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quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Pedro Dória, de O Globo, e os "amadores"

23/10/2013 - O debate em que Pedro Dória, de O Globo, achou que os outros eram amadores
Publicado por Renato Rovai em Mídia

Durante o dia de ontem [22], amigos me chamaram a atenção para um debate realizado em evento do site Youpix que contou com a presença do jornalista Pedro Dória (O Globo), Rodrigo de Almeida (IG), Alexandre Inagaki (blogueiro), Rafucko (video-maker) e do Carioca (Mídia Ninja). Fui assisti-lo ao final da noite, na verdade, na madrugada.

Por mais uma vez o discurso da mídia tradicional levou de lavada da garotada que está nas ruas com a mão na massa. Pedro Dória [foto], que se arvorou em defensor da mídia tradicional, disse coisas como: “O que o jornalista faz é diferente do que vocês fazem”.

E as pessoas que estão na rua têm “obsessão por calar uma voz”, referindo-se à Rede Globo de Televisão.

Se o amigo quiser assistir a parte mais quente do debate (segue abaixo) pode fazê-lo indo até o minuto 24 e seguindo até o 33. Neste trecho se concentra o principal da polêmica.

http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=i7WVIJERmmo



Esses dois pontos levantados por Dória são interessantes para a reflexão do que estamos vivendo. No primeiro, ele se refere ao exercício do jornalismo idealizado. Aquele em que o repórter faz o seu trabalho de forma independente, buscando ser fiel aos fatos, e oferece sem máculas o fruto do seu trabalho ao respectivo público.

Não é o caso, aqui, de revirar o debate acerca da imparcialidade. Dória, jornalista inteligente, não usou essa palavra. Num tempo não muito distante, jornalistas arvoravam-se imparciais. Hoje, já aprenderam algo sobre o mito da imparcialidade.

Mas esse jornalismo ideal (ou tradicional, como preferiu Dória) é o que de fato tentam fazer os veículos corporativos? Ou seria mais justo dizer que esses veículos se tornaram máquinas midiáticas a serviços de grupos econômicos? E que hoje têm negócios em diversas áreas e defendem seus interesses utilizando-se dos seus instrumentos de informação?

Cada vez mais pessoas vêm dando respostas a essas perguntas que contradizem a hipótese de Dória, e por isso a mídia tradicional tem perdido espaço no mundo inteiro. E por isso também e por conta dos novos adventos informacionais, está se consolidando uma outra esfera pública concorrente à mediada.

Yochai Benkler [foto], num livro ainda não traduzido para o português (Weath of Networks – A riqueza da redes), chamou-a de esfera pública digitalmente interconectada.

Podemos agregar a isso o fato de que ela também é colaborativa e informativa.

E composta não só por midiativistas ou comunicadores eventuais (algo que [Manuel] Castells [foto] numa boa definição denomina de auto-comunicação de
massa - mass self-comunication), mas também por outros veículos de comunicação.

Que não são tradicionais e nem ligados a grupos econômicos.

O ecossistema comunicacional é hoje muito diferente da simplificação que Dória propõe: amadores x profissionais ou engajados x independentes.

A explosão de veículos de mídia traz novos componentes para se pensar este ambiente.

No debate de ontem [22], por exemplo, Dória fez loas a um vídeo que foi produzido recentemente por um jornalista de O Globo, onde um policial militar plantava morteiros na bolsa de um manifestante.

A narrativa de Dória (assistam ao vídeo) é cheia de firulas. Poderíamos classificá-la no gênero de jornalismo dramático, algo que não é muito aconselhável para quem quer defender a 
racionalidade jornalística.

Ele vai detalhando a história, buscando emoldurar os fatos com detalhes pouco importantes, para que no final você venha a descobrir que O Globo conseguiu flagrar um policial plantando um morteiro numa bolsa de um manifestante.

Acontece que no dia 13 de junho um garoto com aproximadamente 500 seguidores flagrou um PM de São Paulo quebrando o vidro de uma viatura.

Este vídeo foi assistido por 2,5 milhões de pessoas e se tornou fundamental para desmascarar a ação policial e mobilizar muitos dos milhares que foram ao Largo da Batata no dia 17 protestar, não contra o aumento da tarifa, mas também contra a repressão.

Ou seja, o mínimo a dizer é que O Globo chegou muitíssimo atrasado nessa história. 

Provavelmente ou porque não estava fazendo jornalismo (tradicional, profissional ou seja o que for) nas ruas ou porque esse tipo de pauta não interessava. Aliás, isso é bem comum no dito jornalismo tradicional. Há pautas que interessam e outras que são proibidas.

Por exemplo, quando será que um debate como o de ontem será transmitido pela TV Globo?

Quando teremos um Profissão Repórter, um Globo Repórter ou um Fantástico com o tema da democratização das comunicações?

Ou quando a Globo vai debater de forma ampla as falcatruas no futebol brasileiro? Ou a Globo como dona do futebol brasileiro não trata seu produto e seus parceiros, de um jeito, digamos, mais carinhoso?

Será que estão querendo calar essa voz?

Dória falou de calar vozes, com voz grave, dando ao seu discurso um toque de autoridade e seriedade dramáticos.

Calar vozes em relação a Globo, Dória? Você de fato está falando sério? 

Existem exemplos às pencas do contrário, mas vamos a um recente. E que envolve um jornalista da emissora.

Jorge Pontual [foto], num debate da Globo News sobre o Mais Médicos, elogiou o sistema de saúde cubano.

No portal Globo.com o vídeo foi publicado sem este trecho.

A ação dos internautas foi o que fez a emissora voltar atrás. Isso é calar vozes. Isso é interditar o debate.

Mas para não parecer que daqui a gente só faz birra. Concordo com Dória num ponto.

Ele defendeu, contrapondo-se a Rafucko [foto], que vivemos numa democracia e que nosso sistema político é muito diferente de uma ditadura. Tem razão. Democracia é isso, algo imperfeito.

Mas a nossa precisa ser mais democratizada. E há três setores que carecem de democratização urgente: o judiciário, a segurança pública e a comunicação. Boa parte dos nossos problemas tem a ver com os resquícios da ditadura que ainda prevalecem nessas áreas.

Dória que me desculpe, mas Rafucko matou a pau ontem. E se ele é o amador e o Dória o profissional…

Mas há algo que precisa ser registrado aqui. O belo abraço ao final do debate protagonizado por Rafucko e Pedro Dória.

Avançamos quando depois de uma discussão quente as pessoas continuam se respeitando. Mas a Globo nunca gostou disso…

Fonte:
http://revistaforum.com.br/blogdorovai/2013/10/23/o-debate-em-que-pedro-doria-de-o-globo-achou-que-os-outros-eram-amadores/

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

O midiativismo se multiplica


Por Luciano Martins Costa em 21/08/2013 na edição 760

Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 21/8/2013

     
Nas edições de quarta-feira (21/8), a Folha de S. Paulo e o Globo informam que um policial militar do Rio foi afastado do serviço após ter sido identificado lançando gás de pimenta contra jornalistas e advogados que acompanhavam um protesto no bairro do Catete.

Os dois textos oferecem informações detalhadas sobre a ação do agente público, depoimentos e declarações de autoridades, com as costumeiras promessas de “apuração rigorosa”. Mas há uma diferença fundamental entre as duas reportagens: para o Globo, o vídeo que denuncia a atitude do policial apenas “circula nas redes sociais”. Já a Folha esclarece que as imagens foram produzidas e divulgadas “por um grupo identificado como Coletivo Mariachi” (ver aqui).

Só os editores do jornal carioca podem explicar porque omitem de seus leitores a autoria do material jornalístico que permitiu identificar o perpetrador desse ato abusivo. Mas não é difícil relacionar esse “esquecimento” com o esforço que faz a mídia tradicional para relativizar a importância dos midiativistas, que se notabilizaram recentemente a partir do coletivo chamado Mídia Ninja.

Segundo o site especializado em mídia e publicidade Bluebus (ver aqui), o Coletivo Mariachi éum novo fruto do processo de multiplicação do jornalismo “ninja”, que dinamiza e diversifica o ambiente comunicacional.

Formado originalmente por um documentarista mexicano e dois jornalistas brasileiros, esse novo grupo, segundo o Bluebus, acompanha as manifestações na cidade do Rio de Janeiro para a produção de um documentário que deverá se intitular “Primavera Carioca”.

Enquanto intelectuais discutem o formato dessas iniciativas, “o que seria jornalismo, o que seria narrativa”, diz o site, “o mundo novo da mídia avança sobre a polícia e mostra o absoluto despreparo dos soldados que deveriam zelar pela ordem nas ruas”.

Pode-se discutir em que ponto eclode a violência que tem se seguido às manifestações, se policiais despreparados detonam ou contribuem para acirrar o ânimo dos protestadores, mas não se pode fugir ao fato de que, sem a ação dos midiativistas, todos os dedos estariam apontados para os manifestantes.

Ao omitir a autoria do vídeo que denuncia a arbitrariedade policial, o Globo admite implicitamente que não pode ignorar a informação, mas se sente compelido a omitir a fonte.

Esses tais de ninjas

Esse episódio pode ser compreendido de vários ângulos. Um deles mostra como é patética a tentativa de demonizar a Mídia Ninja apartir de sua ligação com o coletivo de produtores culturais chamado Fora do Eixo. Nesse contexto, torna-se explícito também que o midiativismo não é uma contracorrente, em relação à mídia tradicional: ele acontece à revelia da imprensa clássica. Nem é mesmo resultado de um ânimo contracultural: é a manifestação de uma enorme convergência que se expressa à revelia das instituições.

Trata-se do mais genuíno exercício de liberdade de informação e expressão, aquele que é produzido por muitos, por quem quiser, e publicizado no “não-lugar” das redes, o campo aberto cujos limites ainda não são definidos por interesses desta ou daquela empresa de comunicação.

Há um elemento básico a ser considerado nesse debate, e que vem sendo omitido ou sobrepassado por alguns analistas: o fenômeno do midiativismo ocorre num momento da modernidade em que os conflitos entre capital e trabalho são dissimulados ou abrandados pelo consumo de bens e serviços tecnológicos que, em variados níveis, democratizam a posse ou controle dos meios de produção da comunicação.

