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terça-feira, 11 de março de 2014

O planejamento frio de uma sentença

28/02/2014 - Estadão: como Joaquim Barbosa planejou friamente sentença e pena para fechar José Dirceu na cadeia
- Fernando Brito - Tijolaço

Não é um petista, embora seja um desafeto do Ministro Joaquim Barbosa, que já o mandou chafurdar no lixo.

É Felipe Recondo [foto], o repórter que o Estadão, corretamente, bancou como setorista do Supremo Tribunal Federal contra a vontade de seu presidente que, inclusive, tentou vingar-se sobre a mulher do jornalista, funcionária concursada do tribunal.

Ele narra, com detalhes escabrosos da perfídia, como Joaquim Barbosa deliberou condenar sem provas o ex-ministro José Dirceu e “calculou” a pena de forma que, além de não haver prescrição, garantisse a prisão do réu em regime fechado.

Uma armação que, quando apontada pelo Ministro Luís Roberto Barroso [foto], a megalomania de Barbosa o fez admitir com um ”Foi para isso mesmo, ora!

Diz Recondo, e eu grifo:

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28 de fevereiro de 2014 - Análise: As operações aritméticas do ministro Joaquim Barbosa - Felipe Recondo (*) - O Estado de S. Paulo

Em meio às falas sobrepostas na sessão de quarta do STF, o ministro Joaquim Barbosa soltou uma frase que guardava consigo há pelos menos três anos: "Foi para isso mesmo, ora!"

Barbosa acabava de admitir abertamente o que o ministro Luís Roberto Barroso dizia com certos pudores.

A pena para os condenados pelo crime de formação de quadrilha no julgamento do mensalão foi calculada, por ele, Barbosa, para evitar a prescrição.

Por tabela, disse Barroso, o artifício matemático fez com que réus que cumpririam pena em regime semiaberto passassem para o regime fechado.

Barbosa admitiu que penas por formação de quadrilha foram calculadas para evitar prescrição.

A assertiva de Barroso não era uma abstração ou um discurso meramente político.

A mesma convicção teve, para citar apenas um, o ministro Marco Aurélio Mello [foto]. Em seu voto, ele reconheceu a existência de uma quadrilha, mas considerou que as penas eram desproporcionais. E votou para reduzi-las a patamares que levariam, ao fim e ao cabo, à prescrição. Algo que Barbosa há muito temia, como se verá a seguir.

Foi essa suposição de Barroso que principiou a saraivada de acusações e insinuações do presidente do STF contra os demais ministros. Eram 17h33, quando Barroso apenas repetiu o que os advogados falavam desde 2012 e que outros ministros falavam em caráter reservado.

Joaquim Barbosa acompanhava a sessão de pé, reticente ao voto de Barroso, mas ainda calmo. Ao ouvir a ilação, sentou-se de forma apressada e puxou para si os microfones que ficam à sua frente. Parecia que dali viria um desmentido categórico, afinal a acusação que lhe era feita foi grave.

Mas Joaquim Barbosa não repeliu a acusação. Se o fizesse, de fato, estaria faltando com a sua verdade, não estaria de acordo com a sua consciência. 

Três anos antes, em março de 2011, Joaquim Barbosa estava de pé em seu gabinete. Não se sentava por conta do problema que ainda supunha atacar suas costas. Foi saber depois, que suas dores tinham origem no quadril.

“A porta mal abrira e ele (Barbosa) iniciava um desabafo. Dizia estar muito preocupado com o julgamento do mensalão. A instrução criminal, com depoimentos e coleta de provas e perícias, tinha acabado.

E, disse o ministro, não havia provas contra o principal dos envolvidos, o ministro José Dirceu [foto]

O então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, fizera um trabalho deficiente, nas palavras do ministro.

Piorava a situação à passagem do tempo.

Disse então o ministro: em setembro daquele ano, o crime de formação de quadrilha estaria prescrito. Afinal, transcorreram quatro anos desde o recebimento da denúncia contra o mensalão, em 2007.

Barbosa levava em conta, ao dizer isso, que a pena de quadrilha não passaria de dois anos. Com a pena nesse patamar, a prescrição estaria dada. Traçou, naquele dia em seu gabinete, um cenário catastrófico.

O jornal O Estado de S. Paulo publicou, no dia 26 de março de 2011, uma matéria que expunha as preocupações que vinham de dentro do Supremo. O título era: “Prescrição do crime de formação de quadrilha esvazia processo do mensalão”.

Dias depois, o assunto provocava debates na televisão.

Novamente, Joaquim Barbosa, de pé em seu gabinete, pergunta de onde saiu aquela informação. A pergunta era surpreendente. Afinal, a informação tinha saído de sua boca. Ele então questiona com certa ironia: “E se eu der (como pena) 2 anos e 1 semana?”.

Trata-se, portanto, de uma inversão completa da ética da magistratura e do princípio da impessoalidade na aplicação da lei.

Joaquim Barbosa, como relator do processo definiu a sentença e a pena que desejava para o acusado e não, ao contrário, escrutinou a culpabilidade nos autos e a ela adequou sentença e pena.

Sim, ele calculara as penas para evitar a prescrição. Ora!, diz Recondo.

(*) Felipe Recondo é repórter do jornal O Estado de S. Paulo em Brasília.

