terça-feira, 31 de julho de 2012

Nasce a grande heroína feminista chilena

por Marianela Jarroud, da IPS*
Jornal Nasce a grande heroína feminista chilenaSantiago, Chile, 31/7/2012 – “A voz política das histéricas, santas, bruxas, loucas, putas e todas as mulheres”. Assim definem suas criadoras o jornal digitalLa MansaGuman, primeiro meio de comunicação feminista do Chile. “Sempre sonhamos em ter uma heroína que denunciasse a violência contra a mulher, mas também que nos representasse em outros âmbitos”, disse à IPS a diretora do jornal, Kena Lorenzini.
O jornal La MansaGuman foi criado integralmente por mulheres e busca mostrar a desigualdade e a discriminação que sofre a imensa maioria das chilenas, em um país marcado pelo duopólio jornalístico que domina a mídia escrita e digital. A empresa El Mercurio e o Consórcio Jornalístico do Chile S.A. (Copesa), propriedade das famílias mais ricas e influentes do Chile, são donos de 90% do que se publica no país, por isso lançar um meio de comunicação progressista e independente não é tarefa fácil.
A concentração da mídia se traduz também em um monopólio ideológico de direita, que tem consequência direta nas linhas editoriais, e mais especificamente nas fontes e nas formas de abordar a notícia. Nessa linha, a economista Gloria Maira destacou à IPS que o La MansaGuman “veio preencher um espaço importante no que se refere aos meios de comunicação e à informação à qual as pessoas podem ter acesso”.
“Em geral, as mulheres estão ausentes da mídia, aparecemos como o dado diferente, ou como nota associada, mas as fontes, em geral, são homens, e a voz das mulheres não está presente. Decidimos que essa era uma grande necessidade que deveria ser atendida”, explicou Maira, subdiretora do novo jornal digital. Maira acrescentou que, no geral, os temas das mulheres são manejados como uma aproximação de minoria, “e falam de nós como se fôssemos um pequeno grupo cujos problemas não passam a ser temas nacionais”.
“Queremos colocar os grandes temas das mulheres, como a brecha salarial. A segregação do mercado de trabalho, a despenalização do aborto em todas suas circunstâncias, bem como problemas da democracia que afetam metade da população do país e, portanto, têm de ser vistos com essa importância política, econômica e cultural”, ressaltou Maira. Lorenzini afirmou que “99% da mídia tem editores homens, proprietários homens e, portanto, os que escrevem e falam em 85% são homens”.
A diretora destacou que o mais radical do La MansaGuman é que não há fontes masculinas, “mas não é um jornal digital para mulheres, mas para todos, porque está imerso no debate nacional”. O nome La MansaGuman se refere a uma grande mulher. Mansa, no Chile significa “muito grande” e Guman é uma deformação em espanhol da palavra inglesa “woman” (mulher).
No jornal trabalha um grupo multidisciplinar de fotógrafas, economistas, advogadas e orientadoras familiares. Seu comitê editorial é formado por destacadas escritoras: Diamela Eltit, defensora dos direitos humanos, Ana González, familiar de quatro presos desaparecidos durante a ditadura (1973-1990), e pela dirigente dos estudantes secundários Danae Díaz, entre outras. Também participam a antropóloga mexicana Marta Lamas, a escritora equatoriana Tatiana Cordero e a secretária-geral da União de Mulheres Saharauis, Fatma Mehdi, que também integra a direção da Frente Popular de Libertação de Saguia al Hamra e Rio de Ouro, mais conhecida como Frente Polisário de Libertação.
O financiamento é 100% voluntário. A abertura do site e até o projeto do jornal foram possíveis graças às doações. O La MansaGuman é “uma aposta jornalística crítica e desbocada”, criada para ser um espaço de destaque para as mulheres, até agora excluídas da agenda dos meios de comunicação tradicionais, afirmam suas criadoras. A ideia é que a pauta informativa mostre espaços onde as mulheres estejam presentes, a agenda que as define, as coisas que as afetam e importam para elas.
“Não há censura, mas existem dois requisitos para integrar o projeto: ser feminista e de esquerda”, ressaltam. “Ser feminista é um orgulho para as mulheres. Há algumas que ainda não o assumiram, mas, se olharmos nossa história, o fato de podermos hoje estar falando das grandes dívidas da democracia se deve ao movimento feminista, tanto no país como no resto do mundo, em termos de lutar e pressionar pelo reconhecimento de nossos direitos”, enfatizou Maira.
A economista acrescentou que, apesar de muitos dizerem que o feminismo segue um discurso manuseado, “já que as mulheres continuam sendo um grupo subordinado, em termos simbólicos, políticos e econômicos, continua mais vigente do que nunca”. Assim, “se queremos um discurso transformador, para uma sociedade inclusiva, solidária, que lide com esses valores e princípios, evidentemente o feminismo é uma corrente de pensamento, de proposta que alimenta toda essa transformação”, opinou Maira. Sobre ser de esquerda, Lorenzini explicou que significa justiça de gênero, social e econômica.
Maira enfatizou: “Nós levantamos o punho esquerdo, companheira, somos das que pensam que em nosso país existe um capitalismo selvagem que afeta a população em seu conjunto”. Segundo ela, “os princípios de solidariedade que inspiraram em outro momento a sociedade chilena foram perdidos, passamos de cidadãos a clientes e são as regras do mercado que determinam, não apenas a economia, mas também a política, o conjunto de valores. Por isso, também assumimos isso como um posicionamento político para efeito do discurso que queremos transmitir e motivar e colocar no debate público”, acrescentou.
É nessa linha que o La MansaGuman pretende ser “a voz política” das mulheres para acabar com a “invisibilidade” histórica a que estão submetidas. “Temos direito a voto, há algum tipo de política pública para atender certas manifestações da violência contra a mulher, mas, convenhamos, as mulheres continuam sendo um coletivo subordinado da sociedade, e todo os indicadores assim demonstram”, destacou a economista.
Maira acrescentou que “em representação política, presença trabalhista, níveis salariais, nos espaços de tomada de decisões das empresas, nos circuitos culturais como produtoras de cultura, etc., as mulheres estão em lugares claramente relegados. Cremos que esta é a grande dívida da democracia com as mulheres e que é preciso abordá-la, também por meio dos meios de comunicação”, ressaltou Maira.
No La MansaGuman podem escrever desde intelectuais até sindicalistas, da mulher comum até empresárias. Isto é, todas as mulheres terão um espaço. Os critérios editoriais “não são rigorosos, mas também não são frouxos”, detalhou Lorenzini. E Maira destacou que daqui em diante as mulheres poderão ficar tranquilas, porque “as histéricas, as santas, as bruxas, as putas, todas, estarão na primeira linha sempre. A heroína fará todo o possível para que assim seja”, concluiu. Envolverde/IPS
Fonte: extraído do site Envolverde por Marianela Jarroud da IPS

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Entrevista com João Pedro Stédile


 "A América Latina está vivendo uma conjuntura positiva para a classe trabalhadora em geral"


Como o senhor avalia a atual conjuntura política dos países da América Latina, sobretudo em relação ao Paraguai onde o presidente Fernando Lugo sofreu impeachment?

