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terça-feira, 17 de dezembro de 2013

Nas escolas, o beabá dos direitos humanos

10/12/13 - ONU: “Necessitamos que a educação nas escolas ensine direitos humanos”
- Danilo Mekari - Portal Aprendiz

“Necessitamos que a educação nas escolas ensine direitos humanos e respeito mútuo e inspire as e os jovens a serem líderes a favor da igualdade.” 

É o que defende Nadine Gasman [foto acima], representante da ONU Mulheres no Brasil, sobre o papel do ensino na erradicação da violência contra mulheres e meninas.

Na data em que se encerra a campanha “16 Dias de Ativismo”, que envolveu mais de 130 países em ações simultâneas em prol de maior comprometimento social para prevenir, punir e erradicar a violência de gênero, Nadine falou ao Portal Aprendiz sobre os desafios que o Brasil enfrenta para reverter a questão.

Uma mulher morta a cada duas horas.

Em comparação a outros países, o Mapa da Violência 2012 apresenta o Brasil na sétima posição em um ranking que mede a ocorrência de assassinatos de mulheres em 84 nações. Só na última década, mais de 43 mil brasileiras foram vítimas de homicídio, o equivalente a uma mulher morta a cada duas horas, em sua maioria no ambiente doméstico.

É preciso reconhecer que a violência contra as mulheres e meninas é uma expressão de um fenômeno social e cultural de exercício de poder e subordinação entre homens e mulheres, que implica em violações de múltiplos direitos humanos e que não é natural, aceitável ou tolerável em nenhuma cultura, classe social ou religião.

No Brasil, segundo pesquisa realizada pelo DataSenado, aproximadamente uma em cada cinco mulheres já foi vítima de violência doméstica ou familiar provocada por um homem.

Os percentuais mais elevados foram registrados entre as mulheres que possuem menor nível de escolaridade, entre as que recebem até dois salários mínimos e entre aquelas que têm idade de 40 a 49 anos.

No entanto, a própria pesquisa demonstra que a violência está presente em todas as classes sociais”, afirma Nadine.

De acordo com ela, o fim da violência contra as mulheres será uma realidade “à medida que mais pessoas a considerarem inaceitável e passível de ser evitada, e à medida que mais agressores receberem a punição devida”.

Abertura oficial da campanha "16 Dias de Ativismo" em Novo Hamburgo (RS)

Leia mais:
Campanha 16 Dias de Ativismo pede fim de violência contra mulheres

Portal Aprendiz – Qual a importância da Campanha 16 Dias de Ativismo no contexto brasileiro de combate à violência contra a mulher? Quais ações ocorreram durante esse período?

Nadine Gasman – A campanha é uma forma chamar a atenção da comunidade internacional para que se conscientize e se esforce para combater a violência contra as mulheres fortalecendo o marco dos direitos humanos.

Diversas ações foram realizadas por diferentes pessoas, grupos sociais, instituições públicas e privadas.

(Veja aqui um mapa interativo com as ações que ocorreram no dia 25/11).

Entre as atividades da campanha estavam marchas com o objetivo que denunciar os altos índices de violência praticados contra a mulher no Brasil.

Aprendiz – Como realizar um trabalho educativo com crianças e adolescentes, a longo prazo, que vise eliminar a violência de gênero? E, para além disso, como levar essa educação para a sociedade como um todo?

Gasman - Para citar a Secretária Geral Adjunta das Nações Unidas e Diretora Executiva da ONU Mulheres, Phumzile Mlambo-Ngcuka, [foto] “necessitamos que a educação nas escolas ensine direitos humanos e respeito mútuo, e inspire as e os jovens a serem líderes a favor da igualdade."

"Necessitamos oportunidades econômicas equitativas e acesso à justiça para as mulheres.

Necessitamos escutar a opinião delas.

Necessitamos mais mulheres na política, na polícia e nas forças de manutenção da paz”.

Temos que envolver os Ministérios da Educação para garantir que os direitos humanos, a educação sexual, a igualdade de gênero e a resolução não violenta de conflitos sejam temas centrais nos currículos em todos os níveis da educação.

Os professores e professoras também precisam receber formação para ensinar sobre esses temas.

Aprendiz –  Qual a avaliação da ONU Mulheres acerca dos sete anos de implementação da Lei Maria da Penha? Quais os principais desafios a serem superados?

Gasman – A Lei Maria da Penha é citada entre as três melhores legislações do mundo com relação ao enfrentamento à violência contra as mulheres no relatório “O Progresso das Mulheres no Mundo 2008/2009″, junto com a lei da Violência Doméstica na Mongólia (2004) e a lei de Proteção contra a Violência na Espanha (2004).

É realmente uma lei especial, porque 98% da população a conhece e sabe que a violência contra as mulheres é um crime passível de punição.

A Lei Maria da Penha é essencial, pois deu às mulheres a certeza de que podem falar e denunciar.

As mulheres que sofrem violência já não se sentem obrigadas a se calar e aguentar tudo sozinhas.

Elas sabem que existe proteção legal para elas, e estão se sentindo encorajadas a denunciar.

Então, o que vem aumentando é a visibilidade, a possibilidade de tornar pública a violência doméstica e buscar uma solução.

A lei é muito popular, todo mundo sabe que ela existe, e tem sido muito útil na proteção da vida e da integridade das mulheres vítimas de violência.

Porém, o sistema de justiça precisa acompanhá-la.

O sistema de justiça brasileiro reconhece de forma irregular a gravidade da violência doméstica e
familiar.

Apenas um terço dos casos que chega aos tribunais resulta em condenação, e a impunidade ainda é um problema crítico.

O Brasil tem uma rede de atendimento que tem que ser fortalecida para garantir que as mulheres que são agredidas tenham acesso a serviços integrais de qualidade.

A prioridade do governo através do programa “Mulher, viver sem violência” tem potencial de garantir esse acesso.

Fonte:
http://portal.aprendiz.uol.com.br/2013/12/10/onu-necessitamos-que-a-educacao-nas-escolas-ensine-direitos-humanos/

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A Amazônia que o BNDES financia

05.12.13 - Por Bruno Fonseca e Jessica Mota
- da série #BNDESnaAmazônia - Agência Pública

Pela lei de acesso à informação, a Pública obteve 43 contratos do BNDES com grandes corporações nacionais para empreendimentos na Amazônia.

Nos calhamaços de papel assinados e rubricados diversas vezes por gigantes da economia brasileira – Vale, Eletrobrás, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Votorantim, Alcoa, dentre outros -, saltam cifras de 500 milhões, 1 bilhão, até quase 10 bilhões de reais.

São os contratos de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a uma série de megaempreendimentos na Amazônia, que não são disponibilizados publicamente pelo banco, embora todas essas obras sejam custeadas com o dinheiro de impostos.

A Pública entrou com um pedido de acesso à informação para obter os contratos dos principais investimentos do BNDES em projetos de infraestrutura na Amazônia brasileira e obteve 43 contratos que revelam detalhes sobre o financiamento de projetos de empresas e estados – as garantias exigidas, os compromissos socioambientais acordados – e descobriu que, na prática, muitas dessas obras desrespeitam o que foi assinado, contribuindo para muitos dos problemas que a reportagem vem encontrando ao longo da produção dessa série, motivando inclusive ações judiciais.

O curioso é que isso ocorre apesar da complexidade de procedimentos que o processo de obtenção do financiamento implica. Para pleitear um empréstimo, é preciso enviar um pedido formal, que tem de ser acompanhado de documentação específica de acordo com a modalidade de financiamento – o banco oferece 11 produtos diferentes, cada um com linhas de financiamento específicas.

Esse documento inicial tem que conter dados gerais sobre a operação e dados específicos sobre o projeto em questão, incluindo informações sobre os aspectos econômicos e financeiros da empresa e do seu mercado de atuação; e sobre os aspectos jurídicos, com todos os estudos e licenças de operação e meio ambiente emitidos pelos órgãos responsáveis, como o IBAMA ou a Secretaria de Meio Ambiente.