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O que o repórter do Estadão narra não é um comportamento de magistrado, é um comportamento inadmissível, perante a ótica e a ética do exercício da magistratura.

Luís Roberto Barroso [foto], diz o repórter, “não sabia dessa conversa ao atribuir ao tribunal uma manobra para punir José Dirceu e companhia e manter vivo um dos símbolos do escândalo: a quadrilha montada no centro do governo Lula“…

Mas “apenas repetiu o que os advogados falavam desde 2012 e que outros ministros falavam em caráter reservado.

Agora é público, e é um escândalo.

Não houve alguém que veio “com o voto pronto”, como acusou Barbosa a Barroso.

Houve alguém, relator do processo, que veio com uma sentença e uma pena prontas, independentes dos autos, com o propósito específico e deliberado de evitar uma prescrição e encarcerar um réu em regime fechado.

É, em tese, crime de responsabilidade.

Mas não há nem onde nem quem possa ser capaz de julgar o imperador.

Fonte:
http://tijolaco.com.br/blog/?p=14744

quarta-feira, 5 de março de 2014

Um cheiro de cinzas no ar

28/02/2014 - Saul Leblon - Carta Maior

Arquivo
Fica difícil afastar a percepção de que o carnaval conservador saltou para a dispersão sem passar pela apoteose. O cheiro de cinzas no ar é inconfundível.

Como parte interessada, a mídia jamais reconhecerá no fato o seu alcance: mas talvez o Brasil tenha assistido nesta 5ª feira [27 fev] a uma das mais duras derrotas já sofridas pelo conservadorismo desde a redemocratização.

Quem perdeu não foi a ética, a lisura na coisa pública ou a justiça, como querem os derrotados.

A resistência conservadora a uma reforma política, que ao menos dificultasse o financiamento privado das campanhas eleitorais, evidencia que a pauta subjacente ao julgamento da AP 470 tem pouco a ver com o manual das virtudes alardeadas.

O que estava em jogo era ferir de morte o campo progressista

Não apenas os seus protagonistas e lideranças.

Mas sobretudo, uma agenda de resiliência histórica infatigável, com a qual eles seriam identificados.

Ela foi golpeada impiedosamente em 54 e renasceu com um único tiro; foi golpeada em 1960 e renasceu em 1962; foi golpeada em 1964, renasceu em 1988; foi golpeada em 1989, renasceu em 2003; foi golpeada em 2005 e renasceu em 2006, em 2010...

O  que se pretendia desta vez, repita-se, não era exemplar cabeças coroadas do petismo, mas um propósito algo difuso, e todavia persistente, de colocar a luta pelo desenvolvimento como uma responsabilidade intransferível da democracia e do Estado brasileiro.

A derrota conservadora é superlativa nesse sentido, a exemplo dos recursos por ela mobilizados - sabidamente nada modestos.

Seu dispositivo midiático lidera a lista dos mais esfarrapados egressos da refrega histórica.

Se os bonitos manuais de redação valessem, o  desfecho da AP 470  obrigaria a mídia ‘isenta’ a regurgitar as florestas inteiras de celulose que consumiu com o objetivo de espetar no PT o epíteto eleitoral de ‘quadrilha’.

Demandaria uma lavagem de autocrítica.

Que ela não fará.

Tampouco reconhecerá que ao derrubar a acusação de quadrilha, os juízes que julgam com base nos autos desautorizariam implicitamente o uso indevido da teoria do domínio do fato, que amarrou toda uma narrativa largamente desprovida de provas.

Se não houve quadrilha, fica claro o propósito político prévio de emoldurar a cabeça do ex-ministro José Dirceu no centro de uma bandeja eleitoral, cuja guarnição incluiria nomes ilustres do PT, arrolados ou não na AP 470.

O banquete longamente preparado será degustado de qualquer forma agora.

Mas fica difícil afastar a percepção de que o carnaval conservador saltou direto da concentração para a dispersão sem passar pela apoteose.

Aqui e ali, haverá quem arrote peru nos camarotes e colunas da indignação seletiva.

O cheiro de cinzas, porém, é inconfundível e contaminará por muito tempo o ambiente político e econômico do conservadorismo.

O  que se pretendia, repita-se, não era apenas criminalizar fulano ou sicrano, mas a tentativa em curso de enfraquecer o enredo que os mercados impuseram ao país de forma estrita e abrangente no ciclo tucano dos anos 90.

Inclua-se aí a captura do Estado para sintonizar o país à modernidade de um capitalismo ancorado na subordinação irrestrita da economia, e na rendição incondicional da sociedade, à supremacia das finanças desreguladas.

O Brasil está longe de ter subvertido essa lógica. Mas não por acaso, a cada três palavras que a ortodoxia pronuncia hoje, uma é para condenar as ameaças e tentativas de avanços nessa direção.

O jogral é conhecido: “tudo o que não é mercado é populismo; tudo o que não é mercado é corrupção; tudo o que não é mercado é inflacionário, é ineficiência, atraso e gastança”.

O eco desse martelete percorreu cada sessão do mais longo julgamento da história brasileira.

Assim como ele, a condenação da política pelas togas coléricas reverberava a contrapartida de um anátema econômico de igual veemência,  insistentemente lembrado pelos analistas e consultores: “o Brasil não sabe crescer, o Brasil não vai crescer, o Brasil não pode crescer - a menos que retome e conclua  as ‘reformas’”.

