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quarta-feira, 4 de março de 2015

Secaram São Paulo e podem secar o Brasil

Por Zilda Ferreira*

Imaginem o Brasil, o mais rico do planeta em água, com sede. O País, conforme novas descobertas, tem água para saciar a sede da população mundial. Possui as duas maiores bacias hidrográficas; Amazônica e do Prata, além de ter  os dois maiores aquíferos; Alter do Chão e Guarani. Mas não tem uma legislação que proteja os rios aéreos, e as águas subterrâneas são de domínios dos Estados, conforme a Lei das Águas de 1997. Para agravar não há políticas públicas para gerir esses recursos em benefício do Estado e da população. Parece até que o Ministério do Meio Ambiente e Agência Nacional de Águas (ANA) aderiram a política das empresas do mercado da água de privar para privatizar (Leia A obscura ameaça de privatização das águas, "Água não se nega a Ninguém parte 5/5" e "Brasil o país mais rico em água do planeta").

A destruição do Bioma Cerrados que congrega o Planalto Central, onde nascem quase todos os grandes rios brasileiros, atualmente contaminados e destruídos pelo agronegócio, principalmente suas nascentes e matas ciliares, sem dúvida é também responsável  por essa iminente catástrofe. São Paulo foi a primeira vítima, mesmo ficando  em cima do aquífero Guarani e na Bacia do Prata. O agronegócio e a produção de biocombustíveis nesse Estado consomem aproximadamente 80% de água e suas industrias mais de 20%. Além disso, São Paulo foi primeiro Estado da Federação a incentivar  a privatização da água em seus municípios, através de concessões, e não investiu na rede de abastecimento - apesar do consumo doméstico ser prioritário por lei - o acesso foi negado com a falta de água, contrariando a Resolução da ONU 64/292 que determina Água como Direito Humano ("Veneza Paulista privatiza rio e oferece alívio à crise hídrica. Para poucos"). Não deixe de ler: Novo secretário de Recursos Hídricos reacende ameaça de privatização da Sabesp

MINERADORAS PODEM SECAR O BRASIL

Agora, os Brasileiros devem temer que esse problema se espalhe pelo país porque as mineradoras, principalmente as multinacionais, podem secar a Amazônia, o cofre hídrico do continente. Há denúncias de que  uma mineradora Anglo-Americana está poluindo as nascentes do Rio Amazonas, no Peru. Em Alter do Chão, distrito de Santarém, PA, à beira do Rio Tapajós, dois engenheiros argumentavam com uma jornalista que  o maior problema da poluição e do desequilíbrio ambiental da Amazônia são as mineradoras e não desmatamento (Leia "Aquífero Alter do Chão pode ser entregue a pesquisadores estrangeiros" e "Um inferno siderúrgico na Amazônia").

Durante um simpósio em Tucuruí/PA, um engenheiro Florestal assegurava que a ALCOA -empresa líder mundial na produção de alumínio - consumia mais energia que toda a população de São Luis, além da grande quantidade de água e de envenenar os rios. Em seguida, um outro palestrante usou uma metáfora para explicar a importância  de não poluir as águas: "Os rios são como veias de um corpo e as barragens como um grande coágulo, se as mineradoras não envenenassem esse sangue da terra e não sugassem tanta água, a natureza regeneraria. Mas, elas não permitem" (Leia: "Um povo cercado por um anel de ferro"  e "Água: as mineradoras têm (muita) sede").


OS CONVERTIDOS DA MÍDIA

Alheios às causas que geram a crise hídrica os convertidos da mídia infernizam vizinhos, convocam reuniões de condôminos para discutir a crise da água. O clima desses encontros é tenso. Normalmente, pedem novas regras de consumo de água, denunciam vizinhos, e querem instalações urgentes de medidores individuais em prédios antigos. Numa dessas reuniões, na Tijuca, um bairro de classe média do Rio de Janeiro, uma moradora resolveu indagar se alguém sabia  que o agronegócio consumia mais de 70%, as indústrias mais de 20% e que consumo doméstico não chegava 8%, lembrando que a água tratava é cara. Todos desconheciam essa informação, mesmo uma bióloga ambientalista e uma jornalista que trabalhava para uma ONGs de Educação Ambiental. (Leia "Água: mídia alternativa e EBC se redem ao ecomercado").

Enquanto esse discurso da mídia  tem azedado relações entre vizinhos e gerado até brigas sérias, parece que o mercado está satisfeito. Recentemente um empreendimento imobiliário - detalhes no link -  fazia grande  propaganda de um oásis, preparado através da mudança   do curso de um rio, especialmente aos paulistas que quisessem fugir do drama da falta de água para viver num clima de abundância hídrica, com águas cristalinas. Um verdadeiro sonho para quem pudesse pagar (Leia "Veneza Paulista privatiza rio e oferece alívio à crise hídrica. Para poucos").

Entretanto, com as empresas a mídia é benevolente e tem evitado atritos, não divulga quem consome mais água e nem o nome de uma empresa de bebidas que desviou o curso de um rio para beneficiar sua fábrica. Pouca gente sabe que a Sadia é a empresa que mais consome água do Aquífero Guarani e também uma das maiores poluidoras da cidade de Toledo, no Paraná. É bom lembrar que só para produzir um quilo de frango são necessários dois mil litros de água. Ninguém divulga também que os irmãos Marinhos nos anos 90 compraram terras exatamente em cima do Aquífero Guarani, embora essa denúncia tenha sido feita por professores de universidades paulistas, na ocasião (Leia: "Água destinada a empresas pela Sabesp aumenta 92 vezes em 10 anos").

