Mostrando postagens com marcador Paulo Moreira Leite. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Paulo Moreira Leite. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Gilmar Mendes não sabe o que diz ou...

14/02/2014 - Gilmar Mendes não sabe o que diz ou não diz o que sabe
- Paulo Moreira Leite, em seu blog na IstoÉ-Independente

Insinuações e ironias de ministro do STF não tem apoio nos autos da AP 470

O esforço de Gilmar Mendes [foto no alto] para tentar desmoralizar a campanha de solidariedade de tantos brasileiros aos condenados da AP 470 ajuda a entender o caráter precário do foi chamado de maior julgamento da história.”

Ao sugerir que o senador Eduardo Suplicy [foto] liderasse uma campanha para ressarcir “pelo menos parte dos R$ 100 milhões subtraídos dos cofres públicos no caso do mensalão” Gilmar Mendes assume uma postura espantosa para um ministro do STF.

Faz afirmações que não pode provar, insinua o que não consegue demonstrar.

A atitude de Gilmar é política.

As doações, em escala que surpreendeu os próprios condenados, mostram o repúdio de um número crescente de brasileiros diante dos abusos do julgamento.

Veja só: um ex-ministro do Supremo, como Nelson Jobim - um dos responsáveis pela indicação do próprio Gilmar ao STF -, deu um cheque de R$ 10 000,00 para Genoíno.

Celso Bandeira de Mellojurista de folha irretocável, que patrocinou a presença de Ayres Britto na Corte, deu dinheiro para Genoíno e já disse que vai contribuir para José Dirceu.

Ao lado de militantes e de cidadãos comuns, a presença de respeitáveis homens de Direito na campanha pelas doações mostra até onde vai a crítica à AP 470. 

Não é para menos.

A ideia de que houve desvio de recursos públicos é desmentida pelo processo.

A noção que eles chegam a R$ 100 milhões não tem base real alguma. É apenas um novo chute. 

Quando o julgamento começou, os ministros falavam num desvio de R$ 115 milhões. Recuaram sem maiores explicações para uma estimativa de R$ 73,8 com base num cálculo desinformado, absurdo mas cômodo. Explico os três adjetivos.

Como esse foi o total de gastos de recursos do Fundo de Incentivo Visanet com a agência DNA naquele período, passou-se a uma crença absurda: de que 100% desse dinheiro foi roubado, não sobrando um único centavozinho honesto para ser gasto com publicidade de verdade.

Nenhuma página de jornal, nem um spot de rádio, nem 30 segundos na TV.

É claro que é uma conta de chegar.

Era preciso falar em desvio, era preciso dar um número – apontou-se para aquele que estava à mão. Parece absurdo e é.

Mas absurdos ganham verossimilhança e circulam como afirmações verdadeiras em sociedades onde nenhuma instituição cumpre seu papel de fiscalizar e conferir o que dizem as autoridades.

Este papel, como se sabe, deve ser cumprido pela imprensa.

Mas você e eu sabemos muito bem onde os repórteres se encontravam no julgamento, certo?

Numa prova de que são os principais interessados em conferir gastos e a demonstrar o que foi feito, os advogados da defesa [foto] acabam de enviar, às 20 maiores empresas de comunicação do país, uma notificação judicial.

Solicitam apenas que elas confirmem – ou desmintam – aqueles recursos que a DNA declara ter enviado a elas.

Em novembro de 2005, os parlamentares da CPMI dos Correios receberam um documento “para uso interno – confidencial” da Visanet.

Os parlamentares perguntaram lá atrás:  

A Visanet é uma empresa pública? 

Resposta. “Não. É uma empresa de capital privado.”

Essa mesma afirmação foi confirmada por uma auditoria do Banco Brasil, encerrada em dezembro do mesmo ano.

Ali se diz, com base no estatuto da Visanet, que seus recursos deveriam ser destinados a ações de incentivo, “não pertencendo os mesmos ao BB investimento nem ao Banco do Brasil.”

Se a denúncia de desvio de dinheiro público está errada, como conceito, também se desmente, nos números.

As contas batem, com diferenças contábeis que podem ser explicadas por razões técnicas – e que nem de longe chegam aos R$ 100 milhões a que Gilmar Mendes se referiu.

(Quantias nesse volume gigantesco, e até maiores, foram mobilizadas por empresas privadas de telefonia que eram clientes das agencias de Marcos Valério.

Nenhuma delas, por sinal, foi chamada a prestar contas no julgamento. Nenhuma. Foi assim que se pretendia “punir os poderosos” , entendeu?)

Por fim, a afirmação de que foram dirigentes do PT que fizeram esses desvios é ainda mais absurda. Não estou falando de Delúbio Soares, por exemplo, que distribuía recursos para o partido e negociava apoio de empresas.

Estou falando de quem tinha acesso ao cofre. Sem ele nada se faz, certo? 

Pode-se ler, no laudo 2828, uma questão básica para se entender o papel do PT na denuncia de desvio de recursos – públicos ou privados.

O relator Joaquim Barbosa pergunta a quem “competia fazer o gerenciamento dos recursos” do Fundo Visanet repassados a agencia DNA?

Em bom português, o relator queria saber quem fazia os pagamentos – sem o quê, obviamente, não dá para tirar nem uma nota de 1 real de forma indevida.

O Banco do Brasil responde: quatro diretores eram responsáveis pela gestão do fundo de incentivo entre 2001 e 2005.