O eufemismo cifrado designa o assalto aos direitos trabalhistas; o desmonte das políticas sociais; a deflagração de um novo ciclo de privatizações e a renúncia irrestrita a políticas e tarifas de indução ao crescimento.

Não é possível equilibrar-se na posição vertical em cima de um palanque abraçado a essa agenda, que a operosa Casa das Garças turbina para Aécio - ou Campos, tanto faz.

Daí o empenho meticuloso dos punhais midiáticos em escalpelar os réus da AP 470.

Que legitimidade poderia ter um projeto alternativo de desenvolvimento identificado com uma  ‘quadrilha’ infiltrada no Estado brasileiro?

Foi essa indução que saiu seriamente chamuscada da sessão do STF na tarde desta 5ª feira. [27 fev]

Os interesses econômicos e financeiros que a desfrutariam continuam vivos.

Que o diga a taxa de juros devolvida esta semana ao degrau de 10,75%, de onde a Presidenta Dilma a recebeu e do qual tentou rebaixá-la, sob fogo cerrado da república rentista e do seu jornalismo especializado.

Sem desarmar a bomba de sucção financeira essas tentativas tropeçarão ciclicamente em si mesmas.

Os quase 6% que o Estado brasileiro destina ao rentismo anualmente, na forma de juros da dívida pública, dificultam sobremaneira desarmar o círculo vicioso do endividamento, do qual eles são causa e decorrência. 

É o labirinto do agiota: juro sobre juro leva a mais juro. E mais alto.

Dessa encruzilhada se esboça a disputa entre dois projetos distintos de desenvolvimento.

A colisão entre as duas dinâmicas fica mais evidente quando a taxa de crescimento declina ou ocorrem mudanças de ciclo na economia mundial, estreitando adicionalmente a margem de manobra do Estado e das contas externas.

É o que a América Latina, ou quase toda ela, experimenta  nesse momento.

A campanha eleitoral deste ano prestaria inestimável serviço ao discernimento da sociedade se desnudasse esse conflito objetivo, subjacente à guerra travada diante dos holofotes no julgamento da AP 470.

O conservadorismo foi derrotado. Mas não perdeu seus arsenais.

Eles só serão desarmados pela força e o consentimento reunidos das grandes mobilizações democráticas. 

As eleições de outubro poderiam funcionar como essa grande praça da apoteose.
A ver.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/Um-cheiro-de-cinzas-no-ar/30369

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

Requião, candidato a Presidente

14/02/2014 - Eleições 2014 - Requião: “sou candidato a Presidente
- Rodrigo Vianna - Escrevinhador

Roberto Requião acaba de dar uma entrevista histórica ao jornalista Frédi Vanconcelos, na revista “Caros Amigos”. A entrevista mostra que há uma avenida aberta para politizar o debate no Brasil – pela esquerda, de cara limpa.

Requião não cede um milímetro. Defende os governos petistas (“vejo o PT como melhor que os outros; ao mesmo tempo em que eu acho que é muito pouco”), mas não abre mão da crítica dura à tibieza do partido para lidar com a Globo e outros interesses.

Lá pelas tantas, o senador e ex-governador do Paraná afirma: “sou candidato a presidente”!

Fico a imaginar como o Brasil iria a ganhar com uma candidatura desse tipo – que travasse o debate.

Todos sabemos das dificuldades (impossibilidades?) para se obter a candidatura numa convenção do PMDB. Mas só a luta pra chegar até lá já seria didática.

O Brasil merece e precisa de um nome como o de  Requião, disposto ao bom combate.

Acompanhe abaixo alguns trechos da entrevista. A revista chega às bancas na próxima semana. Vale a pena conferir na íntegra. (Rodrigo Vianna) 

= JOAQUIM BARBOSA E O “MENSALÃO” =

”O Joaquim Barbosa simulando uma diária pra fazer uma conferência de 30 minutos e um passeio numa biblioteca de uma hora, duas horas, é uma coisa típica da classe média deslumbrada.

Então o Joaquim Barbosa revela ali o verdadeiro Joaquim Barbosa, um classe média eventualmente deslumbrado [foto], que foi instrumentalizado pela mídia na questão do mensalão.

Eu não defendo a utilização do dinheiro público, nem o que ocorreu no financiamento das campanhas, não acho nenhuma graça nisso, mas aquela história do domínio do fato e a influência da mídia em cima do mensalão feriu profundamente as normas do direito brasileiro.


O mensalão foi uma aberração jurídica, porque, entre outras coisas, pelo domínio do fato, pela forma com que foi feito o processo, o esquecimento do fato precursor do mensalão, que é o fato mineiro, do Marcos Valério.


Então, foi uma aberração jurídica, foi uma manipulação induzida pela mídia e pelo deslumbramento dos ministros. Aquilo foi um show, não foi um julgamento."

= CHANTAGEM DA IMPRENSA =

Eu peguei um Estado [Paraná] quebrado. A primeira coisa que fiz foi racionalizar as despesas. Evidente que não as despesas com saúde e educação, mas as que eu julgava desnecessárias.

