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segunda-feira, 10 de março de 2014

"Mãeie... bateram em mim..."

04/03/2014 - Lute por mim, coitadinho de mim...
- 3/3/2014 - James Howard Kunstler [*] do Blog Clusterfuck Nation “Let’s You and Him Fight” [1]
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Quer dizer então que, agora, estamos ameaçando iniciar a IIIª Guerra Mundial, porque a Rússia está tentando controlar o caos num estado falido junto às suas fronteiras – estado que os “nossos” doidos norte-americanos empurraram diretamente para o buraco?

A última vez que conferi, havia uma lista de países para onde, recentemente, os EUA enviaram soldados, navios armados, aviões armados, e por razões semelhantes às da Rússia na Crimeia: ex-Iugoslávia, Somália, Afeganistão, Iraque, Líbia, nenhum desses sequer próximos das fronteiras dos EUA.

Não me lembro de a Rússia ameaçar confrontações militares, por causa dessas aventuras tresloucadas dos EUA.

Os telefones da Casa Branca e dos gabinetes do Congresso têm de estar totalmente congestionados, tantos são os cidadãos norte-americanos furiosos, contra a postura de nossos representantes e governantes eleitos. 

Tem de haver multidões levantando cartazes na praça Farragut, para lembrar aos hóspedes da Avenida  Pennsylvania nº 1.400 o papel ridículo em que nos puseram.

Os fabricantes de guerras no The New York Times falavam como promotores da Federação Universal de Luta Livre. A matéria de primeira página, ontem [02 mar], dizia:

"A ocupação russa na Crimeia desafiou o Sr. Obama, mais que qualquer outra crise internacional. E, no olho do furacão, a mesma questão volta, obrigatória: o Sr. Obama terá coragem para enfrentar o ex-coronel da KGB no Kremlin?"

Será que perderam, de vez, as respectivas cabeça-de-ovo?

Parece roteiro do velho manual [de Análise Transacional] de Eric Berne, Os Jogos que as Pessoas Jogam, do “tipo” “lutem por mim, coitadinho de mim” [Orig. Let’s You and Him Fight]. [1]

O presidente da Rússia, Vladimir Putin chegando à Crimeia 

O que os EUA e seus paus-mandados na União Europeia têm de fazer é cuidar da própria vida e parar com essas ameaças patéticas.

Eles mesmos montaram a cena para o colapso da Ucrânia, ao tentar manobrar o governo como quisessem, financiando um movimento pró-Eurolândia, só para, na sequência, verem seus fantoches pagos (e caros), cederem tudo a uma gangue de neonazistas armados, cujo primeiro ato oficial foi banir do país todos os cidadãos falantes de russo, num país onde há milhões de falantes de russo.

Isso nada tem a ver, claro, com o fato de que a Ucrânia, até bem recentemente, foi estado do ex-império russo soviético.

O secretário de Estado John Kerry [caricatura] – um penteado à procura de um cérebro – vai a Kiev amanhã [04 mar], para fingir que os EUA estão interessadíssimos e preocupadíssimos com o destino da Ucrânia.

Dado que o comportamento dos EUA é tão visível e claramente hipócrita, resta uma perguntinha básica: quais os nossos motivos?

Não acho que sejam qualquer coisa além de ostentação internacional – baseada na ilusão de que teríamos o poder e o direito de controlar tudo no planeta, ilusão que, por sua vez, brota do sentimento no qual estamos todos mergulhados, de extrema insegurança, agora que quantidade enorme de más escolhas que fizemos, puseram a mesa para um banquete de consequências.

Os EUA não estão conseguindo sequer dar conta das próprias dificuldades.

Ignoramos nossa crise de energia, repetindo para nós mesmos o conto de fadas de que o combustível de xisto nos permitirá continuar a ir de carro até o WalMart mais próximo, para sempre.

Escondemos de nós mesmos toda a nossa degenerescência financeira e fazemos vista grossa ante os crimes dos criminosos financeiros.

A infraestrutura, nos EUA, está caindo aos pedaços.

Estamos construindo uma montanha de aparelhos de vigilância e controle social que faria esverdear de inveja no túmulo o Dr. Joseph Goebbels, enquanto consumimos nosso já esvaído capital social, em estúpidas batalhas sobre confusão “de gêneros”. 

Tropas russas e ucranianas ocuparam entradas e saídas da península da Crimeia

Os russos, por sua vez, têm integral direito de proteger seus próprios interesses junto à sua própria fronteira, de proteger a vida e as propriedades dos ucranianos falantes de russo (os quais, não faz muito tempo, eram cidadãos de uma Rússia maior), para desestimular atividades neonazistas no seu quintal, e, principalmente, para estabilizar uma região que tem história curta e pouca experiência de independência.

Eles também têm de enfrentar a bancarrota da Ucrânia, que talvez seja a principal causa dos atuais problemas. A Ucrânia deve muito à Rússia, mas também deve uma enormidade a uma vasta rede de bancos ocidentais.

Ainda não se sabe se o calote dessas obrigações, todas conectadas, pode levar a uma onda de contágio que atinja todo o sistema financeiro global. Falta só um floco de neve para levar a montanha à avalanche.

