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terça-feira, 18 de junho de 2013

O circo está pegando fogo e o pão está pela hora da morte


 Por Fátima Lacerda*

 Resgato a constatação, coletada no facebook, da arqueóloga Sílvia Peixoto, que sintetiza com exatidão o espírito das manifestações: o circo está pegando  fogo e o pão está pela hora da morte.

 “Quem disse que o Brasil é só futebol?” – lia-se em uma das faixas estendidas durante a manifestação em Brasília, na abertura da Copa das Confederações.  Anunciada a presença do presidente da Fifa, Joseph Blatter, o estádio Mané Garrincha explode em vaias ao mandatário da instituição que ostenta o título de “maior que a ONU” e à presidenta do Brasil, Dilma Rousseff.

 Dois dias depois (17), cem mil pessoas na Avenida Rio Branco e arredores, no Rio de Janeiro; 65 mil em São Paulo; mais de 20 mil em Belo Horizonte. Dez mil em Curitiba, Belém e Porto Alegre. Entre cinco e seis mil em Salvador, Brasília e Vitória. Quatro mil em Novo Humburgo (RS). Duas mil em Maceió (AL), Foz de Iguaçu (PR) e Campos (RJ). Mil em Fortaleza, Santos e Guarujá. Mais de 500 em Poços de Caldas (MG), Bauru (SP) e Três Rios (RJ). Em Pindamonhangaba (SP), 200. Até em Araraquara (SP), 150 pessoas, segundo a PM Os dados foram divulgados pelo G1. Grupos de brasileiros se manifestaram, em solidariedade, também em Nova Iorque (EUA) e em várias cidades da Europa.

 O movimento é plural. A maioria protesta pacificamente. No entanto, parte dos manifestantes, alguns de orientação anarquista, outros por simples revolta, faz questão de atingir os símbolos do poder, como vidraças de bancos e o Congresso Nacional, em Brasília. A Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) foi foco do confronto mais explosivo no final do dia desde histórico momento nacional.

O problema não são os vinte centavos do ônibus, não é simplesmente a corrupção do partido de plantão no governo federal. Não é apenas o “mensalão”, como dizem oportunistas da oposição de direita, que também já tiveram os seus “mensalões” e se comportam como urubus na carniça.  O problema é o roubo do sistema bancário, o roubo deslavado das empreiteiras acoitadas e associadas aos governadores e prefeitos. A violência de todos os lados, mas, sobretudo, a violência da polícia de Alckimin e de Cabral contra os pobres. É a violência dos ruralistas contra os nossos índios.

É o desrespeito aos símbolos da nossa cultura, como o acarajé e o Museu do Índio, patrimônios que os governos não se preocupam em preservar, desde que as obras milionárias possam render alguns milhões desviados da cultura, do saneamento básico, das escolas e dos hospitais para os bolsos dos empresários e políticos.

 As manifestações também são a expressão da falta de perspectiva. Para muitos, mais do que a revolta com a corrupção sistêmica, é o sentimento de ter sido traído por aqueles em quem confiavam. Eu nem precisaria citar o Partido dos Trabalhadores (PT). Que não se assanhe o PSDB. Ele e outros “Pês da vida” jamais serão herdeiros das esperanças dos jovens, porque estão ainda mais carcomidos.

 Por último, devo dizer: o momento da Copa das Confederações – ou seria da “Copa das Manifestações”? – é oportuno sim. A repercussão internacional não é nada desprezível como andei lendo em alguns sites que talvez não soubessem muito bem o que dizer. Foi por causa da Copa e de outros megaeventos programados no Brasil que pelo menos 250 mil pessoas foram despejadas. E sequer uma casa nova foi construída.

 Como se não bastasse, nossos políticos, sempre tão espertos, esqueceram de uma das lições básicas de Maquiavel: jamais deixe o povo sem pão e sem circo. O pão, as passagens, o pimentão, o tomate, está tudo pela hora da morte. A Fifa impôs ingressos caros, proibiu pandeiro, tamborim e até xingar o juiz nos estádios. Proibiu o povo de ter acesso aos jogos e pasteurizou tanto esse esporte que tirou toda a nossa graça de torcer.