Diminuí os valores dos investimentos na imprensa. E passei a ser procurado por esses “heróis” da mídia, os donos de jornais, que diziam o seguinte: “ou você libera o dinheiro ou vai apanhar como nunca um político apanhou no Paraná”.

Daí, eles começaram a me bater desesperadamente, o que não me incomodou muito. Eu fui governador três vezes e senador duas vezes com toda essa mídia em cima de mim.

– Mas a chantagem foi assim direta?

"Direta, ou você dá dinheiro ou você vai apanhar diariamente. Eu preferi apanhar diariamente. Isso começou comigo, na verdade, na prefeitura.

Fui prefeito e pressionado pela Globo por verba. Não dei verba e eles começaram a bater em mim."

= DILMA, AÉCIO E EDUARDO =

Eu acho que ainda a Dilma é melhor que o Aécio e o Dudu Beleza. Eu fui relator da CPI dos títulos públicos, eu analisei como é que o Eduardo Campos conseguiu os financiamentos com os títulos públicos, com os precatórios.

– Como que ele conseguiu e por que o senhor o chama de Dudu Beleza?

Não sou eu que chamo, é Recife que chama.

Eu fiz a campanha do Dudu Beleza para a prefeitura do Recife a pedido do Arraes (Miguel, ex-governador e avô de Eduardo Campos [foto]), fiz gravações, eu era o prefeito mais popular do Brasil.

O Arraes era muito meu amigo, vinha muito pra Curitiba pra conversar comigo, mas o Dudu é a contraposição do Arraes.


- Por quê?

Porque o Dudu é o quadro da direita brasileira. A Dilma está à esquerda do Dudu, com todos os seus erros de condução.”

= ELEIÇÃO NO PARANÁ E PAULO BERNARDO =

- No segundo turno se estiverem os dois (Gleisi/PT x Richa/PSDB), o senhor não vai votar na Gleisi?

"E eu vou colocar o Bernardo [marido de Gleisi, Ministro das Comunicações] no poder? Veja bem, o Bernardo esteve no poder em Londrina, ele não consegue um voto lá, ele acabou com o Zeca do PT no Mato Grosso do Sul, não chega isso?

Veja o que ele está fazendo no Ministério das Comunicações, de favorecimento da grande mídia… Eu não sou inimigo da Gleisi [foto], eu sou amigo dela há muitos anos.

Do Paulo Bernardo não sou, e você sabe por que. É possível ser amigo do Paulo Bernardo? Amigo dele é o Marinho (da Globo), não sou eu.”

= Projeto Nacional =

A reforma política é a reforma da economia. Tirar a influência do Banco Central e dos banqueiros no Banco Central. Foi o que a Dilma começou a fazer e recuou. Basicamente é isso, um projeto nacional.

Nós temos que ter um projeto de industrialização, um projeto de comércio exterior, nos não podemos ficar ao sabor da globalização, que já fracassou.

“Vou me apresentar na convenção nacional do PMDB como candidato à Presidência da República. Aí você me pergunta, você vai ganhar? Ora, eu não sou idiota, eu sei no que se transformou o meu PMDB, mas eu vou cumprir a minha obrigação junto com um grupo de economistas que trabalham comigo e apresentar um projeto. Quero estabelecer um contraponto.

Fonte:
http://www.rodrigovianna.com.br/plenos-poderes/requiao-sou-candidato-a-presidente.html

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Gilmar Mendes não sabe o que diz ou...

14/02/2014 - Gilmar Mendes não sabe o que diz ou não diz o que sabe
- Paulo Moreira Leite, em seu blog na IstoÉ-Independente

Insinuações e ironias de ministro do STF não tem apoio nos autos da AP 470

O esforço de Gilmar Mendes [foto no alto] para tentar desmoralizar a campanha de solidariedade de tantos brasileiros aos condenados da AP 470 ajuda a entender o caráter precário do foi chamado de maior julgamento da história.”

Ao sugerir que o senador Eduardo Suplicy [foto] liderasse uma campanha para ressarcir “pelo menos parte dos R$ 100 milhões subtraídos dos cofres públicos no caso do mensalão” Gilmar Mendes assume uma postura espantosa para um ministro do STF.

Faz afirmações que não pode provar, insinua o que não consegue demonstrar.

A atitude de Gilmar é política.

As doações, em escala que surpreendeu os próprios condenados, mostram o repúdio de um número crescente de brasileiros diante dos abusos do julgamento.

Veja só: um ex-ministro do Supremo, como Nelson Jobim - um dos responsáveis pela indicação do próprio Gilmar ao STF -, deu um cheque de R$ 10 000,00 para Genoíno.

Celso Bandeira de Mellojurista de folha irretocável, que patrocinou a presença de Ayres Britto na Corte, deu dinheiro para Genoíno e já disse que vai contribuir para José Dirceu.

Ao lado de militantes e de cidadãos comuns, a presença de respeitáveis homens de Direito na campanha pelas doações mostra até onde vai a crítica à AP 470. 

Não é para menos.

A ideia de que houve desvio de recursos públicos é desmentida pelo processo.

A noção que eles chegam a R$ 100 milhões não tem base real alguma. É apenas um novo chute. 

Quando o julgamento começou, os ministros falavam num desvio de R$ 115 milhões. Recuaram sem maiores explicações para uma estimativa de R$ 73,8 com base num cálculo desinformado, absurdo mas cômodo. Explico os três adjetivos.