Bem-vindos todos à era dos estados falidos. Já há vários por todo o mundo, e mais haverá, com a escassez de recursos e de capitais fazendo cair todos os padrões de vida e baixar o horizonte de confiança.

O mundo não está andando na direção em que Tom Friedman e os globalistas supuseram que andaria.

Tudo que esteja organizado em escala gigante está hoje por um fio – e, de modo muito especial, os estados-nação.

Os EUA não são imunes a esse movimento, seja qual for a ilusão que alimentemos ainda sobre nós mesmos, hoje.

Nota dos tradutores
[1] Referência a Games people play, manual de Análise Transacional, de Eric Berne, dos anos 50. Um dos “jogos” que as pessoas jogam, segundo esse modelo é o de fazerem-se de “coitados” e estimular outros a lutar pela autodesignada “vítima”.
________________________

[*] James Howard Kunstler (nascido em 19 de outubro de 1948) é um autor americano, crítico social, orador público, e blogueiro. Ele é mais conhecido por seus livros The Geography of Nowhere (1994), uma história dos subúrbios americanos e desenvolvimento urbano, The Long Emergency (2005) e, mais recentemente, Too Much Magic (2012). Em The Long Emergency, ele argumenta que o declínio da produção de petróleo é provável que resulte no fim da sociedade industrializada como a conhecemos e forçar os americanos a viver em menor escala, comunidades localizadas, agrárias (ou semi-agrárias). Começando com World Made by Hand em 2008, Kunstler tem escrito uma série de romances de ficção científica conjecturando a cultura do futuro.Dá palestras sobre temas relacionados ao subúrbio, desenvolvimento urbano e os desafios do que ele chama de “The Global Oil Predicament” (O Fim da Era do Petróleo), e a mudança resultante no “American Way of Life”. Foi conferencista no American Institute of Architects, no National Trust for Historic Preservation, no International Council of Shopping Centers, na National Association of Science and Technology,, bem como em inúmeras Universidades, incluindo Yale, MIT, Harvard, Cornell, University of Illinois, DePaul, Texas A & M, West Point e Rutgers University.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/03/lute-por-mim-coitadinho-de-mim.html

quinta-feira, 6 de março de 2014

A Rússia já está na lista

28/02/2014 - O que a Ucrânia já mostrou: a Rússia, na lista de Washington para “mudança de regime
- Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu

Joe Biden (E) e Viktor Yanukovich (D) (Em 2009 a "cama" de Yanukovich já estava feita...)

Dias antes de o presidente ucraniano Viktor Yanukovitch ser expulso do governo, ele foi informado pelo vice-presidente dos EUA, Joe Biden, de que era “fim de jogo”.

Segundo o The Guardian britânico, que cita funcionários não identificados dos EUA, Biden recriminou o presidente ucraniano, durante telefonema que durou uma hora, pelo fracasso de seus esforços para encontrar solução negociada para a crise ucraniana, os quais teriam chegado com “um dia de atraso, e incompletos”.

Não se pode dizer que tenha sido comentário amigável de observador neutro.

Desde o fim de semana passado, Yanukovich desapareceu de circulação, com notícias de que estaria em algum ponto da Península da Crimeia, no sudeste da Ucrânia.

Um ex-chefe de gabinete, Andriy Kluyev, foi ferido em ataque a tiros, por “manifestantes” antigoverno. Outros membros do Partido das Regiões de Yanukovych também fugiram dos gabinetes no Parlamento, temendo ataques similares; o que deixou a Câmara legislativa entregue a bandos da oposição. 

Esse parlamento ilegítimo rapidamente aprovou acusações formais contra o ex-presidente e altos funcionários do governo, como responsáveis pelas dúzias de mortos durante os três meses de tumultos e protestos.

Kiev transformada em terra sem lei pelos nazi-fascistas

O clima de terra sem lei governado por gangues que já se implantou em Kiev espalhou-se para outras partes do país, com as comunidades pró-Rússia, sobretudo, já temendo guerra civil em toda essa ex-República Soviética. Esse clima de medo é reflexo do golpe de estado construído e lançado contra presidente eleito e seu governo.

A chegada essa semana do vice-secretário de Estado dos EUA Williams Burns à capital da Ucrânia, “para discutir com figuras políticas e empresariais” o futuro do país é mais uma evidência de que todo o golpe de estado foi evento patrocinado e promovido por Washington.

Por que mais o vice-presidente dos EUA, Joe Biden tanto se interessaria pelos assuntos internos da Ucrânia a ponto de telefonar várias vezes da Casa Branca ao infeliz Yanukovich, nas últimas semanas?

Essa interferência criminosa nada “encoberta” dos EUA, em estado soberano, já não surpreende ninguém.

Manifestantes nazi-fascistas portando bandeiras da União Europeia combatem em Kiev

O secretário de Estado dos EUA John Kerry e outros líderes ocidentais a repetirem que a Ucrânia não seria “batalha entre o Leste e o Oeste é, no mínimo absurdo risível, sempre devidamente regurgitado servilmente pela chamada imprensa de notícias ocidental, para consumo popular.