O jovem que porta um smartphone e com ele capta e distribui imagens do cotidiano não deixa de ser um trabalhador e ou estudante, telespectador e, eventualmente, leitor da imprensa escrita; mas agrega à sua potência individual a possibilidade de ser também mídia. Sua autonomia como indivíduo se amplia exponencialmente, com a apropriação desses bens e serviços tecnológicos.

O propósito de agregar essas expressões, mantendo suas singularidades, é que faz da Mídia Ninja um ponto de ruptura na história da comunicação de massa no Brasil. O conceito que registra a substituição da “mídia de massa” pela “massa de mídias” não poderia ter melhor tradução.

Quem acompanha profissionalmente a evolução das tecnologias digitais de informação e comunicação pode antever o que há logo adiante. A qualquer momento, o fluido que escorre pelas ruas e se expressa nas redes digitais vai acabar se consolidando em nova instituição. Nesse momento, aquilo que costumávamos chamar de imprensa terá encolhido até caber num nicho específico do ecossistema de informações.

Por isso, o Globo precisa reproduzir as imagens da violência policial, mas tenta omitir que os autores são esses tais de “ninjas”.


Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/o_midiativismo_se_multiplica

Leia também

Por que as redes assustam a imprensa – L.M.C. Obsevatório da Imprensa

terça-feira, 20 de agosto de 2013

A censura em nome da liberdade


Por Sylvia Debossan Moretzsohn em 20/08/2013 na edição 760

     
É possível afirmar a luta pela democratização da comunicação quando se discrimina quem pode e quem não pode trabalhar numa cobertura?

Representantes da Mídia Ninja contestaram, com toda a razão, a atitude do governo do estado do Rio de Janeiro, que há cerca de um mês os barrou na entrada do Palácio Guanabara, onde se realizava uma coletiva, porque não lhes reconhecia o status de “imprensa”. No entanto, o grupo que desde a semana passada ocupa a Câmara dos Vereadores do Rio, em protesto contra o desvirtuamento na composição da CPI dos Ônibus, age precisamente da mesma forma, ao impedir o acesso de jornalistas da chamada imprensa tradicional, autorizando apenas a entrada dos ninjas. A justificativa é de que essa imprensa distorce as informações, manipula os fatos e tem um passado que a condena: “apoiou a ditadura”.

Não se trata, agora, da hostilização às vezes extremamente violenta contra jornalistas, especialmente de redes de TV, durante as manifestações de massa que ocorreram em junho e julho. Nesses casos, sempre seria possível apontar uma indignação difusa, supostamente espontânea, de pessoas comuns revoltadas contra a atuação da grande mídia, embora seja sempre importante lembrar que palavras de ordem não surgem do nada: alguém “puxa” e o coro corresponde. Agora é diferente, porque há um pequeno grupo organizado que delibera quem pode ou não trabalhar, quando e como.

Qual liberdade?

Quando se contesta essa atitude, há quem responda que o que se deseja é a mídia livre, e que de nada adianta a presença de jornalistas se o seu trabalho será deturpado na hora da edição.

Estamos, portanto, de volta aos tempos da censura prévia, com a particularidade de que nem sequer se permite a apuração dos fatos, para que não sejam divulgados como não se deve.

Curiosamente, no famoso Roda Viva de duas semanas atrás, o líder do coletivo Fora do Eixo contestava a imparcialidade como valor para o jornalismo e defendia, em contrapartida, a “multiparcialidade”.

Seria interessante indagar como produzir essa multiplicidade de pontos de vista, se tantos são impedidos de ver.

Talvez, porém, essa “multiparcialidade” diga respeito apenas aos que são “mídia livre”: por consequência, os demais, os que “apoiaram a ditadura”, devem ser silenciados.

Faz sentido: Saint-Just, um dos ícones da política do terror que se seguiu à Revolução Francesa, dizia que não poderia haver liberdade para os inimigos da liberdade. Pouco importam as tragédias que a História acumula: sempre sobrevivem os partidários dos comitês de salvação pública e de suas guilhotinas.

Todos ou ninguém

Como já pude comentar neste Observatório (ver “Contra a demonização da imprensa“), o pressuposto que automaticamente condena tudo o que vem da grande imprensa parece expressão de aguda consciência política, quando não passa de uma brutal ignorância. Mas, em tempos turbulentos como os que estamos vivendo, radicalizar faz parte: quanto mais, melhor.

Em várias entrevistas, o líder do Mídia Ninja repetiu que discordava da hostilização aos jornalistas, que não agiria assim, mas que entendia por que os outros agiam. Na prática, portanto, não contestava esse comportamento: “entender”, nesse caso, acaba sendo sinônimo de “aceitar”, por mais que o discurso afirme outra coisa.

Diante do que ocorre na Câmara de Vereadores do Rio, se discordassem de fato dessa atitude, os ninjas poderiam simplesmente rejeitar o privilégio. Bastaria dizer: ou todos cobrem, ou ninguém. Seria uma forma objetiva e pedagógica de contestar a discriminação e de demonstrar solidariedade a quem exerce a profissão de jornalista, algo que militantes de outras épocas sabiam valorizar muito bem.

Os empresários que comandam as grandes corporações de comunicação são absolutamente refratários à democratização dos meios e sempre acusaram de “censura” qualquer tentativa de regulação nesse campo. Quem impede a imprensa de trabalhar provavelmente imagina estar agindo de maneira mais eficaz na contestação a esse poder. Opta pela ação direta, despreza a via institucional. Mas o exercício da censura em nome da liberdade, além de um absurdo lógico, significa apenas a inversão de sinais e o afastamento de qualquer hipótese de projeto democrático.

Naturalmente, todos falam em nome do povo. Mas, nesse horizonte, o que se vislumbra tem a forma oblíqua de uma lâmina pronta para decepar cabeças.

***

Sylvia Debossan Moretzsohn é jornalista, professora da Universidade Federal Fluminense, autora de Repórter no volante. O papel dos motoristas de jornal na produção da notícia (Editora Três Estrelas, 2013) e Pensando contra os fatos. Jornalismo e cotidiano: do senso comum ao senso crítico (Editora Revan, 2007)

Fonte: Observatório da Imprensa

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A linguagem que veio das ruas


Por Luciano Martins Costa em 12/08/2013 na edição 758

Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 12/8/2013

   
A análise da mídia requer atenção a detalhes da narrativa, como as escolhas de ícones e a sua distribuição no tempo e no espaço de cada mensagem, de acordo com o meio em que se aplica. Na rotina, as intenções que se escondem sob a falsa objetividade do texto jornalístico podem ser identificadas nos módulos de informação que são destacados nas manchetes e no alto da páginas de jornais, nas capas de revistas e nas “chamadas” reiteradas dos telejornais.

Em todos os casos, os temas sobre os quais a imprensa quer chamar mais atenção ganham mais centímetros por coluna na mídia impressa e mais segundos preciosos na televisão, comumente acrescentando-se personagens e comentários de especialistas, cuja credibilidade é bancada pelo próprio veículo.

Eventualmente, as coisas da vida, como uma doença ou a falta de preparo intelectual ou psicológico, reduzem o valor de um ou outro desses analistas, como no caso de uma protagonista onipresente no rádio e na TV, que costumava ser convocada para falar de tudo, e acabou se atrapalhando num dia em que, tendo ingerido uma quantidade maior de bebida alcoólica, colocou no ar a voz pastosa dos embriagados.

Esse modelo de jornalismo está em recesso, por algumas razões que exigem um pouco mais de esforço do observador. Quase todas essas razões têm relação direta com o conjunto de elementos presentes nas manifestações que paralisaram muitas das grandes cidades brasileiras no mês de junho.

O fato de milhares de cidadãos, na maioria jovens, haver denunciado a falta de representatividade do sistema partidário e a falta de credibilidade das instituições republicanas, de alguma forma levou a imprensa a se distanciar um pouco do objeto central de suas pautas – a política partidária – e abrir o olhar para outros aspectos da vida social. Assim é que proliferam reportagens sobre transporte público, assunto que ganhou centralidade após os protestos liderados pelo Movimento Passe Livre.

Por outro lado, a questão das multiparcialidades, colocada em debate com a grande evidência dada ao coletivo Mídia Ninja a partir dos mesmos eventos que tomaram as ruas, induz os jornalistas a reflexões sobre a bipolaridade que marca o debate político nos últimos anos.

Não por acaso, esse é um dos temas anunciados na primeira página do Estado de S.Paulo na edição de segunda-feira (12/8), sobre um artigo que analisa resultados de pesquisa eleitoral que mostra a recuperação da popularidade da presidente da República.

Detalhes da narrativa

A diluição da bipolaridade entre PT e PSDB, que transformou todos os debates em briga de torcidas, tem uma relação direta com a explicitação de uma complexidade na qual os analistas se veem obrigados e constatar, por exemplo, os limites da mídia tradicional na cobertura de eventos de massa.

De outra parte, torna-se obrigatório compreender como funcionam os coletivos de mídia, que por sua vez nascem dos coletivos de produção cultural, que por seu lado são resultado de políticas públicas que contornaram o campo dominado pela indústria hegemônica de entretenimento e informação.

Entre os detalhes dessa mudança, registre-se a inclusão da expressão “coletivo” na narrativa jornalística tradicional. Por exemplo, em reportagem publicada domingo (11/8) pelo Estado, sobre projeto da prefeitura paulistana de regularizar a situação de imóveis ocupados por movimentos de sem-teto no centro de São Paulo, há espaço para o registro de uma experiência social de convivência num prédio de treze andares tomado por 170 famílias desde outubro de 2012.

No texto do jornal, há referências à gestão coletiva do imóvel, que reúne famílias sem casa, prostitutas, imigrantes do Haiti, estudantes de arquitetura, intelectuais e ativistas de movimentos sociais (ver aqui). O prédio tem internet coletiva, creche, cozinha comunitária, hortas nas sacadas, biblioteca, sala de cinema, e um conjunto de regras que prioriza o bem-estar coletivo.

Ler no vetusto diário paulista um texto que se refere a “coletivos culturais”, “produtores independentes” e “moradia popular” sem o velho ranço reacionário que caracteriza tradicionalmente a imprensa, é um desses detalhes a ser registrado.

Nos debates que se prolongam nas redes sociais sobre problemas na ação do coletivo Fora do Eixo, que deu origem ao grupo denominado Mídia Ninja,o foco das análises críticas de alguns intelectuais são os desvios. No entanto, até a mídia tradicional começa a ver as possibilidades de uma nova forma de vida comunitária e produção de cultura que não precisa de referências bibliográficas para acontecer.