Esses fatos e a Resolução da ONU 64/292 que determina Água como Direito Humano são escondidos para que a população não proteste contra o processo de privatização desse bem comum e essencial à vida (Leia: "A luta pelo direito à água na Rio+20" e "Agora, água para todos").

O PROCESSO DE PRIVATIZAÇÃO

Atualmente há dois grupos que defendem subliminarmente a privatização da água e se revezam no comando da política hídrica brasileira: os tecnicistas, com inovações tecnológicas descontaminantes, debitando na conta do cidadão o problema de escassez da água; e os conservacionista da natureza, com discurso  da sustentabilidade, que encobre o limite da capitalização da natureza e da cultura. A capacidade de perversão e sedução desse discurso e tão alienante que modifica hábitos do povo para economizar água até para escovar os dentes.

É difícil separar esses dois grupos, porque os interesses deles são mais ou menos os mesmos. Por exemplo, o grupo que atualmente dirige a SABESP e a política hídrica do Estado de São Paulo é formado por técnicos altamente especializados, ex- dirigentes da Agência Nacional de Águas (ANA) - considerados tecnicistas - mentores da  atual política hídrica brasileira, implantada no governo FHC, dentro dos princípios neoliberais científicos e tecnológicos de dominação do homem e da natureza.

É importante lembrar que a atual ministra do Meio ambienta, Isabela Teixeira, tem formação acadêmica na COPPE/UFRJ - instituição dominada na área hídrica pela Suez Lyonnaise des Eaux, segunda maior empresa do mercado mundial da Água e GDF Suez também francesa, considerado o segundo grupo de energia do mundo. Isabela é uma tecnocrata, discípula desses grupos e talvez por isso tenha endossado políticas do Conselho Mundial da Água, que congrega as maiores empresas do mercado da Água, defensoras da privatização - Ficou claro no VI Fórum Mundial da Água em Marselha, em 2012 (Leia "Olho na governança Global da Água" e "Privatização da água: o 'fracasso' melhor financiado").

SUSTENTABILIDADE?

E quem sonhava com o discurso de sustentabilidade da ex-ministra Marina Silva, já percebeu que a realidade é uma catástrofe ainda maior. Os conservacionistas com o disfarce do discurso da sustentabilidade, que encobre o limite da capitalização da natureza, têm como estratégia de poder o hiper-realismo da globalização no ocultamento dos mecanismo de repressão, a fim de dilapidar recursos ambientais e ficarem impunes. Defendem até a federalização do mundo, e assim, a  governança dos ativos ambientais brasileiros seria entregue às nações hegemônicas.(Para entender o que esconde o marketing ambiental dos conservacionistas leia "A disputa pela Terra em Copenhague" e "O agronegócio e o ecomercado ameaçam a vida"). 

Não há esperança a vista. Imaginem a que ponto chegamos, o Financial Times divulgou que uma das causas para o impeachment de Dilma seria a falta de Água. O voracidade do mercado e a mídia perderam a noção, mas parece que contam com o apoio da Ministra do Meio Ambiente, Isabella Teixeira, que jamais foi criticada pelo Globo e pela mídia em geral. 

terça-feira, 15 de abril de 2014

Água: mídia alternativa e EBC se rendem ao ecomercado

Por Zilda Ferreira, fundadora e editora do EDUCOM

Água é um bem comum. Sem água não existe vida. Mas não lemos nenhuma linha na mídia sobre os Direitos Humanos a Água e Saneamento, determinados pela Resolução 64/292 das Nações Unidas. Nada foi publicado sobre esse direito nem mesmo no Dia Internacional da Água, 22 de março último, apesar de três bilhões de pessoas no mundo não terem acesso a água corrente em casa, segundo dados da ONU.

Em julho de 2010, 122 Estados-membros das Nações Unidas aprovaram a Resolução 64, com 41 abstenções e nenhum voto contra. Os Estados Unidos se abstiveram, como outros Estados industrializados, entre eles Áustria, Austrália, Canadá, Grã-Bretanha, Holanda, Israel, Luxemburgo, Japão e Suécia. Nos debates houve clara divisão entre as nações do Norte e do Sul, como já era esperado. Durante a Rio+20, em 2012, os Estados da União Européia e outras nações industrializadas tentaram derrubá-la. Desde 2010, o ecomercado centraliza o tema água, apresentando-a como commodity e de maneira subliminar, utilizando sofisticado marketing ambiental e cooptando a imprensa alternativa.

Na sua edição de março de 2014, a Folha do Meio Ambiente abriu dez páginas para lembrar todas as campanhas da água desde 1994, quando foi criado o Dia Internacional. Ao citar 2010, no entanto, omitiu a aprovação da Resolução 64/292 em 28 de julho e considerada por muitos a maior conquista do início do século. Carta Capital, publicação preferida de muitos militantes da esquerda, ignorou o Dia Internacional. Tendo oferecido pouco ou nenhum destaque ao 22 de março, a mídia alternativa mostrou-se cooptada pelo sofisticado marketing do ecomercado. Que dizer então da Agência Brasil, veículo da Empresa Brasil de Comunicação e que, portanto, deveria estar imune aos interesses do mercado para informar corretamente e expor a manipulação? Acabou também escancarando sua cooptação, ao ouvir uma porta-voz dos grupos financeiros e de conglomerados de mídia, a ONG WWF-Brasil. ONG esta que já foi presidida pelo senhor José Roberto Marinho.