A América Latina está vivendo uma conjuntura positiva para a classe trabalhadora em geral, pois saímos da hegemonia total dos Estados Unidos e do neoliberalismo com a eleição de diversos governos progressistas em todo o continente. E, agora, há uma disputa permanente do futuro do continente ao redor de três projetos ou propostas. O primeiro é a retomada da ofensiva dos Estados Unidos, que quer recolonizar a região e transformá-la apenas em fornecedora de matérias primas e energia para ter lucro máximo para suas empresas que por aqui operam. Há um segundo projeto que defende uma integração continental, sem os americanos, mas ainda nos marcos dos interesses das empresas capitalistas. E há um terceiro projeto, que nós chamamos de Alba (Aliança Bolivariana Para os Povos de Nossa América), que se propõe a fazer uma integração econômica, política e cultural, que juntasse governos progressistas com as organizações populares. Essas três propostas se enfrentam todos os dias em todos os espaços. A cada eleição presidencial, haverá candidatos dos três projetos. A vitória de [Fernando] Lugo (presidente deposto do Paraguai) fortalecia o projeto dois e três, e representava um alento para a região do Cone Sul, pois derrotou as oligarquias paraguaias depois de 60 anos de ditadura do partido colorado. Eles tentaram derrubá-lo em 23 outros processos de impeachment e somente conseguiram derrubá-lo agora, quando os serviços de inteligência e os interesses econômicos dos Estados Unidos se envolveram e ajudaram a preparar esse golpe de Estado, que teve uma unidade impressionante em termos econômicos, políticos e midiáticos.

Na avaliação do senhor, qual o papel dos movimentos sociais no século XXI? 
Os movimentos sociais, no sentido genérico, que envolve todas as formas de organização da classe trabalhadora -desde o movimento sindical, popular, até a luta por moradia, por saúde, de luta pela terra e etc.-, devem continuar com sua missão histórica que é organizar o povo para que ele lute por melhores condições de vida, pela defesa de seus interesses e por um novo projeto de sociedade. Os movimentos têm um papel fundamental, pois sem a organização popular na base e sem consciência de classe, não será possível fazer mudanças estruturais na sociedade e nem institucionais nos espaços do poder Legislativo e Executivo quando elegermos nossos representantes. 

A atuação do MST no Brasil contrasta com o fato de alguns militantes do movimento após ocuparem seus espaços comercializarem as casas onde moram ou os terrenos. Como o senhor avalia isso?


Há uma situação da condição humana que faz com que em qualquer novo espaço, território, assentamento, condomínio ou bairro, nem todas as pessoas se adaptem. A FAO (organização das Nações Unidas) tem um estudo que aponta que em qualquer mudança de moradia, há uma desistência média de 15% das pessoas, inclusive nos edifícios de luxo! Nos assentamentos do MST, e também nos novos edifícios dos bairros da cidade, tem desistências, trocas, mudanças, que, portanto, são naturais que ocorram. No caso do MST, as desistências são maiores na região amazônica, aonde às vezes não tem estrada, escola, nenhum atendimento de saúde, e aí as famílias não aguentam e desistem. Aqui nas regiões Sul e Sudeste acontece um movimento inverso. Há algumas desistências, mas o número de novas pessoas que vão morar no assentamento é maior do que a desistência, porque as famílias levam os parentes para morar no mesmo lote. Nós lutamos e conseguimos colocar na Constituição que, no caso da reforma agrária, a família camponesa recebe apenas um titulo de concessão de uso familiar. Em nome da mulher e do homem. E eles não podem vender. Portanto, mesmo quando há desistências, o que acontece são trocas de lotes, ou, no máximo, o desistente vende as benfeitorias que fez como a casa, animais e repassa o lote pro Incra colocar outra família. 

Ainda é possível falar em socialismo no século XXI? 

Não só é possível como é necessário. O Socialismo é uma proposta da classe trabalhadora para construir uma sociedade mais justa e igualitária, aonde todos tenham direitos e oportunidades iguais, e aonde a riqueza seja distribuída de acordo com o trabalho de cada um. No fundo, todas as pessoas de boa vontade defendem esse sonho, ainda que não tenham claro como será. Portanto, as sociedades do futuro serão socialistas. O capitalismo é o modelo do passado, da exploração, da concentração de riqueza, da desigualdade social, da humilhação. E por mais que a burguesia, alguns exploradores e seus porta-vozes na mídia e na sociedade achem que vai ser eterno, um dia vai desmoronar. Disso não tenham duvidas. 
A violência no campo é comum nos assuntos ligados a Reforma Agrária. Como está o índice de mortes nos conflitos do campo?


Num passado recente, desde os tempos da ditadura e até o neoliberalismo, a classe dominante no campo era controlada pelos latifundiários atrasados. E cada vez que havia algum conflito trabalhista ou de ocupação de terra, ou tentativa de despejo de posseiros antigos, os latifundiários usavam da violência física e procuravam eliminar as lideranças dos trabalhadores. Para se ter uma ideia, de 1984 a 2004, já na democracia formal, foram assassinados mais de 1.600 lideranças, e apenas 80 culpados foram a julgamento. Na ultima década, a classe dominante no campo se transformou e agora quem manda são empresas transnacionais e fazendeiros modernos. Então a forma de repressão vem mudando. Em vez de assassinatos, eles nos criminalizam; nos reprimem através do poder judiciário e da imprensa. Esses são os dois poderes sobre os quais eles têm controle absoluto. Não precisam mais matar. Vejam o que fizeram conosco no caso da ocupação da fazenda grilada pela Cutrale, em Iaras. A fazenda pertence à União e o Incra pediu despejo da empresa. Nós ocupamos. A Cutrale, aliada com a Coca-Cola, a Globo e o governo [José] Serra (então governador de São Paulo), organizou uma campanha midiática que transformou os pobres sem terras em demônios devastadores de laranja! Vejam o que fizeram no caso de Pinheirinho, em São José dos Campos. Uma área de empresa falida e corrupta. E lá se juntaram as mesmas forças. Não houve mortes. Mas houve um massacre ideológico, político e as famílias perderam as casas depois de oito anos de trabalho honesto. 
O senhor é um dos nomes mais influentes do MST, como o senhor avalia o papel do MST na questão agrária e da reforma agrária?


O MST tem um papel histórico de seguir organizando de forma autônoma os pobres do campo, que lutam por terra, por trabalho, por melhores condições de vida. Infelizmente o agronegócio, que está mancomunado com o poder econômico, de quem é sócio, com os meios de comunicação, criaram uma ilusão na sociedade brasileira de que o agronegócio é solução. E escondem que ele aumenta a produtividade expulsando milhares de trabalhadores, usando venenos de forma intensiva, que transformou o Brasil no país que mais usa venenos e que tem alimentos mais contaminados no mundo. E isso gera câncer em 400 mil pessoas por ano no Brasil. Ou seja, o agronegócio dá lucro; produz, mas para meia dúzia de fazendeiros e empresas transnacionais. Por outro lado, nos temos 4 milhões de famílias camponesas, pobres, sem terra, sem trabalho; muitos morando nas periferias das cidades do interior. Nós temos 10 milhões de analfabetos no interior do país. Nós temos 5 milhões de famílias que vivem no interior e que dependem do Bolsa Família para comer! Então nós temos muito trabalho pela frente. Organizar os pobres do campo. Está difícil, mas continuaremos incansáveis o nosso trabalho até que a classe trabalhadora como um todo se dê conta das mudanças necessárias no país, e possamos debater um novo projeto para o país, como fizemos, a partir das lutas sociais da região do ABC, na década de 79 a 89.
           
Qual o verdadeiro tipo de reforma agrária defendido pelo MST?

