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sábado, 30 de novembro de 2013

Os três últimos sustentáculos do dólar

15/11/2013 - 2014 - o ano da internacionalização do yuan,
- da abertura da Arábia Saudita e
- da explosão da UE:
- os três últimos sustentáculos do dólar entram em colapso
- por GEAB (Global Europe Anticipation Bulletin)
- para o portal Resistir.info

"Era noite e a chuva caía. Enquanto caía era chuva, mas depois de caída era sangue".

Estas palavras de Edgar Allan Poe [1] aplicam-se às mil maravilhas ao lento processo de deslocação mundial agora em curso, em que todos os acontecimentos aparentemente anódinos ("a chuva") combinam-se para minar os fundamentos do sistema internacional que está moribundo ("o sangue").

Se este processo é lento, se estes acontecimentos podem parecer anódinos, é paradoxalmente porque a crise atual é a primeira crise sistêmica verdadeiramente mundial: bem mais profunda que a de 1929, ela afeta todos os países e aflige o núcleo do sistema.

Quando a de 1929 foi uma crise de adolescência da nova potência mundial, os Estados Unidos, a que vivemos atualmente corresponde aos últimos dias de um condenado – e este condenado é a super-potência que se conhece desde 1945.

Mas toda a organização do mundo está construída em torno dos Estados Unidos e ninguém tem interesse em que ela se afunde antes de estar completamente desligado.

Trata-se portanto, para todos, de se afastar suavemente salvaguardando as aparências habituais a fim de assegurar um transição sem sobressaltos, o que explica a lentidão do krasch em curso.

É de certa forma como os pais que tentam sair do quarto do seu bebé na ponta dos pés para evitar que ele acorde e se ponha a berrar: o bebé é o dólar e os pais são indignos uma vez que saem para abandoná-lo.

A China é mestra nesta arte, mas vêem-se por toda parte outros países que abandonam progressivamente os Estados Unidos de maneira mais ou menos subtil, como por exemplo a Arábia Saudita [2].

Para a União Europeia, quase o último bastião americanista fora dos EUA, a tarefa é mais árdua. Nossa equipe antecipa que as eleições europeias de 2014, em que a ascensão das direitas extremistas e das forças eurocéticas é inevitável, conduzirão a uma explosão do quadro atual da UE com a possibilidade de a Eurolândia revitalizar-se em sua substituição.

Analisamos em pormenor o caso europeu neste número do GEAB.

Internacionalização acelerada do yuan que vem descredibilizar mais um pouco o papel central do dólar, perda do apoio saudita que era uma peça mestra no edifício do petrodólar e perda do bastião americanista da UE substituído pela Eurolândia que, apoiando-se sobre o euro [NR], constitui uma nova ameaça para os Estados Unidos: três dos últimos apoios essenciais da potência americana desaparecerão em 2014, prosseguindo insidiosamente a convulsão mundial.

Os Estados Unidos fizeram a aposta de que, sendo demasiado doloroso transpor a barreira potencial [3] entre o status quo e o mundo de amanhã, os
países, apesar de terem tudo a ganhar com uma nova organização do mundo, não passarão o Rubicão.

É por exemplo o caso da China com a sua montanha de dólares em reserva que não valerão grande coisa se ela se mexer demasiado ostensivamente; ou ainda a Arábia Saudita que perderá um grande cliente e uma segurança garantida se se desprender dos Estados Unidos.

Salvo se se tratar, nem mais nem menos, de um cálculo frio de custos/benefícios e, para numerosos atores, os benefícios já começam a ultrapassar os custos.

Segundo o LEAP/2020, [Laboratoire Européen d'Anticipation Politique] a aposta americana já está perdida.

Índice do artigo completo: 
1. A Oeste, nada de novo
2. A impossível reativação dos EUA
3. Tudo se volta contra os Estados Unidos
4. Arábia Saudita: a abertura de um país fechado
5. Internacionalização do yuan
6. Fractura Leste/Oeste
7. 2014: resolução da questão norte-coreana pelos BRICS
8. A Europa está morta, viva a Europa!
9. Europa de antes, Europa de depois
10. Emergência de contra-sistemas

Nota: Neste comunicado público comentaremos apenas as partes 1, 2 e 8 relacionadas acima.

1. A OESTE, NADA DE NOVO [4]
Os mercados podem estar contentes. Janet Yellen, que em janeiro sucederá a Ben Bernanke à testa do Fed, sugeriu que deseja continuar o programa de flexibilidade quantitativa do seu antecessor (QE3 [Quantitative Easing]) [5].

Ela certamente não tem outra opção uma vez que a ilusão dos Estados Unidos ainda de pé não se sustenta senão graças a este programa que também permitiu relançar artificialmente tanto o mercado imobiliário como os mercados financeiros, ou financiar o governo americano a baixo custo.