 Pela primeira vez, desde que me entendo por gente, não se vê uma única rua pintada de verde e amarelo. Pensaram que iam nos fazer de bobos da corte? O brasileiro hoje já sabe que o futebol é um grande negócio para enriquecer meia dúzia de empresários e políticos. Foram com muita sede ao pote. Tiraram o pão da boca do povo e o povo da arena dos jogos. Queriam o quê? Agora estão colhendo aquilo que vêm plantando.

 Fonte: Fátima Lacerda é jornalista da Agência Petroleira de Notícias.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Dossiê denuncia violação de Direitos Humanos no Rio de Janeiro




Por Daniel Mazola*
16/05/2013 -  Site da ABI


Lançamento do 2º Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro


As obras de infraestrutura e construção de equipamentos esportivos para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 já causaram a remoção de 3 mil famílias na cidade e mais 7 mil estão ameaçadas. O dado consta do 2º Dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro, divulgado ontem pelo Comitê Popular Rio da Copa e Olimpíadas.



O evento estava marcado para ocorrer no auditório do edifício-sede da Associação Brasileira de Imprensa – ABI, porém precisou ser transferido para o Clube de Engenharia em função da falta de luz e da ação de vândalos que invadiram o 7º andar do prédio, o que provavelmente causou a falta de energia no auditório e em outros andares. Gavetas foram reviradas e arrombadas, documentos espalhados pelo chão, trancas e grades foram arrombadas, a sala do ABI On Line, onde trabalham dois repórteres também foi invadida e danificada, o armário da sala foi saqueado e levaram duas máquinas fotográficas, enfim, tudo indica que foi deliberado, sabotagem, terrorismo, intimidação.

A polícia realizou duas perícias no local e colheu as digitais dos invasores, esperamos que tudo seja esclarecido e apurado devidamente, os associados e a sociedade esperam respostas. Suspeita-se que foi obra de pessoas insatisfeitas com o empenho da ABI na luta pela verdade sobre a ditadura, ou em função da posição da entidade em defesa de Atos recentes como o de ontem, denunciando governos e empresários ao lado do Comitê Popular Rio, além do Fora Marin, Fora Feliciano em defesa do Estado laico, isso tudo gera ódio dos fundamentalistas de hoje e ex-agentes da repressão.

Durante o lançamento, no Clube de Engenharia

 Orlando Santos Junior, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur/UFRJ), representante do comitê, enfatizou que  a tendência de remoção verificada na primeira edição do dossiê, lançado em abril do ano passado, tende a aumentar.

“Pelo número de famílias ameaçadas e, ainda, pela ausência de informações sobre as grandes intervenções em curso. Por exemplo, não se tem informação sobre o traçado dos BRTs [corredor exclusivo para o tráfego rápido de ônibus], que estão sendo construídos na cidade. Então, esse número tende a crescer. É um aspecto que chama a atenção”, disse.

O professor destacou, ainda, a falta de transparência nos projetos, já que os sites disponíveis hoje não trazem informações “fundamentais para que haja o controle social”, como o traçado das obras e as empresas contratadas. “Então o que o comitê está propondo não é nada além do que um conjunto de medidas que objetivam, efetivamente, assegurar os direitos humanos, assegurar os direitos da população, enfim, assegurar a democracia e a participação de todos nas decisões relativas à Copa e às Olimpíadas”.

As famílias removidas reclamam que foram levadas para locais distantes e sem estrutura. Outras denunciam que as indenizações pagas ficaram muito abaixo do valor de mercado do imóvel onde moravam. É ocaso da família de Ravel, jogador de vôlei de praia, removida da casa onde morava na comunidade Largo do Tanque, na zona oeste.

A mãe de Ravel, Rosilene Gonçalves da Silva, disse que a indenização paga foi muito abaixo do esperado e a família foi para um local mais perigoso. “Foi muito difícil para a gente, desgastante demais. Eles queriam dar R$ 18 mil para a gente sair de lá, sem ter como comprar outra moradia. Atualmente, a gente está na Estrada da Covanca. Não está como a gente gostaria que estivesse, ficou mais difícil para todo mundo, tem que chegar cedo, não pode chegar tarde, porque lá é próximo a uma área de risco, tem tiroteio”, declarou.