Como já era de se esperar, o jornal O Globo publicou uma matéria sobre os problemas de água em Manaus. Mas apontou como vilão o indivíduo que desperdiça água tratada, não observando os vazamentos domésticos... Essa abordagem a respeito do abastecimento de água em Manaus é cruel. Primeiro porque há muitas pessoas que não têm água em suas torneiras há muito tempo e, por isso, deixaram de pagar a conta. Atualmente, elas não têm crédito porque seus nomes estão no SPC. Segundo, e o mais importante, Manaus está sobre o maior aquífero do mundo, o Alter do Chão, que tem água de boa qualidade. Há denúncias de que a concessionária que abastece Manaus é estrangeira, não investe e cobra caríssimo pela água que fornece. Quem não não pode pagar não tem.


Voltando ao assunto manipulações da mídia, pasme, os meios alternativos passaram a usar dados do ecomercado sobre informações essenciais. Quando esteve recentemente no Brasil a relatora da ONU para os Direitos Humanos a Água e Saneamento, a portuguesa Catarina de Albuquerque, colocaram para assessorá-la um representante da mídia alternativa que defendia os créditos de carbono. Em uma entrevista coletiva não-divulgada para a maioria dos jornalistas especializados, a relatora apresentou dados positivos apenas de cidades abastecidas por concessionárias privadas. Albuquerque certamente recebeu esses dados de sua assessoria brasileira, uma vez que é contra a privatização. Grande surpresa para os fluminenses bem informados sobre o tema, Niterói foi uma das cidades bem avaliadas - fato repercutido pelas mídias. Não faz muito tempo, a "cidade sorriso" foi palco de um drama: ao sair do hospital onde tratava um câncer, a mãe de um jornalista encontrou a água de sua casa cortada por falta de pagamento, em razão da absurda taxa que os familiares não puderam pagar.

Assim, depois de muito tempo entendi a frase lapidar do professor Carlos Walter Porto-Gonçalves: "Quanto mais se fala em meio ambiente, pior fica". Por isso ficaremos em silêncio por algum tempo, até que possamos fazer uma campanha robusta sobre os Direitos Humanos a Água e Saneamento.

Não deixe de ler:
Agronegócio e ecomercado ameaçam a vida
Luto e luta: hoje é o Dia Internacional da Água
A luta pelo direito à água na Rio+20

quarta-feira, 12 de março de 2014

As semelhanças entre 1964 e 2014

04/03/2014 - Luis Nassif - GGN

Santos Vahlis, hoje em dia, é mais conhecido pelos edifícios que deixou no Rio de Janeiro e pelas festas que proporcionou nos anos 50. Foi um dos grandes construtores do bairro de Copacabana.

Venezuelano, mudou-se para o Brasil, trabalhou com a importação de gasolina e tentou se engatar nas concessões de refinarias no governo Dutra. Foi derrotado pela maior influência dos grupos cariocas já estabelecidos.

Nos anos seguintes, foi um dos financiadores da campanha do general Estillac Leal [foto] para a presidência do Clube Militar, em torno da bandeira do monopólio estatal do petróleo. Torna-se amigo de Leonel Brizola, defensor de Jango.

Provavelmente graças ao fato de ser bom cliente dos jornais, com seus anúncios imobiliários, tinha uma coluna no Correio da Manhã, cujo ghost writer era o grande Franklin de Oliveira.


Tentou adquirir o jornal “A Noite” para fortalecer a imprensa pró-Jango. Foi atropelado pelo pessoal do IBAD (Instituto Brasileiro de Ação Democrática) que, em vez de comprar o jornal, comprou sua opinião por Cr$ 5 milhões. A CPI que investigou a transação teve como integrante o deputado Ruben Paiva.


Por sua atuação, Vahlis sofreu ataques de toda ordem.


Contra ele, levantaram a história de que teria feito uma naturalização ilegal. Em 1961, em pleno inverno, foi preso e jogado nu em uma cela de cadeia, a ponto do detetive que o prendeu temer por sua vida.

Como era possível a perseguição implacável dos IPMs (Inquéritos Policial Militares), de delegados e dos Ministérios Públicos estaduais, contra aliados do próprio governo?


Esse mesmo fenômeno observou-se nos últimos anos, com os abusos cometidos no julgamento da AP 470, envolvendo não um ou dois Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), mas cinco, seis deles, endossando arbitrariedades que escandalizaram juristas conservadores.

Características da democracia

Para tentar entender o fenômeno, andei trabalhando em um estudo que pretendo apresentar no evento “50 anos da ditadura”, que ocorrerá a partir da semana que vem no Recife.

Aqui, um pequeno quadro esquemático que explica porque 2014 é tão semelhante a 1964 – embora torçamos por um desfecho diferente.


1.     A democracia é um processo permanente de inclusões sucessivas. Também é o regime de maior instabilidade (e medo) das pessoas. Nos regimes autoritários, na monarquia, nos sistemas de castas, não há ascensão vertical das pessoas – nem sua queda.


Na democracia de mercado há a instabilidade permanente, mesmo para os bem situados. Teme-se o dia seguinte, a perda do emprego, das posses, do status.

2.     Além disso, há repartição entre os poderes que abre espaço para a montagem de alianças e acordos econômicos, nos quais os grandes grupos econômicos se aliam aos grupos de mídia, através deles infuenciam os diversos poderes de Estado.