Mas apenas os mercados celebram a notícia.

Os países estrangeiros perguntam-se quando as bolhas exportadas pelo Fed vão cessar, como isso vai poder acabar, como deixar de depender dos Estados Unidos e, se ainda não desligaram suficientemente suas economias, quais serão as repercussões internas.

A sociedade civil já sabe que os "benefícios" da QE nunca chegam até ela [6]: como se a totalidade de um New Deal por ano [7] fosse absorvida unicamente pelos mercados e não beneficiasse a população.

E a economia real pergunta-se quando as taxas de juro vão poder subir outra vez para um valor normal a fim de que os investidores sejam novamente estimulados a financiar verdadeiros projetos graças uma remuneração não nula.

Do lado do Fed, nada de novo portanto. Nada de novo tão pouco quanto aos problemas do país que se acumulam e se agravam.


Os jornais de referência [8] já falam de fome nos Estados Unidos;
- os crimes estão em aumento constante desde há dois anos [9];
- o consumo de droga explode [10];
- apesar das reduções orçamentárias que forçam prisões a libertarem seus prisioneiros [11], há mais presos nos Estados Unidos do que engenheiros ou professores do secundário (ver figura acima);
- apesar dos números oficiais encorajadores, o desemprego em massa continua [12];
- as infraestruturas são sacrificadas [13];
- a investigação científica já não é financiada corretamente [14], etc.

[...]

2. A RETOMADA IMPOSSÍVEL DOS EUA
Os problemas dos Estados Unidos na realidade não podem ser resolvidos no quadro atual pois o país encontra-se face a um dilema: se a economia começar a recuperar-se, o Fed deve travar seu programa de apoio, mas então será o pânico nos mercados como se viu em setembro, o que interromperá a retomada...

Mais genericamente, se um mínimo de verdadeiro crescimento ocorrer nos EUA, a montanha de dólares impressos pelo Fed e exportados para os países emergentes vai retornar em parte aos Estados Unidos para aproveitar a sorte inesperada, provocando uma forte inflação e matando a retomada no ovo. [22]

Estas "oscilações" entre esperança e desespero vão portanto continuar enquanto a crise é enfrentada com as ferramentas do mundo de antes, ou até que um choque venha recordar a situação catastrófica.

Pois não é a QE que vai salvar a economia, uma vez que os seus melhores resultados são manter artificialmente em vida zumbis econômicos e inchar bolhas financeiras.

[...]

8. A EUROPA ESTÁ MORTA, VIVA A EUROPA [42] 
Resolução dos conflitos, comércio, finanças... vê-se pois que o fosso se aprofunda com o Ocidente.

Entretanto, à imagem desta nova rota da seda que liga a Ásia e a Europa, esta última ainda pode saltar a tempo no mundo de amanhã se chegar a cortar o cordão umbilical com os Estados Unidos, após as eleições de 2014 que servirão como detonador.

Ascensão das direitas extremistas e dos partidos eurocéticos, déficit democrático, peso do lobbies e afastamento dos cidadãos, centralização bruxelense, burocracia e tecnocracia... a União Europeia morre [43].

Segundo a nossa equipe, as eleições europeias de 2014 vão provocar a explosão do quadro atual na UE e iniciar uma repolitização da União, a começar por um grande debate sobre o futuro da Europa.

Esta recolocação em causa já começou, com os Verdes por exemplo apresentam candidatos comuns em todo o território da UE [44], iniciando assim uma "verdadeira" eleição europeia, ou com os partidos socialistas que pressionam o candidato muito sério Martin Schultz à testa da Comissão Europeia. [45]

Mas segundo o LEAP/2020, esta refundação, se for conseguida, tomará tempo, muito tempo, e a verdadeira oportunidade para uma UE democrática é portanto a eleição de 2019. Analisamos longamente o destino da Europa na secção Telescópio.

Ora, esta União Europeia que morre é a Europa inspirada e infiltrada pelos interesses americanos.

É a Europa reduzida a um vasto mercado comum que deve ampliar-se sem cessar.

É a Europa que se inclina diante da Monsanto e que a remete aos Estados membros [46], deixando assim o campo livre à multinacional americana.

Esta camuflagem das políticas anglo-saxônicas, esta terceira muleta americana, afunda-se.

Mas estas decisões ditadas pelo primo americano passam cada vez mais dificilmente [47].

Um outro exemplo é dado pela adesão da Turquia à UE, escolhida pela agenda americana e não pelos cidadãos europeus e nem pelos turcos [48]: já difícil, esta estará condenada definitivamente quando partidos de extrema-direita irromperem no Parlamento Europeu em 2014.

