COBERTURA ESPECIAL – Seminário “A cidade dos e para os mega eventos esportivos: muros, remoções e maquiagem urbana”
Seminário no Complexo de Favelas da Maré discute as transformações e impactos gerados pelos megaeventos esportivos na cidade.
Agência Notisa – Ao vencer as disputas para sediar os dois maiores eventos esportivos do mundo – a Copa do Mundo e as Olimpíadas –, as cidades-sedes brasileiras entraram num circuito de especulação imobiliária e intervenções urbanas que, segundo o seminário “A cidade dos e para os mega eventos esportivos: muros, remoções e maquiagem urbana”, vem contribuindo para violações dos direitos humanos. Essas e outras questões foram discutidas ontem (30), durante o evento promovido pela Redes de Desenvolvimento da Maré, em parceria com o Observatório de Favelas e a ONG ActionAid, no Complexo de Favelas da Maré (RJ).
No seminário, representantes dessas entidades debateram a preparação do Rio de Janeiro para a Copa de 2014 e para as Olimpíadas de 2016 e avaliaram o impacto causado pelas intervenções urbanas feitas na cidade, principalmente nos locais de moradia de população pobre. Segundo eles, a condução do poder público em relação às intervenções urbanas para a Copa e para os Jogos Olímpicos negligencia a participação da população, sobretudo dos moradores de comunidades, que sofrem, inclusive, com remoções.
Os palestrantes trataram essas intervenções como “maquiagem urbana”, e deram o exemplo da construção do polêmico muro que separa o Complexo de Favelas da Maré das linhas Vermelha e Amarela, ocorrida, segundo os próprios moradores, sem possibilidade de diálogo entre eles e o poder público.
Segundo Jailson de Souza, coordenador geral do Observatório de Favelas, as cidades estão sendo pensadas e administradas apenas como ambientes de negócios. “Ao invés de promover o bem público, a gestão é feita a partir do mercado. As escolhas são feias muito mais a partir do custo benefício do lucro do que do bem-estar das pessoas”, disse.
Brian Mier, coordenador de Direito à Cidade da ActionAid-Brasil, ONG presente em mais de 40 países que trabalha em parceria com organizações locais, exemplificou essa realidade ao mostrar as mudança implementadas na África do Sul para receber a Copa do Mundo, ano passado.
Segundo ele, tudo foi pensado visando o lucro. Lucro da FIFA, do governo, e das empresas, como da construção civil, por exemplo. “Uma fala comum dos governos é que os eventos irão gerar emprego. Isso é ilusão. Na África do sul, 111 mil empregados perderam seus postos de trabalho na construção civil depois que a copa terminou”, disse.
O incentivo ao turismo, outro argumento dos organizadores dos eventos, para Brian, também não é real. Segundo ele, um estudo realizado durante a Copa da África revelou que 60% dos turistas que estavam no país durante o evento, não estavam lá por causa da Copa. Estavam visitando parentes, já que era período de férias.
Além disso, ele contou que moradores de favelas de lá viram os recursos aplicados em saneamento básico serem desviados para cobrir os gastos da Copa. E que muitos foram removidos de suas casas para lugares afastados dos estádios, que nada mais eram do que “aglomerados de latões” onde eles passaram a viver.
Segundo ele, durante os jogos, num raio de um quilômetro dos estádios, só a Fifa pode atuar. Os comerciantes locais, por exemplos, são expulsos porque só podem ser comercializados produtos oficiais. “E a Fifa não paga impostos por isso”, disse Brian.
“Esses eventos esportivos acabam reproduzindo e radicalizando as desigualdades sociais. Tudo isso faz parte de técnicas de controle. Técnicas de repartição territorial que garantem o privilégio de alguns em vista de violações dos direitos dos mais pobres”, disse Jorge Barbosa, professor de Geografia da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Observatório de Favelas.
Agência Notisa (science journalism – jornalismo científico)