Fonte: Observatório da Imprensa

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_linguagem_que_veio_das_ruas

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Sem as ruas os cartéis continuam



Por Laerte Braga

 
O Brasil tem uma elite bisonha. Tão bisonha que antes preferia Paris e hoje vai para Miami (exceto tucanos de alto plumagem, esses continuam em Londres e Paris), refúgio de mafiosos. O escândalo, no sentido de show, espetáculo deprimente, diante da decisão do governo de trazer médicos estrangeiros para políticas primárias de saúde é um exemplo disso.

De repente se descobre que a maioria não trabalha, muitos não fizeram residência e outros tantos estão lotados em municípios do interior de um determinado estado e vivem e não trabalham nas capitais.

A mídia, logo a mídia conservadora, seis dedos de silicone que era usado para que os pontos fossem registrados sem a presença dos profissionais.

A reação? Batem o ponto e vão embora, não trabalham.

É claro que há falta de estrutura, que inclua um plano de cargos e salários, entre outras coisas, como é cristalino que os municípios foram penalizados, são penalizados pelos estados e pelo governo federal, por absoluta falta de recursos e fiscalização.

O que a roubalheira do metrô de São Paulo não daria para benefícios e criação de uma estrutura de saúde? O que os desvios de verbas no governo Aécio Neves em Minas, justamente na área de saúde (a cargo do deputado Marcus Pestana) não significariam para a saúde e o maior de todos, a criação da CPMF para suprir a saúde de recursos e o rumo que FHC deu ao dinheiro?

“Precisamos de médicos que cuidem de gente” é uma frase de Adib Jatene. Foi autor da idéia da CPMF e renunciou ao Ministério quando percebeu que FHC era um blefe, um sacripanta a serviço do capital internacional.e que o dinheiro não usado na saúde, que fora logrado pelo presidente da República e pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan, hoje principal executivo do grupo Eike Batista e condutor do golpe da falência fraudulenta.

Um estudo das Nações Unidas mostra que os médicos cubanos no Haiti fizeram muito mais pelo país, que toda a ostentação militar de norte-americanos, brasileiros e quejandos, de olhos na reconstrução (que nunca acontece). A divisão do botim.

Os problemas do Brasil são estruturais. Não é como num prédio onde se descobre que há um vazamento numa determinada sala e o conserto é feito sem que a fonte seja procurada, porque cada vazamento vai permitir a um cartel de empreiteiras “solucionar” o problema.

Mudanças estruturais como a política, a agrária, a tributária e fiscal (impostos sobre igrejas e grandes fortunas, por exemplo) e a busca de tecnologias nacionais (somos capazes), por falta de investimento desde a educação básica, fazendo com que em nossas ruas não circule um carro nacional, mas todos de montadoras estrangeiras sobre os quais pagamos roialtyes. Temos uma divida pública escandalosa e FHC desconstruiu o serviço público para  privatizar e terceirizar setores essenciais do Estado, dentre eles a saúde e a educação.

E governos que administram o caos de uma constituição remendada, num cipoal de leis, em que os recursos são mínimos, pois a dívida consome a maior parte da receita do governo federal.

Pior, não existe a vontade política de mudar essa situação, exceto nas palavras vazias de políticos do tempo do império e que atuam em seus estados como imperadores.

Hoje se sabe que os sistemas de satélites de espionagem podem alterar os resultados de uma eleição nas urnas eletrônicas, daí a razão e o medo do voto impresso, que impediria a fraude. Podem até identificar o eleitor.

Bancos, grandes empresas (formadoras de cartéis em setores essenciais da economia) e latifundiários (devastadores do Pantanal e da Amazônia) têm o controle do País, submetem o governo a constrangimentos vergonhosos, somam-se à bancada evangélica – uma das grandes ameaças à democracia – num jogo proposital de mais de 40 partidos (a maior parte sem representação que não busca de cargos) e um Judiciário preocupado com Miami e outras coisas mais, onde as vozes sérias são caladas por ministros do Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, figuras suspeitas em qualquer crime que se cometa no Brasil.

A saída está nas ruas. Mas de forma organizada, bem dirigida e voltada para bandeiras essenciais, básicas e não pontuais, pois acabam fazendo o jogo dos que subjugaram o Brasil no golpe militar e para eles pouco interessa o que quer, o que deseja o cidadão brasileiro.

A classe média envenenada pela mídia podre, corrompida. E o naufrágio a vista no imenso iceberg que é como uma espécie de barco dirigido pelos donos, nada natural.

O confronto entre trabalhadores e elites é inevitável, mas e preciso que seja organizado.

Do contrário vamos ter sempre Sérgio Cabral, Aécio, Anastasia, Alkimin, Serra, FHC e outros dirigindo de fato o Brasil partir do exterior.

É um confronto que se deseja pacífico, mas nem sempre será. É a “explosão das ruas” como disse o jornalista Ricardo Boechat.

Não tem a menor importância, pois os EUA e os seus interesses apostam num novo Oriente Médio na América do Sul. O quanto mais cedo iniciarmos a luta real, concreta, sem caráter festivo, mais cedo conseguiremos nos livrar desse terror que nos vem sendo imposto sem perder de vista que somos um País continental e apostam na divisão. Fomentam essa divisão. O único risco real para o poder dessa gente, além da China e da Rússia é o Brasil, por isso os grandes olhos do grande irmão.

Teoria conspiratória? Quando se falava em espionagem diziam o mesmo.

“Quando as idéias não têm organização, morrem, somem” – Chê Guevara



quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Onde estão os Amarildos?




por Martha Neiva Moreira, Rogério Daflon e Camila Nobrega, do Canal Ibase*

O assessor Guilherme Pimentel, da Comissão de Direitos Humanos, foi convocado, no último dia 17, a ir a uma manifestação de moradores da Rocinha, que, à noite, fechavam a AutoEstrada Lagoa-Barra na altura da comunidade. O protesto vinha em forma de pergunta: Cadê o Amarildo? O clima era de tensão e revolta. Na véspera, alertada por residentes da favela de São Conrado, a comissão já informara o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza à Polícia Civil, à Coordenação das UPPs.

- É preocupante essa história de um cidadão desaparecer, logo depois de ter sido levado para averiguação na polícia na sede da UPP da Rocinha. Isso demonstra a fragilidade da democracia em algumas áreas da cidade – disse Guilherme, que informou que a família depôs na Comissão de Direitos Humanos da Alerj na presença do delegado que investiga o caso, Orlando Zaccone.

O pedreiro foi visto pela última vez na noite do dia 14 de julho, após uma operação da Polícia Militar para prender 30 pessoas da comunidade suspeitas de participação no tráfico local. Testemunhas dizem que ele entrou na sede da UPP, mas não saiu. A entrada foi filmada, enquanto, na saída, de acordo com a polícia, as câmeras não estavam funcionando. Para o delegado Orlando Zaccone, os protestos são legítimos.

- Eles mostram que não existe vida mais importante que outra – disse Zaccone.

O caso deve ir para a Delegacia de Homicídios nos próximos dias.

A Comissão de Direitos Humanos da Alerj, com a presença do deputado Marcelo Freixo, do PSOL, reuniu-se com cúpula de segurança pública, para fazer um pedido simples: uma resposta mais densa sobre o desaparecimento de Amarildo. Nela, estiveram presentes o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, a chefe da Polícia Civil Martha Rocha e o major Paulo Henrique, da UPP da Rocinha. Mas até agora não houve nenhuma resposta convincente.

Em 2011, primeiro caso de morte de morador de UPP

O primeiro caso de morte de um morador de uma favela pacificada de que se tem notícia ocorreu em 12 de junho de 2011, dia dos namorados, no Pavão-Pavãozinho. André Ferreira, de 19 anos, saiu apressado para uma festa onde a namorada, grávida de 9 meses, o esperava. No caminho, foi abordado por policiais e, logo depois, foi encontrado nas ruas da comunidade ferido por tiros. À época, a polícia classificou o caso como um “auto de resistência”, em menção a uma possível reação brusca do jovem à abordagem. A perícia concluiu, no entanto, que o jovem foi ferido pelas costas. No mesmo dia, moradores que assistiram à cena foram às ruas protestar. Os policiais envolvidos ainda respondem em liberdade por processo referente ao caso.

A morte de André estarreceu moradores e também pessoas que trabalhavam na favela. Segundo relatos de pessoas que não quiseram se identificar, a comunidade tem uma relação difícil com a UPP instalada lá e já houve outros casos de abuso policial.

Embora André tenha sido o primeiro caso, não foi o único. Segundo informações do site da Rede contra a Violência, no morro do Fogueteiro, no Catumbi, também em junho de 2011, a comunidade delatou o assassinato do mecânico Jackson Lessa dos Santos e do adolescente Thales Pereira Ribeiro. Policiais seriam os principais suspeitos da ação.

Os moradores protestaram, mas não houve respostas. Na Fallet, ocupada pela mesma UPP do Fogueteiro, uma menina de 10 anos foi baleada na perna durante uma operação policial pouco tempo depois. E, em março de 2012, um morador de 22 anos foi alvejado por um PM que teria agido, segundo moradores, por ciúmes da namorada que mora na comunidade.

No Complexo do Alemão, o jovem Abraao Maximiano, de 15 anos, teria sido executado, sem que tenha havido investigação. A Rede contra Violência ressalta que esses são casos que se tornaram públicos. A maior parte das famílias não chega a fazer denúncias por medo.

Outras formas de violação

Não apenas conflitos com policiais terminaram em morte nas comunidades pacificadas. Um caso que se tornou conhecido entre os moradores do Morro dos Macacos, em Vila Isabel, na Zona Norte, é o do comerciante, fundador e presidente da Associação Comercial dos Macacos, Flávio Duarte de Melo, de 40 anos. Ele foi assassinado em setembro de 2012, dentro de sua padaria. Ele era considerado um colaborador da UPP e havia sido chamado, pouco tempo antes, para ser mestre de cerimônia de um casamento comunitário organizado pela unidade pacificadora. Para moradores do local, a morte foi uma resposta do tráfico ao envolvimento de Flávio com os policiais, que não encontraram suspeitos. Menos de 48 horas depois, Gilmar Campos, amigo de Russo, também foi executado. Os dois casos foram divulgados na imprensa, mas a investigação não solucionou nenhum dos dois.