Mas o continente não esperará por 2019 para se reorganizar e a questão refere-se à forma que assumirá a Europa de amanhã.

Enquanto isso, como veremos na secção Telescópio, a Eurolândia tem a capacidade de construir um projeto político que virá preencher o vazio deixado pela União Europeia. [...] 

Notas:
[1] Extraído de "Silence", 1837. 

[2] Algo inconcebível antes... 

[3] Em física, esta noção designa um obstáculo que uma partícula não pode transpor senão quando ela ter energia suficiente. 

[4] Título de um romance de Erich Maria Remarque (1929). 

[5] Fonte: Business Insider , 13/11/2013.
[QE] Política monetária não convencional empregada por Bancos Centrais para estimular a economia.

[6] Ler o artigo edificante "Confessions of a Quantitative Easer" (Wall Street Journal, 11/11/2013) ou sua tradução em francês em les-crises.fr

[7] As despesas do New Deal são estimadas em 50 mil milhões de dólares no total entre 1933 e 1940 (fonte: Forbes).
Com a inflação, esta quantia representa cerca de 850 a 900 mil milhões de dólares actuais (cf. US inflation calculator, quando o Fed injecta 1020 mil milhões de dólares por ano, ou seja, mais de um New Deal por ano.
Ver também Answers.com
Entretanto, deve-se contextualizar este números uma vez que o QE3 representa 6% do PIB enquanto na época os 50 mil milhões do New Deal representam cerca de 50% do PIB (repartidos ao longo de 8 anos, ou seja, igualmente 6% por ano). 

[8] "America's new hunger crisis", MSNBC (30/10/2013). Ver também Reuters, 12/09/2013. 

[9] Fonte: Time, 24/10/2013. 

[10] Fonte: Bloomberg, 13/11/2013. 

[11] Fonte: por exemplo CBS27/02/2013. 

[12] Fontes: CNS News (22/10/2013), ZeroHedge(08/11/2013). 

[13] Fonte: Business Insider, 01/11/2013. 

[14] Fontes: ThinkProgress, (30/08/2013), The Tech (07/05/2013), etc.
Mesmo o prestigioso MIT é fortemente afectado: Boston Globe, 20/05/2013. 

[...] 

[22] Ler a respeito a análise de Andy Xie, Caixin, (05/11/2013). 

[...] 

[42] Referência à fórmula "o rei está morto, viva o rei!" pronunciada inicialmente na sucessão de Carlos VI em 1422. Fonte: Wikipedia

[43] É interessante constatar que todas as "uniões" (União Europeia, Reino Unido, Estados Unidos) estão em graves dificuldades; em particular, a escolha deste nome reflete princípios de governação que não estão mais adaptados à nossa época em que uma governança descentralizada em rede torna-se imperativa para gerir os grandes blocos regionais. 

[44] Fonte: EUObserver, 11/11/2013. 

[45] Fonte: Huffington Post10/10/2013. 

[46] Fonte: Die Zeit, 06/11/2013. 

[47] Assim, o milho da Monsanto mencionado acima teria ainda de ser bloqueado por numerosos países. 

[48] Apenas 20% dos europeus e 44% dos turcos pensam que a integração da Turquia seria "uma coisa boa" Hurriyet19/09/2013).
Enquanto Hillary Clinton em novembro de 2010 dizia: "the United States [...] support the membership of Turkey inside the EU. [...] We don't have a vote, but if we were a member, we would be strongly in favor of it". 

[NR] Parece absurdo dizer que a recuperação da dita Eurolândia após a derrocada da UE possa apoiar-se no Euro. O mais provável é que seja a derrocada do Euro a arrastar a da UE. 

O original encontra-se em www.leap2020.eu/...  

Este comunicado público encontra-se em http://resistir.info/

Fonte:
http://resistir.info/crise/geab_79.html

Veja também:
As consequências do declínio americano - Immanuel Wallersten
- A morte do dólar - Paul Craig Roberts

sábado, 5 de outubro de 2013

A Alemanha engana-se e engana a Europa

23/09/2013 - por Juan Torres López [*], no site Resistir.info 

Nos últimos meses foi atribuída grande importância às eleições alemãs de domingo 22/9, sendo consideradas precursoras de uma mudança de políticas na Europa mas creio que não as vão ter, pois parece-me que a situação política e económica não se alterará muito ali nem na Europa, seja qual for o resultado. 

Uma nova vitória dos conservadores não só não modificará a política de Merkel como inclusive é possível que leve a enfraquecer o impulso que o seu governo havia dado à economia nos últimos meses a fim de melhorar sua imagem diante do eleitorado e reforçar o seu fundamentalismo.


Cartoon de Fernão Campos
E não é possível esperar nem sequer alguma tímida reformulação do discurso europeu se não for endurecida com firmeza a posição de outros sócios da eurozona. 