A Ucrânia já estava na lista de “mudança de regime” desde o início dos anos 1990s, quando o país foi atacado pela primeira vez por Zbigniew Brzezinski e outros “estrategistas” do império norte-americano, como área desprotegida, um baixo ventre vulnerável, para desestabilizar a Rússia.

A “revolução laranja” patrocinada pelo ocidente, de meados dos anos 2000s, e que abriu a Ucrânia para ser saqueada pelo capital ocidental, já se deixa ver hoje, bem claramente, como um ensaio geral para a operação de golpe para “mudança de regime” que hoje se vê em curso.

De fato, a Ucrânia já pode ser acrescentada ao conhecido inventário de países alvos de golpes para “mudança de regime” que foi revelado em 2007 por Wesley Clark, general norte-americano de quatro estrelas.

Há quase sete anos, Wesley Clark foi a público e contou como Washington tinha um plano em andamento, no mínimo desde o final de 2001, quando o país invadiu o Afeganistão, e que incluía a ambição de “mudar o regime” em outros seis países – Iraque, Síria, Líbano, Somália, Sudão e Irã.

Todos esses países sofreram, em maior ou menor grau, a agressão por operação militar clandestina liderada por Washington, a mais intensa das quais se vê hoje na Síria, onde EUA e aliados financiam e armam uma insurgência estrangeira infiltrada ali.

Além dos conhecidos já sete alvos (incluindo o Afeganistão), eventos recentemente orquestrados na Ucrânia e provas de evidente intervenção ocidental também fazem desse país mais um item na agenda de governos a derrubar, de Washington.

Além do mais, é cada dia mais visível que não só a Ucrânia é alvo dos intentos criminosos.

Grupos pagos pelos EUA provocam agitação e violência na Venezuela

A violência das manifestações de rua na Venezuela para desestabilizar o governo do presidente socialista Nicolás Maduro são, sem dúvida possível, também maquinações da interferência de Washington também na Venezuela. 

E a subversão de hoje faz lembrar a tentativa de golpe, também apoiada pelos EUA, contra o ex-presidente Hugo Chávez em 2002.

Em anos recentes, Washington também esteve ativa em golpes para “mudança de regime” ou tentativa de golpe em Honduras e no Uruguai, e foi cúmplice da intervenção militar ilegal da França em vários pontos da África, incluindo Costa do Marfim, Mali e atualmente na República Centro-Africana.

Golpes para “mudança de regime” são procedimento operacional padrão para Washington e seus procuradores. Não é alguma aberração irracional: é movimento estrutural.

Na longa perspectiva histórica que vai até o surgimento dos EUA como potência imperial entre meados e o final dos anos 1800s, Washington já esteve envolvida em mais golpes, contragolpes, guerras de subterfúgio e agressões por todo o planeta, que qualquer outro estado.

Apesar das aparentemente sinceras declarações de que não há intervenção do ocidente na Ucrânia, o único modo de compreender o torvelinho que tomou conta daquele país é analisá-lo no contexto das ambições imperialistas de Washington, em nome do capitalismo ocidental.

Essa agenda é, infelizmente, seguida por sucessivos governos europeus, que demonstram suas prioridades políticas subscrevendo o diktat do capitalismo liderado pelos EUA na direção de “austeridade” econômica contra seus próprios cidadãos, e garantindo carta branca a Washington para que viole o quanto queira a lei internacional.

A verdade sistêmica é que o capitalismo não pode ser sustentado sem a conquista imperialista.

É especialmente verdade em tempos de crise do capitalismo, e a atual conjuntura é, provavelmente, a mais profunda crise histórica surgida ante a viabilidade do capitalismo liderado pelos EUA.

O imperialismo, com sua proclividade para a intervenção em países estrangeiros, a subversão e a indução a sempre mais guerras está, portanto, hoje no seu ponto mais agudo de necessidade de manifestar-se, para aliviar a estagnada ordem econômica liderada pelos EUA.

E é isso que torna a atual situação global tão perturbadoramente perigosa. 

Essa conexão estrutural entre o capitalismo e o imperialismo foi exposta, em toda a sua cogência, em 1916, por um líder russo bolchevique, Vladimir Lênin [foto, em 1918], em seu estudo O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo.[1]

As intuições de Lênin relacionadas às causas econômicas e sistêmicas da Iª Guerra Mundial resistiram ao teste do tempo, por mais que tenham sido censuradas e excluídas da consciência ocidental “oficial”.

Aquelas intuições de como as crises do capitalismo alimentam a predação imperialista aplicam-se, igualmente precisas e cogentes também para explicar as origens da IIª Guerra Mundial e de muitos outros conflitos internacionais subsequentes, inclusive o surto atual de golpes para “mudança de regime” patrocinado pelos EUA em diferentes continentes.

A análise de Lênin dá conta do motivo pelo qual Washington escalou no seu vício de provocar golpes de “mudança de regime” por todo o planeta ao longo da última década, a partir do momento em que a ordem capitalista comandada pelos EUA viu-se encurralada numa depressão que já parece insuperável.

Como em outras vezes, a guerra e o assalto imperialista são o único modo que o sistema conhece para aliviar sua própria tendência destrutiva, gerando impasses.