No passado, a expressão reforma agrária era entendida por muitos apenas como desapropriação de uma fazenda e distribuição dos lotes de terra. Essa reforma agrária funcionava quando o modelo econômico era dominado pelas indústrias. E, portanto, os camponeses se integravam com a indústria e conseguiam sair da pobreza. Era a chamada reforma agrária clássica, que a maioria dos países industrializados fizeram. Agora, o capitalismo dominante é do capital financeiro e das empresas transnacionais, também na agricultura. O chamado agronegócio. Assim, eles conseguem aumentar o lucro e a produção sem os camponeses. Por isso que muitos de seus porta-vozes dizem que não precisa mais reforma agrária. Não precisa para eles ganharem dinheiro. Mas precisa reforma agrária para resolver os problemas dos pobres do campo. Agora, nós precisamos de um novo tipo de reforma agrária. Uma reforma agrária que comece na distribuição de terras, mas que organize cooperativas de produção para instalar agroindústrias nos assentamentos e no interior. Porque é isso que aumenta a renda e tira da pobreza. Uma reforma agrária que adote a matriz tecnológica da agroecologia produz alimentos sadios, sem veneno, e sem alterar o equilíbrio do meio ambiente. Uma reforma agrária que distribua educação.Portanto, teríamos que instalar mais escolas fundamentais e de Ensino Médio em todo interior, para criar alternativas para a juventude e levar o conhecimento para o interior. Imaginem que nos últimos 20 anos, foram fechadas –repito, fechadas!- 25 mil escolas no meio rural. Nós precisamos abrir escolas e não fechar. Por isso nossa luta ficou mais difícil e demorada, porque agora temos que lutar por um outro de desenvolvimento agrícola e derrotar o agronegócio. O agronegócio é o modelo do lucro, do capital. Nós queremos uma reforma agrária popular, de outro tipo.


Estamos em ano eleitoral, qual a relação do MST com as eleições?


O MST teve o mesmo comportamento desde a sua formação em relação às eleições. Nós não devemos nos comportar como partido e indicar candidatos. Os nossos militantes que têm vocação política devem entrar em partidos políticos e fazer as disputas lá. Nós mantemos autonomia dos partidos e dos governos. Mas como nossos militantes têm consciência social, e como procuramos fazer trabalho de conscientização com nossa base, é evidente que o resultado é que nossa base e militância sempre procura fazer campanha, no período eleitoral, para eleger os candidatos mais populares, mais progressistas, de esquerda, e que estejam comprometidos com o povo. E aí em cada região tem as realidades partidárias diferenciadas, em que esse perfil de candidato aparecem em diversos partidos.


O PT assumiu a presidência da República com um discurso de esquerda. Qual a opinião do senhor sobre os oito anos do governo Lula e os 18 meses do governo Dilma? 
Os governos Lula e Dilma não são governos do PT. Participam dele muitos partidos, inclusive alguns conservadores e oportunistas. Não é um governo de esquerda, na minha opinião; é um governo progressista. E evidentemente que foi muito importante elegermos para derrotar os candidatos neoliberais, que representavam apenas os interesses do grande capital e das empresas transnacionais. Na minha opinião, os governos têm essa característica, em primeiro lugar, porque se elegeram num período histórico de descenso do movimento de massas, em que a classe trabalhadora, depois de 89-95, havia sido derrotada política e ideologicamente. E, portanto, não disputou nas ruas, com lutas e mobilizações, o governo. Tanto é que a principal forma de fazer campanha nesse período tem sido apenas a televisão. E os partidos brigam muito pelos minutos de televisão. Em segundo lugar, a vitória eleitoral só foi possível porque foi construída uma aliança interclassista, com diferentes interesses de classe dentro do governo. Interesses que estão dentro de cada Ministério e que, às vezes, são até antagônicos. E em terceiro lugar, sua natureza é determinada porque os movimentos populares, os partidos e a sociedade brasileira em geral carecem de um projeto para o país. Desde 1989, nós paramos de debater um projeto para o país. E na ausência de um programa histórico, de um projeto, os partidos e seus políticos vão agindo apenas na base do pragmatismo, ou resolvendo os problemas cotidianos da administração pública.


Fonte: Portal da CUT

A ENTREGA DA ÁGUA

Laerte Braga*

Por sob as águas do rio Amazonas corre um rio maior ainda. A descoberta é recente para nós brasileiros, mas de amplo conhecimento dos norte-americanos há bom tempo.

O principal impasse na RIO + 20 foi a discussão em torno da transferência de tecnologias dos países considerados de primeiro mundo, para países periféricos, caso do Brasil e outros, numa escala às vezes de miséria absoluta.

A idéia de desenvolvimento sustentável além de ser uma falácia criada pelo capitalismo se restringe apenas aos castelos do primeiro mundo na nova Idade Média, a da tecnologia.

Uma espécie de raio-x de qualquer país no mundo já foi feita há anos pelos norte-americanos através de milhares de satélites. Sabem mais do Brasil que nós brasileiros. Isso lhes permite formular planos a curto, médio e longo prazo para seus projetos de ocupação e recolonização de países como o nosso.

Quando Al Gore, ex-vice-presidente dos EUA disse que o “Brasil terá que compreender que a Amazônia tem que ser internacionalizada”, já sabia o conteúdo de cada milímetro da região. Hoje não temos o controle dessa importante parte do território nacional. Está dentro do chamado Plano Grande Colômbia, a rigor, fomos rebaixados. Gore, considerado em seu país um especialista em meio-ambiente (desde que a favor das grandes companhias que controlam a Casa Branca), fez essa declaração por volta do ano 2000, portanto, há 12 anos.

O aumento da escalada norte-americana sobre o Brasil se deu a partir do governo de Fernando Henrique (funcionário da Fundação Ford) e as políticas de privatizações, criação de agências reguladoras, a idéia de Estado mínimo, a entronização do “deus” mercado como marco de todas as relações humanas, o controle da mídia, toda a parafernália tucana que se mantém entocada e ávida de completar o processo de entrega. O fim do monopólio estatal do petróleo se deu no governo FHC.

Do lado de dentro dos castelos os barões da tecnologia, do lado de fora os “mortos vivos”. A definição é de Guy Debord.

O presidente da COCA COLA, uma das maiores corporações do mundo e uma das principais acionistas dos EUA, afirmou numa palestra na RIO + 20 “que toda a água do mundo deve ser privatizada, pois só o mercado tem condições de explorar essa riqueza”.

Não imaginavam, os senhores do mundo, que poderiam contar com portas escancaradas no governo Lula e, agora derrubadas no governo Dilma.

O presidente da CODEVASF – COMPANHIA DE DESENVOLVIMENTO DOS VALES DO SÃO FRANCISCO E DO PARNAÍBA –, uma empresa pública, em tese brasileira, tem como objetivo fomentar o progresso das regiões ribeirinhas dos rios São Francisco e Parnaíba, atingindo seus afluentes em Minas, Bahia, Pernambuco, Alagoas, Distrito Federal, Goiás, Sergipe, Piauí e Maranhão. 

A Bacia do Rio São Francisco possui uma área total de 640 000 quilômetros quadrados e soma outros 330 000 o lhe permite uma área de atuação em 970 000 quilômetros quadrados, cerca de 11,3% do território brasileiro. Um dos objetivos era beneficiar as populações ribeirinhas, dotá-las de meios para desenvolvimento em todos os sentidos.

Os delírios de grandeza do ex-presidente Lula não são necessariamente delírios de grandeza, mas esperteza política, naquela de uma no cravo e outra na ferradura. Ao vetar a ALCA – ALIANÇA DE LIVRE COMÉRCIO DAS AMÉRICAS – que tornaria o Brasil colônia norte-americana, o Brasil e todo o continente americano (Norte, Central e Sul), preferiu caminhos diversos para que esse objetivo fosse atingido.