Tão pouco mudariam muito as coisas com uma vitória social-democrata, pouco previsível, ou inclusive de Os Verdes.

Ainda que nos seus programas tentem sempre diferenciar-se dos democrata-cristãos e agora proponham o arranque de uma espécie de novos planos Marshall para reactivar as economias, se chegassem de novo a governar não se afastariam do que fez e tornará a fazer Angela Merkel. 

Será assim porque os partidos políticos governantes na Alemanha são materialmente escravos desde há muito da classe empresarial e financeira que é quem na verdade marca o passo da política naquele país.

Não se esqueça que foram os sociais-democratas que puseram em andamento as reformas reaccionárias que provocaram o grande incremento da desigualdade e a actual deterioração das classes trabalhadoras alemãs, e é bem sabido que suas posições sobre a Europa, o Euro ou a estratégia do Banco Central Europeu não diferem praticamente em nada das que são mantidas pela direita mais recalcitrante. 

Não haverá mudanças porque o que os grandes poderes económicos puseram na mesa aproveitando a crise económica e o que agora se ilustra na Alemanha e em toda a União Europeia não é outra coisa senão a mudança radical do modelo social, ou seja, uma alteração profunda do equilíbrio de forças sociais e, portanto, uma redefinição dos direitos económicos e inclusive políticos dos cidadãos. 

É um objectivo muito diferente das preferências maioritárias dos cidadãos, tal como demonstram todo tipo de inquéritos, e isso faz com que as instituições representativas onde possam reflectir-se tornam-se cada dia mais incómodas para os grandes poderes económicos.


É por isso que estes últimos vêm impulsionando por todos os meios ao seu alcance o desmantelamento da democracia em toda a Europa, como denunciou entre outros o grande filósofo alemão Jürgen Habermas [foto], pois só assim podem ser impostas as políticas que levam a essa mudança de modelo e que são tão contrárias às que desejam que se apliquem a imensa maioria da população. 

Não cabem, pois, grandes mudanças após a competição eleitoral na Alemanha. 

Os grupos de pressão tiveram muito cuidado em impedi-las, sobretudo generalizando um discurso político carregado de mentiras que pouco a pouco 
penetra toda a Europa, e particularmente na Alemanha, para ir conformando uma cidadania submissa e convencida de que o que os grandes grupos 
financeiros propõem em seu benefício é justamente o que mais interessa aos de baixo. 

As eleições gerais celebradas na Alemanha têm muito a ver com tudo isso porque são precisamente as grandes corporações e grupos financeiros desse 
país os que mais combativamente impulsionam essa mudança de modelo social e porque a população alemã foi especialmente bombardeada e convencida pelas mentiras e enganos em que foram envolvidas pela sua colocação em andamento. 

TEIA DE ENGANOS 

Se há europeus que estão a ser especialmente enganados são os alemães e se alguém engana os demais europeus são os dirigentes políticos e económicos alemães.

* Engana-se aos alemães ao fazer-lhes crer que é a Alemanha a que financia o resto da Europa, quando se verifica que suas grandes empresas e bancos foram desde há anos os grandes beneficiários de uma construção europeia e do Euro mal concebidos por ter sido feito à sua medida.

A Alemanha não é generosa, aproveita-se sim do seu imenso poder para tratar de submeter os demais, outra vez, num espaço económico que seus grandes grupos económicos consideram seu em toda a Europa. 

* São enganados quando se lhes faz acreditar que o desperdício e a irresponsabilidade dos cidadãos de outros países foram o que produziu a crise e os males que se sofrem, quando a verdade é que foram os bancos alemães aqueles que financiaram espontaneamente e sem medida as bolhas e os excessos que destroçaram as economias para engordar, durante anos, suas contas de resultados. 

* São enganados quando se lhes faz acreditar que são outros países que se aproveitam do esforço e dos rendimentos dos trabalhadores alemães quando na realidade são seus próprios grupos de poder económico e financeiro os que impuseram em seu favor políticas que criam desigualdade crescente e mais pobreza e o que colocaram fora da Alemanha o colossal excedente que obtiveram seus trabalhadores nos últimos anos. 

* Engana-se os alemães quando se lhes diz que seu modelo social é insustentável por culpa da Europa e do custo da solidariedade com outras nações, quando na realidade se há problemas de financiamento é pela cada vez menor contribuição dos proprietários de capitais alemães ao financiamento dos interesses colectivos e pela colocação dos excedentes que obtêm fora da Alemanha. 

São enganados quando se lhes diz que hão de trabalhar mais que os trabalhadores de qualquer outro país, quando as estatísticas mostram que apesar de serem mais produtivos nos sectores de vanguarda, pelo maior avanço das suas economias, trabalham menos, felizmente para eles, ainda que certamente com condições de trabalho e de rendimento cada vez piores. 