3.     Cada época de inclusão gera novas classes de incluídos que cumprem seu papel de entrar no mercado de trabalho, ganhar capacidade de consumo e, no momento seguinte, cidadania e capacidade de organização. Gera resistências tanto na classe média (medo da perda de status) quanto nos de cima (perda de influência).


Aí, cria-se uma divisão no mercado de opinião que será explorado a seguir.


O mercado de opinião

Simplificadamente, dividi o mercado de opinião em dois grupos.

O primeiro é o mercado liderado pelos Grupos de Mídia.


Por definição, é um mercado que influencia preponderantemente os setores já estabelecidos que já passaram pela fase da inclusão, do emprego, da carreira, integrando-se no mercado de opinião aos estabelecidos da fase anterior.


Por suas características, os grupos mais resistentes ao novo são os estamentos militar, jurídico, alta hierarquia pública e a alta e média classes médias – especialmente os estamentos que trabalham em grandes companhias hierarquizadas. E também a classe média profissional liberal, que depende de redes de relacionamentos.


A razão é simples. Vivem em estruturas burocráticas, hierarquizadas, nas quais cumprem uma carreira, sujeitando-se a promoções ao longo de sua vida útil. Por isso mesmo, a renovação se dá de forma muito lenta, proporcional à lentidão com que mudam os lugares nessas corporações. São os mais apegados ao status quo.


Por todas essas características – da insegurança, da carreira construída passo a passo – esses grupos são extremamente influenciados por movimentos de manada. Por segurança, querem pensar do mesmo modo que a maioria, ou que o status quo do seu grupo (ou de suas chefias).


Esse grupo pode ser denominado conceitualmente de opinião pública midiática. Ele detém o poder, a capacidade de influenciar leis, julgamentos, posições.


Mas não detém voto. Mesmo porque, quem têm votos é a maioria.


O segundo grupo é o dos novos incluídos econômicos e dos incluídos políticos mas que não tem posição de hegemonia.


Entram aí sindicatos, organizações sociais, o povão pré-organização etc, enfim, a maioria da população – especialmente em países com tão grandes diferenças de renda.


E entra o Congresso Nacional.


Os canais de informação desse público são os sindicatos, organizações sociais e os partidos políticos.


É um público que detém os votos, mas não detém poder.


O conflito entre poder e voto



Em cada período de inclusão, o partido que entende as necessidades dos novos incluídos ganha as eleições. Foi assim nos EUA com o Partido Republicano no século 19, com o Partido Democrata no século 20.

Processos de inclusão diminuem as diferenças de renda, ampliam a classe média e, quando o país se civiliza, garantem a estabilidade política – porque a maioria se torna classe média.


Mas em países culturalmente atrasados – como o Brasil – qualquer gesto em direção à inclusão sofre enormes resistências dos setores tradicionais. 


Não se trata de viés político, ideológico (no sentido mais amplo), mas de atraso mesmo, um atraso entranhado, anti-civilizatório, que atinge não apenas os hommers simpsons, mas acadêmicos conservadores, magistrados, empresários sem visão. E, especialmente, os grupos de mídia. Os de baixo temem perder status; os de cima, temem perder poder.


O partido que entende os novos movimentos colhe eleitor de baciada.


O único fator capaz de derrubá-lo são as crises econômicas (o fenômeno do populismo é o de procurar satisfazer de qualquer maneira as massas descuidando-se da economia) ou o golpe.


A reação através do golpe

Sem perspectivas eleitorais, os segmentos incluídos na chamada opinião pública midiática recorrem ao golpismo puro e simples.

Consiste em fomentar diuturnamente o discurso do ódio e levar a vendetta para o campo jurídico-policial. É o que levou à prisão de Santos Vahlis e aos abusos da AP 470.


O movimento foi bem sucedido em 1964 e consistia no seguinte:


1.     Para mobilizar a classe média, a mídia levanta fantasmas capazes de despertar medos ancestrais: o fantasma do comunismo, que destrói famílias e propriedades, do golpe que estaria sendo preparado pelo governo, da corrupção que se alastra etc.


2.     A campanha midiática cria o clima de ódio que se torna cada vez mais vociferante quanto menores são as chances de mudar o governo pela via eleitoral.


3.     Com a influência sobre o Judiciário e o Ministério Público, além de denúncias concretas, qualquer fato vira denúncia grave e, na ponta, haverá um inquérito para criminaliza-lo.


4.     Aí se entra no ponto central: as agressões, os atentados ao direito, as manipulações provocam reações entre aliados do governo. 


Qualquer reação, por mais insignificante, serve para alimentar a versão de que o governo planeja um golpe.


O ponto central do golpe consiste em fomentar reações que materializem as suspeitas de que é o governo que planeja o golpe.


É nesse ponto que o golpismo e o radicalismo de esquerda se dão as mãos.


Confiram esse vídeo aqui do Arnaldo Jabor, sobre uma proposta de um deputado obscuro do PT.


O próprio Jabor considera-o obscuro. Mas repare nas conclusões que tira. Foi buscá-las em uma nave do tempo diretamente de 1964.




O grande problema de Jango foram os aliados iludidos pela revolução cubana e pela própria campanha da mídia - que superestimava, intencionalmente, os poderes das ligas camponesas e quetais.


O histórico trabalho de Wanderley Guilherme dos Santos, em 1962, expôs de forma magistral e trágica  como se dava essa manipulação das reações.