Não surpreende, portanto, ironicamente, que um dos primeiros atos dos manifestantes fascistas patrocinados pelo ocidente em Kiev, ainda no final do ano passado, tenha sido destruir monumentos que homenageavam Lênin.

O que se passa hoje na Ucrânia está afinado com a dinâmica histórica maior que os EUA e seus fantoches ocidentais aprofundaram, em seu ímpeto imperialista – por todo o planeta.

Em última instância, os alvos dos capitalistas ocidentais são os dois principais rivais geopolíticos, como os capitalistas ocidentais os veem: Rússia e China. Esses países são obstáculos no caminho do expansionismo doentio dos capitais ocidentais na Eurásia e no Pacífico.

Nesse sentido, desgraçadamente, a Ucrânia deve ser vista como mera cabeça-de-ponte para os planos de golpe e “mudança de regime”, dos EUA, contra a própria Rússia.

Com a ascensão do presidente Vladimir Putin [foto] da Rússia como líder global, que se tem oposto à agressão nua e crua pelo ocidente a outros países (hoje, declaradamente, no caso da Síria), aquela “obstrução” elevou a Rússia à posição de objetivo prioritário, para Washington.

É o que se vê nas repetidas ameaças de escalada militarista dos EUA contra a Rússia (e a China), sob a forma de implantação de mísseis balísticos junto às fronteiras, expansão do armamento nuclear (eufemisticamente chamado “upgrade”) e a velada doutrina da capacidade para “o primeiro ataque”.

A Ucrânia ilustra um desdobramento aterrorizante de uma tendência que se vem desenvolvendo no imperialismo norte-americano ao longo da última década. A cada dia que passa, mais se vê claramente qual o trunfo a que visam as várias operações clandestinas conduzidas pelos EUA, para mudança de regime no mundo: Moscou.

Paramilitares neonazistas agridem forças antitumulto em Kiev

Mas, na verdade, não é simples caso de os EUA retomarem a velha Guerra Fria pós-1945 contra a Rússia. A guerra capitalista global comandada pelos EUA contra a Rússia tem passado mais longo: vai até à Revolução de Outubro de 1917. O massacre da Rússia Soviética pela Alemanha Nazista foi plano ocidental para subjugar um vasto território que se posicionara fora do controle do capitalismo ocidental. (O que é assunto para outra coluna).

Os paramilitares neonazistas que o ocidente mobilizou para desestabilizar a Ucrânia (e a Rússia) hoje trazem ecos de uma agenda velha, sistemática, de golpes para “mudança de regime”, do ocidente imperialista contra o oriente, e por toda a parte.

Nada há de anômalo na associação entre a classe capitalista dominante e a bandidagem fascista, hoje. Essa é uma associação histórica.

Nota dos tradutores
[1] LÊNIN, Vladimir Ilitch [jan.-jun. de 1916], O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, in LÊNIN, Obras Escolhidas, tomo 2, Lisboa-Moscou: Editorial Avante!/Edições Progresso, 1984.
___________________________

[*] Finian Cunningham nasceu em Belfast, Irlanda do Norte, em 1963. Especialista em política internacional. Autor de artigos para várias publicações e comentarista de mídia. Recentemente foi expulso do Bahrain (em 6/2011) por seu jornalismo crítico no qual destacou as violações dos direitos humanos por parte do regime barahini apoiado pelo Ocidente.
É pós-graduado com mestrado em Química Agrícola e trabalhou como editor científico da Royal Society of Chemistry, Cambridge, Inglaterra, antes de seguir carreira no jornalismo. Também é músico e compositor. Por muitos anos, trabalhou como editor e articulista nos meios de comunicação tradicionais, incluindo os jornais Irish Times e The Independent. Atualmente está baseado na África Oriental, onde escreve um livro sobre o Bahrain e a Primavera Árabe.

Fonte:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/02/o-que-ucrania-ja-mostrou-russia-na.html

segunda-feira, 3 de março de 2014

A luta é com palavras..., como sempre foi

21/02/2014 - Ucrânia e Venezuela: lutar com palavras
- por Rodrigo Vianna - Escrevinhador

Lutar com palavras é a luta mais vã. No entanto lutamos, mal rompe a manhã.” (Drummond)

Não se trata de poesia. Mas de política.

A edição da “Folha” desta sexta-feira [21 fev] é mais uma demonstração de que a batalha nas ruas de Kiev ou Caracas não é feita só de coquetéis molotov, bombas e fuzis.

A batalha se dá na mídia, na TV, na internet, nas páginas envelhecidas dos jornais. São Paulo, Caracas, Kiev, Moscou e Washington. A batalha é uma só.

Reparemos bem.

Ao lado, temos a primeira página do jornal conservador paulistano – o mesmo que apoiou o golpe de 64 e emprestou seus carros para transporte de presos durante a ditadura militar.

Na capa da “Folha”, ucranianos escalam uma montanha de entulho no centro de Kiev, e a legenda avisa:

Manifestantes antigoverno usam pneus e entulho para montar barricadas…”

Logo abaixo, uma chamada sobre reintegração de posse em São Paulo:

Em SP, invasores destroem imóveis do Minha Casa”. Numa página interna, o jornal informa que esse “invasores resistiram e, até a noite, praticavam atos de vandalismo”. (página C-1)

Ucranianos não praticam “vandalismo”. São tratados de forma heroica.