Engana-se os alemães e os dirigentes alemães estão a enganar os cidadãos europeus quando se lhes diz que as políticas de austeridade são a melhor forma de avançar e que além disso são necessárias pela dívida de outros países, quando a Alemanha a teve sempre mais elevada que muitos deles e quando é uma evidência clamorosa que estas políticas empobrecem toda a Europa e, por fim, os próprios trabalhadores alemães e quando só estão a servir para justificar a privatização e o desaparecimento de serviços públicos e direitos sociais. 

Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam toda a Europa quando se lhes diz que a dívida que há que reduzir deriva do excessivo de gasto público destinado ao bem estar social, quando na realidade decorre dos juros gigantescos que se pagam aos bancos privados ao impor um banco 
central na Europa que não o é e que só serve para apoiar e salvar os bancos privados. 

Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam os europeus normais e comuns quando se lhes diz que países como Grécia, Portugal ou Espanha exigem ajudas ou resgates multimilionários para levá-los em frente, quando na realidade esses resgates só servem para salvar os bancos alemães ou as grandes empresas que vivem de fazer investimentos imperiais no resto da Europa, em muitos casos promovendo e financiando todo tipo de práticas corruptas. 

Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam os europeus quando se lhes diz que há que rebaixar os salários para criar emprego e dessa forma só se consegue que aumente o lucro empresarial e a pobreza; ou que há que flexibilizar os mercados laborais, quando isso só se traduz em maior poder de negociação dos grandes empresários mas não em mais e sim em pior emprego; ou que há que reduzir a despesa pública quando são cada vez maiores suas aventuras e despesas militares ou as despesas financeiras que graciosamente se pagam aos bancos privados. 

Engana-se os alemães e os dirigentes alemães enganam todos os cidadãos quando se apresentam como justos e eficientes reclamando estritas condições de pagamento aos agora devedores. Ocultando que países como a Grécia foram generosos com a Alemanha quando era esta quem tinha que pagar sua dívida.

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Não cabe esperar grandes mudanças destas eleições alemãs porque são celebradas em meio a um cinismo institucional gigantesco, no âmbito de um colossal roubo intelectual e político que não se pode combater no seio de instituições que deixaram de ser democráticas ou por governos que são marionetas dos grupos financeiros e grandes empresários. 

A estratégia da mentira triunfa, e desgraçadamente de forma muito particular na Alemanha, graças ao poder imenso que acumularam as classes mais ricas.

A riqueza dos 10% mais ricos da Alemanha, por exemplo, passou dos 45% do total em 1998 para 53% em 2008; as dos 40% seguintes dos 46% para 40% e a dos 50% mais pobres dos 4% para 1%. 

Isso é o que explica que apesar de 70% dos alemães afirmarem estarem conscientes e reprovarem a injustiça que implicam as actuais políticas 
económicas e laborais voltem a votar, na sua grande maioria, nos partidos que as executam. 

Na Alemanha, como nos demais países europeus, conseguiram converter cidadãos e cidadãs titulares de direitos nos "súbditos dóceis" dos quais dizia o grande Thomas Mann, em A Montanha Mágica, "que demonstram em todo escritório e em todos local de trabalho o respeito devido à autoridade". 


Quando os eleitores tiverem deixado de ser dóceis e ingénuos, como vêem sendo a maioria dos alemães e europeus em geral, e quando enfrentarem com decisão as autoridades corruptas e totalitárias que nos governam, as eleições começarão a ter outro significado e então sim abrirão caminho para verdadeiras mudanças políticas.

[*] Juan Torres López é catedrático no Departamento de Teoria Económica e Economia Política da Universidade de Sevilha. O original encontra-se no Público.es de 22/Setembro/2013 e em juantorreslopez.com/...

Este artigo traduzido encontra-se em http://resistir.info/ 

Fonte:
http://resistir.info/alemanha/lopez_23set13.html

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Os desafios da nova YPF

19/Abril/2012 - por Claudio Katz [*]
original extraído do site Resistir (Portugal)


A intervenção na YPF e a introdução de uma gestão estatal da empresa são medidas necessárias para começar a reverter a depredação energética. Mas constituem só um ponto de partida para recuperar os recursos petrolíferos.


Durante uma década a REPSOL liderou o esvaziamento de poços, reservas e instalações pré-existentes. Extraiu o máximo possível sem investir e expatriou lucros de forma escandalosa.

Mas esta conduta não irritou nenhum dos críticos neoliberais da expropriação em curso.

Agora questionam a "violação da ordem jurídica", esquecendo o total incumprimento dos contratos por parte da firma.