Esse mesmo clima em relação às ligas camponesas, a mídia tentou recriar com as fantasias sobre a influências das Farcs no Brasil, sobre os dólares cubanos transportados em garrafas de rum e um sem-número de artigos de colunistas denunciando o suposto autoritarismo de Lula.


Lula e Dilma fugiram à armadilha, recorrendo ao que chamei, na época, de republicanismo ingênuo, às vezes até com um cuidado excessivo.


Não tomaram nenhuma atitude contra a mídia; não pressionaram o STF; têm sido cautelosos de maneira até exagerada; não permitiram que o PT saísse às ruas em protesto contra os abusos da AP 470.


Apesar de entender esse caminho, Jango não conseguiu segurar os seus. 


Houve radicalização intensa, conduzida por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, pelo PCB de Luiz Carlos Prestes e por lideranças sindicais, que acabaram proporcionando o álibi de que os golpistas precisavam.


Hoje em dia não há mais a guerra fria, não há uma republiqueta encravada em um continente golpista, não há o descuido com a economia.


No entanto, há um ponto em comum nos dois períodos: o ódio que a campanha midiática provocou em diversos setores de classe média crescerá em razão inversamente proporcional ao crescimento eleitoral da oposição.

E o mote central será  a Copa do Mundo e a convicção de que o governo gastou em estádios o dinheiro da saúde.

Há uma guerra de comunicação central.

Fonte:
http://jornalggn.com.br/noticia/as-semelhancas-entre-1964-e-2014

segunda-feira, 10 de março de 2014

"Mãeie... bateram em mim..."

04/03/2014 - Lute por mim, coitadinho de mim...
- 3/3/2014 - James Howard Kunstler [*] do Blog Clusterfuck Nation “Let’s You and Him Fight” [1]
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Quer dizer então que, agora, estamos ameaçando iniciar a IIIª Guerra Mundial, porque a Rússia está tentando controlar o caos num estado falido junto às suas fronteiras – estado que os “nossos” doidos norte-americanos empurraram diretamente para o buraco?

A última vez que conferi, havia uma lista de países para onde, recentemente, os EUA enviaram soldados, navios armados, aviões armados, e por razões semelhantes às da Rússia na Crimeia: ex-Iugoslávia, Somália, Afeganistão, Iraque, Líbia, nenhum desses sequer próximos das fronteiras dos EUA.

Não me lembro de a Rússia ameaçar confrontações militares, por causa dessas aventuras tresloucadas dos EUA.

Os telefones da Casa Branca e dos gabinetes do Congresso têm de estar totalmente congestionados, tantos são os cidadãos norte-americanos furiosos, contra a postura de nossos representantes e governantes eleitos. 

Tem de haver multidões levantando cartazes na praça Farragut, para lembrar aos hóspedes da Avenida  Pennsylvania nº 1.400 o papel ridículo em que nos puseram.

Os fabricantes de guerras no The New York Times falavam como promotores da Federação Universal de Luta Livre. A matéria de primeira página, ontem [02 mar], dizia:

"A ocupação russa na Crimeia desafiou o Sr. Obama, mais que qualquer outra crise internacional. E, no olho do furacão, a mesma questão volta, obrigatória: o Sr. Obama terá coragem para enfrentar o ex-coronel da KGB no Kremlin?"

Será que perderam, de vez, as respectivas cabeça-de-ovo?

Parece roteiro do velho manual [de Análise Transacional] de Eric Berne, Os Jogos que as Pessoas Jogam, do “tipo” “lutem por mim, coitadinho de mim” [Orig. Let’s You and Him Fight]. [1]

O presidente da Rússia, Vladimir Putin chegando à Crimeia 

O que os EUA e seus paus-mandados na União Europeia têm de fazer é cuidar da própria vida e parar com essas ameaças patéticas.

Eles mesmos montaram a cena para o colapso da Ucrânia, ao tentar manobrar o governo como quisessem, financiando um movimento pró-Eurolândia, só para, na sequência, verem seus fantoches pagos (e caros), cederem tudo a uma gangue de neonazistas armados, cujo primeiro ato oficial foi banir do país todos os cidadãos falantes de russo, num país onde há milhões de falantes de russo.

Isso nada tem a ver, claro, com o fato de que a Ucrânia, até bem recentemente, foi estado do ex-império russo soviético.

O secretário de Estado John Kerry [caricatura] – um penteado à procura de um cérebro – vai a Kiev amanhã [04 mar], para fingir que os EUA estão interessadíssimos e preocupadíssimos com o destino da Ucrânia.

Dado que o comportamento dos EUA é tão visível e claramente hipócrita, resta uma perguntinha básica: quais os nossos motivos?

Não acho que sejam qualquer coisa além de ostentação internacional – baseada na ilusão de que teríamos o poder e o direito de controlar tudo no planeta, ilusão que, por sua vez, brota do sentimento no qual estamos todos mergulhados, de extrema insegurança, agora que quantidade enorme de más escolhas que fizemos, puseram a mesa para um banquete de consequências.

Os EUA não estão conseguindo sequer dar conta das próprias dificuldades.

Ignoramos nossa crise de energia, repetindo para nós mesmos o conto de fadas de que o combustível de xisto nos permitirá continuar a ir de carro até o WalMart mais próximo, para sempre.

Escondemos de nós mesmos toda a nossa degenerescência financeira e fazemos vista grossa ante os crimes dos criminosos financeiros.