Como esse foi o total de gastos de recursos do Fundo de Incentivo Visanet com a agência DNA naquele período, passou-se a uma crença absurda: de que 100% desse dinheiro foi roubado, não sobrando um único centavozinho honesto para ser gasto com publicidade de verdade.

Nenhuma página de jornal, nem um spot de rádio, nem 30 segundos na TV.

É claro que é uma conta de chegar.

Era preciso falar em desvio, era preciso dar um número – apontou-se para aquele que estava à mão. Parece absurdo e é.

Mas absurdos ganham verossimilhança e circulam como afirmações verdadeiras em sociedades onde nenhuma instituição cumpre seu papel de fiscalizar e conferir o que dizem as autoridades.

Este papel, como se sabe, deve ser cumprido pela imprensa.

Mas você e eu sabemos muito bem onde os repórteres se encontravam no julgamento, certo?

Numa prova de que são os principais interessados em conferir gastos e a demonstrar o que foi feito, os advogados da defesa [foto] acabam de enviar, às 20 maiores empresas de comunicação do país, uma notificação judicial.

Solicitam apenas que elas confirmem – ou desmintam – aqueles recursos que a DNA declara ter enviado a elas.

Em novembro de 2005, os parlamentares da CPMI dos Correios receberam um documento “para uso interno – confidencial” da Visanet.

Os parlamentares perguntaram lá atrás:  

A Visanet é uma empresa pública? 

Resposta. “Não. É uma empresa de capital privado.”

Essa mesma afirmação foi confirmada por uma auditoria do Banco Brasil, encerrada em dezembro do mesmo ano.

Ali se diz, com base no estatuto da Visanet, que seus recursos deveriam ser destinados a ações de incentivo, “não pertencendo os mesmos ao BB investimento nem ao Banco do Brasil.”

Se a denúncia de desvio de dinheiro público está errada, como conceito, também se desmente, nos números.

As contas batem, com diferenças contábeis que podem ser explicadas por razões técnicas – e que nem de longe chegam aos R$ 100 milhões a que Gilmar Mendes se referiu.

(Quantias nesse volume gigantesco, e até maiores, foram mobilizadas por empresas privadas de telefonia que eram clientes das agencias de Marcos Valério.

Nenhuma delas, por sinal, foi chamada a prestar contas no julgamento. Nenhuma. Foi assim que se pretendia “punir os poderosos” , entendeu?)

Por fim, a afirmação de que foram dirigentes do PT que fizeram esses desvios é ainda mais absurda. Não estou falando de Delúbio Soares, por exemplo, que distribuía recursos para o partido e negociava apoio de empresas.

Estou falando de quem tinha acesso ao cofre. Sem ele nada se faz, certo? 

Pode-se ler, no laudo 2828, uma questão básica para se entender o papel do PT na denuncia de desvio de recursos – públicos ou privados.

O relator Joaquim Barbosa pergunta a quem “competia fazer o gerenciamento dos recursos” do Fundo Visanet repassados a agencia DNA?

Em bom português, o relator queria saber quem fazia os pagamentos – sem o quê, obviamente, não dá para tirar nem uma nota de 1 real de forma indevida.

O Banco do Brasil responde: quatro diretores eram responsáveis pela gestão do fundo de incentivo entre 2001 e 2005.

(Estamos falando dos dois últimos anos do governo FHC, quando a DNA ganhou um bom pedaço da verba publicitária do Banco do Brasil, e dos dois primeiros anos do governo Lula).

Em sua resposta ao relator, o Banco do Brasil  faz até um gráfico pequeno, com nomes e datas, para ninguém ficar em dúvida.

Até uma criança pode entender: nenhum dirigente indicado pelo PT encontra-se entre eles.

Os responsáveis eram todos executivos indicados pelo PSDB. Está lá, numa tabela.

Nenhum deles sentou-se no banco dos réus. Repito porque é escandaloso: nenhum.

Quem assinava os cheques ficou de fora. Eram afilhados tucanos. 

Cabe a cada um fazer a pergunta que não quer calar: por que o laudo 2828, com uma informação tão preciosa, foi mantido em sigilo no próprio STF, e só foi distribuído para o plenário de ministros DEPOIS que a denuncia da AP 470 já fora aceita?

Minha opinião é a seguinte: temia-se, em 2006, que o debate sobre informações inesperadas e surpreendentes pudessem comprometer a denúncia e estragar o carnaval cívico em  torno do STF. 

Imagine se fosse possível criminalizar o governo Lula - até se falava em impeachment, em 2005 - se a denúncia envolvesse o PSDB, também. Imagine se alguém começasse a perguntar assim: se haviam tucanos no comando do esquema, quem é que colocou essa turma ali? 

Política, meu caro. Política.

Foi a mesma atitude de 2011, quando os ministros resolveram levar o julgamento em frente sem conhecer o inquérito 2474, com revelações que contrariavam o final feliz já anunciado e prometido.

Veja você: desistiram de ler o inquérito 2474 sem saber o que tinha lá dentro. 

Não é de espantar que, agora, se veja uma situação constrangedora e grave de um ministro que faz afirmações que contrariam aquilo que se encontra no processo.

Ou Gilmar Mendes não sabe o que diz. Ou não diz o que sabe.