Este duplo critério é congruente com a sua habitual aprovação dos atropelos contra os direitos dos assalariados ou aposentados. Nunca estendem a estes sectores os princípios da segurança jurídica.

Falácias neoliberais
Os direitistas estão a recriar os fantasmas de 2001-2005 e repetem os mesmos argumentos que difundiram a seguir ao incumprimento (default). Advertem contra as terríveis consequências de "isolar-se do mundo", omitindo o seu recorde de prognósticos falhados.

Alguns desculpam a REPSOL afirmando que sofreu um castigo de preços desfavoráveis. Mas silenciam os sucessivos ajustes dos últimos anos, a autorização para liquidar divisas no exterior e a permissão para exportar a custo do auto-abastecimento. As objectadas retenções móveis às vendas externas foram uma ténue compensação pela terrível drenagem que o país sofreu. Tão pouco recordam que a falta de investimentos remonta aos anos 90, quando o combustível era muito caro em dólares.

Os porta-vozes locais da REPSOL afirmam que a expropriação afugentará os investimentos, que são necessários para recompor a produção. Mas o desenvolvimento petrolífero da Argentina nunca proveio dos capitais estrangeiros. Foi um resultado da propriedade estatal do petróleo bruto e do equilíbrio entre exploração (exploración) e gestão da extracção (explotación) de poços, que se conseguiu mediante um sistema integrado de extracção, refinação e comercialização. Este regime foi demolido com a privatização e deveria ser recomposto para reconstruir o abastecimento.

Qualquer passo nessa direcção é visto pela direita como uma expressão de "populismo, ou demagogia nacionalista". Mas com o seu apoio à privatização já demonstraram como concebem o ideal oposto de condutas republicanas, maduras e responsáveis. Os defensores mais descarados da REPSOL alertam contra o iminente conflito entre argentinos e espanhóis que provocará a expropriação, como se a firma afectada fosse a representação do povo ibérico.

Na realidade é uma empresa privada de duvidosa propriedade espanhola, uma vez que o grosso do seu capital encontra-se distribuído em vários centros financeiros do mundo. Como se especializada, além disso, em localizar sociedades em paraísos fiscais, potencia a evasão tributária que deteriorou as finanças espanholas, precipitando o brutal ajuste que padece esse país.


A REPSOL, naturalmente, é defendida por uma monarquia e um governo reaccionário, que continuam a exibir soberba neo-colonial com crescente descaramento. A repetição local dessa diatribe é particularmente chocante. Como a firma recorrerá a seus aliados da Europa e ao G20 para gerar um conflito jurídico internacional, é imperioso que a Argentina se retire do CIADI [1]. Esse tribunal já tem preparada uma sentença a favor daquela petrolífera. [2]

Empresa mixta ou estatal?
Os principais problemas da nova YPF não estão no flanco externo.

É evidente que o governo decidiu a expropriação por necessidade e não por convicção.

Estava aguilhoado pela queda da produção e consequente obrigação de financiar importações com os poucos recursos que dispõe a Tesouraria. Pressionados por essas circunstâncias efectuou uma volta de 180 grau no seu idílio anterior com a empresa afectada.

Negociou sem resultados um compromisso de maior investimento e finalmente optou pelo choque com os seus velhos sócios.

Julio de Vido

A expropriação não faz parte de uma estratégia prevista, nem obedece ao grande volume de votos conseguido nas últimas eleições.

A reconstrução da YPF encontra-se agora em mãos daqueles que participaram da sua destruição.

Grande parte da elite actual de funcionários tomou parte no sucateamento da empresa durante o governo Menem e no remate das suas acções. Sua responsabilidade no descalabro energético dos últimos oito anos é inocultável. De Vido [3] é a antítese de Mosconi.[4] Pelo seu gabinete passaram todas as autorizações requeridas para validar o aniquilamento da YPF. A iniciativa da expropriação é positiva, mas seus efeitos reais dependerão das próximas medidas.

Uma decisão chave joga-se no manejo da indemnização. Não se pode pagar pelo que é nosso, nem premiar com maiores fundos aqueles que descapitalizaram a empresa.

Ainda há que averiguar quais foram os lucros reais que a REPSOL acumulou com a distribuição de lucros à custa dos activos energéticos e com a expansão internacional da companhia, utilizando os recursos do subsolo nacional. Antes de falar de qualquer avaliação da empresa (por cotação na bolsa, contabilística ou patrimonial) há que ver os resultados de uma auditoria, que esclareça o estado dos poços e dos danos ambientais. Se se utilizam os fundos do ANSES, as reservas do Banco Central ou a emissão de nova dívida para pagar a REPSOL, repetir-se-á a velha história de um estado bobo que se encarrega das perdas provocadas por ex-concessionários.