Para além destes casos, há outras violações policiais em favelas pacificadas. Uma pessoa que trabalha em uma instituição no morro do Andaraí e preferiu não se identificar contou à reportagem que o comando da UPP no local têm ações de intolerância religiosa. Ao proibir músicas a partir das 22h em determinada região, o objetivo principal seria coibir os rituais realizados em terreiros da favela.

- As mortes são os fatos que mais assustam, claro. Mas até que se chegue a esse extremo, há uma série de violações de diversas naturezas acontecendo nas favelas – contou a fonte.

No Santa Marta, uma das principais reivindicações dos moradores que foram às ruas em passeata realizada no início deste mês foi a liberação do uso da quadra da própria comunidade. A UPP coordena o uso do local e coibiu eventos realizados pelos moradores.

Em outras comunidades há denúncias de que policiais entram em casas de moradores para acabar com festas, proibindo sons de funk e outras músicas. Antes que haja agressões, há princípios da dignidade humana feridos. Por mais que se saiba da dificuldade de coibir a violência nas comunidades cariocas e a atividade dos traficantes, não há justificativa para tais ações frente aos moradores.

Papa pede justiça social em UPP

Em visita ontem ao Complexo de Manguinhos, no Rio, o papa Francisco disse que o esforço de pacificação tem que ser acompanhado de justiça social. No entanto, para os moradores da região esta realidade parece não existir nem em sonho. Há três meses a equipe do Fórum Social de Manguinhos se reúne com grupos do complexo de favelas para saber, entre outras informações, como eles imaginam que seja uma comunidade segura. Mas não consegue extrair qualquer impressão.

Segundo Fransérgio Goulart, uma das lideranças dali, por falta de parâmetros, a população local sequer vislumbra este cenário. Os anos de opressão e insegurança, explica ele, embaçam a visão de quem nunca teve paz. A violação de direitos, traduzida pela truculência policial e abandono por parte do poder público, naturalizou uma situação de exceção em Manguinhos, que se reproduz em outras favelas da cidade, mesmo depois da implantação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

- Nos grupos focais com moradores que estamos realizando para produzir uma cartilha reunindo os direitos do cidadão que mora em favela, não conseguimos ter uma resposta deles de como seria uma favela segura. Simplesmente não conseguem vislumbrar sequer que uma rua iluminada possa trazer segurança. Nem em sonho parece possível imaginar uma favela mais segura – disse Fransérgio.

Por isso mesmo o sumiço recente do pedreiro Amarildo na Rocinha não causou espanto a Fransergio nem há outras lideranças de favelas que a equipe do Canal Ibase ouviu. Pelo contrário, eles reafirmaram que viver em território pacificado hoje é sinônimo de ter que lidar, diariamente, com violação de direitos por parte da polícia.

- Não me causou espanto – e acho que a ninguém que mora em favela – a história do Amarildo. Este não foi o primeiro caso suspeito em comunidades com UPP. Logo que foi implantada no Borel (2010), um rapaz foi parado em uma blitz dos policiais da UPP e ninguém mais soube dele. Foi visto pela última vez com os policiais. O Estado garantiu que os policiais de UPP seriam diferentes, mas o que vemos é que o treinamento é o mesmo de sempre. A polícia não mudou – contou Mônica Francisco, da Rede de Mulheres do Borel e do grupo Arteiras.

No Borel, como ela explica, a polícia parece não ter uma norma de conduta pois até crianças estão sendo revistadas, ferindo o artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece que “é dever de todos zelar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório e constrangedor”.

Já cedo, por volta das sete da manhã, os moradores que estão levando filhos para a escola ou descendo para o trabalho se deparam com revistas de policiais. Nem idosos costumam ser poupados.

- É uma rotina de desrespeito com os moradores que o comportamento da polícia impõe. Outro dia, meu marido e filho estavam descendo do ônibus no ponto em frente à favela. Logo que saíram, tinha um policial fazendo revista de todos, de forma truculenta – observou Mônica.

Borel vive em meio a arbitrariedades

A lista de arbitrariedades no Borel não para por aí. No morro, é a UPP que tem o controle do mototáxi. Os moradores se perguntam porque o transporte tem que ser controlado pela força policial. Por que não por outra instância do Estado ou mesmo uma cooperativa organizada por meio de alguma ação do Sebrae, por exemplo?

Em Manguinhos a realidade não é diferente. Segundo Fransérgio Goulart, na favela persiste o toque de recolher não-oficial, às 23h, todos os dias, indicando que a presença de policiais da UPP ainda não deu tranquilidade à população para transformar uma rotina imposta durante anos pelo tráfico. Para fazer qualquer atividade cultural, é preciso pedir autorização do comandante da UPP.

A juventude é que mais sofre com as revistas arbitrárias e achaques em Manguinhos. Tanto é que passaram a só andar em grupo pelas ruas da comunidade como medida de proteção. Não faltam casos, segundo Fransérgio, de garotos que perderam seus CD players porque estavam ouvindo funk e policiais desligaram na marra e levaram o aparelho. Ele contou que o abuso é tamanho que policiais entram arbitrariamente na casa das pessoas sem pedir licença.

- Outro dia, próximo da minha casa, um grupo de policiais entrou na residência de uma vizinha porque queria saber o que o filho dela, que dormia, fazia da vida. O rapaz acordou e mostrou a carteira profissional. Era soldado do Exército. A polícia foi embora. Mas e se ele não fosse soldado ou não tivesse carteira de trabalho? O que aconteceria com este rapaz, arbitrariamente escolhido para uma revista pelos policiais?.

Os anos de opressão do tráfico e agora a vivência de situações desrespeitosas geram, na população das favelas cariocas, a sensação de medo:

- Quem mora em favela tem medo, originalmente. Isso tem que ser considerado em qualquer política pública. Existe muita desconfiança por parte da população. É um território que passou anos dominado pela institucionalidade do tráfico e, agora, pela da polícia dita pacificadora que segue a mesma lógica militar da polícia convencional – disse Fransérgio.

Nas últimas semanas, os debates sobre o assunto se tornaram ainda mais acalorados nas favelas cariocas, em função dos protestos que tomaram as ruas do Rio de Janeiro. Pela primeira vez, moradores estão encontrando apoio para denunciar a situação de opressão imposta pelas UPPs. Um twitaço realizado esta semana deixou a pergunta “cadê o amarildo” entre os trending topics – os tópicos mais recorrentes, segundo lista do próprio Twitter – no Brasil. O caso ganhou repercussão no país inteiro e ganhou adeptos pelo mundo.

Pela internet, a pergunta pelo paradeiro do morador já apareceu em pelo menos outras seis linguas. Amarildo se tornou um símbolo de um cotidiano onde os amarildos se proliferam. Onde estão todos eles? E para onde o Rio de Janeiro caminha nessa ótica de pacificação – sim, e com seus benefícios -, mas calcada na repressão? É o que milhares de pessoas perguntam a mais de um mês nas ruas. Sem resposta.

E cadê Amarildo?


Fonte: Site Envolverde

* Publicado originalmente no Canal Ibase.

quarta-feira, 31 de julho de 2013

A Inteligência burra


Por Maurício Dias*  Carta Capital

Por que a polícia não havia previsto as recentes manifestações de rua?


Apesar de pequenas gafes e deslizes do policiamento encarregado de protegê-lo no Brasil, o papa Francisco saiu ileso. Nem sempre os erros são pequenos assim. Normalmente são graves e repetitivos, com mortos e feridos, como tem ocorrido nas manifestações de rua, nos últimos dois meses, em várias cidades do País.

Os equívocos são muitos e começam de um ponto banal, como aponta o professor Jorge da Silva. “A polícia brasileira, em geral, confunde as atividades de investigação com as de inteligência. A investigação, como é sabido, visa elucidar os fatos a posteriori e apontar culpados. A inteligência é o armazenamento de informações gerais que circulam na sociedade e no cruzamento e análise dessas informações, com a finalidade de prever acontecimentos futuros”, esclarece o professor, que é doutor em Ciências Sociais e ex-chefe do Estado-Maior da Polícia Militar do Rio de Janeiro.

Atividades de investigação e de inteligência se confundem dentro das polícias

“No início, as autoridades demonstraram total desconhecimento do que viria à frente. Minimizaram as manifestações e rotularam os manifestantes de baderneiros e vândalos”, diz.

“Por que as polícias teriam se surpreendido pela ação de grupos ideológicos anarquistas que agiram conforme anunciaram em rede? Como não sabiam? E como não tinham uma estratégia específica para enfrentá-los?”, pergunta Jorge da Silva, surpreso com a surpresa dos serviços de inteligência sobre a existência do movimento anarquista.

“Desconhecem que grupos ideológicos como o Black Bloc, com simpatizantes também no Brasil, agem de forma idêntica, roupa preta, capuzes, máscaras, com a estratégia de infiltrar-se em manifestações e protestos para praticar atos de vandalismo e destruição?”

Ele não consegue evitar o tom de ironia ao falar do “serviço de inteligência” que havia detectado a infiltração de traficantes e milicianos nas manifestações. “Estranha conclusão. O objetivo de traficantes e milicianos é financeiro, é dinheiro. O dos anarquistas é outro. É ideológico, contra as estruturas. A não ser que traficantes e milicianos tenham aderido ao objetivo dos anarquistas de mudar a sociedade.”

No Rio, as hipóteses se misturam aos boatos. Um deles é o de que o vandalismo seria uma orquestração contra o governo com o propósito de desestabilizá-lo.

Para Jorge da Silva há uma perigosa inversão do papel da polícia, ocorrida principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília, onde, “em vez de as polícias serem acionadas para garantir as manifestações e proteger os manifestantes, o foram para reprimi-los com rigor. Deu no que deu”.

Qual seria a forma adequada de ação das polícias? “Parece-me fácil concluir o que se deve fazer. Esse assunto não se resolverá apenas com a força, como sempre foi a tônica na nossa história. Não dá mais.”

Dilma em questão I

Não tem consistência a afirmação de que a queda na popularidade e, principalmente, a avaliação do governo da presidenta Dilma Rousseff seja resultado das manifestações de rua nos meses de junho e julho. As primeiras manifestações retumbantes, de 6 e 7 de junho, em São Paulo, foram feitas pouco antes do campo da pesquisa CNI/Ibope de 8 a 11 daquele mês. Tempo curto para refletir os protestos paulistanos e a data da sondagem de âmbito nacional.

Há uma queda de 8 pontos na avaliação do governo no item “ótimo/bom” em relação à pesquisa de março.Entre junho e julho, a avaliação do governo despencou de 55% para 31%.

Dilma em questão II

As manifestações e a queda não estão refletidas no juízo feito sobre as políticas públicas do governo federal. Entre março e julho, os índices de reprovação da saúde, educação e segurança têm pouca variação. A saúde tem sua variação negativa elevada em 4 pontos.

Segurança e educação, ao contrário, têm boa elevação positiva. A primeira cai de 66% para 40% e a segunda baixa de 50% para 37%.

Nesses cinco meses, de março a julho, o único solavanco nesses casos é a reprovação da política de combate à inflação, que entre março e junho subiu de 47% para 57%.

Esse é o sinal mais forte e aparentemente capaz de alterar a opinião.

Política e protestos

Surge, porém, um curioso complicador nessa hipótese.

A pesquisa faz uma pergunta aos entrevistados sobre razões que os levariam a novos movimentos de protesto. A resposta disparada é por maiores investimentos em saúde, 43%, seguida por “contra a corrupção”, com 35%. Surpreendentemente, somente 14% dos entrevistados se dispõem a se manifestar “contra os políticos em geral”. O porcentual desaba para apenas 4%, se o objetivo for protesto contra o governo federal e a presidenta. Número igual aos governos estaduais e aos prefeitos.

Contra os partidos, vetados nas manifestações, a mobilização atrai 3% das respostas.


Na semana passada, na edição nº 758, foi publicada nesta coluna a notícia sobre o alto índice de reprovação do governador Sérgio Cabral.

Na semana passada, na edição nº 758, foi publicada nesta coluna a notícia sobre o alto índice de reprovação do governador Sérgio Cabral.


A nota fazia referência a um episódio recente, desgastante para ele. O flagrante de um helicóptero oficial transportando sua família para um fim de semana na mansão de Cabral, em Mangaratiba (RJ).

Sugeri, como ilustração, a foto do embarque do cão do governador.

A produção da revista recebeu a seguinte resposta de um funcionário do detentor das fotos: “A Editora Abril informou que não podemos licenciar imagens de Veja para a CartaCapital”.

Por um lado, decisão surpreendente em operações comerciais. Por outro, os leitores deixaram de conhecer Juquinha, o cãozinho tibetano da raça shih-tzu.

Atos e fatos

Recentemente, a presidenta Dilma Rousseff convidou e recebeu, no Planalto, representantes do mundo jurídico para debater as manifestações nas ruas.

Joaquim Barbosa, presidente do STF, falou aos repórteres, por quase uma hora, sobre o encontro aparentemente amigável.

Na segunda-feira 22, JB foi cumprimentar o papa Francisco, no Palácio Guanabara, no Rio, em cerimônia com a presença da presidenta.

Após apertar a mão do papa, ele, ostensivamente, recusou-se a saudar Dilma. Depois emitiu um comunicado desmentindo o que as câmeras mostraram.

Como explicar a desfeita a uma senhora que, além disso, preside a República?

*Maurício Dias
No CartaCapital

Fonte:http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/07/a-inteligencia-burra.html

sábado, 27 de julho de 2013

Marina Silva é lobo em pele de cordeiro



Quem diria, hein?!
Que Marina Silva tá longe de ser santa (por mais evangélica que seja) toda a Rede de brasileiros sabe. Mas o que descobrimos vai além!
Em cooperação com nosso departamento investigativo, o ex-agente-da-CIA-agora-foragido-e-perseguido-dedo-duro-X9-procurando-asilo-até-no-Acre Eduardo Snowden ligou alguns pontos e nos ajudou a descobrir ligações que podem passar despercebidas à maioria dos brasileiros. É bom lembrar dessa imagem quando formos às urnas.
Natura, BS Colway, WiseUp, Abril e agora, por mais que seja contra doação de campanha por bancários, até Neca Setúbal (neta do fundador do Itaú)? Parecem posições contraditórias ao discurso pregado. Quem te viu, quem te vê, hein Marina Silva?








Veja a manifestação contra a Natura

terça-feira, 23 de julho de 2013

Papa Francisco deve anunciar "evangelho social" no Brasil



Em Roma, há dez dias, o círculo próximo ao Papa falava de uma “mensagem revolucionária”. É preciso esperar para ver e ouvir. Desde o compromisso de forjar “uma igreja pobre para os pobres”, Francisco foi despindo a figura papal de toda a roupagem monárquica, que a colocava acima dos fieis. Chegou o “momento da renovação”, como dizem os jovens que chegam ao Rio. Esta renovação tem um nome que contrasta com os últimos 35 anos de política vaticana: o “evangelho social”.

Por Eduardo Febbro. - Carta Maior


Rio de Janeiro – Uma maré de algazarra, juvenil, explosiva em sua manifestação de alegria, com violões, cantos e mochilas às vezes maiores do que os corpos que as suportam. O aeroporto do Rio de Janeiro é um desfile interminável de jovens que chegam do mundo inteiro, enrolados em bandeiras e em abraços, cantando a fé só com a voz ou com violões. A hora é, ao mesmo tempo, grave e imensamente festiva. As jornadas mundiais da juventude que começam esta semana no Brasil fixarão o rumo oficial da mensagem que o Papa Francisco apresentará em sua primeira viagem internacional. Um momento que soa como um modelo de seu nascente papado.

Ficaram para trás as disputas orquestradas por João Paulo Segundo contra a Teologia da Libertação, os padres pedófilos, a corrupção no Banco do Vaticano, o IOR. Chegou o “momento da renovação”, como dizem os jovens que chegam ao Rio. Esta renovação tem um nome que contrasta com os últimos 35 anos de política vaticana: o “evangelho social”. A palavra “social” é já todo um desafio que prolonga a ruptura que Bergoglio encarnou na noite em que, após o Conclave tê-lo escolhido Papa, apareceu em uma janela da Praça de São Pedro e pronunciou a palavra “povo”.

Em Roma, há dez dias, o círculo próximo ao Papa falava de uma “mensagem revolucionária”. É preciso esperar para ver e ouvir. Desde o compromisso de forjar “uma igreja pobre para os pobres”, Francisco foi despindo a figura papal de toda a roupagem monárquica, que a colocava acima dos fieis. Há uma grande preocupação com a comunicação, inclusive com detalhes que assombram. A Santa Sé lançou um novo semanário para amplificar a mensagem papal: Credere. A publicidade diz: “o novo semanário que fará você viver a fé com alegria”. À esquerda, na capa, um retângulo diz: “a revista da Igreja de Francisco”.

Essa é a Igreja que Francisco apresentará no mais importante país católico do mundo, Bergoglio visitará os pobres de uma favela, doentes em um hospital, receberá presos, peregrinará ao santuário de Aparecida e, sobretudo, se encontrará com jovens de todo o mundo no que pode ser chamado de “Woodstock católico”. Sua viagem vem precedida por uma série de pronunciamentos que romperam com o conformismo vaticanista. Nas últimas semanas, Bergoglio denunciou a “tirania do dinheiro”, o “capitalismo selvagem” e a “globalização da indiferença”.

“Nos encontramos enfim com alguém que vê o mundo tal como é, com os mesmos olhos que o vemos e sofremos”, diz Angélica, uma espanhola de 19 anos, recém chegada ao Rio, vinda de Valência com centenas de outros espanhóis. Um dos vaticanistas mais célebres, Marco Politi, disse que o Papa, “no Brasil, dará continuidade, aprofundará e esclarecerá seu Evangelho social. Desde que foi eleito denuncia as novas formas de escravidão, a exploração, a desigualdade, a irresponsabilidade de algumas forças sociais”.

A história também parece correr na direção de Francisco. O Papa chega a um Brasil convulsionado pela revolta social, com demandas de justiça social, contra a corrupção, a favor da renovação de um sistema político gangrenado pelo clientelismo e pela corrupção. Francisco já havia escrito o discurso central que vai pronunciar no Brasil durante as Jornadas Mundiais da Juventude, mas, à luz dos protestos, o modificou. O arcebispo do Rio de Janeiro, Orani João Tempesta, responsável pela organização da Jornada Mundial da Juventude, viajou a Roma para se encontrar com Bergoglio. Depois, o seguiu o cardeal arcebispo emérito de São Paulo, Claudio Hummes, um homem de posições sociais conhecidas por ter aberto as portas de sua igreja a trabalhadores em greve.

O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), cardeal Raymundo Damasceno, também se reuniu com o Papa em Roma. Este encontro é muito importante na definição do pronunciamento de Bergoglio, uma vez que foi precedido por uma reunião da CNBB. Realizada quase no final de junho, a reunião terminou com a redação de um documento no qual a entidade manifesta “nossa solidariedade e apoio aos manifestantes”. O texto traz um apoio total aos protestos. Um de seus parágrafos diz que os gritos contra a corrupção, a impunidade e falta de transparência (...) fazem renascer a esperança”.

É a esse mundo que chega Francisco. Um cenário ideal que as autoridades do país temem que sirva de novo elemento detonador ao que já está latente há semanas. O Papa Francisco não gosta dos esquemas de segurança e os responsáveis por protegê-lo durante as Jornadas Mundiais da Juventude não gostam da possibilidade de a chegada do papa renovar os protestos contra o sistema político. O Brasil aumento de 11 mil para 14 mil o número de efetivos das forças de segurança encarregados de garantir a segurança de Francisco. A perspectiva de uma “revolução cidadã” durante a visita de Bergoglio levou as autoridades brasileiras a propor uma série de mudanças na agenda papal, mas o Vaticano rejeitou-as. “Não haverá mudanças de programa”, disse em Roma Federico Lombardi, o porta-voz do Papa.

No entanto, as autoridades do Brasil queriam modificar um monte de coisas. O Brasil argumenta que se descobriram “indícios” de que grupos opositores preparavam uma contraofensiva aproveitando a chegada de Bergoglio. O mais perigoso era o encontro de Francisco com a presidenta Dilma Rousseff, com o governador do Rio, Sérgio Cabral, e com Eduardo Paes, o prefeito da cidade. Esse ato deve ocorrer no Palácio da Guanabara, sede do governo do Estado do Rio. Mas como há uma manifestação programada contra o governador e o prefeito, as autoridades propuseram realizar o encontro em outro lugar. O Vaticano disse que não. Mais ainda, as declarações dos responsáveis que se reuniram com Francisco em Roma mostram que a Santa Sé está com os manifestantes. Após seu regresso de Roma, o cardeal Claudio Hummes disse: “a mensagem de Cristo está em sintonia com essas reivindicações do povo”.

Será preciso esperar para ver e ouvir. Francisco se negou a utilizar o papamóvel blindado. Ele se deslocará no mesmo jeep aberto com o qual circula em Roma. Ao pedido do Papa, tampouco haverá em seu lado “homens armados com fuzis”. O Papa, dizem em Roma, não tem medo das manifestações: “elas não são contra o Papa, mas sim contra os políticos”, diz o Vaticano. Se a promessa se confirmar, haverá no Brasil um encontro entre dois mundos: o do evangelho liberal que tudo corrompe e destrói, o planeta e os seres humanos, e o que Francisco traz em sua mensagem: o “evangelho social” do cristianismo.

Primeiro ato de um pontificado que, em seus primeiros passos, expôs a escandalosa e soja trama de corrupção e lutas pelo poder que o predecessor de Francisco, Bento XVI, não pode desarmar. Isso o levou a renúncia. Evangelho Social, Teologia da Libertação, segundo vários vaticanistas ambas têm encontro marcado esta semana no Brasil em uma espécie de reconciliação misteriosa.

O vaticanista Marco Politi alega que “Francisco é um fruto inesperado da Teologia da Libertação porque é um representante da chamada Teologia Popular, que não é marxista nem politizada”, mas que denuncia com força os horrores da miséria, da desigualdade e seus mecanismos econômicos. O combate que João Paulo II travou contra essa corrente deixou muitas vítimas, pactos com as ditaduras, corrupção, uma espécie de monstro que seguiu vivo muito depois da morte do papa polaco. Por esse abismo se foi Bento XVI. Do mesmo abismo chega Bergoglio. A chamada “igreja de Francisco se constrói sobre uma montanha de cinzas ainda fumegantes”.

Tradução: Katarina Peixoto

Fonte: Carta Maior
Leia também: A segunda comunhão de Dilma
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22397


segunda-feira, 22 de julho de 2013

Das manifestações de rua, o que menos se salva é o Brasil


Não se tem claramente a quem interessam as manifestações. O roteiro ainda é confuso. Quando tudo parecia se encaminhar para o civismo empulhador, igual ao de 64, eis que a mídia hegemônica entrou também no repertório das vaias, dos xingamentos e até das pedradas.

Enio Squeff* - Carta Maior
   
Uma questão que quase ninguém sabe responder refere-se ao futuro das manifestações no Brasil. Na França revolucionária do princípio do século XIX, um jovem capitão, instado pelas autoridades do Diretório a fazer cessar os motins de rua ( que tinham dado na queda da Bastilha), usou o método que lhe parecia mais consentâneo com o momento que ele encarava como uma guerra. Foi assim, com canhões, sua arma preferida, que Napoleão Bonaparte começou a sua ascensão vertiginosa rumo ao poder na França. Os canhonaços que pegaram a turba desprevenida, nas então estreitas ruas de Paris, causaram dezenas de mortos entre os revoltosos, mas a nova ordem burguesa estava começando a ser, por fim, solidificada na França.

No Brasil, felizmente, não se cogitam em canhões, mas o encanto da grande imprensa com as "ações cívicas" (sic) das manifestações começa cada vez mais a ceder ao temor. Já agora as sagradas propriedades privadas estão sendo atingidas. E os embuçados, apesar dos disfarces, parecem não esconder a sua origem; não são mais os bem comportados jovens de classe média. Muitos certamente provêm dos morros e das periferias das grandes cidades. Este o perigo inadivinhado.

Em princípio, a ameaça parece ainda informe. Protesta-se contra o Estado, sob a forma, por enquanto escamoteada, de ataques aos governos, mas os alvos tanto podem ser uma câmara dos vereadores, como a de Porto Alegre, ocupada até bem pouco durante oito dias por manifestantes, quanto a casa do governador do Rio, assediada por populares. Em teoria, na visão dos editores da grande imprensa, seriam protestos contra a situação - notadamente os políticos do PT, do PMDB e do PDT; mas as depredações não têm se mantido no estrito cerco ao Estado. De passagem para uma ou outra instituição estatal, alguns manifestantes devidamente encapuzados, tidos agora como "arruaceiros", atacam bancos, butiques, casas de comércio - não exatamente em conformidade com a propalada "festa cívica"que a mídia flagrou - e consagrou - no início das manifestações. Aliás, atacar a casa do governador do Rio, e não o palácio, individualiza a questão ao linchamento público. Supondo-se que o sr. Sérgio Cabral não tivesse sido eleito, mesmo assim seu afastamento físico do governo, a bordoadas, não deixaria de ser uma violência inaceitável.

Que fazer? A esta pergunta que Lênin tomou de empréstimo do livro de Tchernichevsky, os políticos e analista, ou evitam responder - por temerem seu próprio temor; ou muitos vaticinam um movimento revolucionário, por enquanto difuso, mas com amplas possibilidades de se espraiarem de Norte a Sul, de Leste e Oeste, num país continental, paradoxalmente unificado, do Oiapoque ao Chuí, na ânsia de modificar algumas coisas. Manifestações que, entrementes, não parecem ceder às palavras de Lampedusa - de que alguma coisa deve mudar para que tudo permaneça como está.

O medo generalizado, de qualquer modo, parece se centrar no fato de que a canção de protesto de Vinícius de Moraes e Antônio Carlos Jobim, que cantavam há mais de 50 anos, que "o morro não tem vez que o que ele fez já é demais" dê-se, por fim, como profetizava a canção de que "se derem vez ao morro, toda a cidade vai cantar". Não é bem de canto que se trata, como se sabe. E a ameaça surpreendente parece ser de que a "vez do morro" , ou das periferias, se alastre não como prova de que as massas não tem vez, mas de que, ao lhes ser dado um pouco, como aconteceu nos últimos anos, reclamem muito mais, como é de seu direito. Foi isso, em síntese, que constatou o presidente Lula em seu artigo no "New York Times". No fundo, porém, a grande questão já não é essa , mas até quando a extensão das manifestações exigirão bem mais do que até agora está sendo prometido. De resto, é a confusão.

Uma reação conservadora, que se estranha e que desnuda o persistente bacharelismo brasileiro, é a defesa inexplicável do mercado de trabalho dos médicos. Ao se colocar contra a contratação de médicos de outros países - especialmente dos cubanos (cujo país detém os melhores índices de saúde do Continente Sul Americano) - muitas entidades médicas, parecem mirar um mercado inexistente: se os jovens médicos, recém formados, não se mostram inclinados a encarar os cafundós do Brasil, a quem a instalação de médicos estrangeiros nesses cafundós irá prejudicar?

Sob este aspecto, os reclamos das ruas formam um compósito difícil de deslindar. Ao jovem Napoleão impunham-se duas opções: ou o morticínio para manter a ordem - que foi o que ele fez e faria muito mais, com toda a Europa - ou guardar-se de não interferir nas manifestações. Agiu como general e futuro Imperador - nem mais nem menos do que à força. No caso brasileiro, além de felizmente, não se terem napoleões à vista, tem-se uma complexidade que atinge a todos, à direita e à esquerda. Os mesmos manifestantes que atiram pedras contra a casa do governador do Rio - inimigo das organizações Globo - mostram-se igualmente dispostos a quebrar a fachada do edifício que abriga a emissora e seu complexo midiático. Ao que fica, todos os protagonistas do Brasil, estão claramente isolados no aproveitamento do clamor das ruas. Se a aprovação da presidenta Dilma despencou ( não é essa a palavra da vez para a mídia hegemônica?), o prestígio dos jornais, revistonas e estações de TV, são "democraticamente" atingidos, quando não com pedras e coquetéis molotov, quase sempre com vaias e xingamentos.

Ou seja, no começo tudo parecia à feição das forças reacionárias do país: a despolitização da política é o melhor que o obscurantismo persegue em todos os tempos, para impor a ordem que só interessa aos ditadores, monopolistas da política. Foi assim em 64: naquele ano fatídico, dizia-se que, por não serem políticos, os militares fariam um governo sem a malfadada política. O que se viu não só foi o pior - de que ainda hoje nos ressentimos - mas o mais pesaroso: a política entrou nos quartéis, sem que saibamos ainda hoje, quem realmente mandou no Brasil a partir de então. Um dado significativo, a propósito, que não mereceu grandes destaques na imprensa, foi a votação do ato de repúdio no Congresso, à espionagem norte-americana. Não por coincidência, os que votaram contra o documento, foram os representantes do agro-negócio e os chamados "Democratas", isto é, a fina flor do reacionarismo e do atraso no Brasil. Notável, porém, foi a recusa do ex-capitão Bolsonaro de assinar o ato de repúdio: como defensor do golpe de 1964, ele deixou claro a quem os militares daqueles tempos prestavam continência. Não era propriamente à bandeira brasileira.

No mais, fica-se no aguardo: não se tem claramente a quem interessam as manifestações. O roteiro ainda é confuso. Quando tudo parecia se encaminhar para o civismo empulhador, igual ao de 64, eis que a mídia hegemônica entrou também no repertório das vaias, dos xingamentos e até das pedradas. Ao contrário do que se pensava, não parece que é só a política brasileira que está no alvo das manifestações de Junho. É o Brasil, como um todo. E aí, hajam analistas e análises para explicar o fenômeno.


Enio Squeff é artista plástico e jornalista.

fonte:http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=6206

sábado, 20 de julho de 2013

Conjuntura no Brasil pode desembocar em crise revolucionária

17/07/2013 - José Arbex Jr. - Viomundo

Yasuyoshi Chiba/AFP: PM atira em manifestantes em Fortaleza

É a conjuntura, estúpido!
(José Arbex Jr., especial para o Viomundo)

“Seria mais fácil explicar os protestos quando eles ocorrem em países não democráticos, como no Egito e na Tunísia, em 2011, ou em países onde a crise econômica elevou a índices assustadores o número de jovens desempregados, como na Espanha e na Grécia, do que quando eles ocorrem em países com governos populares e democráticos – como no Brasil, que atualmente exibe os menores índices de desemprego de sua história e uma expansão sem paralelo dos direitos econômicos e sociais.