Você decide o que é mais grave.

(*) Paulo Moreira Leite é Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

Fonte:

http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

Leituras afins: são inúmeras as matérias já publicadas neste blog, desde quando, em janeiro de 2013, se comprovaram os erros cometidos por alguns dos juízes do STF no julgamento da Ação Penal 470. 

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Pizzolato, perseguido político

06/02/2014 - Paulo Moreira Leite (*) - Revista IstoÉ

Não se deve confundir o principal e o acessório na prisão de um condenado pela AP 470.

No momento em que se assiste a uma pequena festa cívica por causa da prisão de Henrique Pizzolato na Itália, convém conhecer melhor alguns dados da ação penal 470.

É importante, nessa hora, não confundir o assessório com a substância. 

Pizzolato foi condenado por peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro. Mas é bom reconhecer o caráter precário dessas afirmações.

Nem vou falar aqui do inquérito 2474, com 78 volumes de provas e testemunhos – inclusive um caudaloso relatório da Polícia Federal – que sequer foram examinados pelos ministros.

Foram mantidos em segredo, do próprio STF, em decisão tomada em 2011, com o argumento de que era preciso dar “celeridade” ao processo.

Tá bom: celeridade no destino dos outros não arde, nós sabemos.

Vamos em frente e examinar alguns  pontos.

Por exemplo.

Em novembro de 2007, o STF aceitou a denuncia contra Pizzolato (e outros 39 réus). Mas os ministros votaram no escuro, sem conhecer todas cartas que deveriam estar à mesa. Só depois de votar eles puderam ler o inquérito 2828.

Embora este documento, do Instituto Nacional de Criminalística, estivesse pronto desde dezembro de 2006, só foi distribuído aos ministros um mês depois da aceitação da denúncia, quando os acusados já haviam sido transformados em réus, naquela decisão em que se votou “com a faca no pescoço,” como disse Ricardo Lewandovski [foto].

Antes disso, o laudo 2828 foi mantido em sigilo por Joaquim Barbosa.

Entre outras coisas, lê-se no inquérito 2828 uma questão básica para se entender o papel de Pizzolato na AP 470.

O relator Joaquim Barbosa pergunta a quem “competia fazer o gerenciamento dos recursos” do Fundo Visanet repassados a DNA?

Em bom português, o relator queria saber quem fazia os pagamentos – sem o quê, obviamente, não dá para desviar dinheiro para comprar um picolé na praia.

O Banco do Brasil responde: quatro diretores eram responsáveis pela gestão do fundo de incentivo entre 2001 e 2005. O texto faz até um gráfico pequeno, com nomes e datas, para ninguém ficar em dúvida.

Não vou escrever o nome deles aqui porque este não é meu papel.

O importante é saber que Henrique Pizzolato [foto] não se encontra entre eles.

Nenhum dos responsáveis, autorizados a liberar o dinheiro, foi indiciado nem julgado. Pizzolato foi condenado como “único responsável” pelos pagamentos.

Não era único nem era o responsável.

Outro exemplo.

Em novembro de 2005, seis meses depois da célebre entrevista de Roberto Jefferson, os parlamentares da CPMI dos Correios [foto abaixo] receberam um documento “para uso interno – confidencial” da Visanet. É muito ilustrativo e chocante, quando se vê o que ocorreu depois.

Numa denúncia baseada em desvio de dinheiro público, os parlamentares perguntaram:

- A Visanet é uma empresa pública?
Resposta.Não. É uma empresa de capital privado.

- Qual era a relação do senhor Henrique Pizzolato com a Visanet?
“Nenhuma.

Outro exemplo.

Pizzolato foi acusado de prorrogar o contrato da DNA com o Banco do Brasil para beneficiar o esquema.

Não custa lembrar que as prorrogações de contrato são autorizadas por lei, e podem ocorrer três prorrogações de um novo contrato antes de se fazer uma nova licitação.

Em 11 de fevereiro de 2003, logo depois da posse de Lula, o Banco do Brasil fez a terceira prorrogação do contrato com a DNA, por seis meses. As duas anteriores haviam sido assinadas em 2001 e 2002, quando o PSDB estava no governo. A prorrogação foi assinada por três diretores. 

Pizzolato não é um deles nem poderia. Só tomou posse no banco uma semana depois. Ou seja: quando o contrato já fora prorrogado.

Outro exemplo.

Conforme a denuncia, o pagamento indevido de bônus de volume às agências teria sido uma forma de desviar dinheiro do Banco do Brasil.

Até executivos da Globo prestaram depoimento, mostrando que essa visão era distorcida, pois ignorava o funcionamento real do mercado publicitário.

Em julho de 2009, Joaquim Barbosa enviou um conjunto de perguntas a direção do Banco do Brasil. 

Entre outras questões, queria saber se o Banco estava cobrando “a devolução ou o ressarcimento de valores pagos a título de bônus de volume.”

Lembrando que os recursos da Visanet não eram de sua propriedade, a resposta do Banco é enfática:

conforme referido no relatório de auditoria, a origem, propriedade e gestão dos recursos do Fundo Visanet pertenciam a Visanet. (...) Quem se apresentava como titular desses recursos no plano material era a Visanet, posição exteriorizada no regulamento instituidor do Fundo.