Falta de transparência

Os dados, segundo o Comitê, foram levantados por meio de pesquisas realizadas nas comunidades (no contato direto com os moradores), com a Defensoria Pública do Estado e em notícias veiculadas na mídia.

O dossiê aponta que 3.099 famílias já foram removidas e outras 7.843 estão ameaçadas de remoção em obras para o Mundial e os Jogos Olímpicos de 2016, como a construção do Parque Olímpico, na Barra da Tijuca, ou a implantação das linhas de BRT (transporte rápido por ônibus). O dossiê é dividido em denúncias envolvendo itens como mobilidade urbana, esporte e orçamento. Uma das principais críticas é quanto à falta de transparência. Sobre as remoções realizadas pela prefeitura, por exemplo, o dossiê afirma que “os projetos não são apresentados e não há dados oficiais das famílias ameaçadas”. E ainda que “a maioria das remoções está localizada em áreas de extrema valorização imobiliária”.

Ainda segundo o dossiê, no que diz respeito aos vendedores ambulantes e trabalhadores informais, a política de preparação da cidade para a Copa do Mundo e os Jogos de 2016 é de “exclusão e militarização”. Na seção de esporte, o documento critica as demolições do parque aquático Júlio Delamare e do estádio de atletismo Célio de Barros, previstas no edital de concessão do Maracanã, além do que se transformou o que deveria ser o legado do Pan de 2007: o Engenhão está interditado, o velódromo será demolido e o Maria Lenk, será subutilizado em 2016.

Principais pontos

O relatório das violações de direitos humanos divide-se em oito esferas ligadas ao interesse público: moradia, mobilidade, trabalho, esporte, meio ambiente, segurança pública, informação e participação e orçamento e finanças. Confira abaixo alguns pontos levantados pelo Comitê em cada uma delas.

Moradia

Nada menos do que 3 mil famílias residentes na cidade do Rio de Janeiro já foram removidas por conta da realização de projetos direta ou indiretamente ligados à Copa do Mundo e às Olimpíadas. O número pode chegar a quase 11 mil famílias expulsas, já que outras 7.800 famílias correm o risco de despejo. Em relação ao primeiro dossiê, nessa segunda versão foram reunidas informações mais específicas e atualizadas de modo a demonstrar detalhadamente as violações de direitos humanos ocorridas na cidade.

As comunidades envolvidas no processo de remoção foram divididas em quatro eixos específicos relacionados ao fator de risco: as obras viárias em curso no Rio de Janeiro; as obras de instalação e reforma de equipamentos esportivos; as obras de revitalização turística da zona portuária e as áreas de risco ou interesse ambiental.

Apesar da especificidade e das peculiaridades de cada região, o dossiê aponta padrões no trato do poder público, sobretudo o municipal, com as comunidades que se vêem envolvidas no contexto de remoção.  Esses são seis, presentes na ação do poder público no trato com as comunidades atingidas, segundo o comitê:

“(i) Completa ausência, ou precariedade de informação para as comunidades, acompanhada de procedimentos de pressão e coação, forçando os moradores a aceitarem as ofertas da prefeitura do Rio. Cabe frisar que as comunidades visitadas, sem exceção, não tivera acesso aos projetos de urbanização em suas áreas de moradia.

(ii) Completa ausência, ou precariedade de envolvimento das comunidades na discussão dos projetos de reurbanização promovidos pela prefeitura, bem como das possíveis alternativas para os casos onde são indicadas remoções.

(iii) As indenizações oferecidas são incapazes de garantir o acesso a outro imóvel situado na vizinhança próxima, tendo em vista que a prefeitura só indeniza o valor das benfeitorias e não a posse da terra, fato em geral agravado pela valorização imobiliária decorrente dos investimentos realizados pelo poder público. Tal situação não é revertida nem mesmo com o instrumento da compra assistida, o que gera um aumento no valor pago pelas indenizações em torno de 40%., mesmo assim insuficiente para a aquisição de um imóvel na mesma localidade. Resta a opção de transferência para um imóvel distante, nos conjuntos habitacionais que estão sendo construídos em geral na zona oeste, no âmbito do programa Minha Casa Minha Vida.