Caso o projeto apresente algum impacto ambiental, são negociadas medidas de compensação através de outras linhas de apoio paralelas oferecidas pelo BNDES, voltadas ao meio ambiente.

A empresa também responde a um questionário sobre os aspectos e impactos sociais da empresa e do projeto.

Assim, o Comitê de Enquadramento e Crédito do BNDES, formado pelos 23 superintendentes do banco, classifica a operação com base nos riscos ambientais apresentados na proposta.

Só então o banco prossegue com a aprovação e a contratação do financiamento do projeto pela diretoria, formada pelo presidente, vice e sete diretores do BNDES. O contrato de financiamento não é disponibilizado no site do BNDES ou em outra plataforma ao alcance do público.

No caso dos contratos internacionais, o acesso à Pública foi negado, mesmo pela Lei de acesso à informação.

CLÁUSULAS SÃO INSUFICIENTES PARA PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS E MEIO AMBIENTE
Através da análise dos 43 contratos aos quais a Pública teve acesso, foi possível perceber que mesmo com tantas exigências formais por parte do BNDES, as cláusulas que dizem respeito à proteção dos direitos humanos e meio ambiente são estipuladas, em sua maioria, através de parágrafos padronizados, e não garantem o cumprimento de compromissos de acordo com a especificidade dos projetos.

Por exemplo, a frase “manter em situação regular suas obrigações juntos aos órgãos do meio ambiente, durante o período de vigência deste Contrato” está presente em todos os documentos analisados, bem como “adotar, durante o período de vigência deste Contrato, as medidas e ações destinadas a evitar ou corrigir danos ao meio ambiente, segurança e medicina do trabalho que possam vir a ser causados pelo projeto”.

Não há detalhes tampouco nas Disposições Aplicáveis aos Contratos do BNDES, destinadas a todos os contratantes, que se limitam a estipular o cumprimento das obrigações estabelecidas por Lei, sem maiores acréscimos.

Até onde se sabe, não haveria uma customização. As cláusulas [socioambientais] não são desenhadas de acordo com o projeto, são cláusulas padrão”, critica Caio Borges, pesquisador da Conectas – ONG que promove os direitos humanos na África, América Latina e Ásia.

Na visão do pesquisador, o processo ideal para esses contratos envolveria três etapas: a elaboração de uma política de direitos humanos, a realização de auditoria em direitos humanos – “que criariam ferramentas operacionais [para] que essa política esteja efetivamente dentro da rotina e dos processos da empresa”, como explica Caio – e a criação de mecanismos operacionais de denúncia e reclamação a exemplo das ouvidorias dos bancos multilaterais, como o Banco Mundial.

Deve existir um canal institucional de diálogo em que uma pessoa que se sinta atingida possa ligar para o banco e dizer que aquele projeto está violando algum direito dela ou que alguma política do banco está sendo descumprida e que aquele projeto não está seguindo os procedimentos que o próprio banco estipula”, diz Caio que acredita que só assim, e com uma melhor fiscalização dos órgãos públicos responsáveis pela concessão de licença, seria possível estancar o uso de dinheiro público em projetos que descumprem as salvaguardas sócio-ambientais tanto no Brasil como em outros países.

DE BELO MONTE A IMPERATRIZ: LICENÇAS QUESTIONADAS
É este o caso de diversos empreendimentos que tiveram suas licenças ambientais questionadas, como a polêmica usina de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará.

Mesmo após a Justiça brasileira determinar paralisação das obras por ilegalidade no licenciamento ambiental, o BNDES não divulgou qualquer modificação ou sanção em relação aos contratos de mais de 25 bilhões de reais firmados com o consórcio responsável, a Norte Energia.

E isso em um contrato que se destaca entre outros do BNDES por haver um maior detalhamento nas condicionantes socioambientais, entre eles, a obrigação de cumprimento das diretrizes dos Princípios do Equador, estabelecidas pelo International Finance Corporation (IFC), do Banco Mundial.

Ali se estipulam as regras para avaliações ambientais; proteção a habitats naturais; segurança de barragens; populações indígenas; reassentamento involuntário de populações; trabalho infantil, forçado ou escravo; projetos em águas internacionais e saúde e segurança no trabalho; dentre outros.

Já na construção da usina produtora de celulose da Suzano, em Imperatriz, no Maranhão, objeto de um contrato de mais de 2,7 bilhões de reais, o BNDES determinou à Suzano “adotar, durante o período de vigência deste Contrato, medidas e ações destinadas a evitar ou corrigir danos ao meio ambiente, segurança e medicina do trabalho que possam vir a ser causados pelo projeto”.

Entretanto, a construção da usina, em andamento no interior do Maranhão, está envolvida na morte de três funcionários, isso após o Ministério Público do Trabalho ter constatado, seguidamente, problemas de segurança no canteiro de obras.

Uma das empresas envolvidas no projeto, a Imetame, chegou a se recusar a  assinar um Termo de Ajustamento de Conduta do MPT (leia mais aqui), o que mostra como, na prática, a lei é ignorada.

- Leia e baixe os 45 contratos que a Pública teve acesso e que estão exibidos no final dessa matéria, acessando o link da fonte:

Fonte:
http://www.apublica.org/2013/12/amazonia-bndes-financia/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Violências invisíveis

28/10/2013 - Ieda Estergilda de Abreu
- Revista Fórum, edição 125

A pesquisadora Luciane Lucas dos Santos [foto] fala sobre como o atual modelo de desenvolvimento e a sociedade de consumo se relacionam com as formas de violência presentes em nosso cotidiano

Como o atual modelo de desenvolvimento, adotado não apenas no Brasil, mas também em outros em países, afeta a dignidade humana?

A questão do modelo neoextrativista de desenvolvimento, a violência intrínseca a ele, o consumo e a questão indígena brasileira, temas entrelaçados, são estudados e discutidos pela professora e pesquisadora em Sociologia do Consumo, Luciane Lucas dos Santos.

Carioca com doutorado em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ela hoje é pesquisadora pós-doc no Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, em Portugal, e em junho esteve em São Paulo, onde conduziu o 105º Fórum do Comitê de Cultura de Paz, parceria Unesco-associação Palas Athena.

Na entrevista abaixo, Luciane aborda as inúmeras formas de violência presentes no nosso cotidiano e como a sociedade de consumo e o modelo de desenvolvimento nutrem a invisibilidade desses fenômenos.

Fórum – Como se manifesta a violência hoje, na sua avaliação?
Luciane Lucas dos Santos – Muitos imaginam a violência como sendo apenas algo que tem a ver com o mal que um vai causar ao outro, com o contexto da guerra, da limpeza étnica, da violência das cidades. Há muitas formas de violência.

Caminhões com ameixas apodrecendo ao sol, que não chegam ao território palestino, é, por exemplo, uma forma de violência. 

Pode-se pensar também na humilhação social e na invisibilidade de algumas minorias – caso dos moradores de rua – como uma forma agressiva e silenciosa de violência.

Morador de rua em São Paulo:
uma forma de violência não
identificada pela sociedade em geral
(Valter Campanato / ABr)
É comum pensarmos que morador de rua quer vida fácil, não faz nada, não gosta de trabalhar. Não é verdade.

Estive com alguns numa feira de trocas embaixo do Viaduto do Glicério [região central de São Paulo] e aprendi muito.

Muitos estão diretamente envolvidos na organização da feira de trocas do Glicério. 

Trabalham montando e desmontando as barracas, na limpeza dos banheiros, no apoio às tarefas da cozinha. Recebem mirucas (moeda social) por este trabalho e, com elas, obtêm aquilo de que necessitam – alimento, roupas, produtos de higiene pessoal.

Nós temos uma concepção equivocada sobre a população em situação de rua. Muitos trabalham. 

Tem gente que veio de outros estados, da construção civil, perderam o emprego, não tiveram como voltar e ficaram por aqui. Muitos não voltam para casa, para sua terra, por vergonha.