O documento conclui: “desse modo, o Banco do Brasil não tem legitimidade ativa para propor eventual ação de ressarcimento.

É isso que está escrito. A direção jurídica do BB, a qual Pizzolato deve obediência na matéria, diz que a pergunta do relator envolvia uma cobrança que não tinha “legitimidade.”

Não vou prosseguir aqui para não cansar demais. Só lembro estes fatos para mostrar o seguinte.

Nós sabemos por que Pizzolato foi condenado e imagino que muita gente está pensando nisso agora.

Teria aparecido, teoricamente, um ato de ofício capaz de estabelecer a ligação entre suas decisões como diretor de marketing e o recebimento de R$ 326.000 em sua casa.

A acusação sustenta que ele ganhou esse dinheiro como pagamento pelos serviços prestados ao esquema. Ele diz que eram recursos para o PT e ninguém é obrigado a acreditar em qualquer versão.

Todo mundo tem o direito de pensar o que quiser. Mas eu acho, humildemente, que os fatos acima, que descrevem o papel de Pizzolato, mostram o seguinte.

Mesmo que quisesse prestar serviços ilícitos ao esquema, não tinha autoridade nem poderes para tanto.

Não podia fazer o que dizem ter feito – muito menos sozinho.

Não era o diretor que fazia o pagamento de recursos.

Não decidiu a prorrogação dos contratos. Sua relação com a Visanet era “nenhuma”.

A cobrança de Joaquim Barbosa, pelo ressarcimento do Bonus de Volume, simplesmente não tinha legitimidade,” diz o jurídico do banco.

Dá para entender? Dá.


É só aceitar a ideia - dolorosa, difícil, mas real - de que o STF fez um julgamento de exceção, aplicando regras que nunca foram aplicadas antes e dificilmente irão se repetir.

Como demonstrou o professor Dalmo Dallari, o STF sequer tinha autoridade constitucional para julgar, em primeira instância, réus que não tinham direito ao foro privilegiado, o que demonstra o caráter questionável de suas decisões.

Não custa lembrar – é cansativo mas educativo – que o mensalão PSDB-MG e o mensalão DEM-DF não serão julgados da mesma maneira.

Numa atitude que equivale a admitir o erro mais uma vez – só falta agora saber quem vai pagar a conta da AP 470 – até o propinoduto tucano será julgado, se isso acontecer, pelo sistema de desmembramento. Precisa de mais?

Acho que não.

É neste ambiente que se deve enxergar a fuga de Pizzolato, os passaportes falsos e outros momentos que levaram a sua prisão na Itália.

(*) Paulo Moreira Leite, é diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra 
História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que era o General da casa".

Fonte:
http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/346736_PIZZOLATO+PERSEGUIDO+POLITICO

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

Matérias afins:
- Os bastidores da prisão de Pizzolato - Paulo Moreira Leite e Janaina Cesar
- "Ninguém queria deixar o Brasil. Mas era preciso achar uma saída" - Revista IstoÉ 

sábado, 28 de dezembro de 2013

Ditadura judicial e o IPTU paulistano

22/12/2013 - Pressão contra Haddad envolve soberania popular e democracia
- Paulo Moreira Leite (*) em seu blog no Portal Terra

Muitas vezes, os  golpes contra a democracia são movimentos óbvios e visíveis, ilustrados por tanques de guerra, baionetas e generais.

Vivemos tempos em que a consciência democrática dos povos rejeita ataques frontais a seus direitos e é capaz de sair às ruas para defender conquistas históricas e permanentes.

São tempos de judicialização, quando forças conservadoras, sem voto, batem a porta dos tribunais para ameaçar a soberania popular, ignoram a vontade do cidadão e procuram resolver, às suas costas, o que é melhor para um país, um Estado, uma cidade.

A Constituição diz, no artigo 1, que todos os poderes emanam do povo, e são exercidos através de representantes eleitos – ou diretamente, na forma da lei.

Penso nisso diante da mais recente cena do Superior Tribunal Federal.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, eleito de forma límpida e clara em 2012, foi obrigado a apresentar recurso para Joaquim Barbosa anular uma liminar da Justiça de São Paulo que proíbe a cobrança do aumento no IPTU, principal fonte de recursos da prefeitura da maior cidade do país.

Vamos combinar: já é absurdo que um prefeito que recebeu 55% dos votos no segundo turno seja obrigado a fazer uma caravana até Brasília para fazer valer seu direito de definir como pretende governar São Paulo.

É ainda mais absurdo, no entanto, que a palavra final fique com a Justiça.

Não há nenhum aspecto, neste debate, que envolva matéria constitucional.

Do ponto de vista eleitoral, Haddad pode estar até ajudando a colocar uma pedra na reeleição de Dilma Rousseff, como acreditam tantos petistas de olho em 2014, mas este é um debate entre o prefeito e seu partido.

A questão aqui envolve princípios e nunca é demais lembrar a visão que explica que os bons princípios são aqueles que podem ser defendidos inclusive quando contrariam nossos interesses.

O IPTU é um imposto tradicional das cidades brasileiras, com alíquotas que sobem e descem de acordo com as prioridades de cada prefeito.

Minha opinião é que o STF tem obrigação de devolver o assunto a quem foi eleito para isso – o prefeito e a Câmara de Vereadores, que já tomou posição a favor do aumento, também.

