamente, tende a crescer num cenário de escassez global, pressionando o país a pensar em políticas públicas voltadas à gestão hídrica.

A posição do Brasil no alto do ranking não se deve tanto ao desperdício da água ou à falta de produtividade nas atividades agropecuárias do país, mas principalmente a um fenômeno global de escassez dos recursos hídricos.

Num momento em que países como Malta e Kuwait têm 92% e 90%, respectivamente, de “água virtual” importada em seus produtos, o Brasil, com disponibilidade hídrica e territorial, tende a ganhar relevância.

Segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), entre 2007 e 2010, as commodities avançaram de 41% para 51% no total de produtos vendidos pelo País ao exterior.

As Nações Unidas (ONU) estimam que, até 2025, cerca de dois terços da população mundial estarão carentes de recursos hídricos, sendo que cerca de 1,8 bilhão enfrentarão severa escassez de água.

Na metade do século, quando já seremos 9 bilhões de habitantes do mundo, 7 bilhões enfrentarão a falta do recurso em 60 países. A água, portanto, já é motivo de conflitos em várias regiões do mundo.

“A alocação dos recursos hídricos, além de ambiental, é uma questão econômica, porque quando a água é escassa é preciso destiná-la para onde haverá maiores benefícios para a sociedade.

Mas sendo a água um bem público, o mercado não é o único determinante.

A água deve ser usada para produzir alimentos para a população, para culturas ligadas a biocombustíveis ou para plantações de commodities para exportação?

Isso é uma escolha política”, aponta Arjen Hoekstra [foto], criador do conceito de “pegada hídrica” e autor de diversos estudos sobre água virtual numa parceria entre Unesco e a Universidade de Twente.

Recursos hídricos sem preço
– Um dos principais parceiros comerciais do Brasil, a China possui 6% da água doce do planeta e já sofre com uma escassez do recurso, aliada a uma redução das terras agricultáveis – desde 1997, o país já perdeu 6% de sua área cultivável devido à erosão e urbanização.

No Brasil, o cenário é outro: o País dispõe 40% de terras aráveis, abriga 12% da água doce do planeta e recebe chuvas abundantes durante o ano em mais de 90% do território – ainda que numa distribuição hídrica desigual, com um semiárido de água escassa.

O Brasil não tem dependência de irrigação, precisa apenas administrar a água da chuva. Não há também a questão populacional, com uma competição entre agricultura e cidades. E enquanto na China há 250 mil unidades agrícolas, no Brasil são apenas 5 mil”, enumera Marcos Jank [foto], professor da Esalq-USP e especialista em agronegócio.

A crescente demanda por alimentos de um país que pretende crescer 7,5% este ano provocou uma disparada nos preços das commodities brasileiras.

Em 2011, a soja, principal produto exportado a Pequim, teve o preço elevado em 31,6%. A China também foi o principal destino das exportações brasileiras, totalizando US$ 44,3 bilhões no ano passado [2011].

A tendência de queda dos preços das commodities foi revertida nesta última década com a escassez de água e degradação dos solos mundialmente. E a China foi a principal responsável por essa uma mudança no padrão de comércio”, afirma Jank.

O Brasil tem tudo para aproveitar isso, mas hoje a agricultura brasileira está se tornando um negócio de alto custo devido às taxas de câmbio, juros altos e problemas de infraestrutura.

São problemas domésticos que estão tirando a possibilidade de usar melhor o boom asiático a nosso favor”.

A soja brasileira exportada sustenta, sob a forma de ração, boa parte do rebanho bovino da China, que tem aumentado exponencialmente seu consumo de carne.

Segundo projeção da “Economist”, o consumo de carne bovina na China entre 1985 e 2009 demandou em recursos hídricos o equivalente ao uso anual de água em toda a Europa.

Água sustentável
– A pegada hídrica tem ajudado a mudar o entendimento de que a água é algo finito e gratuito.

O desafio agora, segundo especialistas, é melhorar a precisão dos números para, assim, adotar o conceito no comércio formal.

Atualmente, ninguém paga o preço total pelo consumo de água. A escassez e a poluição precisam ser incluídas no preço das commodities.

Isso criaria um incentivo para consumir e poluir menos. Mas as legislações também podem ser melhoradas e em alguns produtos pode ser útil incluir o uso de água sustentável no rótulo”, sugere Hoekstra [foto].

A Austrália, sexto maior exportador de água virtual (89 trilhões de litros por ano), segue um modelo de distribuição de recursos hídricos inovador.

Foi o primeiro país a instaurar um sistema de comércio da água em 1982: o governo define uma parcela a ser usada pelos agricultores, que podem vender parte dessas licenças de uso que acreditam estarem excedentes.

As transações pelos direitos de uso da água no país movimentaram US$ 1,5 bilhão entre 2010 e 2011, segundo dados divulgados pela Comissão Nacional de Água em dezembro passado.

Hoje, o sistema passa por uma reforma para reduzir distorções de mercado e dar mais transparência às negociações.