(iv) Deslegitimação das organizações comunitárias com agentes dos processos de negociação, sempre individualizados por famílias, buscando enfraquecer a capacidade de negociação dos atingidos com o poder público.

(v) Desrespeito à cidadania através de ameaças, pressão e coação.

(vi) Utilização da Justiça como ferramenta contra o cidadão. Nas ações judiciais promovidas pela procuradoria do município, o poder público tem sido “uma máquina irresponsável de despejos”, sem compromisso com a saúde e a vida das pessoas. “A prática da procuradoria do município parece ser a de castigar todos os cidadãos que recorrem à justiça para proteger os seus direitos.”

Uma comunidade que passou por um processo emblemático de remoção foi a Comunidade do Campinho. Segundo o Comitê, o primeiro contato da administração municipal com os moradores foi em janeiro de 2011. Cinco meses depois a comunidade já estava extinta. O motivo? A construção de um mergulhão do corredor Transcarioca de BRT. O dossiê afirma que houve pressão psicológica para que os moradores aceitassem um apartamento do Minha Casa Minha Vida em Cosmos, a 60 km do local. “Há relatos, com mais de uma testemunha, do recebimento de indenizações em sacos de dinheiro pagos em negociação direta com a empreiteira responsável pela obra”, diz o dossiê.

Mobilidade urbana para quem?

É essa pergunta que faz o dossiê ao tratar das intervenções de mobilidade urbana que estão em curso por conta dos megaeventos no Rio de Janeiro. “A análise dos investimentos na cidade do Rio de Janeiro indica que estes não estão voltados para o atendimento das áreas mais necessitadas e que apresentam os piores indicadores de mobilidade. Pior do que uma infraestrutura mal construída ou mal distribuída pelo território da cidade, constata-se que muitas comunidades têm sido removidas compulsoriamente ou sofrido ameaça de remoções por conta da construção da infraestrutura de transporte para Copa e Olimpíadas. Isto, por si só, constitui uma violação ao direito à moradia garantido em diversos tratados internacionais”, afirma.

Ou seja, além dos investimentos em mobilidade urbana beneficiarem as áreas que já contam com as melhores alternativas nesse aspecto, a população carente tem que lidar com o ônus das remoções.

“Através das propagandas oficiais e da mídia em geral, o poder público tem prometido uma ‘revolução nos transportes’, construindo as vias Transcarioca, Transolímpica e Transoeste (todas BRTs), e o metrô Lagoa-Barra (alongamento da linha 1) – todos ligados à realização da Copa e dos Jogos olímpicos. Por outro lado, a população clama por serviços de transporte de massa em outras direções e para outras regiões da cidade. Ou seja, enquanto hoje o serviço de transporte coletivo oferecido à população se configura como caro, precário e insuficiente para  a demanda existente, o cenário que se desenha para o futuro é o de investimentos em transporte que, ao invés de atenderem à demanda existente, tornam possível a ocupação de áreas vazias ou pouco densas, visando e promovendo a valorização imobiliária e a expansão irracional da malha urbana”, analisa o documento do Comitê Popular. O dossiê também aponta para uma forte concentração dos investimentos na cidade do Rio de Janeiro, em detrimento das outras 20 cidades que compõe a área metropolitana da capital; dentro da capital, os investimentos estão maciçamente direcionados à Barra da Tijuca e à zona sul, as áreas mais nobres do Rio.

Destaca-se também os constantes aumentos das tarifas de transporte.

Trabalho

Tido como um dos grandes fatores legitimadores da realização dos megaeventos, o impacto da Copa e das Olimpíadas no trabalho é analisado pelo dossiê do Comitê Popular.

O primeiro aspecto apontado pelo comitê é que nas obras ligadas aos megaeventos é comum ocorrer a chamada precarização do trabalho. Prazos exíguos, omissão de fiscalização pelos órgãos públicos competentes, o contexto de exceção que permite licitações feitas a toque de caixa, além das pressões exercidas por órgãos como o COI e a FIFA ajudam a criar este cenário. Só o Maracanã, aponta o dossiê, já passou por duas paralisações relacionadas a condições de trabalho.

