segunda-feira, 16 de julho de 2012

A Hidra em Damasco

14/07/2012 - Pepe Escobar
em 13/7/2012, no Asia Times Online – The Roving Eye - “A Hydra in Damascus”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu para a redecastorphoto

Kofi Annan está cada vez mais parecido com Austin Powers [1], menos os ternos vermelhos; misterioso agente internacional, que voa de capital em capital, pelo mundo, tentando impedir uma guerra terrível.

O “Dr. Mal”, claro, é Bashar al-Assad, da Síria. “Mexa-se, baby”! [2]

O mediador-em-chefe da ONU está agora convencido de que Irã e Iraque apoiam seu novo plano de transição política para Damasco, que, na essência, é o plano anterior, de 12 de abril remixed, por causa de uma equipe de exilados oportunistas conhecidos como Conselho Nacional Sírio (CNS) [orig. Syrian National Council (SNC)].

Há matéria [3] com detalhes deliciosos do encontro em Damasco, no início da semana, entre Annan e Assad. Como em qualquer show decente, as melhores falas aparecem antes dos créditos:

Annan: Por quanto tempo você acha que essa crise continuará?
Assad: Durará enquanto o regime financiá-la.
Annan: Você acha que todo o dinheiro é deles?
Assad: Eles estão por trás de muitas coisas que acontecem em nossa região. Acham-se capazes de liderar todo o mundo árabe hoje e para sempre.
Annan: Mas tenho a impressão de que eles não têm a população necessária para tanta ambição. [Todos riem]

Chamem o agente Kofi Powers, para salvar o mundo?

Não apenas Annan e Assad: todo mundo sabe que “o regime” referido é o Qatar.

E por isso o CNS não aceita cumprir o cessar-fogo decidido no plano anterior de Annan – e novamente não aceitarão agora, pelo segundo plano. Todos sabem que o Qatar – e a Arábia Saudita – continuarão a armar os “rebeldes”, sejam desertores, associados ao CNS ou não, membros dos diferentes ramos do Exército-sírio-nada-Livre, ou mercenários salafistas-jihadistas outra vez alugados em alegre colaboração com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

O CNS foi a Moscou, para conversar com o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov (foto abaixo). [4] Os russos não se impressionaram. Nas palavras do novo chefe do CNS, Abdulbaset Sayda, “Exigimos a partida imediata de todos os representantes do atual governo, a começar pelo líder Assad (...) Qualquer tentativa de reconciliação com o atual regime dará em nada”.

Quer dizer: outra vez, o CNS está torpedeando Kofi Powers Annan e sua transição política, antes até de haver alguma transição. Para nem dizer que já deram jeito de alienar Moscou, cujo principal interesse é ser o principal mediador de um governo sírio de transição. Moscou redigiu uma resolução, para prorrogar a missão da ONU na Síria por mais três meses, trocando o monitoramento de uma trégua que ninguém respeita, pela negociação de uma transição política.

O chamado plano de seis pontos de Annan implica imediato cessar-fogo (que jamais será respeitado pelo CNS e pelo ESL); retirada, de vilas e cidades, de todo o armamento pesado e forças militares; acesso para socorro humanitário e jornalistas; e criação de um mecanismo para a transição política.

Mais uma vez, até essa “transição política”, baseada em “aceitação mútua” – decidida em Genebra, dia 30 de junho – já começa plantada sobre terreno extremamente movediço. Para Washington, “aceitação mútua” significa “Assad fora”. Para Moscou, “aceitação mútua” significa que o sistema Assad é parte da negociação.

A oposição síria, representada pelo CNS e pelo Exército Sírio Livre (ESL) – devidamente apoiada pela secretária de Estado Hillary (“Viemos, vimos, ele morreu”) Clinton e sua gangue de “Amigos da Síria” – continua aos gritos: que se danem as negociações; queremos o poder e queremos já. Que democracia seria essa?

You say you want a revolution [5]

A essa altura, Kofi Powers já deveria ter subido a aposta e usado alguma tática de intimidação sedosa contra aquele pessoal. Afinal, é sua reputação que está em jogo. Não acontecerá.

Assim sendo, não surpreende que toda a gangue desejante – do pessoal do Pentágono, CIA e gente do Departamento de Estado, aos aliados turcos do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, incluindo aqueles “democratas” exemplares do Golfo – estejam salivando ante a possibilidade de... e o que mais seria?!... um golpe.