Foi ao Oriente Médio, manifestou apoio aos palestinos, visitou o Irã, condenou as políticas norte-americanas naquela parte do mundo, arrancou um acordo que Obama jogou no lixo com a Turquia sobre sanções contra o Irã e ao final, numa guinada impressionante à direita, assinou um tratado de livre comércio com Israel, o grupo que detém o maior número de ações dos EUA. Por caminhos obscuros abriu as portas do País ao avanço dos EUA através de grupos sionistas, os verdadeiros senhores de Wall Street e da Casa Branca. Presidentes são figuras decorativas.

Tudo isso somado às privatizações de FHC (setores estratégicos como a EMBRAER, o petróleo, o financeiro, as telecomunicações, etc) completou o primeiro ciclo de domínio do Brasil.

Não temos sequer um carro brasileiro. Todos os veículos que circulam pelas ruas e estradas de nosso País são de montadoras estrangeiras. E com forte presença na subsidiária de ISRAEL/EUA TERORRISMO HUMANITÁRIO S/A, a BRASIL S/A.

A CODEVASF vai contratar o exército norte-americano para concluir as obras de transposição das águas do São Francisco, em si e por si, uma agressão descomunal ao meio ambiente, às famílias ribeirinhas, contra as quais toda a sorte de violências tem sido praticadas com o silêncio e a cumplicidade da mídia.
Engenheiros dos EUA já estão no local e receberão a contrapartida de controlar todo o processo após a conclusão das obras. O acordo está sendo firmado com o Comando Militar do Sul.

O Comando do Sul dos Estados Unidos é a organização militar regional unificada ao processo de defesa geral dos EUA, com ação sobre a América Central, a América do Sul e especialmente o Canal do Panamá. Tem sede em Miami, Flórida e de joelhos em peregrinação para esse bastião capitalista já lá esteve o presidente da CODEVASF. Se tirou os sapatos ou não não sei, mas caiu de quatro, ajoelhou-se.

A área de atuação do Comando abrange 30 países, o Brasil inclusive, é lógico, hoje somos integrantes do Plano Grande Colômbia e 26 milhões de quilômetros quadrados.

Já professores universitários e de colégios técnicos ou institutos técnicos em greve, ou a saúde, os servidores públicos, a geração de tecnologias próprias, a reestatização de setores estratégicos, a recuperação da IMBEL e da ENGESA, essenciais ao País, tanto quanto a mudança de mentalidade das forças armadas – colonizadas –, isso fica para as calendas. Dilma está de olho na Copa do Mundo e nas Olimpíadas.

O golpe militar no Paraguai acentuou esse cerco sobre o Brasil. A cumplicidade de elites econômicas do campo, latifundiários, com empresas controladoras em maior ou menor quantidade de ações da corporação EUA, tipo MONSANTO, CARGILL, DOW CHEMICAL, etc, derrubou o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, com o objetivo de manter intocados os “negócios” do agronegócio que transformam aquele país de pequenas dimensões territoriais num dos maiores produtores de soja do mundo, no milagre da fraude, da sonegação, através do trabalho escravo, etc.

O Paraguai é hoje a principal base norte-americana na região da Tríplice Fronteira e ameaça a Itaipu – basta um grito de avançar de qualquer militar dos EUA – e coloca os olhos grandes sobre o Aqüífero Guarani, o quinto maior do mundo.

A Argentina é outro alvo e Cristina Kirchner que ensaiou uma reação já foi avisada que pode ser a próxima vítima de um golpe constitucional, o golpe branco, fórmula inventada para salvar os negócios quando ameaçados.

Dilma nem reação e nem nada. Seu chanceler Anthony Patriot foi a Assunção e sacramentou o golpe embora dissesse o contrário. A presidente engoliu em seco a ação do “presidente paralelo” senador Álvaro Dias, o Brasil foi um fracasso na RIO + 20 e a crise econômica ronda o País.

O milagre do “capitalismo a brasileira” começa a se esgotar. As estruturas feudais continuam intactas.
As reservas de água do Brasil estão ao alcance de uns poucos drones dos EUA, a nova forma de guerrear, os aviões não tripulados. Baratos e mais eficazes em relação a um grande número de soldados.

De água e de quebra, todo o Brasil. No duro mesmo é o institucional falido, a fusão PT/PSDB, algo como PTSDB, onde o jogo é jogado apenas em função do poder e não pelos interesses nacionais, dos brasileiros.

A luta para recuperar o País vai ter que ser travada nas ruas, nas manifestações populares, na percepção que o atual governo difere dos tucanos apenas no estilo, mas na essência é a mesma coisa. Como foi o de Lula.

* jornalista

Leia também: "Por uma geopolítica da água: conheça o mapa dos conflitos", do professor da UFRJ, Francisco Carlos Teixeira, em:
http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/03/por-uma-geopolitica-da-agua-conheca-o.html 
e
"Quem são os donos dessas águas? Encontro com Mario Farias", do engenheiro Antonio Fernando Araujo, em http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/07/quem-sao-os-donos-dessas-aguas.html

sexta-feira, 27 de julho de 2012

A luta pelo direito à água na Rio+20


Por Zilda Ferreira*


Em todos os espaços da Rio+20, o público cobrou o cumprimento da Resolução da ONU 64/292, aprovada no dia 28 de julho de 2010, que consagra o Direito Humano à Água e Saneamento. Na véspera da Cúpula Oficial, no Rio Centro, no painel “Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável”, tema Água, de dez itens incluídos nos debates, o terceiro era: o direito à água, que sozinho, obteve 52% da aprovação do plenário; todos os demais – nove - somados alcançaram 48%. Como a votação foi por demais expressiva, até mesmo o vice-presidente de Recursos Hídricos e Ambientais da Coca Cola e o Presidente do Conselho Mundial da Água, ambos notoriamente contrários a esse direito, não tiveram coragem de votar contra. Os discursos deles, diante da plateia, pareciam com os dos defensores da causa.

Mas quem emocionou o plenário foi Shantha Sheela Nair do Ministério do Desenvolvimento Agrário da Índia com seus argumentos de que era urgente a luta de todos os povos para garantir o Direito Humano à Água e Saneamento, quando destacou: “várias questões deixam a humanidade abismada, como fome e guerras, mas o fato de 2(dois) bilhões de indivíduos não terem acesso ao saneamento básico, não abala as pessoas”. Em seguida, antes de encerrar os debates, o plenário elegeu o “Direito à Água” como recomendação para constar no documento final da Rio+20, no Rio Centro. Não se sabe se a determinação foi cumprida, pois não houve divulgação.


Do outro lado da cidade, no Aterro do Flamengo, na Cúpula dos povos, os defensores desse direito discutiam as denúncias de que os países industrializados, principalmente os da União Europeia e dos EUA queriam derrubar ou enfraquecer essa Resolução. Nas passeatas e nos protestos contra a mercantilização da natureza, dia 20 de junho, data da mobilização popular, as palavras de ordem eram: “Água é de todos, não o negócio de alguns – Água Direito Humano – É possível viver sem amor, jamais sem água”. No dia seguinte, na Cúpula dos Povos, no Pavilhão Azul, uma das 126 tendas, na reunião da Rede RAMPEDRE, coordenada pelo professor Ricardo Petrella, os defensores da causa, elegeram dia 28 de julho como o Dia Internacional da Luta Pelo Direito à Água, para comemorar e relembrar essa conquista, aprovada pela Assembleia Geral da ONU nessa data.