A infraestrutura, nos EUA, está caindo aos pedaços.

Estamos construindo uma montanha de aparelhos de vigilância e controle social que faria esverdear de inveja no túmulo o Dr. Joseph Goebbels, enquanto consumimos nosso já esvaído capital social, em estúpidas batalhas sobre confusão “de gêneros”. 

Tropas russas e ucranianas ocuparam entradas e saídas da península da Crimeia

Os russos, por sua vez, têm integral direito de proteger seus próprios interesses junto à sua própria fronteira, de proteger a vida e as propriedades dos ucranianos falantes de russo (os quais, não faz muito tempo, eram cidadãos de uma Rússia maior), para desestimular atividades neonazistas no seu quintal, e, principalmente, para estabilizar uma região que tem história curta e pouca experiência de independência.

Eles também têm de enfrentar a bancarrota da Ucrânia, que talvez seja a principal causa dos atuais problemas. A Ucrânia deve muito à Rússia, mas também deve uma enormidade a uma vasta rede de bancos ocidentais.

Ainda não se sabe se o calote dessas obrigações, todas conectadas, pode levar a uma onda de contágio que atinja todo o sistema financeiro global. Falta só um floco de neve para levar a montanha à avalanche.

Bem-vindos todos à era dos estados falidos. Já há vários por todo o mundo, e mais haverá, com a escassez de recursos e de capitais fazendo cair todos os padrões de vida e baixar o horizonte de confiança.

O mundo não está andando na direção em que Tom Friedman e os globalistas supuseram que andaria.

Tudo que esteja organizado em escala gigante está hoje por um fio – e, de modo muito especial, os estados-nação.

Os EUA não são imunes a esse movimento, seja qual for a ilusão que alimentemos ainda sobre nós mesmos, hoje.

Nota dos tradutores
[1] Referência a Games people play, manual de Análise Transacional, de Eric Berne, dos anos 50. Um dos “jogos” que as pessoas jogam, segundo esse modelo é o de fazerem-se de “coitados” e estimular outros a lutar pela autodesignada “vítima”.
________________________

[*] James Howard Kunstler (nascido em 19 de outubro de 1948) é um autor americano, crítico social, orador público, e blogueiro. Ele é mais conhecido por seus livros The Geography of Nowhere (1994), uma história dos subúrbios americanos e desenvolvimento urbano, The Long Emergency (2005) e, mais recentemente, Too Much Magic (2012). Em The Long Emergency, ele argumenta que o declínio da produção de petróleo é provável que resulte no fim da sociedade industrializada como a conhecemos e forçar os americanos a viver em menor escala, comunidades localizadas, agrárias (ou semi-agrárias). Começando com World Made by Hand em 2008, Kunstler tem escrito uma série de romances de ficção científica conjecturando a cultura do futuro.Dá palestras sobre temas relacionados ao subúrbio, desenvolvimento urbano e os desafios do que ele chama de “The Global Oil Predicament” (O Fim da Era do Petróleo), e a mudança resultante no “American Way of Life”. Foi conferencista no American Institute of Architects, no National Trust for Historic Preservation, no International Council of Shopping Centers, na National Association of Science and Technology,, bem como em inúmeras Universidades, incluindo Yale, MIT, Harvard, Cornell, University of Illinois, DePaul, Texas A & M, West Point e Rutgers University.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/03/lute-por-mim-coitadinho-de-mim.html

domingo, 9 de março de 2014

Dia Internacional da Mulher Branca

06/03/2014 - por Zaíra Pires - extraído do blogue Blogueiras Negras

Mais um 8 de março se aproxima e recebemos aquela enxurrada de chorume em nossas existências femininas nos “homenageando” por sermos delicadas, amorosas, resilientes, submissas, mães, esposas, damas na sociedade e amantes ardentes entre quatro paredes.

Todo esse repentino amor tem hora pra começar e acabar, durando o tempo do mês de março, da semana do 8 ou só desse dia mesmo, de acordo com o tanto de baboseira que cada um consegue produzir.

Nesse sentido, as mulheres homenageadas são sempre as mesmas: brancas, jovens, magras, ocidentais, cristãs e cisgêneras.

E para não perder o costume, nós, as pretas neuróticas, recalcadas, mal amadas e que veem racismo em tudo, vamos direcionar nossa crítica destrutiva ao bode expiatório da vez: a [loja] Riachuelo e sua campanha pela Semana da Mulher Brasileira 2014 (leiam ironia nas minhas palavras, por favor).

http://www.youtube.com/watch?v=3GPFMI5WtFI



Como podemos ver no vídeo, a mulher brasileira padrão, essa do comercial, corresponde exatamente ao padrão médio da brasileira, afinal, somos majoritariamente brancas, loiras, com traços faciais finos e tão magras e altas como sílfides mitológicas. Uai, não somos?

E então que a presença negra no comercial é de uma mão que serve.

Um corpo sem cara, que não consome, não tem vontades, sequer existe, apenas serve.

Uma sombra semivivente que só se presta a apoiar a existência da sua senhora.

Sim, porque a mulher que deve ser homenageada na semana da mulher é aquela branca que trabalha fora, independente, bem resolvida, que limpa a casa, cuida dos filhos, serve ao seu marido e sempre está com as unhas feitas e a depilação em dia.

Essa é uma super mulher que consegue viver seus rompantes de modernidade sem deixar de lado suas obrigações femininas. 

Essa merece ser louvada e ganhar um desconto nas compras da semana por cumprir suas funções com tanto esmero.

A preta que sustenta a família com seu salário do subemprego, que enfrenta 5 horas de ônibus sujeita a abuso sexual, que vê seu filho ser morto pela polícia, que morre por complicações aborto inseguro, que está fadada ao serviço doméstico desde sempre como se isso fosse inerente à sua existência, que suporta as investidas sexuais do patrão e do filho do patrão para não perder o sustento dos seus, que é a principal vítima de negligência na saúde pública, que deixa seus filhos sozinhos em casa pra cuidar dos filhos da patroa branca, que é a maioria entre as trabalhadoras do sexo, que não completa os anos básicos de estudo porque precisa sair para trabalhar, que tem que se virar em quinze para viver e ainda manter o sorriso no rosto, essa não merece as homenagens desse dia.

Na verdade essa mulher é a serviçal que deve se alegrar por ter a honra de ver seus braços pretos aparecerem na televisão.

Afinal, o que a Riachuelo nos diz com esse filme, e o que muitas outras nos dirão nessa semana, é que mulher negra consumidora é paradoxo, e já que ela não existe, porque deveria ser representada numa propaganda?

Quem disse que preta tem dinheiro?

Quem disse que preta compra alguma coisa?

Quem disse que preta entende de publicidade?

Pois estamos aqui, consumidoras, pensadoras, cidadãs, formadoras de opinião, dizendo que esse comercial não nos representa. Durmam com esse barulho!

Fonte:
http://blogueirasnegras.org/2014/03/06/dia-internacional-da-mulher-branca/

Leis também:
- Domitila, uma mulher das minas bolivianas - Christina Iuppen - Moema Viezzer

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Quem disse que não há unidade civil e militar na Venezuela?

01/03/2014 - A unidade cívico-militar na Venezuela
- Por Beto Almeida (*) - blogue do Miro

"A revolução bolivariana é pacífica, pero armada"
(Hugo Chávez)

Há 25 anos, num 27 de fevereiro de 1989, o então presidente da Venezuela, Carlos Andrés Perez [foto], lançou um pacote neoliberal explosivo aumentando drasticamente o preço da gasolina e dos alimentos.

O povo de Caracas se rebela, sai às ruas, saqueia supermercados, lojas de roupas, açougues.

Perez dá ordens para o exército reprimir com vigor.

Centenas de cidadãos são mortos [foto abaixo].

O número exato ainda está por ser calculado, pois muitos foram enterrados em valas comuns ou atirados nos lixões da cidade.

Quando tive a oportunidade entrevistar o presidente Chávez, no Palácio de Miraflores, ele contou que estava em serviço e soube quando a ordem de reprimir foi dada e as tropas lançaram-se pelos bairros pobres, esmagando sem dó nem piedade a rebelião, conhecida com o nome de Caracazzo.

Chávez dizia que o Caracazzo foi o estopim, a alavanca, o encorajamento fundamental para que o movimento militar bolivariano, cuja construção liderava dentro dos quartéis de toda a nação, se decidira a agir.

Aquela repressão havia provocado nas fileiras progressistas e nacionalistas militares muito mais do que uma indignação.

47 segundos versus 10 anos
Quase três anos depois, em 4 de fevereiro de 1992, Chávez comandava uma insurreição militar que pretendia colocar um fim no governo neoliberal e corrupto de Andrés Peres e, com o apoio popular, convocar uma Assembleia Nacional Constituinte.

Do ponto de vista militar, a insurreição não foi vitoriosa. Dialeticamente, foi vitoriosa do ponto de vista político.

Hugo Chávez comandou a rendição para poupar vidas, entregou -se, e foi preso. Na prisão, transforma-se no homem mais popular da Venezuela.

O povo venezuelano identificou naqueles poucos segundos em que Chávez usou a cadeia de rádio e TV - exigência para a rendição [foto] - que aquele homem, meio negro e meio índio, era um dos seus, que falava sua língua, representava seus anseios largamente reprimidos.

Tanto assim que longas filas, diariamente, se formaram para visitar a Chávez na prisão. Gente proletária, sofrida, humilde, que tinha tido a objetividade histórica de compreender que ali estava preso o seu líder, enquanto os intelectuais pedantes discutiam, interminavelmente, se Chávez era um populista, um golpista, um autoritário ou um militaresco fascista.

Certa vez, em debate com um dirigente do Partido Comunista Espanhol, em Madrid, escutei-o dizer que só depois do golpe de 2002, ele tivera certeza de que Chávez era de esquerda.

Contra argumentando, assinalei que enquanto ele tinha levado 10 anos para entender a função história de Chávez, o povo venezuelano levara apenas 47 segundos para compreendê-lo, tempo exato daquela declaração do líder da insurreição bolivariana por cadeia para render-se, “por ahora”.

O Caracazzo pariu a Insurreição de 4 de Fevereiro de 1992.

Mas, é chocante observar, ainda hoje, a infinita hipocrisia dos meios de comunicação internacionais e dos governos que os controlam ou manipulam, diante da crise atual da Venezuela.

Quando o governo venezuelano de 1989 mandou reprimir e matou a rodo populares nas ruas de Caracas - Chávez insistia sempre que eram milhares os mortos - esta mídia que faz o maior estardalhaço sobre uma inexistente guerra civil na Venezuela hoje, na época, não fez nenhum escândalo diante da matança aos olhos de todos, nas ruas caraquenhas.

Tampouco os governos, como o dos Estados Unidos, que lançam cínicos comunicados de “preocupação com os direitos humanos na Venezuela”, na época, foram os patrocinadores do pacote neoliberal de Carlos Andrés Perez [foto], fizeram o mais criminoso silêncio.

O silêncio da cumplicidade com aquela matança.

Maldito seja...
O Caracazzo foi uma rebelião popular que levou a uma lição fundamental para os militares revolucionários que se organizavam em torno de Chávez, entre eles o Embaixador da Venezuela no Brasil, Almirante Diego Molero.

E a lição era a aplicação de uma das frases de Bolívar mais repetidas pelo próprio Chávez, linha de princípio do movimento que, depois de anos de preparação política doutrinária, preparava-se para agir: “Maldito seja o soldado que aponta seu fuzil contra seu próprio povo!

Porém, a linha doutrinária, programática, ia muito mais além.

Recuperava e atualizava o Simon Bolívar integracionista, reformador social, criando outra concepção para o papel dos militares: a integração latino-americana, a unidade cívico-militar e a sustentação pela via democrática, porém de armas nas mãos, do processo de mudanças em busca de justiça social.

Afinal, a Venezuela, um país tão rico, possuía 85 por cento de pobres e miseráveis, uma maioria de analfabetos, favelas desumanas por todos os lados, enquanto sua burguesia era conhecida por ser uma das maiores consumidoras de caviar e champanhe do mundo, perdendo apenas para burguesia francesa.

Hoje, 25 anos depois do Caracazzo, já podemos contabilizar os frutos da Revolução Bolivariana, mesmo assediada, atacada, sabotada, golpeada por mais de 15 anos.

O país de Bolívar não tem mais analfabetos, diz a Unesco. Diz a FAO que houve redução drástica da desnutrição e da fome no país.

Os trabalhadores já possuem uma lei trabalhista moderna e foram universalizados os direitos previdenciários.

Lá se paga um dos maiores salários mínimos da América Latina, comparativamente falando.

E, pela primeira vez na história do país, o petróleo, que enriqueceu por décadas uma camarilha insensível e corrupta, agora tem a sua receita aplicada na construção de moradias, de universidades bolivarianas, na sustentação do ensino público gratuito, na instalação de milhares de postos de saúde, com presença de mais 23 mil médicos cubanos, o que reduziu tremendamente a mortalidade infantil.

Claro que a Venezuela tem muitos outros desafios a superar, a começar pela economia rentista do petróleo, como disse hoje, em Brasília, o Chanceler Bolivariano, Elias Jaua [foto], bem como enfrentar a criminalidade, que, aliás, não é problema exclusivo venezuelano.

Ele informou sobre os focos de violência orquestrados por pequenos grupos de agentes provocadores, com apoio do exterior.

Enquanto a Venezuela possui 325 municípios, as ações violentas registraram-se em apenas 18 localidades de todo o país.

Reveladora é a informação de que os atos violentos ocorrem centralmente nos bairros mais ricos.

Mais reveladora ainda, da condição de classe desses jovens de famílias ricas que agem violentamente, é que optaram por queimar um caminhão do sistema Mercal, um sistema estatal de distribuição de alimentos a baixo custo.

Queimaram, mas não saquearam os alimentos.

Ou seja, o motivo não era a fome, mas apenas queimar, destruir.

Militares progressistas
As manifestações pacíficas são permitidas e a oposição, caso queira, pode recorrer ao instrumento da revogabilidade de mandatos, contido na Constituição Bolivariana, uma das mais avançadas do mundo, para tentar retirar Maduro pela vida legal.

Mas, se o objetivo é exigir, sem base nem fundamento, a renúncia do Presidente Nicolás Maduro [foto abaixo], e por meio de incêndios, instalação de linhas de nylon cortantes nas ruas dos bairros mais chiques, o que já provocou a degola de motociclistas, evidentemente, estes grupos vão se defrontar com aquilo que talvez seja uma das mais importantes obras de Chávez: a unidade cívico-militar. 

Os militares bolivarianos possuem outra consciência, enriquecida e temperada na experiência da Revolução dos Cravos, de Portugal, no governo antiimperailista de Velasco Alvarado, no Peru, no exemplo do governo socialista do capitão Thomas Sankara, o Che Guevara africano, de Burkina Fasso, experiências em que os militares atuaram sempre ao lado do povo, sustentando um processo revolucionário, transformador, como ferramenta estratégica.

Este é o eixo que dá suporte e mantém de pé a Revolução Bolivariana até hoje, enfrentando todas as ações de desestabilização emanadas pela Casa Branca, ecoadas pela mídia internacional.

Assim, é muito explicativo observar que a mídia brasileira, especialmente aquela que apoiou o golpe militar de 64 no Brasil, e, também, o golpe derrotado contra Chávez, em 2002, esteja agora tentando fazer crer que exista uma convulsão social na Venezuela.

E que ontem [27 fev], data dos 25 anos do Caracazzo que pariu a Revolução Bolivariana, nada tenha dito daquela rebelião, quando, apoiou não apenas o pacote de amargas medidas neoliberais, mas, também, a sangrenta matança que hoje está sendo apurada por uma espécie de comissão da verdade de lá.

(*) Beto Almeida é membro do diretório da Telesur

Fonte:
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2014/03/a-unidade-civico-militar-na-venezuela.html?spref=tw

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.