A razão para se estar na rua também pode ser diversa: o abandono e a desagregação familiar, assim como o desemprego, estão entre os motivos. A droga e o álcool chegam, às vezes, depois. A invisibilidade social a que eles são muitas vezes relegados é, sem dúvida, uma forma de violência.

Fórum – A senhora diz que o modelo de desenvolvimento de um país pode vir a ser, paradoxalmente, um vetor de violência. Como é isso?
Luciane – As ideias de progresso e desenvolvimento não raro transformam-se em desrespeito às diversidades e às diferentes temporalidades que marcam as múltiplas formas de organização da vida.

O Brasil faz parte de um grupo de países que têm apostado no neoextrativismo – ou seja, trata-se de uma aposta nos hidrocarbonetos, na mineração, no alargamento dos latifúndios. 
As correlações, no entanto, nos escapam.

O hidrocarboneto pode estar no batom; quanto mais você compra, mais petróleo é necessário; quanto mais renova o celular, mais é necessário o coltan.

Muita gente não sabe que por trás da sede de novidades tecnológicas (laptops, celulares, pads), existe uma demanda crescente por este minério – o coltan (columbita-tantalita) – e que, muitas vezes, a demanda de coltan no mercado internacional implicará o acirramento da guerra civil em países como a República Democrática do Congo, onde há uma grande quantidade desse minério.

Não se trata de não ter celular, mas de discutir a violência invisível que habita os produtos, serviços e tudo mais que está no nosso cotidiano.

Fórum – Qual o papel do consumo nesse contexto?
Luciane – A maneira como eu me visto, onde eu como, que lugares eu frequento, tudo isto diz algo sobre mim. Os hábitos de consumo estão diretamente relacionados à questão da identidade.

Há um mito, aqui, que precisa ser desfeito: o de que o consumo seja um ato individual. Embora ele pareça ancorar-se na escolha do indivíduo, o repertório que sustenta e valida o consumo é social.

Isto quer dizer que, embora os indivíduos re-signifiquem, a todo momento, os conteúdos que recebem eles estão sempre presos a uma teia de significados validada socialmente.

Outra questão a considerar é que, no mundo contemporâneo, os nossos afetos têm sido mediados pelo mundo dos bens. Há riscos nisto.

Uma mãe atarefada que leva o filho, no fim do dia, para comer numa destas grandes lojas de fast food está tentando propiciar à criança uma experiência de bem-estar instantânea.

Ela pode pensar: “meu filho, não temos muito tempo para estarmos juntos…. quero que esta experiência seja alegre pra você… se você gosta tanto de ficar aqui, então vambora”.

Mas de todas as coisas que precisamos repensar acerca do consumo, uma me parece urgente: o reconhecimento de que o consumo constitui um sistema de classificação social.

Este modelo de consumo que hoje alimentamos contribui para que se naturalize uma hierarquia entre diferenças. Hierarquia entre gêneros, etnias e classes sociais. Mas, também, entre saberes, entre temporalidades, entre modos de estar no mundo e organizar a reprodução material da vida.

Fórum – O que o carro significa nesse contexto?
Luciane – Tem tudo a ver, estamos falando da violência estrutural, cotidiana e que tem muito da nossa aceitação. E aí entram as relações de trabalho.

Falemos do combustível que alimenta nossos carros – carros que associamos ao conforto.

Um trabalhador, no canavial, corta 12 toneladas diárias de cana. Ele anda quase nove quilômetros para cortar essas toneladas, segundo uma pesquisa da Embrapa. Faz cerca de 800 trajetos diários, dá 133 mil golpes de podão por dia. É uma violência silenciosa de que não temos notícia.

Ainda assim, queremos que aumente o valor do etanol no mercado internacional porque significa que o Brasil vai crescer. De que modelo de desenvolvimento estamos falando, afinal?

Fórum – E sobre os impactos sociais e culturais por trás do nosso consumo?
Luciane – Vamos ao caso dos megaeventos, tendo em vista o “consumo” da cidade.

Veja o que se passa no Rio de Janeiro. Bairros inteiros estão sendo afetados para facilitar o tráfego entre o Galeão e a Barra. 

Em São Paulo são organizadas visitas a Paraisópolis, que fica ao lado do Morumbi, por R$ 300.

Você sai da Vila Olímpia, por exemplo, e vai até Paraisópolis fazer um city tour.  Os pobres viram, simplesmente, objeto de consumo.

De repente, torna-se in subir o bondinho do Alemão ou ir aos restaurantes bacanas que agora estão dentro das favelas. 

Usando um termo empregado por Boaventura de Sousa Santos, estamos diante de uma relação de “apropriação e violência”.

A favela tem sido espetacularizada.

Não estou dizendo que tudo o que esteja acontecendo em função da Copa seja ruim, que as pessoas não estejam se reorganizando e criando oportunidades, mas quando transformamos a favela noutra coisa, estabelecemos com ela uma relação de violência.

Fórum – A questão indígena é outro tema de sua pesquisa. Como encaixaria no contexto da violência?
Luciane – Vou dar alguns exemplos do que tem acontecido com os povos indígenas para mostrar a situação de insegurança jurídica e fundiária.

Inúmeros documentos – entre projetos de lei, decretos etc – tratam de questões candentes sob uma perspetiva claramente anti-indígena.

A PEC 215 e a PEC 38 são bons exemplos. A PEC 215 propõe que seja do Congresso Nacional a responsabilidade pela demarcação das terras indígenas e quilombolas (já a PEC 38 propõe que seja o Senado a fazê-lo).

Isto significa, todos sabemos, uma barreira política aos processos de demarcação.

A Portaria 303, por sua vez, em consonância com o Código Florestal, separa os povos originários dos recursos que estão em suas terras. Ou seja, restringe o usufruto dos bens e recursos por parte destas populações, ainda que tais bens e recursos se encontrem em terras indígenas.

Se o Código Florestal abre o caminho ao retrocesso em relação aos direitos coletivos, a Portaria 303 pavimenta a estrada que confirma o grande latifúndio. Mas a questão não pára aí: a partir da Portaria 303, as demarcações já estabelecidas podem ser revistas e reconsideradas.

Outro exemplo é o projeto de lei 1610/96, bem como seu texto substitutivo, que complementam o cenário de retrocesso. 

Versam, ambos, sobre a exploração de recursos minerais em terras indígenas – sempre, é claro, com a alegação do interesse nacional. Segundo este Projeto de Lei, alcunhado de PL da Mineração, a consulta pública passa a ser um ato mais simbólico do que deliberativo e não interfere na continuidade do processo de exploração mineral.

Fórum – O que fazer?
Luciane – Primeiro, precisamos entender que dentro da diferença existem diferenças, para podermos perceber a dignidade de forma mais ampla.

Na luta das mulheres, por exemplo, é comum acharmos que o movimento feminista é um só, que vai reunir todas as lutas numa luta única. Há também violência quando as mulheres são tratadas como se falassem em uníssono, como se seus mundos fossem de uma única cor ou matiz.

Os problemas das mulheres não são sempre os mesmos; tampouco elas têm uma essência platônica a compartilhar.

Cair nesta cilada epistemológica é desconsiderar que os problemas vividos por estas mulheres podem ser ampliados diante de outras questões vividas na própria carne, como, por exemplo, o racismo, a intolerância religiosa, o preconceito com a opção sexual e as diferenciações de classe que abatem ainda mais o corpo da mulher pobre.

Já ouvi de uma mulher da periferia de São Paulo dizendo: “Quero saber como é que vocês podem me apoiar no final de semana, que é quando o bicho pega.”

É uma pergunta interessante. As condições de resposta de uma mulher de classe média à situação de violência doméstica não são as mesmas de uma mulher que vive na periferia.

Assim, não dá para, em nome dos direitos humanos, acharmos que a luta é a mesma para todo mundo; não necessariamente ela será.

Fórum – A senhora diz também que precisamos repensar a paz.
Luciane – Sim, fala-se muito na cultura de paz, mas acho importante pensarmos de que paz estamos falando e como ela é possível.

Evocar a paz implica, primeiro, não esquecer a diferença dentro das diferenças e perceber que não é possível evocar a paz, a dignidade, passando por cima de desigualdades e dívidas históricas.

Não estou dizendo que a paz não é possível, quero deixar claro. Contudo, é importante ter em conta que esta paz branca que tudo dilui – inclusive a história – é também violenta.

A cultura de paz só poderá efetivamente acontecer mediante efetivos processos de tradução intercultural e, portanto, de respeito às diferenças.

A tradução intercultural, nos termos propostos por Boaventura de Sousa Santos, configura-se como um antídoto poderoso contra o esgarçamento do tecido social, constituindo também uma forma preciosa de articulação política das minorias silenciadas.

Queremos a paz, sim, mas uma paz justa, que não seja construída em cima do silenciamento e da diluição da diferença.

Fonte:
http://revistaforum.com.br/blog/2013/10/violencias-invisiveis/

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Quênia descobre um inacessível excesso de água

por Miriam Gathigah, da IPS


kenia Quênia descobre um inacessível excesso de água
O condado de Turkana é a região mais árida do Quênia. Segundo especialistas, a descoberta de 200 mil metros cúbicos de água na região deve beneficiar diretamente a comunidade do lugar, majoritariamente nômade. Foto: GNR8R/CC by 2.0

Nairóbi, Quênia, 19/9/2013 – Zakayo Ekeno passou décadas pastoreando gado nas áridas terras do condado queniano de Turkana, como seu pai fizera antes. Nada nesses solos liquidados pela seca lhes indicava a riqueza que escondiam. “Muitas vezes me perguntei se poderia sair algo bom desta terra de má sorte”, contou Ekeno. Turkana é o mais árido e pobre dos 47 condados do Quênia. Em 2011, quase 9,5 milhões de pessoas dessa comunidade, principalmente nômade, foram afetadas por uma severa falta de chuvas.
Assim, poucos poderiam ter sonhado que debaixo dessa terra rachada e chamuscada pelo Sol havia água suficiente para abastecer durante 70 anos um país de 41,6 milhões de habitantes como este. No dia 11 deste mês, o governo do Quênia e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) anunciaram a descoberta de reservas de aproximadamente 200 mil metros cúbicos de água doce na bacia do Lotikipi, em Turkana.
“Todos os anos perdemos gado por falta de água e pastagens. Também vivemos com medo de que outros roubem nossos animais para substituir os que perderam. Eu mesmo já fiquei ferido nesses assaltos. A água é a solução para este conflito”, pontuou Ekeno. Até agora a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o Quênia como um país com escassez hídrica crônica, e estatísticas da Unesco mostram que 17 milhões de pessoas não têm água potável. O Quênia consome cerca de três bilhões de metros cúbicos por ano.
Embora a descoberta tenha sido recebida com emoção, especialistas em água e meio ambiente, como a cientista Judith Gicharu, alertaram que o governo queniano tem pouca capacidade e marcos legais para manejar esta sustentabilidade hídrica. “Temos a Lei da Água de 2002 e a Lei de Manejo e Coordenação Ambiental de 1999. Entretanto, elas não fornecem um contexto apropriado para a administração da água subterrânea”, indicou à IPS.
Existem disposições em marcos mais amplos, mas não abordam especificamente o uso da terra e a administração das camadas freáticas, explicou Gicharu. As decisões sobre a água subterrânea “não costumam se basear em normas sólidas. E, mesmo havendo regulamentações, raramente são cumpridas. A implantação de qualquer disposição fica comprometida pela superposição de responsabilidades de diferentes órgãos do governo que se ocupam da água e do meio ambiente”, detallhou.
No Quênia, todos os recursos hídricos pertencem ao Estado, e as entidades governamentais devem aprovar e dar permissões para o uso da água. Contudo, segundo o informe intitulado Quênia: Estudo de Caso Sobre a Governança da Água Subterrânea, publicado em 2011 pelo Banco Mundial, “não existe consciência estratégica sobre a necessidade de proteger estes recursos”.
Ikal Angelei, da organização ambientalista comunitária Amigos do Lago Turkana, alertou que, na falta de um forte contexto legislativo que possa estabelecer “a forma de explorar os recursos, quem se beneficia deles e como, é possível que esta riqueza natural não melhore significativamente a sorte do país”. A ativista acrescentou que, “tão logo foi descoberto o aquífero, e a população de Turkana já está ausente do diálogo sobre a água. O governo já fala em abastecer todo o país com a ‘nova’ água, mas, quanto dela será destinado aos habitantes do lugar?”
Esta é a segunda maior descoberta de recursos naturais em Turkana. Em março de 2012 a empresa de exploração petroleira Tullow Oil anunciou a descoberta de milhões de barris de óleo na bacia do Lokichar. “Não podemos seguir o mesmo caminho que tomou a questão do petróleo. Desde que foi descoberto em Turkana, os investidores só se interessaram em saber quando começará a ser explorado. Dos benefícios para a comunidade não falam”, destacou Angelei.
Para o economista Arthur Kimani, “o governo tem de ajudar a comunidade a entender que, além de beber a água, este recurso também pode gerar dinheiro, por exemplo, se usado para cultivar espécies comerciais”. Uma fonte do Ministério do Meio Ambiente, Água e Recursos Naturais declarou que essas críticas “não poderiam estar mais longe da verdade. De fato, a população de Turkana obterá água nas próximas duas semanas. Também nos comprometemos com o setor privado para concretizar associações que resultem economicamente viáveis para a comunidade”.
Kimani insiste em que o papel do governo é crucial para administrar o fornecimento de água subterrânea. É necessário que haja participação pública para acordar como acontecerá”, ressaltou. “Muitas empresas trabalham com uma camarilha de gente bem conectada para apresentar um sistema opaco de declaração de resultados do que foi explorado e da renda obtida”, afirmou.
“Os esquemas de renda compartilhada deveriam ser adotados de maneira aberta, para que o setor estatal tenha oportunidade de participar e se desestimule os funcionários que buscam benefícios pessoais à custa do público, sobretudo da comunidade que vive perto dos recursos naturais”, enfatizou Kimani. Por sua vez, Samuel Kimeu, diretor-executivo do escritório da Transparência Internacional no Quênia, disse à IPS que é necessário existir clareza em toda a cadeia de extração. Do contrário, “os termos das licenças irão contra o interesse público, que fica privado de seus possíveis ganhos”, ressaltou. 
Fonte: site Envolverde/IPS 
http://envolverde.com.br/ips/inter-press-service-reportagens/quenia-descobre-inacessivel-excesso-agua/

Nota da editora do Blog:  A Resolução da ONU 64/292 de julho de 2010 determina que é  direito humano Água e Saneamento. Durante a Rio+20, as nções ricas e industrializadas, principalmente Inglaterra, EUA e União Européira tentaram derrubar essa Resolução, que ainda não é cumprida.
Leia também:http:http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/07/a-luta-pelo-direito-agua-na-rio20.html
http://brasileducom.blogspot.com.br/2010/08/agora-agua-para-todos.html

sábado, 10 de agosto de 2013

Colunista do 247, Latuff reage a ameaças de morte


:
Em carta aberta, cartunista faz apelo pelo fim dos 'grupos de extermínio oficiais como a Rota e o Bope, que só fazem matar pretos e pobres; pelo fim da “guerra contra as drogas”; pelo fim da filosofia militarista nas polícias'


247 – O cartunista e colunista do 247 Carlos Latuff reagiu às frequentes ameaças de morte que tem sofrido em represália a sua arte. Em carta aberta em apelo ao fim dos ‘grupos de extermínio oficiais como a ROTA e o BOPE, que só fazem matar pretos e pobres; Pelo fim da “guerra contra as drogas”; Pelo fim da filosofia militarista nas polícias’. Leia:

“Era de se esperar que houvesse reação violenta diante da minha provocação de que o garoto que matou o pai, um policial da ROTA, merecia atendimento psicológico e uma medalha. No estado policial em que vivemos no Brasil, as organizações da repressão são alçadas a condição sacrossanta. Quem ousar denunciar seus abusos corre sério risco de vida. Isso não é novidade pra mim, desde 1999, quando fiz meu primeiro protesto contra a violência policial, realizando uma exposição virtual de charges intitulada “A Polícia Mata”. Ao longo dos meus 23 anos de profissão como cartunista já fui detido três vezes por desenhar contra a truculência da polícia brasileira, e já recebi inúmeras ameaças, seja de judeus sionistas por conta de minhas charges em favor dos palestinos, seja de extremistas muçulmanos pelas minhas charges sobre a questão egípcia e síria. Portanto, ameaças fazem parte do meu trabalho.

Dessa vez, com as redes sociais, estas ameaças são potencializadas, graças a comunidades relacionadas a organizações policiais, que reúnem não só membros ativos das forças de repressão, como também simpatizantes com perfil fascista, anti-comunista, anti-petista, machista e homofóbico. É sabido que dois desses perfis, Fardados e Armados e Rondas ostensivas tobias de aguiar “Rota” estão incitando seus membros a tomarem ações violentas contra mim. E é bem possível que isso aconteça, afinal de contas, a polícia mata! Não seria eu o primeiro, e muito menos o último. Essa é a característica de nossas polícias, de nosso estado. E se acontecer, que sejam responsabilizados os administradores destas comunidades e o estado brasileiro.

Fico feliz que essa polêmica esteja acontecendo. Diante de casos como o desaparecimento do pedreiro Amarildo na Rocinha, e de tantos outros pelo Brasil, herança maldita da ditadura militar que torturou, matou e sumiu com diversos militantes de esquerda, é sempre bom discutir sobre a violência policial, que é um tabu que poucos tem coragem de tocar.

Me sinto orgulhoso de receber ameaças assim. Me sinto no mesmo patamar dos corajosos militantes do Mães de Maio e da Rede de Comunidades que cotidianamente se arriscam para defender as vítimas do terrorismo de estado no Brasil. Se eu tiver que cair pelo que acredito, cairei. Meu pai, um cearence chucro de Nova Russas, não me criou pra ser frouxo.

Espero que todo esse esforço não tenha sido em vão, ou termine com minha morte. Que os partidos de esquerda, PSOL, PSTU Nacional Partido Comunista Brasileiro – PCB (Oficial) PCdoB – Partido Comunista do Brasil Partido Comunista Revolucionario Partido da Causa Operária e os movimentos como a Liga dos Camponeses Pobre MST – Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e o Mtst Trabalhadores Sem Teto e mesmo a esquerda do Partido dos Trabalhadores defenda sempre a bandeira dos direitos humanos e contra a violência policial.

Pelo fim de grupos de extermínio oficiais como a ROTA e o BOPE, que só fazem matar pretos e pobres. Pelo fim da “guerra contra as drogas”. Pelo fim da filosofia militarista nas polícias.

Valeu gente! Não passarão!

Carlos Latuff

Cartunista

Fonte: Site 247

domingo, 9 de junho de 2013

Megaprojetos na Amazônia ameaçam os povos indígenas isolados


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Fonte da notícia: Cimi - Conselho Indigenista Missinário

A equipe do Conselho Indigenista Missionário – Cimi, de apoio aos povos indígenas isolados, reunida em Manaus nos dias 4 a 7 de junho/2013 fez uma análise dos impactos dos megaprojetos de infraestrutura projetados e em construção na Amazônia sobre esses povos.

Foi constatado que está em curso uma campanha contra os direitos dos povos indígenas veiculada diariamente pelos grandes meios de comunicação para respaldar os interesses dos empresários do agronegócio, latifundiários, mineradoras e a política desenvolvimentista do Governo Federal, caracterizada pelo autoritarismo, pelo uso da violência pelas forças repressivas (dois indígenas assassinados pela PF, um Munduruku/PA em novembro/2012 e outro Terena/MS em maio/2013), pelo desrespeito a Constituição, as convenções internacionais e a legislação ambiental.

Este cenário, que se materializa na Amazônia pelas obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC, pelo avanço do desmatamento, do gado, da exploração madeireira, mineral e petrolífera, espalha os conflitos na região e é particularmente trágico para a vida e o futuro dos povos indígenas isolados.

No Maranhão os Awá Guajá tem o seu território sistematicamente invadido por madeireiros que agem impunemente há anos, inclusive em terras indígenas já regularizadas aonde vivem estes indígenas isolados. Este fato foi recentemente denunciado a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

Os isolados Avá Canoeiro na Ilha do bananal Tocantins estão ameaçados pelos projetos de monocultura, que retiram água do rio Javaé e Formoso, assoreando e contaminando os rios, pelas invasões de pescadores, e pela projeção de duas estradas que cortarão a ilha ao meio.

As barragens de Santo Antônio e Jirau, no rio Madeira atingem cinco grupos indígenas isolados. A existência desses grupos só foi reconhecida após terem sido concedidas as licenças de instalação das obras. Estes grupos, em busca de um habitat mais seguro, estão se aproximando de fazendas e de aldeias de outros povos indígenas podendo gerar conflitos.

Na bacia do Rio Xingu, 06 grupos indígenas isolados sofrem a influência da barragem de Belo Monte. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos, CIDH, em 29 de julho de 2011, determinou ao Estado brasileiro que adotasse medidas para a proteção da vida, a saúde e a integridade pessoal dos membros das comunidades indígenas em situação de isolamento. Após três anos, praticamente inexistem ações do governo para cumprir a solicitação.

A vida de outros 5 grupos de isolados será ameaçada caso sejam construídas as barragens, atualmente na fase de estudos, da bacia do rio Tapajós.

As empresas petrolíferas ameaçam os povos indígenas isolados no Departamento de Ucayali no lado peruano e no lado brasileiro, na terra indígena Vale do Javari no Amazonas e no Acre.  Na mesma região está em estudo a construção da ferrovia Cruzeiro do Sul-AC/Brasil – Pucalpa/Peru, cujo traçado incide diretamente sobre o território do povo indígena isolado do igarapé Tapada.

Denunciamos à sociedade brasileira que o risco a vida dos povos isolados vem aumentando nos últimos anos e tem-se agravado com a atual política do governo Dilma de imposição de um modelo macro econômico altamente agressivo e depredador.

Manaus, AM, 07 de junho de 2013.

Equipe do Cimi de apoio aos povos indígenas isolados

 http://cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&conteudo_id=6961&action=read&page=34

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Dossiê denuncia violação de Direitos Humanos no Rio de Janeiro




Por Daniel Mazola*
16/05/2013 -  Site da ABI


Lançamento do 2º Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro


As obras de infraestrutura e construção de equipamentos esportivos para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 já causaram a remoção de 3 mil famílias na cidade e mais 7 mil estão ameaçadas. O dado consta do 2º Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro, divulgado ontem pelo Comitê Popular Rio da Copa e Olimpíadas.



O evento estava marcado para ocorrer no auditório do edifício-sede da Associação Brasileira de Imprensa – ABI, porém precisou ser transferido para o Clube de Engenharia em função da falta de luz e da ação de vândalos que invadiram o 7º andar do prédio, o que provavelmente causou a falta de energia no auditório e em outros andares. Gavetas foram reviradas e arrombadas, documentos espalhados pelo chão, trancas e grades foram arrombadas, a sala do ABI On Line, onde trabalham dois repórteres também foi invadida e danificada, o armário da sala foi saqueado e levaram duas máquinas fotográficas, enfim, tudo indica que foi deliberado, sabotagem, terrorismo, intimidação.

A polícia realizou duas perícias no local e colheu as digitais dos invasores, esperamos que tudo seja esclarecido e apurado devidamente, os associados e a sociedade esperam respostas. Suspeita-se que foi obra de pessoas insatisfeitas com o empenho da ABI na luta pela verdade sobre a ditadura, ou em função da posição da entidade em defesa de Atos recentes como o de ontem, denunciando governos e empresários ao lado do Comitê Popular Rio, além do Fora Marin, Fora Feliciano em defesa do Estado laico, isso tudo gera ódio dos fundamentalistas de hoje e ex-agentes da repressão.