Essa situação elimina o mais maroto dos argumentos favoráveis a judicialização, aquele que admite que é um caminho errado, mas diz que a Justiça só entra em cena por causa da omissão dos demais poderes.

Qualquer passo em falso, nessa matéria, representará um ataque à vontade popular.

O recurso alternativo, de cozinhar o assunto numa sopa de oportunidades durante meses sem fim, será, na prática, uma forma de atender a pressão contra o aumento do IPTU, privando a cidade de recursos que o prefeito julga serem necessários – foi ele o escolhido por 3,3 milhões de eleitores para resolver isso.

Ao dar a liminar contra o aumento, o Tribunal de Justiça de São Paulo alegou, como causa principal, a “falta de debate público” sobre o tema.

Desculpe mas pensei que isso tinha ocorrido na eleição.

Quer dizer que tivemos o horário político, os debates eleitorais em todos os canais de TV e é possível alegar que “faltou debate?”

Depois de protestos de junho, onde a questão do transporte coletivo teve um destaque óbvio, será razoável bloquear receitas para investimentos que, por caminhos diversos, irão enfrentar este problema?

Nem nos tempos de George Bush, pai, aquele presidente dos EUA que mandou a população fixar o olho em seu lábios enquanto ele dizia vagarosamente não-haverá-mais-impostos durante a campanha, para mudar de ideia depois da posse na Casa Branca ouviu-se um argumento desses.

Tão subjetivo, digamos assim.

O debate sobre impostos maiores e menores faz parte do cotidiano político das democracias e, salvo nas ditaduras, sempre foi resolvido pelo eleitor.

Fernando Henrique Cardoso fez a carga tributária subir de 24% do PIB para 35%. Foi assim que seu governo conseguiu manter o célebre equilíbrio fiscal. O  Supremo não deu um pio, nem poderia nem deveria.

Dilma Rousseff desonerou vários setores da economia.

Nos Estados  municípios, governadores e prefeitos criam e eliminam incentivos fiscais.

É possível debater a oportunidade de cada uma dessas medidas.

Mas seria absurdo questionar o direito de autoridades eleitas de resolver uma questão fundamental do funcionamento do Estado.

O Estado do bem-estar europeu não foi construído com recursos espirituais, mas com impostos retirados dos mais ricos – inclusive sobre grandes fortunas – para beneficiar os mais pobres.

Imagine se eles fossem bater as portas dos tribunais para revogar as decisões?

Como mostra o grande pensador Tony Judt [foto], a Europa estaria nos braços negros do fascismo até hoje.

A contra revolução conservadora patrocinada por Ronald Reagan, nos EUA, tinha como base o corte de impostos da classe média alta e dos ricos.

Ninguém foi à  Corte Suprema por causa disso.

Podemos até não gostar, mas era o voto que naquele momento dava autoridade a Reagan.

O mesmo aconteceu na Inglaterra, nos anos de Margareth Thatcher.

A população chegou a fazer uma revolta popular quando ela criou uma taxa que tungava fundo no orçamento da população dos bairros mais pobres – a palavra final coube ao eleitor.

A questão do IPTU paulistano foi levada ao Supremo por esses caminhos que sempre são percorridos por quem não tem respaldo na vontade popular.

Não foi por acaso de Haddad mencionou a eliminação da CPMF, ocorrida no segundo mandato do governo Lula.

Naquele momento, a mesma FIESP já presidida pelo mesmo Paulo Skaf [foto] participou da operação que acabou com a CPMF através do Congresso.

A ação nada teve de democrática.

Os deputados tinham medo de não conseguir reeleger-se no pleito seguinte depois de apoiar uma medida tão perniciosa para a população mais pobre e queriam dinheiro para mudar de lado.

Foi um escândalo, conforme apurou a Polícia Federal na Operação Castelo de Areia.

Com base na investigação do caixa 2 de uma das maiores empreiteiras do país, descobriu-se o pagamento de propinas imensas a uma larga fatia do Congresso.

Feito o serviço com os parlamentares, chegou a hora de pedir ajuda a Justiça para se impedir a punição dos responsáveis.

Havia montanhas de diálogos gravados, comprometedores e vergonhosos.

Mas as principais peças de acusação foram anuladas, pois haviam sido obtidas sem autorização judicial.

Resultado: o STF anulou as provas e ficou tudo por isso mesmo.

Está certo? Está, por mais que seja chato admitir isso.

A democracia tem seus rituais, e um deles informa que os direitos dos cidadãos, mesmo aqueles acusados de crimes gravíssimos, devem ser respeitados.

E é em nome dos mesmos rituais que (putz!) ajudaram a salvar até aqueles tubarões que derrubaram a CPMF, mas em função de uma causa muito melhor, que se deve devolver as prerrogativas democráticas a quem tem o direito de falar pelo povo.

A alternativa é a ditadura judicial.

Este é um sistema que até pode conviver com algumas franquias democráticas mas, toda vez em que os ricos e poderosos se consideram atingidos em seus direitos, oferece acesso especial e personalizado para revogar medidas que não são de seu interesse.

(*) Paulo Moreira Leite, Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

Fonte:
http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

Leia também:
- Elio Gaspari e, quem sabe, sua última chance - Saul Leblon
- As almas penadas da ditadura - Leandro Fortes