ÁGUA, O ATIVO MAIS COBIÇADO

A preparação da Rio+20 foi intensa pelo mercado, que não perdeu o jogo, mas por enquanto não ganhou tudo que que queria, principalmente a “governança Global da Água”. No dia 13 de junho, foi lançada pelo secretário do Meio Ambiente do Estado, Carlos Minc, a Bolsa de Ativos Ambientais do Rio de Janeiro (BVRio), conhecida como Bolsa Verde. Através dela, “os efluentes das Baias de Sepetiba e Guanabara” passam a ter preços, além de viabilizar o mercado de créditos de carbono, o ápice da economia verde, a mercantilização da natureza com o direito de poluir. Mas, o ativo mais cobiçado, nas reuniões fechadas era a água.

Jeff Seabright, vice presidente de Recursos Hídricos e Ambientais da Coca-Cola enfatizou que a água está no cerne do desenvolvimento sustentável, ao defender a economia verde, “ hoje, a água é mais importante do que o petróleo”, destacou durante sua exposição no painel “Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável”. Willem Buiter diretor do Citigroup assegurou, em um de seus discursos, que a água será o ativo financeiro mais importante, superando o petróleo, o cobre, as commodities agrícolas e os metais preciosos, registrado pela imprensa internacional.


A água também foi destaque no Fórum “Humanidade 2012” iniciativa da TV Globo com a participação de várias empresas, no Forte de Copacabana. Todos os ex-presidentes da ANA - Agência Nacional de Águas marcaram presença nos debates sobre a água.

No final,Vicente Andreu Guillo, atual presidente da ANA, foi muito assediado pela imprensa , com perguntas duras e denúncias sobre as concessionárias privadas de serviços de água e saneamento. Pacientemente, respondeu que defendia o Direito Humano à Água, assegurando que o Brasil também votou na Assembleia da ONU favorável a esse direito. Mas, como gestor cumpria a Lei das Águas, de 1997, do governo FHC, que defendia um Estado mínimo e que era muito complicado uma agência privada regular um serviço público.


A LUTA DO POVO PELO DIREITO À ÁGUA


A população também se preparou para Rio+20. Sindicatos, ativistas ambientais, movimentos sociais, estudantes e membros da academia promoveram vários debates: “O Mito do Desenvolvimento Sustentável”, Ambientalismo de Espetáculo, entre outros temas, além da organização da Cúpula dos Povos e de mobilização de protestos contra mercantilização da natureza.

Em todos esses debates “Direito Humano à Água”, era tema recorrente. Pablo Solon, embaixador da Bolívia, na ONU, em 2010, quando foi aprovada a Resolução que consagra esse direito, participou como um dos principais palestrantes do seminário “Ambientalismo de Espetáculo”, promovido pelo CORECON/RJ. Conhecido por suas defesas veementes ao Direito Humano à Água.

Durante os debates, Solon alertou que a “Economia Verde” é a apropriação da natureza; água, ar, florestas e a biodiversidade natural e cultural pelas grandes corporações - a privatização do meio ambiente, da vida. Antes de seu pronunciamento, ouviu atentamente a exposição da doutorando de economia, Fabrina Furtado, sobre o “Ambientalismo de Espetáculo: a economia verde e o mercado de carbono no Rio de Janeiro”. Um estudo, orientado pelo professor/doutor Henri Acselrad, da UFRJ, que exemplificava suas afirmações.

Quando estava saindo, insisti numa resposta sobre um organismo sul-americano para defender o Direito Humano à Água, cuidar e proteger nossos recursos hídricos, argumentando que temos as maiores bacias e aquíferos do planeta, cobiçados como ativos ambientais. - “Não existe ainda, porque o Brasil não quer”, respondeu diplomaticamente. Não sei se tradução é exatamente essa, mas a ideia é verdadeira, porque conferi com uma fonte brasileira.


* Editora do blog.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Mineração lidera ameaças a reserva de biosfera centro-americana

 Por Danilo Valladares, da IPS*
Cidade de Guatemala, Guatemala, 24/7/2012 – O risco de contaminação por causa da mina Cerro Blanco para a Reserva da Biosfera Trifinio Fraternidad, compartilhada por El Salvador, Guatemala e Honduras, é apenas a ponta do iceberg das ameaças ambientais às quais está submetida esta ampla região. O desmatamento acelerado, a contaminação de rios e lagos, más práticas agrícolas, uso indiscriminado de agroquímicos, incêndios florestais e pesca indiscriminada também estão entre as principais preocupações de ambientalistas e autoridades da Guatemala.
“A região sudeste é a mais desmatada da Guatemala e só restam alguns remanescentes”, disse à IPS o especialista Julio Castro, do Conselho Nacional de Áreas Protegidas, em alusão à parte da reserva que cabe a este país. “A pesca indiscriminada no Lago de Güija, compartilhado por El Salvador e Guatemala, as construções ilegais à sua volta, bem como a caça e o desmatamento são os assuntos que mais acompanhamos”, sem que, até agora, tenhamos conseguido frear a deterioração, admitiu Castro.
A Reserva da Biosfera Trifinio Fraternidad, declarada como tal em 29 de junho de 2011 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), compreende uma área de 1,5 mil quilômetros quadrados, integrada por oito municípios salvadorenhos, dois em Honduras e dois na Guatemala. Situada na parte central da Região Trifinio, é a primeira reserva de biosfera trinacional da América Central, que possui inumeráveis espécies endêmicas de animais como puma, macaco-aranha, tucano ou jaguar, e vegetais como carvalho e louro.
O Rio Lempa, que cruza os três países antes de desembocar no Oceano Pacífico, nasce dentro da reserva e serve de sustento para milhões de pessoas, bem como o Lago de Güija, de 45 quilômetros quadrados, compartilhado por El Salvador e Guatemala. Apesar de sua riqueza, esta área compartilhada permanece em risco devido à diversidade de atividades humanas que afetam o ecossistema.
Até agora, a preocupação que prevalece na área é a instalação da mina Cerro Blanco, no departamento guatemalteco de Jutiapa, de onde se extrairá ouro e prata a partir de 2013, o que representa “um perigo” para a saúde humana pelo uso de químicos tóxicos, alertam ambientalistas. O vice-presidente salvadorenho, Salvador Sánchez, acusou este mês a Guatemala de contaminar águas trinacionais com essa atividade e ameaçou processar o país “em outras instâncias” se não agir a respeito.
“Há provas científicas da contaminação; não exageramos”, disse à IPS a ativista Berta Medrano, do grupo salvadorenho Gaia, que mostrou preocupação com a degradação das águas do Lempa, que abastece milhares de famílias salvadorenhas. “Por isso insistimos que se eleve o grau de envolvimento das chancelarias e dos presidentes neste assunto, porque os processos produtivos dos países não podem colocar em perigo as vidas humanas de outros Estados nem do próprio”, acrescentou.
E há outros assuntos considerados igualmente preocupantes na área. “O desmatamento acelerado pela mudança no uso da terra para pecuária e agricultura extensiva, a utilização indiscriminada de produtos químicos que causam a poluição da água, queimadas e incêndios florestais são ameaças constantes”, destacou a ativista. De acordo com o Programa de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD) na América Central e República Dominicana, mais de 285 mil hectares de árvores são perdidos a cada ano na região.
Outros estudos também confirmam a derrocada ambiental. “Em 2100 seria de se esperar a perda de um terço das florestas existentes em 2005 e 80% dos campos, savanas e arbustos, enquanto a área agrícola poderia crescer até 50%”, prevê um estudo da Comissão Econômica para a América Latina e no Caribe. A situação exige uma ação urgente dos governos, mas também a sociedade civil, advertiu Medrano, cuja organização promove temas como, a educação ambiental, a produtividade e o desenvolvimento sustentável.
“Os governos devem harmonizar os marcos ambientais legais para facilitar a consolidação da Reserva. Outro grande problema a trabalhar é a reconversão produtiva para tornar sustentável a agricultura tradicional”, apontou Medrano. Além disso, ela pediu o fortalecimento da plataforma trilateral e o desenvolvimento de mercados consumidores locais sustentável, porque, do contrário, “a região correria o risco de perder a categoria de biosfera que recebeu a região de Trifinio Fraternidad”, alertou.
Ángel Ibarra, da não governamental Unidade Ecológica Salvadorenha, compartilha as preocupações de Medrano sobre a Reserva Trifinio Fraternidad, mas considera que El Salvador pode ser mais prejudicado. “Os problemas de poluição, desmatamento e uso da terra são semelhantes em todos os três países, no entanto, por estar na parte inferior da bacia do Lempa, El Salvador, pode ser mais afetado”, disse à IPS.
Ibarra acredita que atualmente as principais ameaças decorrem da mineração intensiva, “que é mais permissiva na Guatemala e Honduras, o que deveria motivar ações diferentes para melhorar a qualidade de vida da população”. “A promoção de práticas de agricultura sustentável para alcançar a soberania alimentar, a proteção das fontes de água e seu uso racional e equitativo, planos de manejo sustentável dos ecossistemas, em particular a zona protegida, e proibição de mineração”, destacou, entre outros. No lado guatemalteco existe preocupação com a importância que está tomando a indústria extrativista em prejuízo do meio ambiente.
Raúl Maas, do Instituto de Agricultura, Recursos Naturais e Meio Ambiente da Universidade Rafael Landívar, declarou à IPS que “as apostas do governo guatemalteco estão em linha com a promoção do crescimento econômico para gerar recursos que mantenham viva a economia nacional. Porém, não há equilíbrio ambiental. De cada cem quetzales gerados do produto interno bruto, apenas 60 centavos são investidos na proteção dos sistemas naturais”. Ele acredita que a mineração de metais preciosos não deveria ser permitida na Guatemala, por considerar que para o país o balanço é mais negativo, por seus efeitos sobre o meio ambiente, do que o benefício econômico que representa esta indústria para o país. Envolverde/IPS