Durante o lançamento, no Clube de Engenharia

 Orlando Santos Junior, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur/UFRJ), representante do comitê, enfatizou que  a tendência de remoção verificada na primeira edição do dossiê, lançado em abril do ano passado, tende a aumentar.

“Pelo número de famílias ameaçadas e, ainda, pela ausência de informações sobre as grandes intervenções em curso. Por exemplo, não se tem informação sobre o traçado dos BRTs [corredor exclusivo para o tráfego rápido de ônibus], que estão sendo construídos na cidade. Então, esse número tende a crescer. É um aspecto que chama a atenção”, disse.

O professor destacou, ainda, a falta de transparência nos projetos, já que os sites disponíveis hoje não trazem informações “fundamentais para que haja o controle social”, como o traçado das obras e as empresas contratadas. “Então o que o comitê está propondo não é nada além do que um conjunto de medidas que objetivam, efetivamente, assegurar os direitos humanos, assegurar os direitos da população, enfim, assegurar a democracia e a participação de todos nas decisões relativas à Copa e às Olimpíadas”.

As famílias removidas reclamam que foram levadas para locais distantes e sem estrutura. Outras denunciam que as indenizações pagas ficaram muito abaixo do valor de mercado do imóvel onde moravam. É ocaso da família de Ravel, jogador de vôlei de praia, removida da casa onde morava na comunidade Largo do Tanque, na zona oeste.

A mãe de Ravel, Rosilene Gonçalves da Silva, disse que a indenização paga foi muito abaixo do esperado e a família foi para um local mais perigoso. “Foi muito difícil para a gente, desgastante demais. Eles queriam dar R$ 18 mil para a gente sair de lá, sem ter como comprar outra moradia. Atualmente, a gente está na Estrada da Covanca. Não está como a gente gostaria que estivesse, ficou mais difícil para todo mundo, tem que chegar cedo, não pode chegar tarde, porque lá é próximo a uma área de risco, tem tiroteio”, declarou.

Falta de transparência

Os dados, segundo o Comitê, foram levantados por meio de pesquisas realizadas nas comunidades (no contato direto com os moradores), com a Defensoria Pública do Estado e em notícias veiculadas na mídia.

O dossiê aponta que 3.099 famílias já foram removidas e outras 7.843 estão ameaçadas de remoção em obras para o Mundial e os Jogos Olímpicos de 2016, como a construção do Parque Olímpico, na Barra da Tijuca, ou a implantação das linhas de BRT (transporte rápido por ônibus). O dossiê é dividido em denúncias envolvendo itens como mobilidade urbana, esporte e orçamento. Uma das principais críticas é quanto à falta de transparência. Sobre as remoções realizadas pela prefeitura, por exemplo, o dossiê afirma que “os projetos não são apresentados e não há dados oficiais das famílias ameaçadas”. E ainda que “a maioria das remoções está localizada em áreas de extrema valorização imobiliária”.

Ainda segundo o dossiê, no que diz respeito aos vendedores ambulantes e trabalhadores informais, a política de preparação da cidade para a Copa do Mundo e os Jogos de 2016 é de “exclusão e militarização”. Na seção de esporte, o documento critica as demolições do parque aquático Júlio Delamare e do estádio de atletismo Célio de Barros, previstas no edital de concessão do Maracanã, além do que se transformou o que deveria ser o legado do Pan de 2007: o Engenhão está interditado, o velódromo será demolido e o Maria Lenk, será subutilizado em 2016.

Principais pontos

O relatório das violações de direitos humanos divide-se em oito esferas ligadas ao interesse público: moradia, mobilidade, trabalho, esporte, meio ambiente, segurança pública, informação e participação e orçamento e finanças. Confira abaixo alguns pontos levantados pelo Comitê em cada uma delas.

Moradia

Nada menos do que 3 mil famílias residentes na cidade do Rio de Janeiro já foram removidas por conta da realização de projetos direta ou indiretamente ligados à Copa do Mundo e às Olimpíadas. O número pode chegar a quase 11 mil famílias expulsas, já que outras 7.800 famílias correm o risco de despejo. Em relação ao primeiro dossiê, nessa segunda versão foram reunidas informações mais específicas e atualizadas de modo a demonstrar detalhadamente as violações de direitos humanos ocorridas na cidade.

As comunidades envolvidas no processo de remoção foram divididas em quatro eixos específicos relacionados ao fator de risco: as obras viárias em curso no Rio de Janeiro; as obras de instalação e reforma de equipamentos esportivos; as obras de revitalização turística da zona portuária e as áreas de risco ou interesse ambiental.

Apesar da especificidade e das peculiaridades de cada região, o dossiê aponta padrões no trato do poder público, sobretudo o municipal, com as comunidades que se vêem envolvidas no contexto de remoção.  Esses são seis, presentes na ação do poder público no trato com as comunidades atingidas, segundo o comitê:

“(i) Completa ausência, ou precariedade de informação para as comunidades, acompanhada de procedimentos de pressão e coação, forçando os moradores a aceitarem as ofertas da prefeitura do Rio. Cabe frisar que as comunidades visitadas, sem exceção, não tivera acesso aos projetos de urbanização em suas áreas de moradia.

(ii) Completa ausência, ou precariedade de envolvimento das comunidades na discussão dos projetos de reurbanização promovidos pela prefeitura, bem como das possíveis alternativas para os casos onde são indicadas remoções.

(iii) As indenizações oferecidas são incapazes de garantir o acesso a outro imóvel situado na vizinhança próxima, tendo em vista que a prefeitura só indeniza o valor das benfeitorias e não a posse da terra, fato em geral agravado pela valorização imobiliária decorrente dos investimentos realizados pelo poder público. Tal situação não é revertida nem mesmo com o instrumento da compra assistida, o que gera um aumento no valor pago pelas indenizações em torno de 40%., mesmo assim insuficiente para a aquisição de um imóvel na mesma localidade. Resta a opção de transferência para um imóvel distante, nos conjuntos habitacionais que estão sendo construídos em geral na zona oeste, no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida.

(iv) Deslegitimação das organizações comunitárias com agentes dos processos de negociação, sempre individualizados por famílias, buscando enfraquecer a capacidade de negociação dos atingidos com o poder público.

(v) Desrespeito à cidadania através de ameaças, pressão e coação.

(vi) Utilização da Justiça como ferramenta contra o cidadão. Nas ações judiciais promovidas pela procuradoria do município, o poder público tem sido “uma máquina irresponsável de despejos”, sem compromisso com a saúde e a vida das pessoas. “A prática da procuradoria do município parece ser a de castigar todos os cidadãos que recorrem à justiça para proteger os seus direitos.”

Uma comunidade que passou por um processo emblemático de remoção foi a Comunidade do Campinho. Segundo o Comitê, o primeiro contato da administração municipal com os moradores foi em janeiro de 2011. Cinco meses depois a comunidade já estava extinta. O motivo? A construção de um mergulhão do corredor Transcarioca de BRT. O dossiê afirma que houve pressão psicológica para que os moradores aceitassem um apartamento do Minha Casa Minha Vida em Cosmos, a 60 km do local. “Há relatos, com mais de uma testemunha, do recebimento de indenizações em sacos de dinheiro pagos em negociação direta com a empreiteira responsável pela obra”, diz o dossiê.

Mobilidade urbana para quem?

É essa pergunta que faz o dossiê ao tratar das intervenções de mobilidade urbana que estão em curso por conta dos megaeventos no Rio de Janeiro. “A análise dos investimentos na cidade do Rio de Janeiro indica que estes não estão voltados para o atendimento das áreas mais necessitadas e que apresentam os piores indicadores de mobilidade. Pior do que uma infraestrutura mal construída ou mal distribuída pelo território da cidade, constata-se que muitas comunidades têm sido removidas compulsoriamente ou sofrido ameaça de remoções por conta da construção da infraestrutura de transporte para Copa e Olimpíadas. Isto, por si só, constitui uma violação ao direito à moradia garantido em diversos tratados internacionais”, afirma.