A repressão ao comércio informal também se agravou no contexto dos megaeventos, afirma o Comitê. Segundo documento da Streetnet International, articulação de coletivos de vendedores informais de todo o planeta, há 60 mil vendedores ambulantes trabalhando no Rio de Janeiro em risco por conta da realização dos jogos. Os ambulantes não poderão se beneficiar do contexto da Copa e das Olimpíadas, uma vez que estão proibidos de trabalharem próximos aos locais vinculados às competições. “Também está prevista a repressão, com prisão e apreensão de mercadorias, de qualquer pessoa que comercialize material que faça referência aos símbolos dos eventos e de seus patrocinadores. Nessa mesma direção, está proibida a venda de qualquer souvenir dos eventos aos turistas produzido pelos trabalhadores informais. Ou seja, só poderão vender mercadorias com símbolos dos eventos as empresas licenciadas pela FIFA e pelo COI”, diz o texto. Isto está inclusive garantido pelo artigo 11 da Lei Geral da Copa (12.663/2012).

Esporte

“O futebol no Brasil está vivendo um momento bastante complicado. Os estádios históricos estão sendo destruídos para renascer em forma de centros de consumo e turismo, por vezes com jeito de shopping-center. Os ingressos dos campeonatos nacionais e estaduais estão cada vez mais caros, fora do alcance do torcedor ‘tradicional’. A média de público nos estádios está em plena queda”, analisa o dossiê do Comitê Popular.

A concessão do Maracanã, com a consequente demolição de praças esportivas essenciais como o Parque Aquático Júlio Delamare, o Estádio de Atletismo Célio de Barros e a consolidação do projeto olímpico na Barra da Tijuca são os principais fatores contestados pelo dossiê.

A chamada elitização do público do futebol também é destacada pelo dossiê. “Percebe-se um decréscimo de 732.160 torcedores nos estádios da primeira divisão do campeonato brasileiro de futebol, entre 2011 e 2012, o que representa uma queda de 13%. Ao mesmo tempo, os custos dos ingressos subiram 9% e a arrecadação geral aumentou em 3%. Esses números podem indicar que menos brasileiros têm acesso aos estádios. Isso pode estar ocorrendo em função das obras, em andamento nos grandes estádios visando a Copa do mundo nas principais cidades do país, como é o caso do Rio de Janeiro”, aponta o documento.

Segundo o Dossiê, é possível analisar esse contexto como o de imposição de um modelo de futebol empresarial. Nele “estimula-se a venda do espetáculo aos ‘clientes’, que vão aos estádios para ter uma experiência de entrenimento e não uma participação ativa, identitária e afetiva com o evento. Sem dúvida, os números indicam que os que frequentam os estádios desembolsam cada vez mais dinheiro”.

Além disto, destaca-se também a destruição do legado do Pan-2007 pelo projeto das Olimpíadas de 2016 como ocorreu com o Velódromo, o Parque Aquático Maria Lenk e, mais recentemente, o estádio do Engenhão.

Meio ambiente

O documento aponta que, apesar do discurso oficial afirmar veementemente a preocupação ambiental, na prática ocorre o inverso. A construção dos corredores viários Transcarioca, Transolímpica e Transoeste são alguns exemplos.

No caso do primeiro projeto, por exemplo, o dossiê critica o aterramento da lagoa de Jacarepaguá. Estavam previstos, para mitigar o efeito do aterramento, dois programas pelo estado do Rio: o Programa de Monitoramento da Fauna Existente e o Programa de Compensação Ambiental. Nenhum deles foi realizado.

Segurança pública

“No Rio de Janeiro, que vem servindo de laboratório no tema da segurança pública, defende-se a necessidade de medidas extraordinárias de segurança. Mas cabe perguntar o que está sendo segurado, como, onde, e quais serão os efeitos de curto, médio e largo prazo das medidas que estão sendo adotadas”, pontua o dossiê.

Os fatos de a segurança durante os jogos ser feita por agentes privados contratados pela FIFA, bancados com dinheiro público, de o governo brasileiro pretender investir R$ 80 milhões em câmeras de vigilância nos estádios e não haver garantias de que as imagens coletadas pela FIFA sejam apagadas depois do evento, são criticados. O dossiê também vê essas ações como pretexto para aprofundar a mudança do modelo de segurança pública para o predomínio da segurança privada.