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Indígenas de Cauca dão uma lição ao mundo



Nos últimos dias assomou nos noticiários brasileiros a notícia de que um grupo de índios colombianos havia ocupado uma base militar na cidade de Toríbioregião de Cauca, expulsando dali o exército. As notas falavam que os indígenas já estariam cansados de viver sob o fogo cruzado das forças do Estado e da guerrilha comandada pelas Forças Armadas Revolucionárias Colombianas, as Farcs. Mas, a notícia, assim, solta, não dá conta do longo processo de luta e resistência das comunidades originárias daquela estratégica região. Como sempre, falta a imprensa brasileira o devido cuidado com a contextualização dos fatos.

A reportagem é de Elaine Tavares no sítio Instituto de Estudos Latino-Americanos – IELA, 17-07-2012, vinculado à Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.

zona de Cauca é considerada um importante e estratégico corredor que liga a região amazônica ao oceano pacífico, com passagem também para o Equador e, por isso, desde muitos anos vem sendo disputada pelo Estado e pelas FARCs. Além disso, sempre é bom lembrar que a situação de guerra civil na Colômbia tampouco é de hoje. Isso começou no longínquo ano de 1948 quando Jorge Gaitán, um político liberal e progressista, às vésperas de ganhar a eleição presidencial, foi assassinado, levando o povo a uma explosiva revolta que foi violentamente reprimida pelas forças reacionárias, mandantes do crime. Desde aí, a população acabou sendo obrigada a se armar, para enfrentar as forças do exército como também os inúmeros grupos de bandoleiros que se aproveitaram do caos para roubar e saquear.  

Essa situação de insegurança e de profunda violência também gerou – já na década de 60 - as forças revolucionárias que, com inspiração marxista, buscaram organizar o povo para uma reação organizada e ordenada de tomada do poder. Mas, a América Latina vivia a surpreendente revolução cubana e a reação dos Estados Unidos foi imediata. Não haveria de permitir que outro foco socialista nascesse nas terras de baixo. Não foi à toa que desde os anos 60 as ditaduras pipocaram por todo o continente.

Ao longo dos anos, com a ajuda militar e tática dos Estados Unidos as forças conservadoras seguiram dominando a Colômbia, enfrentando a persistente reação revolucionária. Esse processo que segue até hoje tem causado profundas feridas no corpo social. Lá se vão mais de 60 anos de conflitos e combates nos quais vão sendo ceifadas as vidas das gentes.  Não bastasse essa realidade explosiva, ainda existem no país os chamados paramilitares, que são grupos de combate à guerrilha, geralmente formados por militares e mercenários que também impõem o terror. A eles se somam os narcotraficantes financiados pelo sistema internacional que igualmente investem em milícias armadas. No meio de tudo isso está o povo, as gentes que querem viver em paz.

A região de Cauca é um desses lugares assolado pelos grupos armados, justamente por sua localização estratégica. E ali, vivem comunidades indígenas que, nesses anos a fio, também entregaram seus filhos, ora ao exército, ora à guerrilha e que cotidianamente sofrem a ação das lutas entre essas forças armadas. São pelo menos 570 mil hectares de terras comunais, onde tradicionalmente essas comunidades plantam e criam seus animais.

A guerra civil, que teve seu espocar em 1948, aos poucos foi perdendo a sua própria memória. Geração após geração se viu enredada nos conflitos e na batalha diária pela sobrevivência. Muitos dos que viveram os primeiros momentos do conflito morreram no caminho, e os motivos da revolta foram ficando obscurecidos. Já faz tempo que a Colômbia busca um caminho para a paz, mas não tem conseguido pavimentar essa estrada. Primeiro porque o poder econômico aliado aos Estados Unidos não tem a menor intenção de permitir que os aliados saiam do poder. Por outro lado a guerrilha não avança mais do que a perpétua resistência. E no meio desse fogo cruzado estão as pessoas comuns.

Os indígenas colombianos tem uma longa história de resistência e de luta. Primeiro contra o opressor colonial e agora contra o Estado terrorista. A região de Cauca, particularmente, é muito aguerrida. Desde o ano de 1971 a população indígena organizou o Conselho Regional Indígena de Cauca, o CRIC, entidade que tem sido protagonista de muitas lutas, chegando também a organizar um grupo armado de autodefesa que acabou depondo as armas em 1991 em um dos acordos de paz. Assim como todos os colombianos eles precisavam defender suas vidas. Desde a organização do CRIC os indígenas passaram a reivindicar direitos que estavam perdidos nas contas da guerra: terra, educação, saúde, proteção da natureza da mão destruidora das mineradoras.

A ação de expulsão do exército de suas terras, assim como a de qualquer outro grupo armado – sejam as FARCs, os paramilitares ou os narcotraficantes – está amparada na decisão comunitária de dar um basta a desaparição sistemática das gentes. “Queremos semear a paz telúrica no nosso território e colhe-la na vida comunitária”, dizem. Mas essa paz de que falam não é a paz dos vencedores de plantão, que significa a morte ou a submissão da comunidade seja ao exército ou à guerrilha. A eles não interessa dominar o espaço, mas sim conservar a terra para as próximas gerações.