Muitos analistas atribuem os recentes protestos à rejeição da política. Creio ser precisamente o contrário: eles refletem o desejo de ampliar o alcance da democracia, de encorajar as pessoas a participarem de uma maneira mais plena.”

O diagnóstico é feito pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, em artigo de sua autoria, publicado no jornal estadunidense The New York Times (veja postagem adiante), em 16 de julho.

Lula está certo. Os jovens que tomaram as ruas querem mais do que aquilo que já têm.

O desejo se reflete na palavra de ordem “queremos escolas (e hospitais, postos de saúde, serviços públicos) com padrão Fifa”. A alusão à Fifa não é um aspecto secundário das manifestações.

Ao contrário: mostra que, no Brasil contemporâneo, o próprio circo pegou fogo. Estamos a um milhão de anos luz do inglório 1970, quando a conquista do tricampeonato mundial deu fôlego à ditadura em sua fase mais sangrenta, sob as botas do general Emílio Garrastazu Médici.

Embalados pelos inestimáveis serviços prestados ao regime pela Rede Globo, os brasileiros cantavam o hino oficioso “90 milhões em ação / pra frente Brasil / do meu coração”, enquanto agentes da ditadura torturavam e assassinavam nos presídios oficiais e nas masmorras clandestinas.

Já não é assim. “Fifa”, hoje, virou sinônimo de imperialismo, e “Copa do Mundo” de corrupção, mamata e desperdício do dinheiro público.

Não por acaso, as sedes da Globo em São Paulo e no Rio foram objeto de repúdio dos manifestantes.

Mesmo Pelé teve que vir a público explicar que sua majestade nada tinha contra as “jornadas de junho”, após o seu apelo patético, gravado em vídeo, para que todos esquecessem as manifestações e apoiassem a seleção, durante a Copa das Confederações.

Pelé calado é um poeta”, respondeu o ex-jogador e atual deputado federal Romário, que denuncia a imensa farra com o erário possibilitada pela Copa de 2014 e pelos Jogos Olímpicos de 2016.

Os tempos, pois, são outros.

Um claro sinal disso é dado pela seguinte comparação: em 1995, a heróica greve dos trabalhadores brasileiros do petróleo, iniciada em 3 de maio, morreu melancolicamente, 32 dias depois, sem ter logrado atrair a solidariedade ativa do movimento sindical e da sociedade, abrindo o caminho para Fernando Henrique “Thatcher” Cardoso impor todas as reformas que pretendia ao mundo do trabalho;

- quase exatos 18 anos depois, no início de junho, um pequeno grupo intitulado Movimento pelo Passe Livre, convoca atos para protestar contra o aumento de 20 centavos no preço do transporte urbano, em algumas das principais cidades do país, para detonar um movimento que acabaria levando pelo menos 2 milhões às ruas.

É isso que deve ser explicado: porque, em 1995, o movimento iniciado por uma das mais poderosas e organizadas categorias do país foi incapaz de atrair as simpatias da população, ao passo que, em 2013, o MPL incendiou o Brasil.

A resposta está na conjuntura. Não está na vontade dos dirigentes partidários, sindicais, dos movimentos sociais e nem mesmo do MPL – que foram tão pegos de surpresa quanto qualquer outro cidadão. Não está em manobras e articulações palacianas, nem da “direita” nem da “esquerda”.

Está no conjunto complexo, contraditório, profundo e extremamente poderoso que constitui o tecido das relações econômicas, sociais, políticas, ideológicas, sociais e morais de uma determinada época.

Não é só no Brasil que isso acontece, é óbvio. Dificilmente o vendedor ambulante tunisiano Ahmed Buazizi teria consciência de que ao atear fogo ao próprio corpo, em 17 de dezembro de 2010, estaria com isso incendiando o Oriente Médio.

Quantos Bouazizis fizeram gestos extremados, antes dele, sem com isso causar o menor distúrbio social? Porque justamente aquele gestou produziu a assim chamada “primavera árabe”? A resposta está na conjuntura.

A revolucionária Rosa Luxemburgo notou isso, ao comparar uma greve espontânea, organizada pelos trabalhadores de Batumi, na Geórgia (situada no Cáucaso), em 1902, com movimentos liderados, na mesma época, pelas poderosas centrais sindicais social-democratas na Alemanha: a greve dos trabalhadores de Batumi acabou desembocando, três anos depois, no Soviete de São Petersburgo, um dos grandes impulsionadores da Revolução Bolchevique de 1917; os movimentos na Alemanha mal foram notados.

Novamente: o que faz com que uma greve espontânea, numa região tão secundaria, do ponto de vista econômico, acabe sendo o motor de uma das mais importantes revoluções da história, enquanto movimentos operários organizados num país central para a economia capitalista não surta grandes efeitos? A própria Rosa explica: a resposta está na conjuntura.

Lula está certo, ao dizer que a juventude quer mais.

O Programa Bolsa Família, o aumento real do salário mínimo, os programas de inclusão social (como o Luz para Todos), na esfera da educação (como o Prouni) e o da casa própria (Minha Casa Minha Vida) colocaram milhões de brasileiros na esfera do consumo, a qual foi artificialmente ampliada ao máximo com a concessão de créditos fáceis aos consumidores.

Milhões e milhões de brasileiros, antes relegados às margens do sistema econômico, agora aprenderam, com os mais variados graus de consciência ou intuição, que não têm que se conformar com a precariedade do sistema público de educação e saúde;

- que a corrupção pode e deve ser punida; que o sistema de transporte público é entregue a empresas privadas, embora fartamente subsidiado pelos impostos que todos pagam;

- que não há dinheiro para a segurança, para as escolas e para a saúde, mas há para imensos estádios de futebol.

O que Lula não diz em seu artigo é que boa parte dos problemas que hoje afligem a população brasileira também é resultado das políticas adotadas pelo seu governo e mantidas por aquela que preenche os contornos de seu espectro refratado no Planalto, a senhora Dilma Rousseff.

Lula não diz, por exemplo, que o programa Bolsa Família equivale a escassos 10% do total dos juros da dívida pública anualmente pagos ao capital financeiro;

- que os investimentos feitos pelo governo federal em educação e saúde são um dos menores do mundo, quando comparados ao PIB;

- que o governo adotou uma política irresponsável de promover o crescimento econômico com base no endividamento das famílias, que hoje enfrentam o
fantasma da inadimplência;

- que, ideologicamente, o lulismo privilegiou uma concepção neoliberal que confunde “progresso social” com enriquecimento dos indivíduos”, assim criando um abismo intransponível entre o eventual maior bem-estar que cada família passou a experimentar da porta de sua casa para dentro e o desastre absoluto verificado da porta para fora (insegurança, medo, poluição, caos urbano, guerras entre gangues, etc.);

- e que o”lulismo” transformou o PT e a CUT, símbolos das esperanças que mobilizaram milhões de brasileiros no final dos anos 70, em condutos forçados de negociatas do mercado persa chamado Congresso Nacional.

O Brasil chegou a um ponto de basta. Esse “ponto de basta”  apenas aparentemente se apresenta como que do nada, uma espécie de raio em céu azul.

Ele vem se anunciando há tempos, embora só retrospectivamente os sinais ganhem visibilidade adequada: no elevado índice de abstenção e voto nulo
nas eleições de 2010; em revoltas explosivas, como a ocorrida no canteiro de obras na usina de Jirau (Amazônia), em março de 1911; nas inúmeras greves do funcionalismo público, nas revoltas em bairros da periferia, na longa paralisação que envolveu quase 100% das universidades federais em 2012, seguida pela greve dos professores do ensino municipal e estadual durante os primeiros meses de 2013.

Ninguém aguenta mais o inferno em que se transformou a vida nas grandes cidades, o espetáculo perdulário dos gastos públicos com a Copa, o descaso das autoridades com as pessoas que, diariamente, morrem ou padecem nas filas do SUS.

É esse sentimento de basta que explica aquilo que, de outra maneira, permaneceria incompreensível: quanto mais a polícia usa da violência, mais as pessoas vão às ruas. Seria de se esperar o oposto.

De fato, a polícia também foi surpreendida pela decisão da população. Ao contrário do que sempre aconteceu, a violência, por si só, mostrou-se incapaz de conter ou impedir os protestos. Trata-se de uma situação conjuntural em que os “de cima” – a burguesia e os seus representantes – já não conseguem governar como sempre governaram, ao passo que os “de baixo” – os trabalhadores, a juventude, a maioria da nação – já não suportam mais viver como sempre viveram.

Vladimir Ilitch Lênin assim descreve uma conjuntura que pode desembocar numa crise revolucionária.

Não se trata, aqui, de fazer futurologia. Potencialmente, o Brasil vive hoje uma situação conjuntural que pode desembocar numa crise revolucionária.

Isso aconteceu, por exemplo, na Argentina, no começo do século, quando os trabalhadores e a população expulsaram o presidente Fernando de La Rúa e sucedâneos a pontapés da Casa Rosada, aos gritos de “que se vayan todos”; e tudo para acabarem, melancolicamente, elegendo o peronista Néstor Kirchner, que ainda teve tempo de conduzir a sua mulher, a inefável Cristina, à chefia da Casa Rosada, antes de morrer.

O que acontecerá no Brasil? É claro que ninguém sabe. Mas é uma questão que preocupa, pelas dimensões que o país ocupa no cenário mundial.

O Brasil ostenta o 7º maior PIB do planeta (2,5 trilhões de dólares), é um dos pilares dos BRICs e peça importante de um edifício econômico cujas bases estão solapadas pela crise que se arrasta desde 2007.

Do ponto de vista do capital financeiro mundial, a conjuntura ideal seria aquela que lhe permitisse manter taxas de lucro astronômicas no Brasil (como as exibidas pelos bancos), numa situação de “ordem” e estabilidade social.

Se uma pequena ilhota como o Chipre (PIB de 25 bilhões) foi capaz de colocar o mundo em polvorosa – tamanha a fragilidade da Zona do Euro -, imagine o que acontecerá se o “gigante” começar a dar passos de anão.