Ou seja, além dos investimentos em mobilidade urbana beneficiarem as áreas que já contam com as melhores alternativas nesse aspecto, a população carente tem que lidar com o ônus das remoções.

“Através das propagandas oficiais e da mídia em geral, o poder público tem prometido uma ‘revolução nos transportes’, construindo as vias Transcarioca, Transolímpica e Transoeste (todas BRTs), e o metrô Lagoa-Barra (alongamento da linha 1) – todos ligados à realização da Copa e dos Jogos olímpicos. Por outro lado, a população clama por serviços de transporte de massa em outras direções e para outras regiões da cidade. Ou seja, enquanto hoje o serviço de transporte coletivo oferecido à população se configura como caro, precário e insuficiente para  a demanda existente, o cenário que se desenha para o futuro é o de investimentos em transporte que, ao invés de atenderem à demanda existente, tornam possível a ocupação de áreas vazias ou pouco densas, visando e promovendo a valorização imobiliária e a expansão irracional da malha urbana”, analisa o documento do Comitê Popular. O dossiê também aponta para uma forte concentração dos investimentos na cidade do Rio de Janeiro, em detrimento das outras 20 cidades que compõe a área metropolitana da capital; dentro da capital, os investimentos estão maciçamente direcionados à Barra da Tijuca e à zona sul, as áreas mais nobres do Rio.

Destaca-se também os constantes aumentos das tarifas de transporte.

Trabalho

Tido como um dos grandes fatores legitimadores da realização dos megaeventos, o impacto da Copa e das Olimpíadas no trabalho é analisado pelo dossiê do Comitê Popular.

O primeiro aspecto apontado pelo comitê é que nas obras ligadas aos megaeventos é comum ocorrer a chamada precarização do trabalho. Prazos exíguos, omissão de fiscalização pelos órgãos públicos competentes, o contexto de exceção que permite licitações feitas a toque de caixa, além das pressões exercidas por órgãos como o COI e a FIFA ajudam a criar este cenário. Só o Maracanã, aponta o dossiê, já passou por duas paralisações relacionadas a condições de trabalho.

A repressão ao comércio informal também se agravou no contexto dos megaeventos, afirma o Comitê. Segundo documento da Streetnet International, articulação de coletivos de vendedores informais de todo o planeta, há 60 mil vendedores ambulantes trabalhando no Rio de Janeiro em risco por conta da realização dos jogos. Os ambulantes não poderão se beneficiar do contexto da Copa e das Olimpíadas, uma vez que estão proibidos de trabalharem próximos aos locais vinculados às competições. “Também está prevista a repressão, com prisão e apreensão de mercadorias, de qualquer pessoa que comercialize material que faça referência aos símbolos dos eventos e de seus patrocinadores. Nessa mesma direção, está proibida a venda de qualquer souvenir dos eventos aos turistas produzido pelos trabalhadores informais. Ou seja, só poderão vender mercadorias com símbolos dos eventos as empresas licenciadas pela FIFA e pelo COI”, diz o texto. Isto está inclusive garantido pelo artigo 11 da Lei Geral da Copa (12.663/2012).

Esporte

“O futebol no Brasil está vivendo um momento bastante complicado. Os estádios históricos estão sendo destruídos para renascer em forma de centros de consumo e turismo, por vezes com jeito de shopping-center. Os ingressos dos campeonatos nacionais e estaduais estão cada vez mais caros, fora do alcance do torcedor ‘tradicional’. A média de público nos estádios está em plena queda”, analisa o dossiê do Comitê Popular.

A concessão do Maracanã, com a consequente demolição de praças esportivas essenciais como o Parque Aquático Júlio Delamare, o Estádio de Atletismo Célio de Barros e a consolidação do projeto olímpico na Barra da Tijuca são os principais fatores contestados pelo dossiê.

A chamada elitização do público do futebol também é destacada pelo dossiê. “Percebe-se um decréscimo de 732.160 torcedores nos estádios da primeira divisão do campeonato brasileiro de futebol, entre 2011 e 2012, o que representa uma queda de 13%. Ao mesmo tempo, os custos dos ingressos subiram 9% e a arrecadação geral aumentou em 3%. Esses números podem indicar que menos brasileiros têm acesso aos estádios. Isso pode estar ocorrendo em função das obras, em andamento nos grandes estádios visando a Copa do mundo nas principais cidades do país, como é o caso do Rio de Janeiro”, aponta o documento.

Segundo o Dossiê, é possível analisar esse contexto como o de imposição de um modelo de futebol empresarial. Nele “estimula-se a venda do espetáculo aos ‘clientes’, que vão aos estádios para ter uma experiência de entrenimento e não uma participação ativa, identitária e afetiva com o evento. Sem dúvida, os números indicam que os que frequentam os estádios desembolsam cada vez mais dinheiro”.

Além disto, destaca-se também a destruição do legado do Pan-2007 pelo projeto das Olimpíadas de 2016 como ocorreu com o Velódromo, o Parque Aquático Maria Lenk e, mais recentemente, o estádio do Engenhão.

Meio ambiente

O documento aponta que, apesar do discurso oficial afirmar veementemente a preocupação ambiental, na prática ocorre o inverso. A construção dos corredores viários Transcarioca, Transolímpica e Transoeste são alguns exemplos.

No caso do primeiro projeto, por exemplo, o dossiê critica o aterramento da lagoa de Jacarepaguá. Estavam previstos, para mitigar o efeito do aterramento, dois programas pelo estado do Rio: o Programa de Monitoramento da Fauna Existente e o Programa de Compensação Ambiental. Nenhum deles foi realizado.

Segurança pública

“No Rio de Janeiro, que vem servindo de laboratório no tema da segurança pública, defende-se a necessidade de medidas extraordinárias de segurança. Mas cabe perguntar o que está sendo segurado, como, onde, e quais serão os efeitos de curto, médio e largo prazo das medidas que estão sendo adotadas”, pontua o dossiê.

Os fatos de a segurança durante os jogos ser feita por agentes privados contratados pela FIFA, bancados com dinheiro público, de o governo brasileiro pretender investir R$ 80 milhões em câmeras de vigilância nos estádios e não haver garantias de que as imagens coletadas pela FIFA sejam apagadas depois do evento, são criticados. O dossiê também vê essas ações como pretexto para aprofundar a mudança do modelo de segurança pública para o predomínio da segurança privada.

“Como um experimento para controlar as massas e extirpar ameaças, os megaeventos deixarão um saber governamental sobre as novas configurações da cidade. Esse saber não é neutro ou despolitizado, mas contextualizado dentro de um complexo cultural que identifica ameaças particulares que são socialmente construídas. A montagem do aparelho para proteger os interesses associados aos megaeventos pode ser adotada e utilizada para proteger os mesmos interesses pós-evento”, afirma o Comitê.

Informação e participação

O Comitê destaca ainda a negligência com respeito ao direito à informação e participação popular nos assuntos de interesse público durante os preparativos da Copa. Como exemplo, cita as remoções ocorridas nas comunidades Vila Harmonia, Recreio II, Restinga, Sambódromo, Campinho e Metrô-Mangueira. Todas as comunidades foram avisadas das remoções de suas casas algumas horas antes do despejo. E diz que não houve apresentação de justificativas plausíveis em grande parte das remoções nem os detalhes dos projetos foram publicados.

No aspecto orçamentário aponta também falta de transparência. “A divulgação de aumento de gastos frequentemente ocorre muito tempo após ter sido efetuado e, mesmo assim, nem todos os valores são publicados. No caso da preparação para os Jogos Olímpicos, há apenas uma estimativa inicial de orçamento constando no dossiê de candidatura, mas os gastos poderiam efetivamente alcançar quase o dobro dessa estimativa, segundo depoimento do presidente da Autoridade Pública Olímpica, em 2012.”

Orçamentos e finanças

O dossiê chama atenção para o valor total de investimentos para a realização da Copa do Mundo no Rio de Janeiro, que já sofreu um aumento de 95% tendo como base os valores da Matriz de Responsabilidades. Os R$ 2,2 bilhões previstos inicialmente tornaram-se quase R$ 4,2 bilhões. E contesta a informação de que os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro em 2016 custarão cerca de US$ 12,5 milhões, elencando 21 projetos municipais ligados, ao menos no discurso, às Olimpíadas cuja soma de orçamento alcança nada menos do que R$ 22,6 bilhões.

“Chama atenção o fato das decisões relativas a esses investimentos não passarem por uma ampla discussão democrática, envolvendo todos os segmentos sociais, colocando em pauta o projeto de cidade que está construído”, conclui o documento, criticando, mais uma vez, a concentração de investimento público em áreas nobres.

O blog Copa Pública é uma experiência de jornalismo cidadão que mostra como a população brasileira tem sido afetada pelos preparativos para a Copa de 2014 – e como está se organizando para não ficar de fora.

BAIXE o dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro – 2ª edição revisada e atualizada:http://bit.ly/DossieRio2013.

*Daniel Mazola é conselheiro da ABI e secretário da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da institução. 

**Com informações da EBC, jornal O Estado de S. Paulo e revista Carta Capital.

Fonte: publicado originalmente no site da ABI, com fotos que não reproduzimos por motivos técnicos

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Sem terra é presa por denunciar privatização da água na Paraíba

O Acesso à Água e ao Saneamento  Básico conforme Resolução 64/292 da ONU de 28 de julho de 2010 é  direito humano. Neste caso,  a direção do Grupo Santana é que deveria ser presa por violar esse direito. O autor da prisão deveria ser punido também. Mas, não podemos deixar  de responsabilizar a omissão dos gestores da  ANA  por não divulgar e fiscalizar o cumprimento desse direito. (Zilda Ferreira da equipe do Blog.) 

9 de abril de 2013 Da Página do MST

Nesta segunda-feira (8), Sem Terra ocuparam o perímetro irrigado das Várzeas de Souza, no município de Sousa, Paraíba, para denunciar a falta de rigor na fiscalização dos lotes irrigados que deveriam ser destinados prioritariamente à Reforma Agrária, além do uso abusivo de agrotóxicos na produção agrícola de milho pelo Grupo Santana, empresa do agronegócio que mais se beneficia da irrigação.

Os trabalhadores e trabalhadoras rurais reivindicam água para os assentamentos Nova Vida I e II, Terra para os 350 acampados e acampadas da região, além do cancelamento da licitação dos lotes 20 e 21 que totalizam quase mil hectares de terras irrigadas.

O Grupo Santana, empresa do agronegócio, também é denunciado pelas famílias, pois segundo os Sem Terra, o grupo é quem mais se beneficia das políticas públicas federais e estaduais de acesso à água no semi-árido Paraibano.

“O Grupo Santana utiliza essa irrigação na produção de milho e sorgo para fabricação de ração animal, sendo que nesse momento de intensa estiagem, essa água deveria ser priorizada para consumo humano, seguido de consumo animal e, por último, o consumo vegetal. E não para gerar lucros nas contas bancárias de empresas do agronegócio”, diz a nota dos Sem Terra.

No dia 8 de março do ano passado, cerca de quinhentas integrantes do MST já haviam realizado uma mobilização na área.

Repressão

Como repressão às denuncias realizadas na tarde desta segunda-feira, a Sem Terra Cícera Soares Timóteo foi presa e acusada de roubo, dano do patrimônio privado e incêndio.

“O grupo Santana, principal privilegiado pelas políticas públicas de distribuição de água, se coloca como vítima e acusa injustamente a Companheira Cícera por meio do Ministério Público Estadual, que entrou com o mandado de prisão”, acusa a nota.

Os Sem Terra exigem a imediata libertação de Cícera Soares e a retirada do mandado de prisão. Prometem seguir com as denúncias, resistindo contra a privatização das águas e da terra, e, lutando pela mudança do modelo de produção no semi-árido com o objetivo de trazer o desenvolvimento humano para a população da Paraíba.

“Não aceitamos mais a indústria da seca e esse modelo de produção que desumaniza, alertando que as mulheres e crianças são os que mais sofrem com o desvio de recursos públicos, que deveriam ser utilizados para a convivência com o semi-árido e que são historicamente empregados em benefício das oligarquias e atualmente também por empresas do agronegócio”, conclui a nota.
         
Leia também: http://brasileducom.blogspot.com.br/2012/07/a-luta-pelo-direito-agua-na-rio20.htmlhttp://brasileducom.blogspot.com.br/2010/08/agora-agua-para-todos.htmlhttp://brasileducom.blogspot.com.br/2012/04/o-problema-da-seca-no-nordeste-nao-e.htmlhttp://brasileducom.blogspot.com.br/2012/04/privatizacao-da-agua-o-fracasso-melhor.html



domingo, 31 de março de 2013

Água como Direito Humano - salve o 31 de março


Por Zilda Ferreira

O 31 de março não se repetirá como há 49 anos. Muito menos o 1º de abril. Já existem meios bem mais sofisticados para que se promova um golpe de estado seguido de uma ditadura. Basta que se apropriem de nossos recursos vitais: água e ar.

Ora, os países pobres possuem 80% dos ativos ambientais da Terra e apenas a América Latina cerca de 40% de toda a água doce do mundo. Como essencial à vida, o direito a ela e ao saneamento básico foram considerados pela ONU, em 2010, como mais um dos Direitos Humanos, algo que, sem dúvida, já pode ser catalogado como a maior conquista da humanidade no alvorecer desse século XXI. Trata-se de um valor supremo.

A dimensão dessa conquista, que não deixa de ser uma vitória da civilização, iguala o direito à àgua ao direito universal do ser humano de não ser, por exemplo, torturado, física ou psicologicamente. Não é pouca coisa se levarmos em conta que ainda subsistem dois bilhões de humanos que não tem acesso à àgua potável e ao sanemento básico.

Essa foi a grande batalha travada durante a Rio+20, quando, na ocasião, Reino Unido, Canadá e União Européia tentaram enfraquecer, para logo em seguida derrubar essa resolução. Até aí dá para entender... O que não é compreensível é que na Semana Internacional da Água, a mídia brasileira especializada, como a Folha do Meio Ambiente e uma revista do porte de Carta Capital, não divulgarem uma linha sequer sobre esse direito. Isso é muito grave, porque quando uma publicação especializada abre quatro páginas sobre o tema e não faz qualquer referência a um direito humano intrínseco ao acesso da população à água potável e ao saneamento básico deixa de cumprir seu papel de informar, esclarecer e conscientizar a população sobre essa prerrogativa inalienável.

Incomoda-me pensar que tais veiculos já possam estar comprometidos com as grandes corporações européias e americanas que estão se apropiando da água doce do mundo. Basta lembrar que hoje, o império da francesa Vivendi Universal é composto de duas divisões: Vivendi Environment e Vivendi Comunications. A de meio ambiente é considerada a número um no mundo em serviços ambientais: água, energia, gerenciamento de resíduos e transportes; a de comunicações é a segunda do mundo em serviços audiovisuais, composta por seis subdivisões - televisão, filmes, publicações, equipamentos de telecomunicações, provedores e demais serviços de Internet. A GVT, que já opera no Brasil, pertence à Vivendi. Entretanto, o carro chefe gerador de recursos ainda são as empresas de água.

Dessas megacorporações fazem parte grandes ONGs, como a CI - Conservação Internacional, que tem como membros bancos de porte transnacional, principalmente europeus, e delas participa, por exemplo, um conjunto de poderosos executivos como o vice-presidente da Coca-Cola Internacional, entre outros, todos, de alguma forma ligados às empresas com interesses em negócios de água, tais como a Nestlé, a Suez, a PepsiCo, a Bechtel. O que têm em comum? Todos, invariavelmente contrários à Resolução da ONU 64/292 que determina que esse bem público, a água seja considerado "um Direito Humano", assim como o ar que respiramos, um bem universal, tal e qual, como no passado, foi para os índios as terras onde habitavam antes do advento do europeu.