Mais uma vez os indígenas estão dizendo a sua palavra, sempre ignorada nesses mais de 500 anos. A forma de organizar a vida pleiteada pelas comunidades indígenas não encontra parâmetros na forma imperial/capitalista – como quer o governo, nem na forma socialista, de matriz europeia – como quer a guerrilha. Os indígenas querem viver a sua vida baseada na lógica dos seus ancestrais, com autonomia e autogoverno. Eles querem o direito de impor a sua justiça comunitária, de definir sua economia, sua educação, saúde. Querem o direito de conservar, proteger e gerir os recursos naturais de seu território. Por isso eles derrubaram os portões do exército e as tendas da guerrilha. “Tanto um como outro nos expropria, nos tira a vida e não nos garante o direito de viver segundo nossa vontade autônoma. Uns trazem a guerra e outros querem nos dizer como resistir. Ambos nos negam como povo”, afirmam.
Assim, as comunidades ligadas ao CRIC tem uma pauta simples, de quatro pontos:

1 - Que saiam todos os grupos armados do seu território
2 - Que respeitem a sua forma de organizar a vida
3 – Que deixem a eles o cuidado de seus recursos naturais
4 – Que não se aproveitem mais do seu sofrimento e tampouco falem sobre sua resistência.

Os indígenas de Cauca querem ser reconhecidos como comunidade autônoma e capaz. Já basta da mesma velha cantilena de que as gentes originárias precisam de proteção e tutelagem. Manter essa visão é estagnar no pior momento do mundo medieval. A esquerda e os intelectuais precisam entender de uma vez por todas que para compreender o mundo indígena é preciso se desvestir da episteme ocidental/eurocêntrica e olhar o mundo sob outra ótica, outra episteme, autóctone. Esse exercício de humildade e de respeito é hoje, na América Latina, uma obrigação. As gentes de Cauca estão ensinando. Quem tiver ouvidos para ouvir, que ouça.
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segunda-feira, 23 de julho de 2012

RÚSSIA SOBRE A SÍRIA: "Não se deixem enganar pela retórica humanitarista ocidental"

Rússia e China vetaram, pela terceira vez, um projeto de Resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre a Síria, que teria consequências trágicas para Damasco. O embaixador da Rússia à ONU, Vitaly Churkin (VC) – o homem que ergueu a mão e fez parar, pelo menos por hora, a intervenção militar na Síria – explica,  em entrevista a Russia Today , por que a única opção a ser considerada, no caso da Síria, tem de ser uma solução diplomática.

Em entrevista exclusiva a Russia Today, Vitaly Churkin explica o que está acontecendo na Síria e por que creem que o conflito já ultrapassa as fronteiras do país.

Russia Today:A decisão da Rússia, de vetar esse último projeto de Resolução no Conselho de Segurança causou consternação e muitas críticas à posição de Moscou. A Rússia apoia o regime de Assad?

Vitaly Churkin: É claro que não. Não se trata de quem apoia quem. Trata-se de encontrar solução aceitável para a atual crise. Infelizmente, a estratégia de nossos colegas ocidentais parece estar sendo encaminhada exclusivamente para fazer aumentar as tensões na Síria e  em torno da Síria. Não  perdem uma oportunidade. Dessa vez, aproveitaram a circunstância de ser necessário prorrogar o mandato da missão de monitoramento que opera na Síria, e acrescentaram, no mesmo projeto de Resolução rascunhado por eles, inúmeras outras cláusulas inaceitáveis. Foi indispensável que Rússia e China vetassem aquele projeto, para garantir a Kofi Annan mais tempo para trabalhar sobre o documento já aprovado por ministros de Relações Exteriores de vários países do chamado “grupo de ação”, pelo qual se exige a criação de um corpo nacional de transição. Para conseguir isso, é preciso que haja diálogo entre as partes em confronto. Nesse contexto, aprovar e converter  em Resolução do Conselho  de Segurança um documento que só gerará mais sanções contra o governo sírio não é, bem evidentemente, a melhor ideia. Por isso exercemos nosso direito de vetar e bloquear essa decisão que vemos como contraproducente.

Russia Today: OK. Moscou não está apoiando o regime de Assad. Mas EUA, Grã-Bretanha e França dizem que a Rússia abandonou, desamparou o povo sírio. Como o senhor reage a essa acusação?

VC: Você sabe... Eles são muito bons nisso, falam alto, vivem de criticar a propaganda política, que não seria “democrática”. Mas, na nossa avaliação, estão dedicados agora exclusivamente à propaganda. Só isso explica tantas críticas, sem qualquer fundamento, mas sempre muito estridentes, contra Rússia e China. Hoje, foram os representantes permanentes de França e Grã-Bretanha que lá estavam, falando e falando. Infelizmente, só repetiram falsidades sobre as políticas externas da Rússia e da China. Deviam concentrar-se, isso sim,  em ajudar Kofi Annan.

Infelizmente, até agora nada fizeram para construir e por em andamento um processo positivo e produtivo na Síria. Em vez disso, só fazem reunir o grupo chamado “Amigos da Síria”. De fato, é grupo em que se reúnem todos os inimigos do governo sírio. Não diria que sejam inimigos do povo sírio, mas não há dúvida de que o que une aquele grupo é o desejo de derrubar o governo sírio, sem sequer considerar o que daí advirá. As consequências, segundo nossa avaliação seriam trágicas. Essa política implica tragédia ainda maior, porque o governo do presidente Assad não é governo de um homem ou de um grupo, nem é governo ditatorial. O governo Assad representa um segmento da população síria, uma determinada estrutura de poder que lá está há décadas. Quebrar essa estrutura pela violência, só aumentará a extensão do conflito e o banho de sangue. A Síria precisa de reformas, que só são possíveis mediante diálogo político. Essa é a via razoável para encaminhar a solução daquela crise. Essa é a linha de ação que a Rússia advoga.

Russia Today: Mas até agora, pouco se obteve mediante qualquer diálogo. Parece que... há hoje, em todo o mundo, a sensação de que é preciso fazer algo para deter a matança de gente inocente. O que, exatamente, Moscou rejeita, na intervenção humanitária? Sei que Moscou preocupa-se muito com o risco de o Capítulo 7º [da Carta da ONU] poder levar a intervenção militar. Mas não haveria outro tipo de intervenção, que pusesse fim à matança? O grupo de monitoramento, cuja ação a Rússia está tentando manter, é um modo de intervenção política – intervenção prática –, para tentar deter a violência. Infelizmente, ainda não obteve qualquer sucesso.  

VC: Você disse que o diálogo ainda não levou a coisa alguma. O problema, de fato, é que o diálogo ainda nem começou. Os grupos de oposição recusam-se a dialogar com o governo sírio. E grave obstáculo no caminho da missão de Kofi Annan. O governo sírio já se declarou pronto a dialogar com a oposição. Agora, seria hora de testar essa disposição do governo sírio. Aí está um elemento importante.  

Infelizmente, a intervenção militar dita ‘humanitária’ é intervenção militar; apenas parece humana ou humanitária. Seja qual for o motivo ou pretexto, fato é que qualquer tipo de intervenção militar na Síria só levará a derramamento de sangue ainda maior. Não há quem não saiba que os maiores interventores humanitários do planeta – EUA e Grã-Bretanha – intervieram no Iraque, por exemplo, declamando os mais nobres pretextos (naquele caso, a existência de armas de destruição em massa... que jamais existiram). O resultado, no Iraque, foram 150 mil mortes, só entre os civis; além de milhões de refugiados e legiões de seres humanos cujas vidas foram arruinadas e vagam pelo país. 

Por tudo isso, não se deixem enganar pela retórica do humanitarismo ocidental. Na política ocidental para a Síria, há muito mais geopolítica, que humanismo.

Russia Today: O senhor disse que o que está acontecendo na Síria se espalhará eventualmente também para o Irã. O senhor pode explicar melhor? O risco de o Irã ser o próximo alvo?

VC: Falei sobre o Irã, mas em contexto um pouco diferente. Não estou dizendo que, em seguida, não se mudem para o Irã. Mas, no comentário a que você se referiu, eu falava de outro problema. Você refere-se ao que eu disse hoje no Conselho de Segurança, na ONU. Ali, eu me referia ao interesse dos que pedem intervenção militar já. Conter a influência do Irã no Oriente Médio é outra das principais motivações dos “combatentes democráticos” orientais – Arábia Saudita e Qatar – preocupados com o avanço do que, para eles, seriam interesses só do Irã; o mesmo se vê também no Bahrain.

Insistem que os xiitas que protestam estariam recebendo alguma espécie de patrocínio do Irã, apesar do que dizem vários observadores – inclusive jornalistas, que conhecem de perto os eventos. Para vários desses observadores, os protestos são genuínos, contra um sistema que, para dizer o mínimo, não é inteiramente democrático. Portanto, não há dúvidas de que há uma dimensão geopolítica nas políticas de vários dos países que, hoje, atacam mais agressivamente a Síria. Isso, evidentemente, nada tem a ver com os interesses do povo sírio.

Russia Today: Qual é a preocupação de Moscou? Dessas implicações geopolíticas das quais o senhor falou tão claramente... Por que Moscou está tão preocupada com essa questão? De que modo tudo isso afetaria Moscou?

VC: O fundamento da posição russa, nesse caso, não é alguma implicação geopolítica – por mais que saibamos, é claro, que uma ampliação do conflito contra o Irã implique problemas para a Rússia. Hoje se trata de fazer ver que a intervenção militar na Síria é desnecessária. E trabalhamos ativamente para resolver pacificamente também o problema do programa nuclear do Irã. A crescente tensão entre o Irã, o ocidente e os sauditas não ajuda a encaminhar nenhum desses problemas.

O que se vê bem claramente hoje é que o povo sírio está sendo sacrificado, numa disputa geopolítica entre grandes potências ocidentais. É preciso por fim ao conflito armado. Não é absolutamente necessário acrescentar, ao quadro do conflito armado local a violência de uma intervenção militar. E não há outro meio para por fim àquele conflito, se não a mesa de negociações.

Há boa base para iniciar essas negociações, no documento aprovado por consenso, pelo “Grupo de Ação” (ministros do Exterior de vários países, reunidos em Genebra), há duas semanas e meia. Esse documento fala de um corpo nacional de governo de transição a ser criado; e que não será jamais criado a golpes de “sanções”, nem intervenção militar, nem pressões contra um lado só e sempre o mesmo lado – o governo sírio. Ora, o governo sírio já declarou que está pronto a iniciar negociações. Já há até representante designado pelo governo sírio para as conversações indispensáveis para negociar a o fim dos conflitos armados na Síria.

O problema é que há grupos na Síria que não querem nenhuma negociação; há grupos extremistas; há grupos armados que têm interesse na escalada da violência, inclusive com ataques terroristas, como o que houve ontem em Damasco. Não estou dizendo que o governo sírio jamais antes tenha recorrido à violência excessiva; também aí se cometeram erros graves, e ataques injustificáveis ao longo desses meses. Mas, agora, é hora de negociar e pôr fim à violência dos dois lados. A menos que alguém tenha algum interesse em que a guerra na Síria se prolongue por muitos anos, é indispensável iniciar um diálogo imediatamente.

Russia Today: A Rússia não abandona a posição contra a intervenção militar na Síria. Não haverá algum perigo, em assumir posição tão isolada, tendo de vetar e vetar sempre qualquer sanção contra a Síria, se se sabe que a Russia está fornecendo equipamentos ao exército sírio? Sabemos que Moscou já declarou que os equipamentos não são usados contra civis. Mas... não é posição difícil de defender? Como ficarão a reputação da Rússia e as relações entre a Rússia e os países aos quais os vetos russos se opõem, tão declaradamente, depois de superada a crise síria? 

VC: Não se pode adivinhar. Entendo que a Rússia está fazendo o que tem de fazer, fazendo o mais certo, sem seguir uma ou outra política de catástrofe. Aí está uma luta que me orgulho muito de estar lutando, que talvez leve a um novo e melhor curso de ação e a políticas que levem a melhores resultados. É luta que a Rússia está lutando em circunstâncias muito difíceis.

Quanto aos vetos... Se não estou enganado, só os EUA vetaram, sozinhos, só o veto dos EUA contra a aprovação de todo o Conselho de Segurança, mais de 60 projetos de resolução sobre a questão palestina. Quem se sinta incomodado pelo veto de China e Rússia, na questão síria, que vá entrevistar os diplomatas norte-americanos, meus colegas, e peça-lhes explicações sobre as dezenas e dezenas de vetos dos EUA contra os palestinos. Não raras vezes, os representantes norte-americanos no Conselho de Segurança “vetam”, até, declarações do próprio presidente ou da secretária de Estado!

De fato, o veto é uma instituição da Carta da ONU. É direito tão perfeito e legítimo quanto o voto a favor. Nada há de errado em vetar, quando vetar é absolutamente necessário e indispensável, como no caso da Síria, hoje, quando se trata de impedir que mais um país seja destruído, como se a “intervenção militar humanitária” ocidental já destruiu o Iraque e, mais recentemente, também a Líbia. (...)

Russia Today: E sobre a missão dos observadores da ONU na Síria? Que sentido há em manter lá essa missão que, até agora, nada conseguiu?

VC: A missão deve ser mantida lá, por várias razões. A primeira delas é que a missão é fonte de informação objetiva. Além disso, é importante que a missão esteja lá, também para avaliar a real situação da população, vendo a situação de perto. Retirar de lá a missão da ONU seria como abrir caminho para ações ainda mais terríveis, de consequências ainda mais graves. Já estamos, de fato, entrando em outra batalha diplomática. Trata-se agora de conseguir manter a missão lá, e tecnicamente operante, sem sobrecarregá-la com limitações e implicações políticas.


Infelizmente, a intervenção militar humanitária é sempre só militar; apenas parece humana ou humanitária. Seja qual for o motivo ou pretexto, fato é que qualquer tipo de intervenção militar na Síria só levará a derramamento de sangue ainda maior. Não há quem não saiba que os maiores interventores humanitários do planeta – EUA e Grã-Bretanha – intervieram no Iraque, por exemplo, declamando os mais nobres pretextos (naquele caso, a existência de armas de destruição em massa... que jamais existiram). O resultado, no Iraque, foram 150 mil mortes, só entre os civis; além de milhões de refugiados e legiões de seres humanos cujas vidas foram arruinadas, condenados a vagar pelo país. Por tudo isso, não se deixem enganar pela retórica do humanitarismo ocidental. Na política ocidental para a Síria, há muito mais geopolítica, que humanitarismo. Afirmações do Embaixador Russo, na ONU - publicadas dia 20 de julho na Redecastorphoto.

Conter a influência do Irã no Oriente Médio é outra das principais motivações dos “combatentes democráticos” ocidentais – Arábia Saudita e Qatar – preocupados com o avanço do que, para eles, seria interesse só do Irã; o mesmo se vê também no Bahrain.

Quanto aos vetos – se não estou enganado, só os EUA vetaram, sozinhos, contra todo o Conselho de Segurança, mais de 60 projetos de resoluções sobre a questão palestina. Quem se sinta incomodado pelo veto de China e Rússia na questão síria, que entreviste os diplomatas norte-americanos, meus colegas, e peça-lhes explicações sobre as dezenas e dezenas de vetos dos EUA contra os palestinos

Nota: traduzido pelo pessoal da Vida Vudu
extraído do blog: Redecastorphoto