Críticos afirmam que o modelo de privatização dos recursos hídricos deixa os agricultores sujeitos às flutuações de mercado.

O australiano Mike Young [foto], do Instituto de Meio Ambiente da Universidade de Adelaide e autor do capítulo sobre água do estudo ONU para a Rio+20, acredita que este sistema é capaz de mensurar de forma eficiente o recurso e garantir a sua preservação.

“Assim como a Austrália, o Brasil tem muita água, portanto está em vantagem em termos de usar este recurso de modo inteligente para produzir a maior quantidade de bens possível.

O futuro do manejo da água está na alocação deste recurso e não em tentar quantificar precisamente quanta água está incluída nas commodities exportadas”, defende Young.

“De fato, precisamos encontrar meios mais eficientes de usar a água, mas não é preciso ficar preocupado com quanta água é usada em cada produção se o governo estabelece um sistema de alocação.

É preciso entender que o comércio cria grandes oportunidades de negócios”.

No Brasil, a cobrança pelo uso da água na irrigação de plantações funciona através de um sistema de outorgas, dada por órgãos gestores estaduais ou pela Agência Nacional de Águas [ANA], quando o recurso hídrico é de domínio da União.

O sistema, vigente desde 1997, ainda enfrenta desafios, já que a fiscalização do uso da água no setor agrícola é mais difícil do que em áreas urbanas e industriais, mais concentradas territorialmente.

O controle dos recursos naturais vai se tornar mais complexo no século XXI porque o uso se tornará mais competitivo.

O Brasil ainda tem uma área de expansão agrícola, então o país precisa se planejar para as próximas décadas de modo que o crescimento da área irrigada seja sustentável”, prevê Mônica Porto [foto], engenheira ambiental da Politécnica da USP.

“Não há nada de errado em o Brasil exportar água através das commodities se há essa disponibilidade hídrica.

A forma como isso é gerenciado internamente é o que importa, através do controle do uso e do aumento de produtividade”.

Escolhas políticas
A escassez de água em alguns países, de fato, pode levar a escolhas políticas para restringir a exportação de alimentos.

O governo de Israel, por exemplo, desencoraja a exportação de laranjas – tradicionalmente cultivadas com um sistema de irrigação pesado -, para evitar que grandes quantidades de água virtual sejam exportadas para diferentes partes do mundo.

Mesmo no Brasil, abundante de recursos hídricos, precisa levar em conta o uso de água nas culturas diante de uma distribuição desigual em seu território.

Menos povoada, a Região Amazônica concentra a maior parte da água superficial do País, enquanto a populosa Região Sudeste tem disponível 6% do total da água doce.

No semiárido nordestino, os rios são pobres e temporários, o que acaba criando uma pluviosidade baixa.

A pegada hídrica tem que ter relação com o local onde é produzida a cultura agrícola. Produzir uma pecuária leiteira no Agreste Nordestino vai demandar muito mais água do que fazer o mesmo no Centro-Oeste, onde a pluviosidade é muito maior”, afirma o engenheiro ambiental Michael Becker [foto abaixo], coordenador do Programa Cerrado da WWF Brasil.

Mas além do viés da localização é preciso ter em conta a própria produção, buscando gastar cada vez menos água bruta para fabricar o mesmo produto”.

A otimização pode acontecer através de técnicas de irrigação mais eficientes, como o uso de gotejamento em vez de jatos d’água; o melhoramento de sementes para o plantio em regiões com menos disponibilidade de água; e desenvolvimento de técnicas de contenção da água da chuva.

Estima-se que o setor agrícola já contribua atualmente com 92% do consumo total de água no País.

Apesar de a produtividade agrícola no Brasil ter apresentado grandes avanços – com um crescimento de 3,6 % ao ano, segundo estudo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2011-, especialistas afirmam que é preciso melhorar o diálogo com o setor.

A conturbada discussão do Código Florestal no Congresso dá indícios deste desafio.

Ainda não avançamos o suficiente na discussão entre o setor ambiental e agrícola para que se possa ter um entendimento comum de que um necessita do outro.

Precisamos produzir, mas para realmente tirar proveito da exportação de commodities precisamos entender a água como um insumo de produção.

O Brasil quer ter no futuro a seca de um Centro-Oeste americano ou preservar este recurso no aspecto de insumo para produção?

Essa é uma pergunta que veio para ficar e que vai se tornar cada vez mais frequente daqui para frente”, aposta Becker.

(*) Matéria em O Globo, socializada pelo Jornal da Ciência/SBPC e JC e-mail 4580. Extraído do site EcoDebate de 12/09/2012

Fonte:
http://www.ecodebate.com.br/2012/09/12/agua-virtual-brasil-exporta-cerca-de-112-trilhoes-de-litros-de-agua-doce-por-ano/

Leia também:
- Brasil é grande exportador de “água virtual” - Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP [http://www.usp.br/agen/?p=164665]

sábado, 30 de novembro de 2013

Os três últimos sustentáculos do dólar

15/11/2013 - 2014 - o ano da internacionalização do yuan,
- da abertura da Arábia Saudita e
- da explosão da UE:
- os três últimos sustentáculos do dólar entram em colapso
- por GEAB (Global Europe Anticipation Bulletin)
- para o portal Resistir.info

"Era noite e a chuva caía. Enquanto caía era chuva, mas depois de caída era sangue".

Estas palavras de Edgar Allan Poe [1] aplicam-se às mil maravilhas ao lento processo de deslocação mundial agora em curso, em que todos os acontecimentos aparentemente anódinos ("a chuva") combinam-se para minar os fundamentos do sistema internacional que está moribundo ("o sangue").

Se este processo é lento, se estes acontecimentos podem parecer anódinos, é paradoxalmente porque a crise atual é a primeira crise sistêmica verdadeiramente mundial: bem mais profunda que a de 1929, ela afeta todos os países e aflige o núcleo do sistema.

Quando a de 1929 foi uma crise de adolescência da nova potência mundial, os Estados Unidos, a que vivemos atualmente corresponde aos últimos dias de um condenado – e este condenado é a super-potência que se conhece desde 1945.

Mas toda a organização do mundo está construída em torno dos Estados Unidos e ninguém tem interesse em que ela se afunde antes de estar completamente desligado.

Trata-se portanto, para todos, de se afastar suavemente salvaguardando as aparências habituais a fim de assegurar um transição sem sobressaltos, o que explica a lentidão do krasch em curso.

É de certa forma como os pais que tentam sair do quarto do seu bebé na ponta dos pés para evitar que ele acorde e se ponha a berrar: o bebé é o dólar e os pais são indignos uma vez que saem para abandoná-lo.

A China é mestra nesta arte, mas vêem-se por toda parte outros países que abandonam progressivamente os Estados Unidos de maneira mais ou menos subtil, como por exemplo a Arábia Saudita [2].

Para a União Europeia, quase o último bastião americanista fora dos EUA, a tarefa é mais árdua. Nossa equipe antecipa que as eleições europeias de 2014, em que a ascensão das direitas extremistas e das forças eurocéticas é inevitável, conduzirão a uma explosão do quadro atual da UE com a possibilidade de a Eurolândia revitalizar-se em sua substituição.

Analisamos em pormenor o caso europeu neste número do GEAB.

Internacionalização acelerada do yuan que vem descredibilizar mais um pouco o papel central do dólar, perda do apoio saudita que era uma peça mestra no edifício do petrodólar e perda do bastião americanista da UE substituído pela Eurolândia que, apoiando-se sobre o euro [NR], constitui uma nova ameaça para os Estados Unidos: três dos últimos apoios essenciais da potência americana desaparecerão em 2014, prosseguindo insidiosamente a convulsão mundial.

Os Estados Unidos fizeram a aposta de que, sendo demasiado doloroso transpor a barreira potencial [3] entre o status quo e o mundo de amanhã, os
países, apesar de terem tudo a ganhar com uma nova organização do mundo, não passarão o Rubicão.

É por exemplo o caso da China com a sua montanha de dólares em reserva que não valerão grande coisa se ela se mexer demasiado ostensivamente; ou ainda a Arábia Saudita que perderá um grande cliente e uma segurança garantida se se desprender dos Estados Unidos.

Salvo se se tratar, nem mais nem menos, de um cálculo frio de custos/benefícios e, para numerosos atores, os benefícios já começam a ultrapassar os custos.

Segundo o LEAP/2020, [Laboratoire Européen d'Anticipation Politique] a aposta americana já está perdida.

Índice do artigo completo: 
1. A Oeste, nada de novo
2. A impossível reativação dos EUA
3. Tudo se volta contra os Estados Unidos
4. Arábia Saudita: a abertura de um país fechado
5. Internacionalização do yuan
6. Fractura Leste/Oeste
7. 2014: resolução da questão norte-coreana pelos BRICS
8. A Europa está morta, viva a Europa!
9. Europa de antes, Europa de depois
10. Emergência de contra-sistemas

Nota: Neste comunicado público comentaremos apenas as partes 1, 2 e 8 relacionadas acima.

1. A OESTE, NADA DE NOVO [4]
Os mercados podem estar contentes. Janet Yellen, que em janeiro sucederá a Ben Bernanke à testa do Fed, sugeriu que deseja continuar o programa de flexibilidade quantitativa do seu antecessor (QE3 [Quantitative Easing]) [5].

Ela certamente não tem outra opção uma vez que a ilusão dos Estados Unidos ainda de pé não se sustenta senão graças a este programa que também permitiu relançar artificialmente tanto o mercado imobiliário como os mercados financeiros, ou financiar o governo americano a baixo custo.

Mas apenas os mercados celebram a notícia.

Os países estrangeiros perguntam-se quando as bolhas exportadas pelo Fed vão cessar, como isso vai poder acabar, como deixar de depender dos Estados Unidos e, se ainda não desligaram suficientemente suas economias, quais serão as repercussões internas.

A sociedade civil já sabe que os "benefícios" da QE nunca chegam até ela [6]: como se a totalidade de um New Deal por ano [7] fosse absorvida unicamente pelos mercados e não beneficiasse a população.

E a economia real pergunta-se quando as taxas de juro vão poder subir outra vez para um valor normal a fim de que os investidores sejam novamente estimulados a financiar verdadeiros projetos graças uma remuneração não nula.

Do lado do Fed, nada de novo portanto. Nada de novo tão pouco quanto aos problemas do país que se acumulam e se agravam.


Os jornais de referência [8] já falam de fome nos Estados Unidos;
- os crimes estão em aumento constante desde há dois anos [9];
- o consumo de droga explode [10];
- apesar das reduções orçamentárias que forçam prisões a libertarem seus prisioneiros [11], há mais presos nos Estados Unidos do que engenheiros ou professores do secundário (ver figura acima);
- apesar dos números oficiais encorajadores, o desemprego em massa continua [12];
- as infraestruturas são sacrificadas [13];
- a investigação científica já não é financiada corretamente [14], etc.

[...]

2. A RETOMADA IMPOSSÍVEL DOS EUA
Os problemas dos Estados Unidos na realidade não podem ser resolvidos no quadro atual pois o país encontra-se face a um dilema: se a economia começar a recuperar-se, o Fed deve travar seu programa de apoio, mas então será o pânico nos mercados como se viu em setembro, o que interromperá a retomada...

Mais genericamente, se um mínimo de verdadeiro crescimento ocorrer nos EUA, a montanha de dólares impressos pelo Fed e exportados para os países emergentes vai retornar em parte aos Estados Unidos para aproveitar a sorte inesperada, provocando uma forte inflação e matando a retomada no ovo. [22]

Estas "oscilações" entre esperança e desespero vão portanto continuar enquanto a crise é enfrentada com as ferramentas do mundo de antes, ou até que um choque venha recordar a situação catastrófica.

Pois não é a QE que vai salvar a economia, uma vez que os seus melhores resultados são manter artificialmente em vida zumbis econômicos e inchar bolhas financeiras.

[...]

8. A EUROPA ESTÁ MORTA, VIVA A EUROPA [42] 
Resolução dos conflitos, comércio, finanças... vê-se pois que o fosso se aprofunda com o Ocidente.

Entretanto, à imagem desta nova rota da seda que liga a Ásia e a Europa, esta última ainda pode saltar a tempo no mundo de amanhã se chegar a cortar o cordão umbilical com os Estados Unidos, após as eleições de 2014 que servirão como detonador.

Ascensão das direitas extremistas e dos partidos eurocéticos, déficit democrático, peso do lobbies e afastamento dos cidadãos, centralização bruxelense, burocracia e tecnocracia... a União Europeia morre [43].

Segundo a nossa equipe, as eleições europeias de 2014 vão provocar a explosão do quadro atual na UE e iniciar uma repolitização da União, a começar por um grande debate sobre o futuro da Europa.

Esta recolocação em causa já começou, com os Verdes por exemplo apresentam candidatos comuns em todo o território da UE [44], iniciando assim uma "verdadeira" eleição europeia, ou com os partidos socialistas que pressionam o candidato muito sério Martin Schultz à testa da Comissão Europeia. [45]

Mas segundo o LEAP/2020, esta refundação, se for conseguida, tomará tempo, muito tempo, e a verdadeira oportunidade para uma UE democrática é portanto a eleição de 2019. Analisamos longamente o destino da Europa na secção Telescópio.

Ora, esta União Europeia que morre é a Europa inspirada e infiltrada pelos interesses americanos.

É a Europa reduzida a um vasto mercado comum que deve ampliar-se sem cessar.

É a Europa que se inclina diante da Monsanto e que a remete aos Estados membros [46], deixando assim o campo livre à multinacional americana.

Esta camuflagem das políticas anglo-saxônicas, esta terceira muleta americana, afunda-se.

Mas estas decisões ditadas pelo primo americano passam cada vez mais dificilmente [47].

Um outro exemplo é dado pela adesão da Turquia à UE, escolhida pela agenda americana e não pelos cidadãos europeus e nem pelos turcos [48]: já difícil, esta estará condenada definitivamente quando partidos de extrema-direita irromperem no Parlamento Europeu em 2014.

Mas o continente não esperará por 2019 para se reorganizar e a questão refere-se à forma que assumirá a Europa de amanhã.

Enquanto isso, como veremos na secção Telescópio, a Eurolândia tem a capacidade de construir um projeto político que virá preencher o vazio deixado pela União Europeia. [...] 

Notas:
[1] Extraído de "Silence", 1837. 

[2] Algo inconcebível antes... 

[3] Em física, esta noção designa um obstáculo que uma partícula não pode transpor senão quando ela ter energia suficiente. 

[4] Título de um romance de Erich Maria Remarque (1929). 

[5] Fonte: Business Insider , 13/11/2013.
[QE] Política monetária não convencional empregada por Bancos Centrais para estimular a economia.

[6] Ler o artigo edificante "Confessions of a Quantitative Easer" (Wall Street Journal, 11/11/2013) ou sua tradução em francês em les-crises.fr

[7] As despesas do New Deal são estimadas em 50 mil milhões de dólares no total entre 1933 e 1940 (fonte: Forbes).
Com a inflação, esta quantia representa cerca de 850 a 900 mil milhões de dólares actuais (cf. US inflation calculator, quando o Fed injecta 1020 mil milhões de dólares por ano, ou seja, mais de um New Deal por ano.
Ver também Answers.com
Entretanto, deve-se contextualizar este números uma vez que o QE3 representa 6% do PIB enquanto na época os 50 mil milhões do New Deal representam cerca de 50% do PIB (repartidos ao longo de 8 anos, ou seja, igualmente 6% por ano). 

[8] "America's new hunger crisis", MSNBC (30/10/2013). Ver também Reuters, 12/09/2013. 

[9] Fonte: Time, 24/10/2013. 

[10] Fonte: Bloomberg, 13/11/2013. 

[11] Fonte: por exemplo CBS27/02/2013. 

[12] Fontes: CNS News (22/10/2013), ZeroHedge(08/11/2013). 

[13] Fonte: Business Insider, 01/11/2013. 

[14] Fontes: ThinkProgress, (30/08/2013), The Tech (07/05/2013), etc.
Mesmo o prestigioso MIT é fortemente afectado: Boston Globe, 20/05/2013. 

[...] 

[22] Ler a respeito a análise de Andy Xie, Caixin, (05/11/2013). 

[...] 

[42] Referência à fórmula "o rei está morto, viva o rei!" pronunciada inicialmente na sucessão de Carlos VI em 1422. Fonte: Wikipedia

[43] É interessante constatar que todas as "uniões" (União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos) estão em graves dificuldades; em particular, a escolha deste nome reflete princípios de governação que não estão mais adaptados à nossa época em que uma governança descentralizada em rede torna-se imperativa para gerir os grandes blocos regionais. 

[44] Fonte: EUObserver, 11/11/2013. 

[45] Fonte: Huffington Post10/10/2013. 

[46] Fonte: Die Zeit, 06/11/2013. 

[47] Assim, o milho da Monsanto mencionado acima teria ainda de ser bloqueado por numerosos países. 

[48] Apenas 20% dos europeus e 44% dos turcos pensam que a integração da Turquia seria "uma coisa boa" Hurriyet19/09/2013).
Enquanto Hillary Clinton em novembro de 2010 dizia: "the United States [...] support the membership of Turkey inside the EU. [...] We don't have a vote, but if we were a member, we would be strongly in favor of it". 

[NR] Parece absurdo dizer que a recuperação da dita Eurolândia após a derrocada da UE possa apoiar-se no Euro. O mais provável é que seja a derrocada do Euro a arrastar a da UE. 

O original encontra-se em www.leap2020.eu/...  

Este comunicado público encontra-se em http://resistir.info/

Fonte:
http://resistir.info/crise/geab_79.html

Veja também:
As consequências do declínio americano - Immanuel Wallersten
- A morte do dólar - Paul Craig Roberts

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A morte do dólar

25/11/2013 - O Federal Reserve e Wall Street assassinam o dólar
- 22/11/2013 - Paul Craig Roberts [*]
- Institute for Political Economy (IPE) - “The Dying Dollar
- Traduzido por João Aroldo

Agora a China vai deixar o dólar se desvalorizar ainda mais.

A China diz também estar considerando minar o petrodólar, precificando o petróleo futuro na Bolsa de Mercado Futuro de Xangai, em yuan.

Isto, além da crescente recusa do dólar para acertar os desequilíbrios comerciais, significa que o papel do dólar como moeda de reserva mundial chegou ao fim, o que significa o fim dos EUA como bully e imperialista financeiros.

Este golpe no dólar associado aos golpes do offshoring de empregos e apostas não cobertas no cassino criado pela desregulamentação financeira significa que a economia norte-americana como a conhecíamos está chegando ao fim.

A economia norte-americana já está em ruínas, com os mercados de ações e títulos estimulados pela emissão monetária massiva e historicamente sem precedentes do Fed injetando liquidez nos preços dos ativos financeiros.

Este mês, na conferência anual do FMI, o ex-secretário do Tesouro, Larry Summers [foto], disse que para atingir pleno emprego na economia americana seriam necessárias taxas de juros reais negativas.

Taxas de juros reais negativas só poderiam ser atingidas eliminando o papel-moeda, adotando dinheiro digital que só pode ser mantido nos bancos, e penalizando pessoas por economizar.

O futuro está se desenrolando exatamente como previ.

Enquanto o dólar entra em seus estertores de morte, o Federal Reserve ilegal e os criminosos de Wall Street vão aumentar seu shorting de ouro nos mercados de futuros, levando, assim, os restos de ouro do ocidente para mãos asiáticas.

- By Bloomberg News – Nov 20, 2013

O Banco Popular da China afirmou que o país não se beneficia mais com os aumentos de suas reservas em moeda estrangeira, junto com sinais de que os legisladores vão controlar as compras de dólares que limitam a valorização do yuan.

Não é mais do interesse da China acumular reservas em moeda estrangeira”, disse Yi Gang [foto], um diretor do Banco Central, em discurso organizado pelo Forum China Economists 50 na Universidade Tsinghua ontem [19/11].

A autoridade monetária vai “basicamente” terminar a intervenção normal no mercado cambial e aumentar a variação cambial diária do Yuan, o diretor do Banco Popular da China, Zhou Xiaochuan, escreveu em um artigo um guia explicando as reformas delineadas na semana passada após um encontro do Partido Comunista.

[*] Paul Craig Roberts (nascido em 03 de abril de 1939) é um economista norte-americano, colunista do Creators Syndicate. Serviu como secretário-assistente do Tesouro na administração Reagan e foi destacado como um co-fundador da Reaganomics. Ex-editor e colunista do Wall Street Journal, Business Week e Scripps Howard News Service. Testemunhou perante comissões do Congresso em 30 ocasiões em questões de política econômica. Durante o século XXI, Roberts tem frequentemente publicado em Counterpunch, escrevendo extensamente sobre os efeitos das administrações Bush (e mais tarde Obama) relacionadas com a guerra contra o terror, que ele diz ter destruído a proteção das liberdades civis dos americanos da Constituição dos EUA, tais como habeas corpus   o devido processo legal. Tem tomado posições diferentes de ex-aliados republicanos, opondo-se à guerra contra as drogas e a guerra contra o terror, e criticando as políticas e ações de Israel contra os palestinos. Roberts é um graduado do Instituto de Tecnologia da Georgia e tem Ph.D. da Universidade de Virginia, pós-graduação na Universidade da Califórnia, Berkeley e na Faculdade de Merton, Oxford University.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2013/11/a-morte-do-dolar.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed:+redecastorphoto+(redecastorphoto)

Veja também:
- As consequências do declínio americano - Immanuel Wallersten

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

As consequências do declínio americano

20/11/2013 - Immanuel Wallersten (*)
- Tradução: Antonio Martins - blog Outras Palavras

Jacob Jordaens, O Rei Feijão

Quando o enfraquecimento da potência hegemônica torna-se nítido, abre-se um período de caos geopolítico. É quando surge, além de oportunidades, risco de loucuras destrutivas.

Tenho sustentado há muito que o declínio dos Estados Unidos como potência hegemônica começou por volta de 1970; e que este processo, no início lento, precipitou-se durante a presidência de George W. Bush [foto].

Comecei a escrever sobre o tema em 1980.

À época, a reação a tal argumento, em todos os campos políticos, foi rejeitá-lo como absurdo. Nos anos 1990, acreditava-se em todas as faixas do espectro político que, ao contrário, os EUA tinham alcançado o ápice de seu domínio unipolar.

No entanto, depois do estouro da bolha financeira, em 2008, a opinião de políticos, teóricos e do público em geral começou a mudar.

Hoje, uma ampla percentagem das pessoas (embora não todas) aceita a realidade de ao menos algum declínio relativo do poder, prestígio e influência norte-americanos.

Nos EUA, este fato é aceito com muita relutância. Políticos e teóricos rivalizam-se em apresentar fórmulas sobre como o declínio ainda pode ser revertido. Acredito que ele é irreversível.

A questão real, a meu ver, é sobre as consequências do declínio.

A primeira é uma clara redução da capacidade dos EUA para controlar a situação mundial, e em particular a perda de confiança, por parte dos que eram os principais aliados de Washington.

No último mês, devido às evidências apresentadas por Edward Snowden, soube-se que a Agência de Segurança Nacional norte-americana (NSA) espionou diretamente os principais líderes da Alemanha, França, México e Brasil, entre outros (assim como, é claro, inúmeros cidadãos destes países).

Estou certo de que os EUA envolveram-se em atividades similares em 1950. Mas em 1950, nenhum destes países teria ousado transformar sua ira em escândalo público, ou em reivindicar que os EUA interrompessem a ação.

Se o fazem hoje, é porque agora os EUA precisam deles mais do que eles próprios precisam dos EUA.

Os líderes atuais sabem que os EUA não tem outra escolha exceto comprometer-se – como fez o presidente Obama – a cessar estas práticas (mesmo que os EUA não pretendam cumprir a promessa…).

E os líderes destes quatro países sabem, todos, que sua posição interna será fortalecida, e não enfraquecida, por apontarem publicamente para o nariz de Washington.

Até o momento, enquanto a mídia debate o declínio norte-americano, a maior parte das atenções voltam-se para a China, como um potencial novo hegemônico. Também aqui, há falta de percepção.

A China é, sem dúvida, um país cuja potência geopolítica está em ascensão. Mas chegar ao papel de potência hegemônica é um processo longo e árduo.

Em condições normais, qualquer país precisaria de ao menos outro meio século para tornar-se capaz de exercer poder hegemônico. É um longo intervalo, durante o qual muito pode acontecer.

Num primeiro momento, não há sucessor imediato para o papel.

O que costuma acontecer, quando o enfraquecimento da antiga potência hegemônica torna-se nítido para outros países, é que a relativa ordem do sistema-mundo é substituída por uma luta caótica entre múltiplos polos de poder, nenhum dos quais pode controlar a situação.

Os EUA ainda são um gigante, mas um gigante com pés de barro. Ainda têm a força militar mais poderosa, mas não são muito capazes de usá-la em seu proveito.

Tentaram minimizar seus riscos concentrando-se em guerras de drones.

O ex-secretário de Defesa Robert Gates acada de denunciar que esta visão é totalmente irrealista, do ponto de vista militar. Ele lembra que as guerras só são vencidas com tropas no chão, e o presidente dos EUA está agora sob enorme pressão, vinda de políticos dos dois partidos e do sentimento popular, para não usar tropas no chão.

O problema, para todo mundo, numa situação de caos geopolítico, é o alto nível de ansiedade que ela produz e os riscos que oferece para que prevaleçam loucuras destrutivas.

Os EUA, por exemplo, podem não ser mais capazes de vencer guerras, mas podem causar enorme dano para si mesmos e para outros por meio de ações imprudentes.

Todas as suas tentativas de agir no Oriente Médio são derrotadas.

No presente, nenhum dos atores na região (sim, eu disse “nenhum”) aposta mais no taco dos EUA. Isso inclui Egito, Israel, Turquia, Síria, Arábia Saudita, Iraque, Irã e Paquistão (para não falar da Rússia e China).

Os dilemas políticos resultantes para os Estados Unidos foram tratados em grande detalhe no New York Times.

A conclusão do debate interno a respeito, no governo Obama, foi um compromisso muito ambíguo, que leva o presidente a parecer vacilante, ao invés de forte.

Por fim, podemos estar certos de duas consequências reais, na próxima década.

A primeira é o fim do dólar como moeda de último recurso. Quando isso acontecer, os EUA terão perdido uma grande proteção para seu orçamento e para o custo de suas operações econômicas.

A segunda é o declínio – provavelmente sério – no padrão de vida relativo dos cidadãos e residentes nos EUA. As consequências políticas deste último movimento são difíceis de prever em detalhe, mas não serão irrelevantes.

(*) Immanuel Wallerstein é um dos intelectuais de maior projeção internacional na atualidade. Seus estudos e análises abrangem temas sociólogicos, históricos, políticos, econômicos e das relações internacionais. É professor na Universidade de Yale e autor de dezenas de livros. Mantém um site onde publica seus textos (http://www.iwallerstein.com/).

Fonte:
http://outraspalavras.net/capa/as-consequencias-do-declinio-americano/

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A China quer "desamericanizar" o mundo

20/10/2013 - A China e o nascimento do mundo des-Americanizado
- Pepe Escobar - Carta Maior

Para a China, é hora de construir um mundo "des-Americanizado".

É hora de "uma nova moeda internacional de reserva" substituir o dólar norte-americano.

É isso. A China decidiu que “basta!”. Tirou as luvas (diplomáticas).

É hora de construir um mundo “des-Americanizado”. É hora de “uma nova moeda internacional de reserva” substituir o dólar norte-americano.

Está tudo lá, escrito, em editorial da rede Xinhua, saído diretamente da boca do dragão. E ainda estamos em 2013. 

Apertem os cintos – especialmente as elites em Washington. Haverá fortes turbulências.

Longe vão os dias de Deng Xiaoping de “manter-se discreto”. O editorial de Xinhua mostra, em formato sintético, a gota d’água que fez transbordar o copo do dragão: o atual “trancamento” 
(shutdown) nos EUA.

Depois da crise financeira provocada por Wall Street, depois da guerra do Iraque, um mundo “desentendido”, não só a China, quer mudança.

Esse parágrafo não poderia ser mais explícito:

"Sobretudo, em vez de honrar seus deveres como potência liderante responsável, uma Washington interessada só em si mesma abusa de seu status de superpotência e gera caos ainda mais profundo no planeta, disseminando riscos financeiros para todo o mundo, instigando tensões regionais e disputas territoriais, e guerreando guerras ilegítimas, sob o manto de deslavadas mentiras."

A solução, para Pequim, é “des-Americanizar” a atual equação geopolítica – a começar por dar voz mais ativa no FMI e no Banco Mundial a economias emergentes e ao mundo em desenvolvimento, o que deve levar à “criação de uma nova moeda internacional de reserva, a ser criada para substituir o dólar norte-americano hoje dominante”.

Observe-se que Pequim não advoga a sumária extinção do sistema de Bretton Woods – não, pelo menos, já; quer, isso sim, mais poder para decidir. Parece razoável, se se considera que a China tem peso apenas ligeiramente superior ao da Itália, no FMI.

A “reforma” do FMI – ou coisa parecida – está em andamento desde 2010, mas Washington, como seria de esperar, vetou todas as alterações substanciais, até agora.

Quanto ao movimento para afastar-se do dólar norte-americano, também já está em andamento, com graus variados de velocidade, especialmente no que diga respeito ao comércio entre os países BRICS, as potências emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que já está sendo feito, hoje, predominantemente, nas respectivas moedas.

O dólar norte-americano está lentamente, mas firmemente, sendo substituído por uma cesta de moedas. 

A “des-Americanização” também já está em curso.

Considere-se, por exemplo, a ofensiva de charme dos chineses pelo Sudeste Asiático, que está acentuadamente começando a inclinar-se na direção de mais ação com principal parceiro econômico daqueles países, a China.

O presidente Xi Jinping da China, fechou vários negócios com a Indonésia, a Malásia e também com a Austrália, apenas umas poucas semanas depois de ter fechado outros vários negócios com os “-stões” da Ásia Central.

A empolgação chinesa com promover a Rota da Seda de Ferro alcançou nível de febre, com as ações das empresas chinesas de estradas de ferro subindo à estratosfera, ante o projeto de uma 
ferrovia de trens de alta velocidade até e através da Tailândia já virando realidade.

No Vietnã, o premiê chinês Li Keqiang selou um entendimento segundo o qual querelas territoriais entre dois países no Mar do Sul da China não interferirão com mais e novos negócios. Pode-se chamar de “pivotear-se” para a Ásia.

Todos a bordo do petroyuan.

Todos sabem que Pequim possui himalaias de bônus do Tesouro dos EUA – cortesia daqueles massivos superávits acumulados ao longo dos últimos 30 anos, mais uma política oficial de manter lenta, mas segura, a apreciação do Yuan.

E Pequim, simultaneamente, age.

O Yuan está também lentamente, mas seguramente, se tornando mais conversível nos mercados internacionais.

(Semana passada, o Banco Central Europeu e o Banco do Povo da China firmaram acordo para uma troca de moeda (orig. swap) de US$45-$57 bilhões, que aumentará a força internacional do Yuan e melhorará seu acesso ao comércio financeiro na área do euro).

A data não oficial para a total conversibilidade do Yuan cairá em algum ponto entre 2017 e 2020.

A meta é clara: afastar-se de qualquer respingo da dívida dos EUA, o que implica que, no longo prazo, Pequim está-se afastando desse mercado – e, assim - tornando muito mais caro, para os EUA, tomarem empréstimos.

A liderança coletiva em Pequim já fechou posição sobre isso e está agindo nessa direção.

O movimento na direção da plena conversibilidade do Yuan é tão inexorável quanto o movimento dos BRICS na direção de uma cesta de moedas que, progressivamente, substituirá o dólar norte-americano como moeda de reserva.

Até lá, mais adiante nessa estrada, materializa-se o evento cataclísmico real: o advento do petroyuan – destinado a ultrapassar o petrodólar, tão logo as petromonarquias do Golfo vejam de que lado ventam os ventos históricos.

Então, o bate-bola geopolítico será outro, completamente diferente.

Pode ser processo longo, mas é certo que o famoso conjunto de instruções de Deng Xiaoping está sendo progressivamente descartado:

"Observe com calma; proteja sua posição; lide com calma, com as questões; esconda nossas capacidades e aposte no nosso tempo; seja discreto; e jamais reclame a liderança."

Uma mistura de cautela e escamoteamento, baseada na confiança que os chineses têm na história e, levando em consideração uma - grave ambição de longo prazo – era Sun Tzu clássica.

Até aqui, Pequim andou devagar; deixando que o adversário cometa erros fatais (e que coleção de erros de 
multi-trilhões de dólares...); e acumulando “capital”.

Agora, chegou a hora de capitalizar. Em 2009, depois da crise financeira provocada por Wall Street, ainda havia chineses que resmungavam contra “o mau funcionamento do modelo ocidental” e, em suma, contra o “mau funcionamento da cultura ocidental”.

Beijing ouviu [Bob] Dylan (legendado em mandarim?) e concluiu que, sim, the times they-are-a-changing [os tempos estão mudando].

Sem que se veja nem sinal de avanço social, econômico e político – o “trancamento” [shutdown] nos EUA seria outra perfeita ilustração, se se precisasse de ilustração – de que os EUA deslizam tão inexoravelmente quanto a China, pena a pena, vai abrindo as asas para comandar a pós-modernidade do século 21.

Que ninguém se engane: as elites de Washington lutarão contra, como se estivessem ante a pior das pragas.

Mesmo assim, a intuição de Antonio Gramsci precisa ser atualizada: a velha ordem morreu, e a nova ordem está um passo mais perto de nascer.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Pepe-Escobar-A-China-e-o-nascimento-do-mundo-des-Americanizado-/7/29265