A nova YPF é concebida como uma sociedade anónima, seguindo um modelo de empresa mista muito distante da velha companhia inteiramente estatal.

Esta decisão é errada e conspira contra o projecto de reconstrução energética.

Não é casual que existam tantos exemplos internacionais de manejo totalmente público de um recurso vital. Esse modelo de propriedade pública manteve a taxa de exploração requerida no passado para um país como a Argentina, que tem reservas limitadas e de extracção custosa.

A necessidade de um longo processo de investimento não é compatível com os esquemas idealizados de companhias mistas, que já foram ensaiados na primeira etapa de privatização da YPF. Um teste próximo dos problemas que este modelo enfrentará verificar-se-á quando tiver de ser resolvida a situação do grupo Eskenazi. Esta família ficou como sócia minoritária da nova YPF, depois de haver perpetrado uma fraude superior às tropelias cometidas pela REPSOL. Comprou a sua participação sem por um só peso, recorrendo a um crédito a pagar com a distribuição de lucros. Sua permanência está em dúvida, a partir do momento em que terá de cancelar esse empréstimo com o seu próprio dinheiro.

Se se concretiza a sua deserção, quem se encarregará desse pacote?
Ou o estado mediante perdas adicionais?
Ou haverá uma transferência para outros "capitalistas amigos" (Bulgheroni, Cristóbal López, Lázaro Báez, Eurekian), que já ficaram com várias áreas sem realizar nenhum investimento?

O perigo da sociedade mista não reside só nesses favoritismos. A forte presença do capital privado dentro da companhia exige que se opere com critérios de rentabilidade imediata, que obstruem a prioridade investidora. Este modelo induz, além disso, ao aumento dos preços na boca do poço pela pressão para alcançar maiores lucros, gerando um encarecimento adicional do combustível.

Gestão, legislação e propriedade
O governo promete uma administração profissional da nova YPF. Mas esta meta exige não só conhecimentos técnicos como também grande independência do lobby petrolífero.

Se as firmas privadas participam do directório, aumentará o perigo de repetir os vícios do passado (endividamento desnecessário da companhia) ou incorrer em novos desacertos (uso dos recursos para financiar o buraco de importações).

É evidente que a transcendência de definir como se administrará a companhia e a ENARSA [5] é um mau antecedente imediato. Torna-se imprescindível dotar a YPF de um genuíno controle social, popular e dos trabalhadores.

Mas o maior problema está no que sucederá com os 70% da actividade petrolífera que actualmente é desenvolvida fora da YPF. O governo não definiu que tipo de modificações serão introduzidas, num sector regido por princípios neoliberais de livre disponibilidade do petróleo bruto por parte dos concessionários.
A revisão dos contratos subscritos com essas normas mal começou e na sua grande maioria afectou poços marginais. O projecto de lei em curso não esclarece o que ocorrerá com o marco legal que permitiu a atomização do sector e a proliferação de uma grande variedade de convénios gravosos.

Impõe-se aqui a imediata recuperação da atribuição do estado para controlar toda a comercialização interna e externa, fixando as condições e os preços de extracção e processamento.

A propriedade provincial do subsolo constitui outro impedimento para alcançar essa meta. Mantém o poder discricionário dos governadores no manejo de um recurso de toda a nação. O compromisso da sindicatura comum [de accionistas] que se estabeleceu com as províncias para o manejo da YPF não se estende ao resto do sector e só adia a necessidade de reintroduzir a propriedade nacional. Marginalizar as províncias não petrolíferas da nova condução da YPF não contribui para essa recomposição.

Com a expropriação abre-se um novo capítulo da história petrolífera.


Há condições nacionais e internacionais muito favoráveis para reconstruir nosso cimento energético, avançando rumo a uma empresa totalmente pública.

Só este esquema permitirá equilibrar os custos de extracção com os preços requeridos para o desenvolvimento industrial.

Este manejo é indispensável para diversificar a matriz energética, reduzir a dependência dos hidrocarbonetos e evitar uma maior deterioração do meio ambiente.

O alcance destes objectivos exige que se afecte os interesses capitalistas que até agora o governo protegeu e adoptar uma atitude soberana frente às pressões externas.



A mobilização popular com bandeiras próprias é o grande instrumento para esta acção.



Claudio Katz

[*] Professor da Universidade de Buenos Aires – Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (UBA-CONICET) e membro da rede Economistas de Izquierda (EDI).

[1] Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos
Fonte: Wikipédia
O CIADI significa Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos,criado a partir de uma Convenção Internacional de 1966, sob a égide do Banco Mundial. O CIADI proporciona instalações para a resolução mediante conciliação ou arbitragem de disputas referentes a investimentos entre investidores estrangeiros e os seus países anfitriões. O Brasil não faz parte do CIADI (também conhecido como ICSID, na sigla em inglês).