Mas rimar paraíso financeiro com ordem social não será mais possível no Brasil. O capital não pode abrir mão da taxa de lucros, ainda que isso signifique pressionar o governo para arrancar da população as poucas conquistas sociais já alcançadas (por exemplo, com investimentos ainda menores nos setores de educação e saúde, para assegurar a remuneração do capital, por meio do superávit primário).

Dilma está entre a cruz e a espada. Para atender ao capital, terá que enfrentar a população nas ruas; para atender às demandas da população, terá que romper, ou pelo menos resistir ao capital.

Os prazos são cada vez mais curtos, como mostra a valorização crescente do dólar (mais de 10% em dois meses), e com ela o preço do petróleo importado, dos insumos agrícolas e das máquinas que empregam tecnologia de ponta, com todas as consequências para a vida.

Até quando o governo federal conseguirá manobrar para impedir que a população sinta em cheio os efeitos da crise econômica?

Dilma procura “enquadrar” o movimento das ruas, canalizando as energias para as vias institucionais, configuradas pelas propostas de Constituinte (que teve curtíssima vida) e de plebiscito sobre a reforma política (incapaz, até o momento, de agregar um núcleo capaz de lhe dar forma concreta e eficaz).

Claro que a “oposição de direita” (aqui entendida como os patéticos senhores agregados no PSDB e redondezas) tenta bombardear qualquer proposta oriunda do Planalto.

A “esquerda”, ou o que sobrou dela, agrupada principalmente no PSOL, mostra-se impotente para apontar alternativas.

Todos os partidos estão de olho nas eleições presidenciais de 2014, e jogarão as suas fichas para colher os máximos de dividendos da crise.

A “direita”, que nada tem a propor, tenta alimentar a erosão da base governista, ao passo que faz o elogio da “ordem” nas manifestações (novamente, a Rede Globo, secundada por emissoras de menor importância, é providencial  na tarefa de criar um consenso nacional segundo a qual só é legítima a manifestação que respeita estritamente os limites da propriedade privada e o respeito supersticioso à “autoridade constituída”).

A mediocridade da oposição “de direita” e a impotência da “esquerda” ainda dão fôlego ao governo Dilma, que, claramente, oscila ao sabor dos acontecimentos.

Lula acompanha à distância a evolução da conjuntura. Assiste de camarote à “fritura” de Dilma.

Não por acaso, escolheu o NYT, porta-voz do establishment financeiro liberal dos Estados Unidos, para dar o seu recado: ele ainda faz parte do jogo, ainda é capaz de mover as peças, ainda pode ser o Bonaparte que surge a cavalo, no alto do Planalto, para tentar recompor a confiança da juventude e dos trabalhadores na forma partidária da representação política.

Em seu artigo, ele acena com a necessidade de uma “transformação profunda do PT”.

O que isso significa, talvez nem o próprio Lula saiba. Ainda.

Fonte:
http://www.viomundo.com.br/politica/jose-arbex-jr-conjuntura-no-brasil-pode-desembocar-em-crise-revolucionaria.html

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17/07/2013 - A democracia não é um pacto de silêncio
- Novas vozes no Brasil
- Luiz Inácio Lula da Silva, no New York Times, via José Chrispiniano

A juventude, conectada nas redes sociais e com os dedos ágeis em seus celulares, tem saído às ruas para protestar em diversas regiões do mundo.

Parecia mais fácil explicar as razões de tais protestos quando eles aconteciam em países sem democracia, como o Egito e a Tunísia em 2011, ou onde a crise econômica levou o desemprego juvenil a níveis assustadores, como na Espanha e na Grécia, por exemplo.

Mas a chegada dessa onda a países com governos democráticos e populares, como o Brasil, quando temos as menores taxas de desemprego da nossa história e uma inédita expansão dos direitos econômicos e sociais, exige de todos nós, líderes políticos, uma reflexão mais profunda.

Muitos acham que esses movimentos significam a negação da política. Eu acho que é justamente o contrario: eles indicam a necessidade de se ampliar ainda mais a democracia e a participação cidadã. De renovar a política, aproximando-a das pessoas e de suas aspirações cotidianas.

Eu só posso falar com mais propriedade sobre o Brasil. Há uma ávida nova geração em meu país, e eu creio que os movimentos recentes são, em larga medida, resultado das conquistas sociais, econômicas e políticas obtidas nos últimos anos.

O Brasil conseguiu na última década mais que dobrar o número de estudantes universitários, muitos deles vindos de famílias pobres. Reduzimos fortemente a pobreza e a desigualdade. São grandes feitos, mas é também absolutamente natural que os jovens, especialmente aqueles que estão obtendo o que seus pais nunca tiveram, desejem mais.

Estes jovens tinham 8, 10,12 anos quando o partido que eu ajudei a criar, o PT, junto com seus aliados, chegou ao poder. Não viveram a repressão da ditadura nos anos 60 e 70. Não viveram a inflação dos anos 80, quando a primeira coisa que fazíamos ao receber um salário era correr para um supermercado e comprar tudo o que fosse possível antes que os preços subissem no dia seguinte. Também tem poucas lembranças dos anos 90, quando a estagnação e o desemprego deprimiam o nosso país.

Eles querem mais. E é compreensível que seja assim. Tiveram acesso ao ensino superior, e agora querem empregos qualificados, onde possam aplicar o que aprenderam nas universidades. Passaram a contar com serviços públicos de que antes não dispunham, e agora querem melhorar a sua qualidade. 

Milhões de brasileiros, inclusive das classes populares, puderam comprar o seu primeiro carro e hoje também viajam de avião. A contrapartida, no entanto, deve ser um transporte público eficiente e digno, que facilite a mobilidade urbana, tornando menos penosa e estressante a vida nas grandes cidades.

Os anseios dos jovens, por outro lado, não são apenas materiais. Também querem maior acesso ao lazer e à cultura. E, sobretudo, reclamam instituições politicas mais transparentes e limpas, sem as distorções do anacrônico sistema partidário e eleitoral brasileiro, que até hoje não se conseguiu reformar. É impossível negar a legitimidade de tais demandas, mesmo que não seja viável atendê-las todas de imediato. É preciso encontrar fontes de financiamento, estabelecer metas e planejar como elas serão gradativamente alcançadas.

A democracia não é um pacto de silêncio. É a sociedade em movimento, discutindo e definindo suas prioridades e desafios, almejando sempre novas conquistas. E a minha fé é que somente na democracia, com muito dialogo e construção coletiva, esses objetivos podem ser alcançados.

Só na democracia um índio poderia ser eleito Presidente da Bolívia, e um negro Presidente dos Estados Unidos. Só na democracia um operário e uma mulher poderiam tornar-se Presidentes do Brasil.

A história mostra que, sempre que se negou a política e os partidos, e se buscou uma solução de força, os resultados foram desastrosos: guerras, ditaduras e perseguições de minorias. Todos sabemos que, sem partidos, não pode haver verdadeira democracia.

Mas cada vez fica mais evidente que as nossas populações não querem apenas votar de quatro em quatro anos, delegando o seu destino aos governantes. Querem interagir no dia a dia com os governos, tanto locais quanto nacionais, participando da definição das políticas públicas, opinando sobre as principais decisões que lhes dizem respeito.

Em suma: não querem apenas votar, querem ser ouvidas. E isso constitui um tremendo desafio para os partidos e os lideres políticos. Supõe ampliar as formas de escuta e de consulta, e os partidos precisam dialogar permanentemente com a sociedade, nas redes e nas ruas, nos locais de trabalho e de estudo, reforçando a sua interlocução com as organizações dos trabalhadores, as entidades civis, os intelectuais e os dirigentes comunitários, mas também com os setores ditos desorganizados, que nem por isso tem carências e desejos menos respeitáveis.

E não só em períodos eleitorais. Já se disse, e com razão, que a sociedade entrou na era digital e a política permaneceu analógica. Se as instituições democráticas souberem utilizar criativamente as novas tecnologias de comunicação, como instrumentos de dialogo e participação, e não de mera propaganda, poderão oxigenar – e muito – o seu funcionamento, sintonizando-se de modo mais efetivo com a juventude e todos os setores sociais.

No caso do PT, que tanto contribuiu para modernizar e democratizar a política brasileira e que há dez anos governa o meu país, estou convencido de que ele também precisa renovar-se profundamente, recuperando seu vinculo cotidiano com os movimentos sociais. Dando respostas novas a problemas novos. E sem tratar os jovens com paternalismo.

A boa noticia é que os jovens não são conformistas, apáticos, indiferentes à vida pública. Mesmo aqueles que hoje acham que odeiam a política, estão começando a fazer política muito antes do que eu comecei. Na idade deles, não imaginava tornar-me um militante político. E acabamos criando um partido, quando descobrimos que no Congresso Nacional praticamente não havia representantes dos trabalhadores.

Inicialmente não pensava em me candidatar a nada. E terminei sendo Presidente da República. Conseguimos, pela política, reconquistar a democracia, consolidar a estabilidade econômica, retomar o crescimento, criar milhões de novos empregos e reduzir a desigualdade no meu país. Mas claro que ainda há muito a ser feito. 

E que bom que os jovens queiram lutar para que a mudança social continue e num ritmo mais intenso.

Outra boa notícia é que a Presidente Dilma Rousseff soube ouvir a voz das ruas e deu respostas corajosas e inovadoras aos seus anseios. Propôs, antes de mais nada, a  convocação de um plebiscito popular para fazer a tão necessária reforma política.

E lançou um pacto nacional pela educação, a saúde e o transporte público, no qual o governo federal dará grande apoio financeiro e técnico aos estados e municípios.

Quando falo com a juventude brasileira e de outros países, costumo dizer a cada jovem: mesmo quando você estiver irritado com a situação da sua cidade, do seu estado, do seu país, desanimado de tudo e de todos, não negue a política.

Ao contrário, participe! Porque o político que você deseja, se não estiver nos outros, pode estar dentro de você.

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Lula participou nesta quinta-feira, 18/7,  do encerramento da Conferência Nacional “2003 – 2013: Uma nova política externa”. Seu tema foi “Brasil no mundo: mudanças e transformações”, às 15h.  Foi transmitido apenas pela internet.

Fonte:
http://www.viomundo.com.br/politica/lula-a-democracia-nao-e-um-pacto-de-silencio.html