Ainda que se saiba que parte dos manifestantes em Kiev tem um discurso racista, próximo do nazismo [foto].

Brasileiros são “vândalos”. Ucranianos são “manifestantes”.

Mas sigamos adiante.

Nas páginas internas, a “Folha” traz vários textos do enviado especial a Kiev. 

Num deles, o repórter mostra uma pequena fábrica para produção de coquetéis Molotov, dentro do Metrô de Kiev.

O cidadão que produz as bombas é descrito assim: 

Sem afiliação a partidos ou uma proposta ideológica clara, o cidadão diz ter sido atraído pela praça e pelas manifestações a partir da ideia de que é necessário mudar o sistema político na Ucrânia.” 

Mudar o sistema político. Hum. Não fica claro se o cidadão quer uma ditadura.

A Ucrânia não é uma democracia? O governo não foi eleito pela maioria? 

Hum… “Sem afiliação a partidos” – essa parece ser a chave para legitimar tudo nos dias que correm. A CIA, os EUA, a CNN, a Folha não tem filiação a partidos. Não. Nem o nobre manifestante de Kiev.

Ao lado da reportagem sobre os molotov, um texto opinativo assinado por Igor Gielow (sobrenome “eslavo”, muito bom! Isso dá credibilidade ao comentário). [foto]

Basicamente, Gielow diz que a crise na Ucrânia é “reflexo da estratégia de Putin para a região”.

Ele não está errado. Pena que esqueça de contar uma parte da história.

O importante não é o que eu publico, mas o que deixo de publicar”, dizia Roberto Marinho.

Gielow e a “Folha” ensinam: Putin [foto abaixo] é um líder malvado, que pretende manter na Ucrânia “a esfera de poder dos tempos imperiais e soviéticos”.

Aprendam: só a Rússia tem interesses imperiais na Ucrânia.

Do outro lado, há cidadãos sem afiliação partidária, lutando contra um insano governo pró-Moscou.

Os EUA e a Europa não têm interesses na Ucrânia. Só Putin. A culpa é dos russos.

Na “Folha” luta-se com as palavras muito antes da manhã começar. Luta-se com as palavras em Kiev, em São Paulo, Moscou. Washington fica invisível. E toda a estratégia passa por aí.

O poder imperial só existe por parte da Rússia. Washington não tem qualquer projeto imperial: nem na Ucrânia, nem na Síria, nem tampouco na América Latina…

Falando nisso, a cobertura sobre a Venezuela é também grandiosa no diário da família Frias.

Declarações de Maduro aparecem entre aspas. Velho truque jornalistico para desqualificar, colocar no gueto da suspeição, qualquer fala dos chavistas.

Segundo a Folha, o governo de Maduro afirma que o movimento (golpista? Isso a Folha não diz) é uma armação de “forças de ultradireita da Venezuela e de Miami”.

No texto original a expressão está assim, entre aspas. Por que? Para dar a impressão de que Maduro é um lunático, e que não há forças de ultradireita lutando nas ruas. Não. Há só “estudantes” e “manifestantes” (e agora sou eu que coloco entre aspas).

A legenda da foto ao lado (também publicada pelo jornal conservador paulistano) diz:

Estudantes queimam lixo em atos contra Nicolás Maduro”. 

Primeiro, como se sabe que o sujeito é um “estudante”

Depois, reparem que queimar lixo na Venezuela é “ato contra Maduro“. 

Queimar prédios em desapropriação, em São Paulo, vira “vandalismo”.

Em Caracas não há “vândalos”.

Ao lado da foto, um texto assinado por repórter (que está em São Paulo!!!) narra roubo de equipamento da CNN em Caracas: “o ataque à CNN se assemelha a inúmeros relatos de motociclistas intimidando manifestantes, com tolerância e até respaldo das forças de segurança do governo”.

O roubo ocorreu em manifestação da oposição. Mas o roubo certamente é coisa dos chavistas. Claro.

Nem é preciso ir até Caracas pra saber (registro a bem da verdade factual que o repórter - a quem conheço, ótima pessoa – foi correspondente em Caracas).

No mesmo texto (assinado, de São Paulo) os grupos que defendem o governo são chamados de “milícias”. Ok.

Já estive em Caracas cinco ou seis vezes. E há grupos chavistas que se assemelham mesmo a milícias. Mas do lado da oposição há o que? Não há milícias? A turma de Leopoldo, que deu golpe em 2002, é formada por cidadãos inocentes. E só.

Quem lê a “Folha” aprende que, em Caracas, há de um lado “milícias chavistas”. De outro, só “estudantes” e “manifestantes”. 

 Não há neutralidade no uso das palavras. Nunca houve. Nunca haverá.

E quanto mais agudas as crises, mais isso fica claro. Há escolhas. A “Folha” faz as suas. A CNN, a Telesur, a VTV – ou esse blogueiro. A diferença é que uns assumem que têm lado. Outros fingem que estão “a serviço do Brasil”.  

Lutemos, com as palavras. Não há saída. O outro lado luta todos os dias, todas horas.