[2] ANRed (Agencia de Noticias Red Accion) - 15 de abril de 2012 - Ciadi: una herramienta de las multinacionales - http://www.anred.org/article.php3?id_article=4948

[3] Julio de Vido, ministro do Planejamento argentino

[4] General Enrique Mosconi, militar nacionalista, defensor da YPF, foi seu presidente de 1922 a 1930

[5] ENARSA (acrónimo de Energía Argentina S.A.) es una empresa pública argentina creada el 29 de diciembre de 2004 por la administración de Néstor Kirchner dedicada al estudio, exploración y explotación de yacimientos de hidrocarburos, el transporte, almacenaje, distribución, comercialización e industrialización de estos productos y sus derivados, el transporte y distribución de gas natural, y la generación, transporte, distribución y comercialización de energía eléctrica. Fonte: Wikipedia - http://es.wikipedia.org/wiki/Enarsa


Este artigo encontra-se em português (Portugal) em: http://resistir.info/ .

Ver também: Argentina: Recuperación (parcial) de YPF, de Alejandro Teitelbaum, em espanhol, em: http://www.argenpress.info/2012/04/argentina-recuperacion-parcial-de-ypf.html


quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Censura no Facebook

26/Jan/12 - por Atilio A. Boron [*] - resistir.info

Há alguns dias cometi um "erro imperdoável": criticar asperamente a secretária de Estado Hillary Clinton quando, diante do quinto assassinato de um cientista iraniano, limitou-se a encolher os ombros e dizer que isso era o resultado das provocações de Teerão ao negar-se a suspender o seu programa nuclear. Disse então, e repito agora, que a Clinton é "o elo perdido entre as aves carniceiras e a espécie humana", recordando a sua gargalhada quando lhe comunicaram o linchamento de Kadafi.

Mas o meu "erro" foi colocar essa opinião no Facebook: "poucas horas depois foi-me proibido o acesso à minha conta e a ter contacto com os meus mais de sete mil seguidores. O que se seguiu depois é uma história kafkiana, ainda não concluída, para tentar recuperar o acesso à minha conta. Toda classe de truques e obstáculos foram levantados e ainda hoje, quinta-feira 19 de Janeiro, quase três dias depois do incidente, não pude tornar a utilizar a minha conta. Para cúmulo, jamais pude ter contacto com pessoa alguma do Facebook e todas as perguntas que podia fazer eram estereotipadas e obtinha, de um robot, respostas igualmente estúpidas e estereotipadas. Nenhuma respondia à pergunta crucial: por que me haviam bloqueado o acesso à minha conta do Facebook?

A conclusão de tudo isto é algo que já sabia e que venho dizendo desde há longos anos, em contraposição a ilustres sociólogos e analistas que dizem tontices tais como "a rede é o universo da liberdade, não há centro, não há controle, é democracia em grau superlativo". Estes teóricos da resignação e do desalento parecem ignorar que a web está super controlada – não que vá estar e sim que já está, de facto – e as infames iniciativas legislativas estado-unidenses como a SOPA e a PIPA não são senão tentativas de legalizar o que já estão fazendo.

Como também venho dizendo há anos, nada mais perigoso que um império em decadência: tornam-se mais brutais, imorais, inescrupulosos. Agora, perante o surgimento de uma perigosa onda mundial anti-capitalista na Europa e mesmo nos EUA (com o movimento dos Ocupem Wall Street) que se soma ao que vem ocorrendo na América Latina desde há uma década, os drones e os assassinatos selectivos de líderes tornam-se insuficientes.

Devem cortar a comunicação "a partir de baixo" e "entre os de baixo" porque sabem muito bem que um pré-requisito para a organização da resistência ante – e a ofensiva contra – a burguesia imperial e seus sequazes na periferia é precisamente a possibilidade de estabelecer comunicações e trocar informações entre os oprimidos e as vítimas do sistema. Sabem muito bem que isso é essencial para frustrar esta onda insurgente, muito mais grave e de maiores repercussões que as que teve na altura o Maio francês.

Por isso estão a apertar todos os parafusos. Por isso devemos redobrar a luta para democratizar não só o Estado e as empresas como também as comunicações, a imprensa e, sobretudo, a web. Não é por acaso que um dos generais do exército estado-unidense declarou numa audiência do Congresso que "hoje a luta anti-subversiva trava-se nos media", um dos quais, talvez o mais importante, é a Internet. Daí tantos controles.


 



Facebook Shuts Down “Free Ricardo Palmera!” Group

[*] Director do PLED, Programa Latinoamericano de Educación a Distancia en Ciencias Sociales.


Este artigo encontra-se em http://resistir.info/