“Como um experimento para controlar as massas e extirpar ameaças, os megaeventos deixarão um saber governamental sobre as novas configurações da cidade. Esse saber não é neutro ou despolitizado, mas contextualizado dentro de um complexo cultural que identifica ameaças particulares que são socialmente construídas. A montagem do aparelho para proteger os interesses associados aos megaeventos pode ser adotada e utilizada para proteger os mesmos interesses pós-evento”, afirma o Comitê.

Informação e participação

O Comitê destaca ainda a negligência com respeito ao direito à informação e participação popular nos assuntos de interesse público durante os preparativos da Copa. Como exemplo, cita as remoções ocorridas nas comunidades Vila Harmonia, Recreio II, Restinga, Sambódromo, Campinho e Metrô-Mangueira. Todas as comunidades foram avisadas das remoções de suas casas algumas horas antes do despejo. E diz que não houve apresentação de justificativas plausíveis em grande parte das remoções nem os detalhes dos projetos foram publicados.

No aspecto orçamentário aponta também falta de transparência. “A divulgação de aumento de gastos frequentemente ocorre muito tempo após ter sido efetuado e, mesmo assim, nem todos os valores são publicados. No caso da preparação para os Jogos Olímpicos, há apenas uma estimativa inicial de orçamento constando no dossiê de candidatura, mas os gastos poderiam efetivamente alcançar quase o dobro dessa estimativa, segundo depoimento do presidente da Autoridade Pública Olímpica, em 2012.”

Orçamentos e finanças

O dossiê chama atenção para o valor total de investimentos para a realização da Copa do Mundo no Rio de Janeiro, que já sofreu um aumento de 95% tendo como base os valores da Matriz de Responsabilidades. Os R$ 2,2 bilhões previstos inicialmente tornaram-se quase R$ 4,2 bilhões. E contesta a informação de que os Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro em 2016 custarão cerca de US$ 12,5 milhões, elencando 21 projetos municipais ligados, ao menos no discurso, às Olimpíadas cuja soma de orçamento alcança nada menos do que R$ 22,6 bilhões.

“Chama atenção o fato das decisões relativas a esses investimentos não passarem por uma ampla discussão democrática, envolvendo todos os segmentos sociais, colocando em pauta o projeto de cidade que está construído”, conclui o documento, criticando, mais uma vez, a concentração de investimento público em áreas nobres.

O blog Copa Pública é uma experiência de jornalismo cidadão que mostra como a população brasileira tem sido afetada pelos preparativos para a Copa de 2014 – e como está se organizando para não ficar de fora.

BAIXE o dossiê Megaeventos e Violações de Direitos Humanos no Rio de Janeiro – 2ª edição revisada e atualizada:http://bit.ly/DossieRio2013.

*Daniel Mazola é conselheiro da ABI e secretário da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da institução. 

**Com informações da EBC, jornal O Estado de S. Paulo e revista Carta Capital.

Fonte: publicado originalmente no site da ABI, com fotos que não reproduzimos por motivos técnicos

sábado, 1 de outubro de 2011

Copa do Mundo e Jogos Olímpicos radicalizam as desigualdades Sociais

COBERTURA ESPECIAL – Seminário  “A cidade dos e para os mega eventos esportivos: muros, remoções e maquiagem urbana”
 
Seminário no Complexo de Favelas da Maré discute as transformações e impactos gerados pelos megaeventos esportivos na cidade.