“Palavra, palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate” (Drummond)

Fonte:
http://www.rodrigovianna.com.br/vasto-mundo/ucrania-e-venezuela-lutar-com-palavras.html

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Uma nova economia ou guetos de excluídos?

05/02/2014 - Ao final, uma nova economia ou guetos de excluídos? Uma visão recente dos EUA
Christopher - em seu blog Nova Economia

Divido com o leitor impressões que tive dos EUA durante recente temporada na costa leste, em especial, contatos com organizações envolvidas com a Nova Economia, práticas em larga escala e claramente opostas ao que se pode imaginar para um futuro viável para a humanidade e a visão majoritária de que a economia americana reencontrou seu caminho para o crescimento e que isto, se for verdade, é o desejável.

Vou começar por uma das práticas.

Carros novíssimos por toda a parte. Mesmo com a gasolina a US 3,70 o galão, ficou evidente que voltou a se impor a preferência por carros grandes, enormes aliás. Os SUV, camionetes utilitárias, voltaram a ser o desejo máximo de consumo.

Estradas, pontes e ruas conservadas e ampliadas recentemente, certamente resultado do programa de incentivo à renovação da infraestrutura e parte do programa econômico que inclui também o funesto afrouxamento monetário.

Evidentemente, como não poderia deixar de ser, engarrafamentos de cada vez maior duração e em horários inesperados. Além da poluição e inúmeros outros maléficos da “civilização do automóvel”.

Huston – temos um problema

Um não, vários, e que indicam que os EUA estão afastando ainda mais as possibilidades de preservação ambiental, redução das desigualdades e maior bem estar. Não que não tenha outros aspectos dos mais interessantes, é claro. Só para citar dois, museus e parques florestais em seu conjunto, inigualáveis.

Bem, continuando esse breve relato me atenho hoje à abundância e desperdício de comida. 

Supermercados gigantescos oferecendo produtos frescos, processados e também preparados para servir na hora. Sinal, é claro, que a demanda é enorme.

A questão, evidentemente, é a das consequências, em especial a obesidade que se espalha pela população e gera maior demanda por atendimento médico e menor qualidade de vida, e o desperdício nas três formas de oferta citadas.

O melhor exemplo disto é a prática do “all you can eat”.

Por US 9,00 você pode comer à vontade, inclusive sobremesas, dentre elas, uma cascata de chocolate. E para os seniores (acima de 65 anos), uma bela surpresa, o preço baixa para US 7,00. Um exemplo é o Wood Grill Buffet onde, ainda por cima, a qualidade é bem razoável.

No centro das práticas insustentáveis e facilmente observável está o consumismo desenfreado. A febre por carros novos e a ânsia por comida, práticas aqui mencionadas, são apenas facetas deste mal maior.

Vá a um dos inúmeros shopping centers, ou, melhor ainda, outlets, nos subúrbios e você verá moradores de origem latina e asiática, principalmente, comprando vorazmente aproveitando os preços “baixos” para terem produtos que passam a ser indispensáveis.

E, nas grandes cidades, massa de consumidores também latinos e asiáticos além dos do próprio 

EUA ocupando as ruas e lojas na procura pelas melhores ofertas.

Este ano, a famosa “black Friday” [Sexta-feira Negra] foi antecipada para o próprio “thanks giving day” [Dia de Ação de Graças] que ocorre no dia anterior e é (ou era) uma celebração das mais tradicionais no país.

E lá se vão os salários e ganhos da população obtidos em atividades desvalorizadas e ligadas cada vez mais ao setor de serviços (saúde, vendas, telemarketing, etc.).

Entre os inúmeros males que gera, além do descarte de embalagens e de produtos em uso, a irônica piora na qualidade de vida dos que participam desta “roda viva”.

A grande mídia e os economistas ortodoxos dizem, ainda com alguma insegurança, que a economia americana está se recuperando da grande recessão.

Além de citarem a proverbial capacidade empreendedora americana, três fatores principais impulsionam a convicção.

A liderança tecnológica, em especial a refletida na indústria e serviços ligados aos celulares, tablets e notebooks, estaria sendo responsável por inúmeras iniciativas, em particular as relacionadas a aplicações para tais equipamentos.

A geração de gás e petróleo através do fraturamento hidráulico da camada de xisto e que reduziu drasticamente o custo do gás e o torna substituto do carvão na geração de energia. As dificuldades e riscos neste tipo de extração e o rápido declínio na capacidade de produção dos poços são simplesmente ignorados.

E, o carro elétrico, que agora está sendo produzido em série, já tem autonomia de 300 milhas e um tempo de recarga de cerca de uma hora, mostra, se for viável reduzir o seu custo, o caminho para uma possível transição de fontes de energia.

É claro, tentando inviavelmente perpetuar a “civilização do automóvel” e o modelo de crescimento econômico que gira em torno dele.

Mantive contato com duas das principais organizações que lutam por uma Nova Economia, a New Economy Coalition (NEC) e o New Economy Working Group.

Ambas, assim como a imensa maioria das organizações do gênero, arrecadam doações de um lado e contratam colaboradores de outro. Ou seja, reproduzem, mesmo sem ter finalidade lucrativa, o modelo de negócios reinante.