Agora, quando por todos os cantos florescem as “democraturas” [4/7/2012, redecastorphoto, Pepe Escobar: E tudo sempre pode acabar em “democratura” - ver em http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/07/pepe-escobar-e-tudo-sempre-pode-acabar.html], o cardápio parece bem apetitoso. No Egito, o orwelliano Conselho Supremo das Forças Armadas já desferiu seu golpe, imediatamente antes das eleições presidenciais. No Iêmen, a Casa de Saud instalou o substituto preferido, no posto de Abdul Saleh, depois de uma espécie de golpe branco.

Considerando que a OTAN e os “Amigos da Síria” são totalmente ineptos/incapazes para montar golpe semelhante, e considerando que as elites no topo do poder da Síria absolutamente não racharam, o quadro é semelhante ao de Hosni Mubarak: tenta-se cortar a cabeça da cobra, mesmo que, imediatamente, novas minicabeças já estejam brotando na mesma cobra, como na Hidra.

Fachadas de inteligência dos EUA, como a recentemente hackeada-detonada empresa Stratfor, temem que esse arranjo só beneficie Irã e Rússia, ambos com complexas redes instaladas dentro da Síria, e ambos interessados em manter o atual sistema, porque interessa aos seus projetos geopolíticos.

Altamente útil será manter olho vivo, acompanhando o que o clã Assad enfrenta, no plano interno. Uma “transição” liderada de dentro da Síria pode dar ainda mais poder a alguns seletos sunitas e talvez a uns poucos cristãos e curdos – mas a mudança nada terá a ver com a “revolução” com que o CNS delira. Em termos estruturais, continuará tudo mais ou menos como está.

Dentre os sunitas que ganham poder num cenário pós-Assad, os principais candidatos são o ministro do Interior Mohammad Ibrahim al-Shaar; o Comandante do Estado-maior do Exército Fahd Jasem al-Farij; o vice-secretário regional do Partido Baath Muhammad Said Bukhaytan; e o comandante da Guarda Republicana Manaf Tlas (o qual, sim, desertou e já está em Paris [6]).

Dr. Evil e Mini-me

 Até agora, contudo, as deserções são praticamente irrelevantes; mas há um grupo que é preciso observar de perto. Se alguém desse grupo desertar, então, sim, o clã Assad pode começar a enfrentar problemas graves. Nesse grupo estão Jamil Hassan; Abdel-Fatah Qudsiyeh; Ali Mamlouk; e Muhammad Deeb Zaitoon. São os chefes das quatro agências de inteligência da Síria (sim, a Síria de Assad é estado policial de linha ultra dura). E, claro, Hisham Bakhtiar – chefe do Conselho de Segurança Nacional e principal conselheiro de segurança de Assad.

No pé em que estão as coisas hoje, o grupo governante sírio ainda parece monoliticamente indestrutível. Não sairão de lá e só serão arrancados com luta extrema. E a “alternativa” é a Fraternidade Muçulmana e o Conselho Nacional Sírio – cujas credenciais “revolucionárias”, para nem falar em democracia, são, para dizer o mínimo, pífias. As massas de civis apanhadas sob fogo cruzado, talvez até se interessassem pela possibilidade de golpe. Melhor que acabar governados pelos sinistros “Amigos da Síria”, o que seria substituir um Dr.Mal por um Dr. Mini-Mal [7], só que “democrático”.

Notas dos tradutores
[1] Personagem de três filmes sobre um agente do Ministério da Defesa britânico, e seu arqui-inimigo-nêmesis, Dr. Evil [Dr. Mal], obcecado com apressar o fim-do-mundo-como-o-conhecemos, e cujos planos Austin sempre consegue fazer fracassar. Imagens em: “Film: Austin Powers”. (ver em: http://tvtropes.org/pmwiki/pmwiki.php/Film/AustinPowers?from=Main.AustinPowers )

[2] De License to swing, da série Austin Powers, trailer a seguir: (ver em: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=wvHWmmZ3q5w )

[3] 10/7/2012, Al-Akhbar, em: “Assad and Annan: Back to Square One”. (ver em: http://english.al-akhbar.com/content/assad-and-annan-back-square-one )

[4] 11/7/2012, RIANOVOSTI, “Syrian Opposition Group Calls for Revolution”. (ver em: http://www.en.rian.ru/world/20120711/174555887.html )

[5] É verso de Revolution, Beatles, 1968, assista e ouça em: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=VKB-w179PIQ

[6] 6/7/2012, Syria Comment, “Manaf Tlas Defection Confirmed: His Statement from Paris”. (ver em: http://www.joshualandis.com/blog/?p=15233 )

[7] Orig. Mini-me. É personagem da série Austin Powers. Sobre ele, com imagens. (ver em: http://en.wikipedia.org/wiki/Mini-Me )

Postado por Castor Filho - em:
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2012/07/pepe-escobar-hidra-em-damasco.html