Agência Notisa – Ao vencer as disputas para sediar os dois maiores eventos esportivos do mundo – a Copa do Mundo e as Olimpíadas –, as cidades-sedes brasileiras entraram num circuito de especulação imobiliária e intervenções urbanas que, segundo o seminário “A cidade dos e para os mega eventos esportivos: muros, remoções e maquiagem urbana”, vem contribuindo para violações dos direitos humanos. Essas e outras questões foram discutidas ontem (30), durante o evento promovido pela Redes de Desenvolvimento da Maré, em parceria com o Observatório de Favelas e a ONG ActionAid, no Complexo de Favelas da Maré (RJ).
No seminário, representantes dessas entidades debateram a preparação do Rio de Janeiro para a Copa de 2014 e para as Olimpíadas de 2016 e avaliaram o impacto causado pelas intervenções urbanas feitas na cidade, principalmente nos locais de moradia de população pobre. Segundo eles, a condução do poder público em relação às intervenções urbanas para a Copa e para os Jogos Olímpicos negligencia a participação da população, sobretudo dos moradores de comunidades, que sofrem, inclusive, com remoções.
Os palestrantes trataram essas intervenções como “maquiagem urbana”, e deram o exemplo da construção do polêmico muro que separa o Complexo de Favelas da Maré das linhas Vermelha e Amarela, ocorrida, segundo os próprios moradores, sem possibilidade de diálogo entre eles e o poder público.
Segundo Jailson de Souza, coordenador geral do Observatório de Favelas, as cidades estão sendo pensadas e administradas apenas como ambientes de negócios. “Ao invés de promover o bem público, a gestão é feita a partir do mercado. As escolhas são feias muito mais a partir do custo benefício do lucro do que do bem-estar das pessoas”, disse.
Brian Mier, coordenador de Direito à Cidade da ActionAid-Brasil, ONG presente em mais de 40 países que trabalha em parceria com organizações locais, exemplificou essa realidade ao mostrar as mudança implementadas na África do Sul para receber a Copa do Mundo, ano passado.
Segundo ele, tudo foi pensado visando o lucro. Lucro da FIFA, do governo, e das empresas, como da construção civil, por exemplo. “Uma fala comum dos governos é que os eventos irão gerar emprego. Isso é ilusão. Na África do sul, 111 mil empregados perderam seus postos de trabalho na construção civil depois que a copa terminou”, disse.
O incentivo ao turismo, outro argumento dos organizadores dos eventos, para Brian, também não é real. Segundo ele, um estudo realizado durante a Copa da África revelou que 60% dos turistas que estavam no país durante o evento, não estavam lá por causa da Copa. Estavam visitando parentes, já que era período de férias.
Além disso, ele contou que moradores de favelas de lá viram os recursos aplicados em saneamento básico serem desviados para cobrir os gastos da Copa. E que muitos foram removidos de suas casas para lugares afastados dos estádios, que nada mais eram do que “aglomerados de latões” onde eles passaram a viver.
Segundo ele, durante os jogos, num raio de um quilômetro dos estádios, só a Fifa pode atuar. Os comerciantes locais, por exemplos, são expulsos porque só podem ser comercializados produtos oficiais. “E a Fifa não paga impostos por isso”, disse Brian.
“Esses eventos esportivos acabam reproduzindo e radicalizando as desigualdades sociais. Tudo isso faz parte de técnicas de controle. Técnicas de repartição territorial que garantem o privilégio de alguns em vista de violações dos direitos dos mais pobres”, disse Jorge Barbosa, professor de Geografia da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Observatório de Favelas.
Agência Notisa (science journalism – jornalismo científico)

segunda-feira, 18 de julho de 2011

"MEGAEVENTOS, DOUTRINA DO CHOQUE E A SUBMISÃO DO RIO"

Em 30 de outubro de 2007, a FIFA ratificou o Brasil como país-sede da Copa do Mundo de 2014. Em maio de 2009, a cidade do Rio de Janeiro foi confirmada para receber a partida final do evento, que acontecerá no estádio do Maracanã. Em 2 de outubro do mesmo ano, o Rio também foi selecionado, desta vez pelo COI, como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. O entusiasmo e o ufanismo tomaram conta do noticiário, reforçando o discurso dominante que o Brasil vive o melhor momento de sua história. A Cidade Maravilhosa, "cidade global" segundo os urbanistas, tornou-se o balão de ensaio desse novo Brasil-potência, síntese mitificada da nova brasilidade, assumindo lugar semelhante à da Brasília dos anos 1960.