Além disto, têm como alvo de sua ação, a mudança de comportamento das pessoas pela informação e convencimento e que se desdobra na mobilização em torno de experiências localizadas, tais como cooperativas, valorização da produção local, consumo consciente e atividades similares.

E, com isto, imaginam uma gradual transição de hábitos e práticas na direção preconizada pela Nova Economia ou por propostas similares como a adoção de uma economia em “steady state” [estacionária], o degrowth” [decrescimento] do sistema produtivo e outras.

E, no fundo, contam ainda, como grande esperança, com o acirramento da crise e com ele a pressão pela mudança.

A NEC tem uma ação um pouco mais voltada para a transformação via movimentos sociais, mas o faz através da contratação de “lideranças”.

Não que doações não sejam uma forma válida de cobrir despesas, nem que a crise tenha se esgotado, muito pelo contrário.

Mas, a ação de tais organizações não pode, de forma alguma, deixar de estar centrada no trabalho voluntário, o que garante a sua vitalidade e inserção na realidade que pretende mudar. 

O Greenpeace, o Médico sem fronteiras e a Anistia Internacional são excelentes exemplos de atuação, a meu ver, corretas. Além dos movimentos políticos e sociais, é claro.

E a grande recessão, que parece estar entrando numa nova fase, também global, e ainda mais aguda, atingindo mais fortemente os países emergentes e em seguida a economia global, numa demonstração cabal das consequências danosas das iniciativas de contenção da crise tomadas pelos EUA e Europa utilizando-se principalmente do afrouxamento monetário para salvar os bancos e financiar obras de infraestrutura, não é garantia de mudança na direção correta.

O fato é que a realidade vai, a meu ver e como procurei mostrar aqui, em outra direção.

Na prática, as iniciativas pela mudança em prol da preservação ambiental, redução da desigualdade e maior bem estar não estão conseguindo se afirmar como movimentos de massa e estão se enfraquecendo.

O que salienta a possibilidade de guetos de excluídos, separando populações de uma mesma nação e mesmo, nações inteiras, mantidas sob o jugo da força.

Ocorre que esta possibilidade se choca com o sistema econômico vigente que precisa crescer continuamente e expandir seus mercados.

O que prenuncia o aumento de conflitos, crises econômicas e desastres ambientais, antes que uma nova ordem econômica, na melhor das hipóteses, se imponha. A ver.

Links das postagens componentes do texto:
- O impensável se impõe 
- “Huston – temos um problema” 
- “O olho do furacão”
- “Encontraram a solução
- Uma Nova Economia ou, então, guetos de excluídos 

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

O fim de uma era

10/01/2014 - O final de uma era vai chegando. Que mundo será o novo?
- Fernando Brito - Tijolaço

As eras históricas, que se mediam em milênios, depois em séculos, vão se tornando cada vez mais curtas, encolhimento que provém do desenvolvimento produtivo-tecnológico do ser humano, que vai miniaturizando o mundo.

Aconteceu algo hoje [10/01/2014] que, embora todos o esperassem, é um marco nesta mudança global.

A China tomou o lugar de maior potência comercial do planeta dos Estados Unidos, que o haviam roubado da Inglaterra no início do século passado.

Ano passado haviam empatado, com ambos com 3,8 trilhões de dólares em importações e importações, somadas.

Este ano, com crescimento de mais de 7% e quase 4,2 trilhões de dólares, abriu folga para os EUA, que devem ficar estagnados em valor.

O Brasil anda pouco acima da vigésima posição nesse ranking, ainda.

Beiramos o meio trilhão de dólares, com valor semelhante de entrada e saída de mercadorias.

Tornar-se o maior centro do fluxo comercial não faz da China a maior potência econômica do mundo.

Seu PIB é ainda perto de 20% menor que o dos EUA e, no PIB per capita, com sua população gigantesca, menor que o do Brasil.

Mas é como dizia o telefonista de um jornal que se acabava, aqui no Rio quando lhe perguntavam: alô, é da Gazeta?
E ele respondia: por enquanto...

Dependendo do critério (paridade de poder de compra ou conversão cambial direta) o PIB chinês superará o dos EUA um pouco antes ou um pouco depois de 2020.

Um estudo, do ano passado, da consultoria PWC, fusão da Price Waterhouse e Coopers & Lybrand inglesas , mostra que em 2050 já será a vez da Índia, outro gigante asiático, deixar para trás os EUA.

O Brasil, segundo este estudo, terá passado o Japão e se tornado a quarta economia mundial.

Os tigres asiáticos serão outros, porque é preciso tamanho territorial e populacional para ocupar a posição de maiores numa economia que, com todos os seus males, caminha no sentido do distributivismo.

Este é o mundo novo que vai se afirmando, para o qual nossas elites não têm olhos – e nem antevisão.

Os chineses mandam os seus jovens estudarem português, aos milhares, para se prepararem para o relacionamento comercial com o Brasil e a África portuguesa.

Aqui, o mandarim ainda é “folclore”.

Julgam que o centro mundial do comércio é em Miami e que os chineses colocaram uma nave na Lua porque são bons em fogos de artifício.

E se acham…

Nós temos é de olhar esse mundo novo e melhorar nossa inserção nos negócios mundiais.

E escolher se vamos ser parceiros de quem cresce ou vassalos de quem obsolesce.

Fonte:
http://tijolaco.com.br/blog/?p=12433

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

A desigualdade que se acentua nos EUA

01/01/2014 - A desigualdade nos EUA
- Paul Krugman no The New York Times - Carta Capital

Aumento da disparidade de renda fez mais que a recessão para deprimir os ganhos da classe média

Demorou um tempo incrivelmente longo, mas a desigualdade finalmente está surgindo como uma questão unificadora significativa para os progressistas nos Estados Unidos – incluindo o presidente.

E também há, inevitavelmente, uma reação, ou na verdade algumas reações.

Uma delas vem de grupos como a organização Terceira Via.

Josh Marshall [foto], editor de Talking Points Memo [TPM], caracterizou essa posição em um artigo recente:

Ela capta muito do que se trata a ‘Terceira Via’: uma espécie de retrocesso fossilizado a um período do fim do século XX em que havia um mercado para grupos que tentavam puxar os democratas ‘de volta para o centro e para longe do extremismo ideológico’, em uma era em que os democratas são o partido, razoavelmente, não ideológico e têm um histórico bastante decente de ganhar eleições nas quais a maioria das pessoas vota”.

Mas também há uma reação intelectual, com pessoas como o colunista Ezra Klein [foto], do Washington Post afirmando que a desigualdade, embora seja uma questão importante, não pode ser descrita como “o desafio definidor de nosso tempo”.

Isso, por sua vez, enfurece outros comentaristas.

Bem, eu não estou furioso, mas argumentaria que Klein entendeu errado.

A tese de que a desigualdade é um desafio importante e realmente definidor – e algo que deveria estar no centro das preocupações progressistas – repousa em diversos pilares.

Vistas juntas, as razões para se concentrar na desigualdade são extremamente convincentes, mesmo que você seja cético sobre determinados argumentos.

Deixe-me defender quatro pontos.

Primeiro, em puros termos quantitativos, o aumento da desigualdade é o que o vice-presidente Joe Biden chamaria de Grande Alguma Coisa.

Os dados referentes à distribuição de renda mostram que a parcela dos 90% na camada inferior de renda, excluindo ganhos de capital, caiu de 54,7%, em 2000, para 50,4%, em 2012.

Isso significa que a renda dos 90% na camada inferior é cerca de 8% menor do que teria sido se a desigualdade tivesse se mantido estável.

Enquanto isso, as estimativas da lacuna de produção – à medida que nossa economia está operando abaixo da capacidade – geralmente são inferiores a 6%.

Assim, em puros termos numéricos, o aumento da desigualdade fez mais que a recessão para deprimir as rendas da classe média.

Alguém poderia argumentar que os danos causados pelo desemprego são maiores que a simples perda de renda, e eu concordaria. Mas é difícil olhar para esse tipo de cálculo e relegar a desigualdade a uma questão secundária.

Em segundo lugar, existe uma tese razoável para se atribuir pelo menos parcialmente a culpa pela crise econômica ao aumento da desigualdade.

A melhor história envolve algo como isso: havia uma poupança elevada do 1% da população, com a demanda sustentada apenas pelo rápido aumento da dívida mais abaixo na escala – e, como esse empréstimo era conduzido parcialmente pela desigualdade, levou a uma cascata de gastos e assim por diante.

É um caso dramático? Não – mas é sério, e reforça o resto do argumento.

Em terceiro, existe o aspecto da economia política, em que se pode argumentar que os fracassos políticos, tanto antes como, talvez de modo ainda mais crucial, depois da crise, foram distorcidos pelo aumento da desigualdade e o correspondente aumento do poder político do 1%.

Antes da crise, havia um consenso da elite a favor da desregulamentação e da financialização que nunca foi justificado por evidências, mas se alinhava estreitamente aos interesses de uma pequena e muito rica minoria.

Depois da crise, houve o súbito afastamento da geração de empregos para a obsessão pelo déficit; pesquisas sugerem que isso não era absolutamente o que o eleitor médio queria, mas que refletia as prioridades dos ricos.

E a insistência na importância de cortar benefícios é avassaladoramente uma coisa do 1%.

Finalmente, e muito ligada a isso, está a questão do que os grupos de pensadores progressistas deveriam pesquisar.

Klein sugeriu recentemente que “como combater o desemprego” deveria ser um tópico mais central que “como reduzir a desigualdade”.

Mas há aquela coisa: sabemos como combater o desemprego – não perfeitamente, mas a boa e velha macroeconomia básica funcionou muito bem desde 2008.

Não há mistério na economia de nossa lenta recuperação – é isso que o acontece quando endurecemos a política fiscal, apesar da desalavancagem privada, e a política monetária é restrita pelo limite inferior a zero.

A questão é por que nosso sistema político ignorou tudo o que a macroeconomia aprendeu, e a resposta para essa pergunta, como já sugeri, tem muito a ver com a desigualdade.

Fonte:
http://www.cartacapital.com.br/revista/780/a-desigualdade-nos-eua-1482.html

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.