(Estamos falando dos dois últimos anos do governo FHC, quando a DNA ganhou um bom pedaço da verba publicitária do Banco do Brasil, e dos dois primeiros anos do governo Lula).

Em sua resposta ao relator, o Banco do Brasil  faz até um gráfico pequeno, com nomes e datas, para ninguém ficar em dúvida.

Até uma criança pode entender: nenhum dirigente indicado pelo PT encontra-se entre eles.

Os responsáveis eram todos executivos indicados pelo PSDB. Está lá, numa tabela.

Nenhum deles sentou-se no banco dos réus. Repito porque é escandaloso: nenhum.

Quem assinava os cheques ficou de fora. Eram afilhados tucanos. 

Cabe a cada um fazer a pergunta que não quer calar: por que o laudo 2828, com uma informação tão preciosa, foi mantido em sigilo no próprio STF, e só foi distribuído para o plenário de ministros DEPOIS que a denuncia da AP 470 já fora aceita?

Minha opinião é a seguinte: temia-se, em 2006, que o debate sobre informações inesperadas e surpreendentes pudessem comprometer a denúncia e estragar o carnaval cívico em  torno do STF. 

Imagine se fosse possível criminalizar o governo Lula - até se falava em impeachment, em 2005 - se a denúncia envolvesse o PSDB, também. Imagine se alguém começasse a perguntar assim: se haviam tucanos no comando do esquema, quem é que colocou essa turma ali? 

Política, meu caro. Política.

Foi a mesma atitude de 2011, quando os ministros resolveram levar o julgamento em frente sem conhecer o inquérito 2474, com revelações que contrariavam o final feliz já anunciado e prometido.

Veja você: desistiram de ler o inquérito 2474 sem saber o que tinha lá dentro. 

Não é de espantar que, agora, se veja uma situação constrangedora e grave de um ministro que faz afirmações que contrariam aquilo que se encontra no processo.

Ou Gilmar Mendes não sabe o que diz. Ou não diz o que sabe.

Você decide o que é mais grave.

(*) Paulo Moreira Leite é Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

Fonte:

http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

Leituras afins: são inúmeras as matérias já publicadas neste blog, desde quando, em janeiro de 2013, se comprovaram os erros cometidos por alguns dos juízes do STF no julgamento da Ação Penal 470. 

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Pizzolato, perseguido político

06/02/2014 - Paulo Moreira Leite (*) - Revista IstoÉ

Não se deve confundir o principal e o acessório na prisão de um condenado pela AP 470.

No momento em que se assiste a uma pequena festa cívica por causa da prisão de Henrique Pizzolato na Itália, convém conhecer melhor alguns dados da ação penal 470.

É importante, nessa hora, não confundir o assessório com a substância. 

Pizzolato foi condenado por peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro. Mas é bom reconhecer o caráter precário dessas afirmações.

Nem vou falar aqui do inquérito 2474, com 78 volumes de provas e testemunhos – inclusive um caudaloso relatório da Polícia Federal – que sequer foram examinados pelos ministros.

Foram mantidos em segredo, do próprio STF, em decisão tomada em 2011, com o argumento de que era preciso dar “celeridade” ao processo.

Tá bom: celeridade no destino dos outros não arde, nós sabemos.

Vamos em frente e examinar alguns  pontos.

Por exemplo.

Em novembro de 2007, o STF aceitou a denuncia contra Pizzolato (e outros 39 réus). Mas os ministros votaram no escuro, sem conhecer todas cartas que deveriam estar à mesa. Só depois de votar eles puderam ler o inquérito 2828.

Embora este documento, do Instituto Nacional de Criminalística, estivesse pronto desde dezembro de 2006, só foi distribuído aos ministros um mês depois da aceitação da denúncia, quando os acusados já haviam sido transformados em réus, naquela decisão em que se votou “com a faca no pescoço,” como disse Ricardo Lewandovski [foto].

Antes disso, o laudo 2828 foi mantido em sigilo por Joaquim Barbosa.

Entre outras coisas, lê-se no inquérito 2828 uma questão básica para se entender o papel de Pizzolato na AP 470.

O relator Joaquim Barbosa pergunta a quem “competia fazer o gerenciamento dos recursos” do Fundo Visanet repassados a DNA?

Em bom português, o relator queria saber quem fazia os pagamentos – sem o quê, obviamente, não dá para desviar dinheiro para comprar um picolé na praia.

O Banco do Brasil responde: quatro diretores eram responsáveis pela gestão do fundo de incentivo entre 2001 e 2005. O texto faz até um gráfico pequeno, com nomes e datas, para ninguém ficar em dúvida.

Não vou escrever o nome deles aqui porque este não é meu papel.

O importante é saber que Henrique Pizzolato [foto] não se encontra entre eles.

Nenhum dos responsáveis, autorizados a liberar o dinheiro, foi indiciado nem julgado. Pizzolato foi condenado como “único responsável” pelos pagamentos.

Não era único nem era o responsável.

Outro exemplo.

Em novembro de 2005, seis meses depois da célebre entrevista de Roberto Jefferson, os parlamentares da CPMI dos Correios [foto abaixo] receberam um documento “para uso interno – confidencial” da Visanet. É muito ilustrativo e chocante, quando se vê o que ocorreu depois.

Numa denúncia baseada em desvio de dinheiro público, os parlamentares perguntaram:

- A Visanet é uma empresa pública?
Resposta.Não. É uma empresa de capital privado.

- Qual era a relação do senhor Henrique Pizzolato com a Visanet?
“Nenhuma.

Outro exemplo.

Pizzolato foi acusado de prorrogar o contrato da DNA com o Banco do Brasil para beneficiar o esquema.

Não custa lembrar que as prorrogações de contrato são autorizadas por lei, e podem ocorrer três prorrogações de um novo contrato antes de se fazer uma nova licitação.

Em 11 de fevereiro de 2003, logo depois da posse de Lula, o Banco do Brasil fez a terceira prorrogação do contrato com a DNA, por seis meses. As duas anteriores haviam sido assinadas em 2001 e 2002, quando o PSDB estava no governo. A prorrogação foi assinada por três diretores. 

Pizzolato não é um deles nem poderia. Só tomou posse no banco uma semana depois. Ou seja: quando o contrato já fora prorrogado.

Outro exemplo.

Conforme a denuncia, o pagamento indevido de bônus de volume às agências teria sido uma forma de desviar dinheiro do Banco do Brasil.

Até executivos da Globo prestaram depoimento, mostrando que essa visão era distorcida, pois ignorava o funcionamento real do mercado publicitário.

Em julho de 2009, Joaquim Barbosa enviou um conjunto de perguntas a direção do Banco do Brasil. 

Entre outras questões, queria saber se o Banco estava cobrando “a devolução ou o ressarcimento de valores pagos a título de bônus de volume.”

Lembrando que os recursos da Visanet não eram de sua propriedade, a resposta do Banco é enfática:

conforme referido no relatório de auditoria, a origem, propriedade e gestão dos recursos do Fundo Visanet pertenciam a Visanet. (...) Quem se apresentava como titular desses recursos no plano material era a Visanet, posição exteriorizada no regulamento instituidor do Fundo.

O documento conclui: “desse modo, o Banco do Brasil não tem legitimidade ativa para propor eventual ação de ressarcimento.

É isso que está escrito. A direção jurídica do BB, a qual Pizzolato deve obediência na matéria, diz que a pergunta do relator envolvia uma cobrança que não tinha “legitimidade.”

Não vou prosseguir aqui para não cansar demais. Só lembro estes fatos para mostrar o seguinte.

Nós sabemos por que Pizzolato foi condenado e imagino que muita gente está pensando nisso agora.

Teria aparecido, teoricamente, um ato de ofício capaz de estabelecer a ligação entre suas decisões como diretor de marketing e o recebimento de R$ 326.000 em sua casa.

A acusação sustenta que ele ganhou esse dinheiro como pagamento pelos serviços prestados ao esquema. Ele diz que eram recursos para o PT e ninguém é obrigado a acreditar em qualquer versão.

Todo mundo tem o direito de pensar o que quiser. Mas eu acho, humildemente, que os fatos acima, que descrevem o papel de Pizzolato, mostram o seguinte.

Mesmo que quisesse prestar serviços ilícitos ao esquema, não tinha autoridade nem poderes para tanto.

Não podia fazer o que dizem ter feito – muito menos sozinho.

Não era o diretor que fazia o pagamento de recursos.

Não decidiu a prorrogação dos contratos. Sua relação com a Visanet era “nenhuma”.

A cobrança de Joaquim Barbosa, pelo ressarcimento do Bonus de Volume, simplesmente não tinha legitimidade,” diz o jurídico do banco.

Dá para entender? Dá.


É só aceitar a ideia - dolorosa, difícil, mas real - de que o STF fez um julgamento de exceção, aplicando regras que nunca foram aplicadas antes e dificilmente irão se repetir.

Como demonstrou o professor Dalmo Dallari, o STF sequer tinha autoridade constitucional para julgar, em primeira instância, réus que não tinham direito ao foro privilegiado, o que demonstra o caráter questionável de suas decisões.

Não custa lembrar – é cansativo mas educativo – que o mensalão PSDB-MG e o mensalão DEM-DF não serão julgados da mesma maneira.

Numa atitude que equivale a admitir o erro mais uma vez – só falta agora saber quem vai pagar a conta da AP 470 – até o propinoduto tucano será julgado, se isso acontecer, pelo sistema de desmembramento. Precisa de mais?

Acho que não.

É neste ambiente que se deve enxergar a fuga de Pizzolato, os passaportes falsos e outros momentos que levaram a sua prisão na Itália.

(*) Paulo Moreira Leite, é diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra 
História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que era o General da casa".

Fonte:
http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/346736_PIZZOLATO+PERSEGUIDO+POLITICO

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

Matérias afins:
- Os bastidores da prisão de Pizzolato - Paulo Moreira Leite e Janaina Cesar
- "Ninguém queria deixar o Brasil. Mas era preciso achar uma saída" - Revista IstoÉ 

sábado, 28 de dezembro de 2013

Ditadura judicial e o IPTU paulistano

22/12/2013 - Pressão contra Haddad envolve soberania popular e democracia
- Paulo Moreira Leite (*) em seu blog no Portal Terra

Muitas vezes, os  golpes contra a democracia são movimentos óbvios e visíveis, ilustrados por tanques de guerra, baionetas e generais.

Vivemos tempos em que a consciência democrática dos povos rejeita ataques frontais a seus direitos e é capaz de sair às ruas para defender conquistas históricas e permanentes.

São tempos de judicialização, quando forças conservadoras, sem voto, batem a porta dos tribunais para ameaçar a soberania popular, ignoram a vontade do cidadão e procuram resolver, às suas costas, o que é melhor para um país, um Estado, uma cidade.

A Constituição diz, no artigo 1, que todos os poderes emanam do povo, e são exercidos através de representantes eleitos – ou diretamente, na forma da lei.

Penso nisso diante da mais recente cena do Superior Tribunal Federal.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, eleito de forma límpida e clara em 2012, foi obrigado a apresentar recurso para Joaquim Barbosa anular uma liminar da Justiça de São Paulo que proíbe a cobrança do aumento no IPTU, principal fonte de recursos da prefeitura da maior cidade do país.

Vamos combinar: já é absurdo que um prefeito que recebeu 55% dos votos no segundo turno seja obrigado a fazer uma caravana até Brasília para fazer valer seu direito de definir como pretende governar São Paulo.

É ainda mais absurdo, no entanto, que a palavra final fique com a Justiça.

Não há nenhum aspecto, neste debate, que envolva matéria constitucional.

Do ponto de vista eleitoral, Haddad pode estar até ajudando a colocar uma pedra na reeleição de Dilma Rousseff, como acreditam tantos petistas de olho em 2014, mas este é um debate entre o prefeito e seu partido.

A questão aqui envolve princípios e nunca é demais lembrar a visão que explica que os bons princípios são aqueles que podem ser defendidos inclusive quando contrariam nossos interesses.

O IPTU é um imposto tradicional das cidades brasileiras, com alíquotas que sobem e descem de acordo com as prioridades de cada prefeito.

Minha opinião é que o STF tem obrigação de devolver o assunto a quem foi eleito para isso – o prefeito e a Câmara de Vereadores, que já tomou posição a favor do aumento, também.

Essa situação elimina o mais maroto dos argumentos favoráveis a judicialização, aquele que admite que é um caminho errado, mas diz que a Justiça só entra em cena por causa da omissão dos demais poderes.

Qualquer passo em falso, nessa matéria, representará um ataque à vontade popular.

O recurso alternativo, de cozinhar o assunto numa sopa de oportunidades durante meses sem fim, será, na prática, uma forma de atender a pressão contra o aumento do IPTU, privando a cidade de recursos que o prefeito julga serem necessários – foi ele o escolhido por 3,3 milhões de eleitores para resolver isso.

Ao dar a liminar contra o aumento, o Tribunal de Justiça de São Paulo alegou, como causa principal, a “falta de debate público” sobre o tema.

Desculpe mas pensei que isso tinha ocorrido na eleição.

Quer dizer que tivemos o horário político, os debates eleitorais em todos os canais de TV e é possível alegar que “faltou debate?”

Depois de protestos de junho, onde a questão do transporte coletivo teve um destaque óbvio, será razoável bloquear receitas para investimentos que, por caminhos diversos, irão enfrentar este problema?

Nem nos tempos de George Bush, pai, aquele presidente dos EUA que mandou a população fixar o olho em seu lábios enquanto ele dizia vagarosamente não-haverá-mais-impostos durante a campanha, para mudar de ideia depois da posse na Casa Branca ouviu-se um argumento desses.

Tão subjetivo, digamos assim.

O debate sobre impostos maiores e menores faz parte do cotidiano político das democracias e, salvo nas ditaduras, sempre foi resolvido pelo eleitor.

Fernando Henrique Cardoso fez a carga tributária subir de 24% do PIB para 35%. Foi assim que seu governo conseguiu manter o célebre equilíbrio fiscal. O  Supremo não deu um pio, nem poderia nem deveria.

Dilma Rousseff desonerou vários setores da economia.

Nos Estados  municípios, governadores e prefeitos criam e eliminam incentivos fiscais.

É possível debater a oportunidade de cada uma dessas medidas.

Mas seria absurdo questionar o direito de autoridades eleitas de resolver uma questão fundamental do funcionamento do Estado.

O Estado do bem-estar europeu não foi construído com recursos espirituais, mas com impostos retirados dos mais ricos – inclusive sobre grandes fortunas – para beneficiar os mais pobres.

Imagine se eles fossem bater as portas dos tribunais para revogar as decisões?

Como mostra o grande pensador Tony Judt [foto], a Europa estaria nos braços negros do fascismo até hoje.

A contra revolução conservadora patrocinada por Ronald Reagan, nos EUA, tinha como base o corte de impostos da classe média alta e dos ricos.

Ninguém foi à  Corte Suprema por causa disso.

Podemos até não gostar, mas era o voto que naquele momento dava autoridade a Reagan.

O mesmo aconteceu na Inglaterra, nos anos de Margareth Thatcher.

A população chegou a fazer uma revolta popular quando ela criou uma taxa que tungava fundo no orçamento da população dos bairros mais pobres – a palavra final coube ao eleitor.

A questão do IPTU paulistano foi levada ao Supremo por esses caminhos que sempre são percorridos por quem não tem respaldo na vontade popular.

Não foi por acaso de Haddad mencionou a eliminação da CPMF, ocorrida no segundo mandato do governo Lula.

Naquele momento, a mesma FIESP já presidida pelo mesmo Paulo Skaf [foto] participou da operação que acabou com a CPMF através do Congresso.

A ação nada teve de democrática.

Os deputados tinham medo de não conseguir reeleger-se no pleito seguinte depois de apoiar uma medida tão perniciosa para a população mais pobre e queriam dinheiro para mudar de lado.

Foi um escândalo, conforme apurou a Polícia Federal na Operação Castelo de Areia.

Com base na investigação do caixa 2 de uma das maiores empreiteiras do país, descobriu-se o pagamento de propinas imensas a uma larga fatia do Congresso.

Feito o serviço com os parlamentares, chegou a hora de pedir ajuda a Justiça para se impedir a punição dos responsáveis.

Havia montanhas de diálogos gravados, comprometedores e vergonhosos.

Mas as principais peças de acusação foram anuladas, pois haviam sido obtidas sem autorização judicial.

Resultado: o STF anulou as provas e ficou tudo por isso mesmo.

Está certo? Está, por mais que seja chato admitir isso.

A democracia tem seus rituais, e um deles informa que os direitos dos cidadãos, mesmo aqueles acusados de crimes gravíssimos, devem ser respeitados.

E é em nome dos mesmos rituais que (putz!) ajudaram a salvar até aqueles tubarões que derrubaram a CPMF, mas em função de uma causa muito melhor, que se deve devolver as prerrogativas democráticas a quem tem o direito de falar pelo povo.

A alternativa é a ditadura judicial.

Este é um sistema que até pode conviver com algumas franquias democráticas mas, toda vez em que os ricos e poderosos se consideram atingidos em seus direitos, oferece acesso especial e personalizado para revogar medidas que não são de seu interesse.

(*) Paulo Moreira Leite, Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".

Fonte:
http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/colunista/48_PAULO+MOREIRA+LEITE

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

Leia também:
- Elio Gaspari e, quem sabe, sua última chance - Saul Leblon
- As almas penadas da ditadura - Leandro Fortes

domingo, 15 de setembro de 2013

Luiz Gushiken


Se um dia você quiser saber o que é passar por um massacre midiático, acompanhe a história de Gushiken


Por Paulo Moreira Leite

Conheci Luiz Gushiken quando ele era gordo, tinha cabelos imensos e um bigode de estilo mexicano. Na última vez que nos encontramos, num quarto no Sírio Libanês, pesava menos de quarenta quilos, os cabelos tinham ficado brancos e ralos. Falava com dificuldade mas a mente seguia continuava alerta.

Conversamos sobre a conjuntura. Longe de qualquer atividade política, Gushiken estava preocupado com o resgate da história do Partido dos Trabalhadores e com o esforço dos adversários para esconder os méritos da legenda no progresso da maioria dos brasileiros.

Uma dos alvos das denúncias da Ação Penal 470, Gushiken conseguiu desmontar, uma a uma, as acusações apresentadas contra ele. Chamado a depor na CPMI, foi embora sem deixar pergunta sem resposta. Quando comentei esse desempenho com colegas de trabalho, ouvi uma resposta desoladora: “As pessoas são treinadas para mentir.”

Gushiken foi inteiramente inocentado no julgamento mas só depois de passar sete anos nas páginas de jornais. O professor de um de seus filhos chegou a criticar Gushiken em sala de aula, na frente de todos, enfrentando, mais tarde, a reação firme de Beth, sua mulher.

Se um dia você quiser saber o que é passar por um massacre midiático, acompanhe a história de Gushiken. Ele colecionou episódios que lembram que a falta de regras claras sobre o direito de resposta pouco tem a ver com o direito a liberdade e à dignidade da pessoa humana, mas é um estímulo à covardia e à incompetência.

Publicou-se que uma empresa de consultoria da qual havia sido sócio cresceu mil vezes depois que ele assumiu a Secretaria de Comunicação do Governo Lula. Gushiken provou que os números estavam absurdamente errados e se baseavam em dados falsos, fornecidos por uma prefeitura inimiga, mas a correção jamais foi feita em público.

Toda a acusação sobre seu papel no mensalão teve como base uma entrevista de Henrique Pizzolato, publicada logo no início das denúncias. Levado para depor na CPMI, Pizzolato jamais confirmou a entrevista e disse que jamais dera declarações e que seu depoimento havia sido forjado. Pediu que lhe trouxessem fitas gravadas, que jamais apareceram. Gushiken também foi acusado de ter consumido R$ 3 000 num jantar. Provou que era mentira e ganhou uma indenização por causa disso. Mas a correção jamais foi publicada.

Como Secretário de Comunicação, Gushiken teve atitudes que honram a biografia de um homem público.

No início do governo Lula, quando a TV Globo e demais emissoras encontravam-se em situação falimentar, rondando o Planalto em busca de socorro, Gushiken concordou com a ideia de dar apoio, mas defendia uma proposta que, mesmo rejeitada, ajuda a entender seu pensamento. Já que se pedia recursos que jamais seriam pagos, o Estado brasileiro não poderia prestar serviços gratuitos. Deveria ser recompensado com uma participação acionária nas empresas que fossem beneficiadas.

Gushiken tomou providências para disciplinar uma antiga folia com verbas de publicidade oficial, pela qual estatais negociavam anúncios a preços infinitamente superiores ao mercado, consumindo recursos públicos para subsidiar ganhos privados. Numa intervenção logo no início da gestão, exigiu negociações às claras entre as partes, criando uma mesa comum para dificuldade acertos às escondidas.

Dando início a uma política que seria generalizada e bastante ampliada no segundo mandato de Lula, por Franklin Martins, começou a desconcentrar a publicidade oficial, até então monopolizada por grandes e poucos veículos.

Nascido numa família de imigrantes de Okynawa, ilha que abriga uma das regiões mais pobres do Japão, Gushiken teve pais que venderam pastel em feira. Formado pela Fundação Getúlio Vargas, foi o principal líder dos bancários brasileiros em seu devido tempo. Teve um papel destacado na organização de uma greve nacional da categoria, em 1985.

Militante da Organização Socialista Internacionalista, matriz da tendência estudantil Liberdade e Luta, foi um dos primeiros a compreender corretamente a importância dos sindicatos oficiais, reconhecendo que poderiam servir à luta dos trabalhadores e não deveriam ser encarados como simples escolas de peleguismo e picaretagem – como sustentavam estudiosos ligados a UDN paulista e uma clientela de ultraesquerda que possuía tantos adeptos nos anos 1970 e 1980.

Lutando contra um câncer que levou dois terços do estômago em 2002, Gushiken exibia uma disposição fora do comum. Recebia atendimento médico no Planalto, para não atrapalhar o expediente.

Anos depois, arrastando o equipamento de soro que lhe servia de alimento, uma de suas diversões recentes era brincar com Kika, uma cachorrinha pequena e briguenta. Não podia alimentar-se mas discutia cardápios e receitas.

Essa capacidade de aproveitar cada momento da existência como uma experiência única e preciosa costumava confundir. Levei anos para compreender a gravidade real de sua doença.

Não era possível falar tanto no futuro, dar tantas risadas, se aquele mal fosse tão ruim como ele mesmo dizia. Saíamos para jantar e, enquanto foi possível, não recusava um copo de vinho.

Tratando-se com medicamentos experimentais que lhe permitiram uma vida mais longa do que a maioria dos pacientes, costumava dizer, nos últimos anos: “já estou no lucro.” Falava dos respeito e um certo distanciamento dos hospitais de ponta em que costumava ser tratado. “Aqui você não consegue morrer. Sempre que está ficando muito mal, aparece uma equipe e faz alguma coisa.”

Nas conversas mais recentes, tomava doses frequentes de morfina para aliviar a dor e dizia que estava “descendo a pinguela.”

De volta para casa, após nossa última conversa, enviei para seus filhos o link de uma música que expressa as melhores emoções que essa convivência me ensinou. Estou falando de "We Shall Overcome", uma canção que se transformou num clássico da esperança simples de homens e mulheres que pretendem viver em paz, num mundo fraterno.

Em homenagem a Luiz Gushiken, deixo o link para quem quiser aproveitar um único e precioso momento.

Paulo Moreira Leite

Fonte: http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/09/luiz-gushiken.html

Leia também:http://brasileducom.blogspot.com.br/2013/09/morre-aos-63-luiz-gushiken.html

domingo, 1 de setembro de 2013

A inocência provada de Pizzolato

28/08/2013 - Paulo Moreira Leite - Blog Megacidadania - Facebook

Nos próximos dias, o STF irá examinar os recursos de Henrique Pizzolato, o antigo diretor do Banco do Brasil condenado a 10 anos e dez meses.

Não se sabe a data certa porque a agenda de cada dia costuma ser anunciada de modo repentino e está sujeita a mudanças inesperadas e imprevisíveis.

É uma situação inexplicável, que prejudica os réus. Muitas vezes, seus recursos são julgados sem que seus advogados possam estar presentes.

Quem costuma ler este espaço conhece minha opinião.

Estou convencido de que, como vários réus, Pizzolato (o presidente do tribunal Ayres Britto o chamou de ”Pitzolato,” talvez para dar um toque italianado ao ambiente) foi condenado de forma absurda, contra toda lógica e contra todos os indícios materiais.

Explico. O drama não é que, como acontece com muitos réus, não surgiram provas para culpar Pizzolato. Havia provas sim. 

Mas elas demonstram sua inocência. 

Se toda pessoa é inocente até que se prove o contrário, com se aprende nos cursos preparatórios de Direito, Pizzolato fez mais do que isso. Provou sua inocência. 

Sei que é difícil ler uma afirmação tão categórica sem desconfiar da sanidade de quem escreveu. Peço ao leitor que tenha um pouco de paciência e acompanhe este texto até o final. Muitas vezes as pessoas só conseguem enxergar aquilo que querem ver. 

Tivemos um exemplo recente.

Não foi assim que ontem a inesquecível jornalista Micheline Borges [foto] duvidou que aquelas mulheres negras que vêm de Cuba para participar dos Mais Médicos pudessem ser médicas, pois têm “cara de empregada doméstica”?

Médico tem cara de médico, se impõe a partir da aparência... Coitada da nossa população,” escreveu Micheline, traduzindo, com sinceridade bruta, 500 anos de preconceito que nossos observadores mais cultos e bem colocados nos jornais e na TV exploram politicamente, de forma vergonhosa, mas com cuidado para não dar na vista. 

Pois é. O caso é que Pizzolato, em termos penais, não tem “cara de médico.” 

Pizzolato foi condenado porque a acusação disse que era “pessoalmente” responsável pelo esquema. Ele é que teria comandado um suposto desvio de R$ 73,8 milhões para o PT. Definia antecipações para a agência DNA, que mandava o dinheiro para o PT.

Segundo os ministros que o condenaram, “Pitzolato” (aos poucos a gente vê o tipo de associação que se pode fazer com italianizações, não é mesmo? Seria uma associação de italianos com a máfia?) manipulava recursos públicos, que “pertenciam ao Banco do Brasil”, usando a empresa Visanet. 

Tudo isso é falso, errado, e não para em pé. Mas está lá, no tribunal, e pode levar Pitzolato para a cadeia. 

Vamos devagar para explicar direito. Está provado nos autos da ação penal que Pitzolato (será que estavam falando em pizza, sinônimo de impunidade?) não assinou nenhuma das notas que determinaram os pagamentos de R$ 73,8 milhões. Eram quatro notas, de valores variados. Nenhuma tem seu autógrafo. 

Duas notas foram assinados por um diretor chamado Leo Batista de Oliveira. Outras duas, por Douglas Macedo. Não há a assinatura de Pitzolato nos documentos. Nenhuma vez.

Descobriu-se, apenas em 2012, em pleno julgamento, que eles estavam sendo investigados secretamente, em outro inquérito que ninguém sabe que rumo tomou porque, até hoje, continua secreto. 

Ao menos por enquanto, aqueles que a justo título eram os únicos que poderiam ser chamados de responsáveis “pessoalmente” pelo pagamento, não correm o risco de enfrentar uma pena de prisão prolongada, como Pitzolato pode ter de enfrentar, caso não seja possível, nessa dificílima, duríssima fase de recursos, convencer ministros a reexaminaras “contradições, omissões e obscuridades” do acordão que resume a condenação. 

Não acho que esses diretores deveriam ser julgados ou condenados no lugar de Pizzolato. Como você verá a seguir, eles também seriam vítimas de um erro. Mas, na lógica do julgamento, ocorreu uma situação estranhíssima, inexplicável. 

Os diretores que deixaram a assinatura naquelas notas que, na visão do STF, constituem a prova contra Pizzolato, tiveram mais sombra e água fresca do que quem não deixou traço. Nem a turma do mensalão PSDB-MG foi tão bem tratada. 

Se autografaram pagamentos que eram criminosos, como diz a denúncia, no mínimo deveriam ter sido julgados como cúmplices, co-autores, ou coisa semelhante. Poderiam demonstrar, se fosse o caso, que eram simples laranjas de um super-poderoso Pizzolato, que agia de modo solerte nos bastidores. Não aconteceu uma coisa nem outra. Como uma pessoa pode ser "pessoalmente" responsável nessas condições? 

O grave é que isso está lá, nos autos. Ninguém precisa “investigar” para saber quem assinou as notas.

O grave é que os dois estão um inquérito à parte, quando um calouro da Academia de Polícia sabe que não é possível definir responsabilidades de um sem avaliar a de outro e vice-versa.

Temos, então, uma questão básica, elementar, que é chocante. Condena-se o único diretor contra o qual não há provas nem atos de ofício sobre sua responsabilidade. 

Vamos prosseguir. 
Pitzolato foi condenado por crime de peculato, porque sua atividade envolve, supostamente, “dinheiro público.” 

Seis meses depois da entrevista na qual Roberto Jefferson falou em “mensalão”, uma auditoria realizada e assinada por 25 auditores do Banco do Brasil mostrou que que os recursos usados pela empresa Visanet eram privados “não pertencendo os mesmos ao BB investimentos nem ao Banco do Brasil.

A auditoria mostrou inclusive que o dinheiro sequer transitava pelo Banco do Brasil. Ficava numa conta da Visanet e, quando era o caso de usá-lo em campanha de publicidade do cartão, um diretor, previamente escolhido pelo Banco – aqueles dois nomes já citados aqui -- assinava uma nota autorizando o pagamento para a agencia de Marcos Valério, DNA. 

Em seu depoimento como testemunha, o auditor chefe do Banco confirmou o que disse. Deu explicações suplementares, sanou todas as dúvidas. Nenhuma linha de seu trabalho foi contestada pela acusação. Nenhum número. Pergunto assim quem deveria ser levado em conta: o auditor, que conhece cada centímetro quadrado do banco, ou o ministério público, envolvido em demonstrar “o maior escândalo da história”? 

No julgamento, quando o advogado de Pizzolato, Sávio Lobato, terminou a defesa, o relator Joaquim Barbosa fez uma interpelação sobre a natureza dos recursos. Joaquim queria saber se eram públicos ou privados.

Sávio explicou, didaticamente, como a coisa funciona. Toda vez uma pessoa faz uma pequena compra com o cartão, paga uma porcentagem à Visa. Esta retira uma fração deste dinheiro recolhido para formar o fundo Visanet. Com esses recursos, recolhidos de quem tem o próprio cartão, o Fundo financia campanhas de seus quase 30 bancos associados, entre eles o Banco do Brasil. 

O youtube tem a íntegra das alegações de Sávio Lobato, que fez a defesa de Pizzolato. 

Ali se vê o momento em que o advogado dá explicações ao relator. Há uma certa tensão. Mas o argumento fica claro. Como cliente associado a Visa, o Banco do Brasil, através daqueles diretores que não eram Pizzolato, autorizava o Fundo a pagar agências que faziam campanhas. Nesta divisão do trabalho, cada banco cuidada da publicidade, com suas agências, seu marketing. O Fundo pagava, com o dinheiro recolhido a partir de cada compra de seus clientes. 

Pitzolato também foi condenado numa discussão falsa, em torno do Bonus de Volume.

O STF considerou que ele tinha o dever de obrigar a DNA a devolver ao banco o chamado BV, que é uma retorno que as agências recebem de seus anunciantes em função de campanhas realizadas.

Os juízes consideram que essa atitude de Pizzolato também contribuiu no desvio de recursos. 

O problema é que na fase de interrogatórios e testemunhos, a defesa convocou um executivo da TV Globo, a maior empresa de comunicações do país, para explicar o que vem a ser o BV.

Num depoimento de mais de uma hora, que não foi contestado em nenhum momento por membros do ministério público, Otavio Florisbal, na época o principal executivo da emissora, explicou claramente o que é o Bonus, como é pago, porque não é nem deve ser devolvido aos anunciantes, devendo ficar com a agência.

A defesa também lembrou que uma decisão recente do Tribunal de Contas da União legalizou o uso do BV, dirimindo dúvidas que poderiam haver.

A realidade é que, além do setor privado, estatais e empresas mistas adotam o mesmo procedimento. Seriam punidas pelo mercado se não agissem assim. 

Se o Banco do Brasil errou, por que os outros não foram investigados nem condenados? Não haveria aí um crime de responsabilidade, no mínimo? 

Outra acusação é que Pizzolato, como diretor de marketing do Banco, não acompanhou nem fiscalizou devidamente o trabalho da DNA.

Na definição de funções, esse trabalho cabia ao gerente executivo, Claudio Vasconcelos, outro que não foi incomodado pela ação penal 470. 

No julgamento, o promotor Roberto Gurgel citou depoimento de uma testemunha que afirmou que as campanhas da DNA eram uma farsa, sugerindo que não passava de uma cobertura para se enviar R$ 73 milhões para o PT. 

Rastreando as contas da testemunha a Polícia Federal colocou sua credibilidade em dúvida. Descobriu um deposito indevido, enviado por outra agência. 

A denuncia de que as campanhas eram uma fraude ajudam a dar um número para o mensalão – teria custado R$ 73,8 milhões – mas isso não se sustenta. 

É tanto dinheiro que não faz nexo. Qualquer pessoa que já teve de enfrentar um briga por seus direitos junto a uma empresa de cartão de crédito sabe que elas não perdoam um centavo em suas cobranças, de taxas que não se entende nem elas explicam.

Para se acreditar num golpe de 73,8 milhões, às claras, com assinatura, é preciso acreditar num disparate: um banco de malucos embolsa R$ 73,8 milhões de uma multinacional como a Visa e nada lhes acontece. 

E se esse dinheiro sumiu dos cofres do Banco do Brasil, como quer o STF, é de se perguntar por que, dez anos depois, nenhum presidente da instituição foi sequer chamado a prestar contas. Nem é preciso apelar para a teoria do domínio do fato, neste caso, para fazer um chamado as responsabilidades, vamos combinar.

Também foi possível demonstrar, até com ajuda de uma auditoria privada, que as campanhas foram realizadas. Há fotos de eventos, imagens e assim por diante. Também há notas de pagamentos, para empresas com CNPJ, endereço conhecido.

Rastreando notas e pagamentos de serviços de quase uma década, DNA conseguiu comprovar, nota por nota, num esforço gigantesco de defesa, 85% dos gastos – porcentagem notável, considerando o tempo passado e a imensa quantidade de fornecedores, clientes e empresas envolvidas. 

Cabe lembrar, contudo, que mesmo que alguma irregularidade ficasse demonstrada, ela envolveria recursos privados, recolhidos pela Visanet. Não era dinheiro do Banco do Brasil. 

Uma acusação acompanha Pizzolato desde o início do mensalão. Ele recebeu um envelope com R$ 326 000 retirados do Banco Rural. Pizzolato alega que o dinheiro era do PT. O relator Joaquim Barbosa sustentou que foi pagamento de propina por parte do esquema. 

Você pode duvidar de um e de outro e eu até admito que, conhecendo os maus costumes do mundo político, é difícil aceitar o argumento de Pizzolato. Ninguém quer se sentir ingênuo num universo de esperto, vamos combinar. 

O fato é que a Receita quebrou seu sigilo fiscal e sua conta bancaria e não encontrou traço desses recursos. Ele comprou um apartamento de R$ 400 000 na mesma época, o que gerou suspeitas. Mas provou usou recursos acumulados em sua carreira de executivo de banco, com investimentos declarados honestamente à receita. 

Seja como for, a acusação não fez sua parte. Não rastreou o dinheiro a ponto de provar que ele foi embolsado por Pizzolato. Votou-se numa dedução, numa suspeita, numa probabilidade, altíssima, conforme determinada visão. 

Mas fica uma dúvida básica. Para que pagar propina a um diretor que não tinha poder de liberar um centavo?

Quem acha que é sempre esperto poderia responder a essa pergunta. E, quem sabe, perceber que pode estar fazendo papel de bobo. 

Fonte: íntegra da Postagem: 
https://www.facebook.com/people/Paulo-Moreira-Leite/100006198425564
http://www.megacidadania.com.br/a-inocencia-provada-de-pizzolato/