Em 1º de janeiro de 2009, Eduardo Paes, do PMDB, tomou posse como prefeito da cidade do Rio de Janeiro. A aliança ao redor dele reúne o governo do estado chefiado por Sérgio Cabral, do mesmo partido, e a administração federal encabeçada pelo PT, num portentoso consenso tri-governamental. No primeiro ano de seu mandato, Paes iniciou um conjunto de ações denominado "Choque de Ordem". Em coordenação de órgãos e governos, o "choque de ordem" reprime o trabalho informal, remove moradores de ruas, ajuda a despejar ocupações de sem tetos e ocupa permanentemente posições estratégicas, contra a "indisciplina urbana".

Desde 2010, invocando os megaeventos, o "choque de ordem" está focado na implantação de grandes complexos viários por toda a cidade, mediante iniciativas como a TransOeste, TransCarioca e TransOlímpica.

Não custa lembrar que a "doutrina do choque" começou como tortura psiquiátrica, passou à esfera militar, foi usada como arma política contra inimigos ideológicos e, agora, chegou ao Rio de Janeiro no melhor espírito olímpico.

Se a urbanização das favelas e a regularização fundiária tomaram 30 anos de lutas pelo direito à moradia e à cidade, tais conquistas estão sendo desprezadas e destruídas em questão de meses. Pobres têm sido removidos sem compensação minimamente equivalente, de modo truculento, amiúde na calada da noite, para áreas distantes das comunidades onde viviam há décadas. Projetos de revitalização fabricam ainda mais sem tetos. Camelódromos históricos são desmontados, as mercadorias ilegalmente confiscadas, os ambulantes expulsos na ponta do cassetete. Empreendimentos culturais "criativos" mascaram a privatização da cultura metropolitana, em favor de grandes conglomerados da mídia e entretenimento. Na base da canetada, os projetos de engenharia e urbanismo aceitam tudo, a título de modernização, disciplinamento e pacificação.

Está em curso a submissão da cidade aos imperativos da especulação imobiliária. Pretendem convertê-la em "cidade global", enquadrada às demandas e fluxos do capitalismo globalizado, sem espaço para os negros, os quilombolas, os jovens sem trabalho, os camelôs, os sem tetos, os precários. Se a exclusão sistemática e a violência contra os pobres vêm da história escravocrata da cidade, só agora galgou o status de "consenso". Essa política de fascismo à carioca não respeita sequer servidores do próprio estado, como os bombeiros tachados de “vândalos” pelo governador Sérgio Cabral.

Neste contexto, surpreende, da parte de setores que se identificam como esquerda, um discurso de interesse público e até mesmo socialista (!), manobrado para “limpar” as ruas e comunidades, e empurrar os pobres cada vez mais para fora da metrópole que construíram. Em meio a bandeiras vermelhas misturadas nesse consenso, Marx ressente-se, pois segue a desvalorização do homem na sua submissão à expansão de riqueza como capital. O redesenvolvimento urbano do Rio, desigual e expropriatório, somente tem sido criticado por setores minoritários da esquerda, virtualmente isolados em meio ao monolítico bloco de governos e aliados empresariais, com seus gigantescos recursos políticos e econômicos.

Nesse contexto, é lamentável a desmontagem do Núcleo de Terras e Habitação (NUTH) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. Muito próximo dos movimentos sociais, vinha defendendo direitos coletivos e difusos das populações afetadas pelo trator “progressista”. Sob a gestão do novo defensor público geral, Nilson Bruno, se tornou inviável a continuidade do trabalho de defensores combativos, dissolvendo a parceria direta entre o órgão e os movimentos sociais. Como consequência, levantaram-se ainda mais barreiras para a efetiva prestação da tutela jurídica aos prejudicados pelo desenvolvimento.

Não adianta prolongar em demasiado discussões teóricas, quando o presente range de conflito e urge por ações concretas. Bertold Brecht certa vez disse que chega uma hora nas lutas que se deve aceitar uma formulação rude, mesmo grosseira. Diante da anemia crítica na imprensa e dentro do bloco de poder, é preciso continuar insurgindo-se com os resistentes, continuar produzindo redes e mídias contra o consenso dominante. E contestar alianças ditas "estratégicas", sob a desculpa universal da "correlação de forças", que negam e desacreditam toda a cultura de esquerda por alguns professada.

NÚCLEO BIOLUTAS DO PARTIDO DOS TRABALHADORES DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO."