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domingo, 15 de setembro de 2013

Luiz Gushiken


Se um dia você quiser saber o que é passar por um massacre midiático, acompanhe a história de Gushiken


Por Paulo Moreira Leite

Conheci Luiz Gushiken quando ele era gordo, tinha cabelos imensos e um bigode de estilo mexicano. Na última vez que nos encontramos, num quarto no Sírio Libanês, pesava menos de quarenta quilos, os cabelos tinham ficado brancos e ralos. Falava com dificuldade mas a mente seguia continuava alerta.

Conversamos sobre a conjuntura. Longe de qualquer atividade política, Gushiken estava preocupado com o resgate da história do Partido dos Trabalhadores e com o esforço dos adversários para esconder os méritos da legenda no progresso da maioria dos brasileiros.

Uma dos alvos das denúncias da Ação Penal 470, Gushiken conseguiu desmontar, uma a uma, as acusações apresentadas contra ele. Chamado a depor na CPMI, foi embora sem deixar pergunta sem resposta. Quando comentei esse desempenho com colegas de trabalho, ouvi uma resposta desoladora: “As pessoas são treinadas para mentir.”

Gushiken foi inteiramente inocentado no julgamento mas só depois de passar sete anos nas páginas de jornais. O professor de um de seus filhos chegou a criticar Gushiken em sala de aula, na frente de todos, enfrentando, mais tarde, a reação firme de Beth, sua mulher.

Se um dia você quiser saber o que é passar por um massacre midiático, acompanhe a história de Gushiken. Ele colecionou episódios que lembram que a falta de regras claras sobre o direito de resposta pouco tem a ver com o direito a liberdade e à dignidade da pessoa humana, mas é um estímulo à covardia e à incompetência.

Publicou-se que uma empresa de consultoria da qual havia sido sócio cresceu mil vezes depois que ele assumiu a Secretaria de Comunicação do Governo Lula. Gushiken provou que os números estavam absurdamente errados e se baseavam em dados falsos, fornecidos por uma prefeitura inimiga, mas a correção jamais foi feita em público.

Toda a acusação sobre seu papel no mensalão teve como base uma entrevista de Henrique Pizzolato, publicada logo no início das denúncias. Levado para depor na CPMI, Pizzolato jamais confirmou a entrevista e disse que jamais dera declarações e que seu depoimento havia sido forjado. Pediu que lhe trouxessem fitas gravadas, que jamais apareceram. Gushiken também foi acusado de ter consumido R$ 3 000 num jantar. Provou que era mentira e ganhou uma indenização por causa disso. Mas a correção jamais foi publicada.

Como Secretário de Comunicação, Gushiken teve atitudes que honram a biografia de um homem público.

No início do governo Lula, quando a TV Globo e demais emissoras encontravam-se em situação falimentar, rondando o Planalto em busca de socorro, Gushiken concordou com a ideia de dar apoio, mas defendia uma proposta que, mesmo rejeitada, ajuda a entender seu pensamento. Já que se pedia recursos que jamais seriam pagos, o Estado brasileiro não poderia prestar serviços gratuitos. Deveria ser recompensado com uma participação acionária nas empresas que fossem beneficiadas.

Gushiken tomou providências para disciplinar uma antiga folia com verbas de publicidade oficial, pela qual estatais negociavam anúncios a preços infinitamente superiores ao mercado, consumindo recursos públicos para subsidiar ganhos privados. Numa intervenção logo no início da gestão, exigiu negociações às claras entre as partes, criando uma mesa comum para dificuldade acertos às escondidas.

Dando início a uma política que seria generalizada e bastante ampliada no segundo mandato de Lula, por Franklin Martins, começou a desconcentrar a publicidade oficial, até então monopolizada por grandes e poucos veículos.

Nascido numa família de imigrantes de Okynawa, ilha que abriga uma das regiões mais pobres do Japão, Gushiken teve pais que venderam pastel em feira. Formado pela Fundação Getúlio Vargas, foi o principal líder dos bancários brasileiros em seu devido tempo. Teve um papel destacado na organização de uma greve nacional da categoria, em 1985.

Militante da Organização Socialista Internacionalista, matriz da tendência estudantil Liberdade e Luta, foi um dos primeiros a compreender corretamente a importância dos sindicatos oficiais, reconhecendo que poderiam servir à luta dos trabalhadores e não deveriam ser encarados como simples escolas de peleguismo e picaretagem – como sustentavam estudiosos ligados a UDN paulista e uma clientela de ultraesquerda que possuía tantos adeptos nos anos 1970 e 1980.

Lutando contra um câncer que levou dois terços do estômago em 2002, Gushiken exibia uma disposição fora do comum. Recebia atendimento médico no Planalto, para não atrapalhar o expediente.

Anos depois, arrastando o equipamento de soro que lhe servia de alimento, uma de suas diversões recentes era brincar com Kika, uma cachorrinha pequena e briguenta. Não podia alimentar-se mas discutia cardápios e receitas.

Essa capacidade de aproveitar cada momento da existência como uma experiência única e preciosa costumava confundir. Levei anos para compreender a gravidade real de sua doença.

Não era possível falar tanto no futuro, dar tantas risadas, se aquele mal fosse tão ruim como ele mesmo dizia. Saíamos para jantar e, enquanto foi possível, não recusava um copo de vinho.

Tratando-se com medicamentos experimentais que lhe permitiram uma vida mais longa do que a maioria dos pacientes, costumava dizer, nos últimos anos: “já estou no lucro.” Falava dos respeito e um certo distanciamento dos hospitais de ponta em que costumava ser tratado. “Aqui você não consegue morrer. Sempre que está ficando muito mal, aparece uma equipe e faz alguma coisa.”

Nas conversas mais recentes, tomava doses frequentes de morfina para aliviar a dor e dizia que estava “descendo a pinguela.”

De volta para casa, após nossa última conversa, enviei para seus filhos o link de uma música que expressa as melhores emoções que essa convivência me ensinou. Estou falando de "We Shall Overcome", uma canção que se transformou num clássico da esperança simples de homens e mulheres que pretendem viver em paz, num mundo fraterno.

Em homenagem a Luiz Gushiken, deixo o link para quem quiser aproveitar um único e precioso momento.

Paulo Moreira Leite

Fonte: http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/09/luiz-gushiken.html

Leia também:http://brasileducom.blogspot.com.br/2013/09/morre-aos-63-luiz-gushiken.html

Morre, aos 63, Luiz Gushiken

13/09/2013 - Redacao do Portal Brasil 247

Faleceu, nesta sexta-feira, uma das principais lideranças do PT: o ex-ministro Luiz Gushiken, que, no governo Lula, foi responsável pela Secretaria de Comunicação e pelo comando dos fundos de pensão.

247 - Acaba de falecer, em São Paulo, o ex-ministro Luiz Gushiken (leia aqui perfil escrito por Mônica Bergamo).

"Gushiken, você vive eternamente e permanentemente em nossos corações.

Seu exemplo de vida, coragem e luta estará sempre presente, principalmente nesses momentos difíceis em que a gente vive.

Quero abraçar seus familiares, seus amigos, seus companheiros e companheiras, e gritar: Gushiken vive!", postou José Genoino [foto, no velório], em sua página no Facebook.

Leia ainda o texto de Paulo Nogueira, diretor do Diário do Centro do Mundo, sobre uma das principais lideranças do PT, escrito em sua homenagem, poucos dias antes de sua morte.

Fonte:
http://www.brasil247.com/+6d90p

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13/09/2013 - Gushiken, a mídia e a justiça: uma parábola do país que temos
- por Paulo Nogueira (*) - Diário do Centro do Mundo

O que os anos recentes de um dos grandes líderes sindicais das décadas de 1970 e 1980 contam sobre o Brasil de hoje.

Este texto foi escrito 4 dias antes da morte de Luiz Gushiken

Montaigne escreveu que o tamanho do homem se mede na atitude diante da morte, e citava como exemplos Sócrates e Sêneca.

Os dois morreram serenamente consolando os que os amavam. Sócrates foi obrigado a tomar cicuta por um tribunal de Atenas e Sêneca a cortar os
pulsos por ordem de Nero.

Meu pai jamais se queixou em sua agonia, e penso sempre em Montaigne quando me lembro de sua coragem diante da morte, confortando-nos a todos.

Me veio isso ontem à mente ao ler no twitter a notícia de Luís Gushiken morrera aos 63 anos.

Depois desmentiram, mas ficou claro que ele vive seus dias finais num quarto do Sírio Libanês [ao lado com Eduardo Suplicy], com um câncer inexpugnável.

Soube que ele mesmo se ministra a morfina para enfrentar a dor nos momentos em que ela é insuportável, e para evitar assim a sedação.

Li também que ele recebe, serenamente, amigos com os quais fala do passado e discute o presente.

A força na doença demonstrada por Gushiken é a maior demonstração de grandeza moral segundo a lógica de Montaigne, que compartilho.

Não o conheci pessoalmente, mas é um nome forte em minha memória jornalística.

Nos anos 1980, bancário do Banespa, ele foi um dos sindicalistas que fizeram história no Brasil ao lado de personagens como Lula [foto], no ABC.

Eu trabalhava na Veja, então, e como jovem repórter acompanhei a luta épica dos trabalhadores para recuperar parte do muito que lhes havia sido subtraído na ditadura militar.

Os militares haviam simplesmente proibido e reprimido brutalmente greves, a maior arma dos trabalhadores na defesa de seus salários e de sua dignidade. 

Dessa proibição resultou um Brasil abjetamente iníquo, o paraíso do 1%.

Fui, da Veja, para o jornalismo de negócios, na Exame, e me afastei do mundo político em que habitava Gushiken.

Ele acabaria fundando o PT, e teria papel proeminente no primeiro governo Lula, depois de coordenar sua campanha vitoriosa.

Acabaria deixando o governo no fragor das denúncias do Mensalão. E é exatamente esta parte da vida de Gushiken que me parece particularmente instrutiva para entender o Brasil moderno.

Gushiken foi arrolado entre os 40 incriminados do Mensalão. O número, sabe-se hoje, foi cuidadosamente montado para que se pudesse fazer alusões a Ali Babá e os 40 ladrões.

Gushiken foi submetido a todas as acusações possíveis, e os que o conhecem dizem o quanto isso contribuiu para o câncer que o está matando.

Mas logo se comprovou que não havia nada que pudesse comprometê-lo, por mais que desejassem.

Ainda assim, Gushiken só foi declarado inocente formalmente pelo STF depois de muito tempo, bem mais que o justo e o necessário, segundo especialistas.

Num site da comunidade japonesa, li um artigo de um jornalista que dizia, como um samurai, que Gushiken enfim tivera sua “dignidade devolvida”.

Acho bonito, e isso evoca a alma japonesa e sua relação peculiar com a decência, mas discordo em que alguém possa roubar a dignidade de um homem digno com qualquer tipo de patifaria, como ocorreu.

A indignidade estava em quem o acusou falsamente e em quem prolongou o sofrimento jurídico e pessoal de Gushiken.

O episódio conta muito sobre a justiça brasileira, e sobre, especificamente, o processo do Mensalão.

A história há de permitir um julgamento mais calmo, e tenho para mim que o papel do Supremo será visto como uma página de ignomínia.

Gushiken não foi atropelado apenas pela justiça. Veio, com ela, a mídia e, com a mídia, o massacre que conhecemos.

Um caso é exemplar.

Uma nota da seção Radar, da Veja, acusou Gushiken de ter pagado com dinheiro público um jantar com um interlocutor que saiu por mais de 3 000 
reais. A nota descia a detalhes nos vinhos e nos charutos “cubanos”.

Gushiken processou a revista. Ele forneceu evidências – a começar pela nota e por testemunho de um garçom – de que a conta era na verdade um décimo da alegada, que o vinho fora levado de casa, e os charutos eram brasileiros.

Mais uma vez, uma demora enorme na justiça, graças a chicanas jurídicas da Abril.

Em junho passado, Gushiken enfim venceu a causa. A justiça condenou a Veja a pagar uma indenização de 20  mil reais.

O tamanho miserável da indenização se vê pelo seguinte: é uma fração de uma página de publicidade da Veja.

Multas dessa dimensão não coíbem, antes estimulam, leviandades de empresas jornalísticas que faturam na casa dos bilhões.

Não vou entrar no mérito dos leitores enganados, que construíram um perfil imaginário de Gushiken com base em informações como aquela do Radar. 

Também eles deveriam ser indenizados, a rigor.

Gushiken enfrentou, na vida, a ditadura, as lutas sindicais por seus pares modestos, a justiça e a mídia predadora.

Combateu o bom combate.

(*) O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

Fonte:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/gushiken-a-midia-e-a-justica-uma-parabola-do-pais-que-temos/

sábado, 14 de setembro de 2013

Companheiro Gushiken, presente!. Agora e sempre!


Nota de pesar pelo falecimento do ex-ministro Luiz Gushiken


“A morte de meu amigo Luiz Gushiken é um momento de dor e de reverência. Dor pela ausência que ele fará para todos os que tiveram a felicidade de conhecê-lo, que puderam compartihar da sua sabedoria e capacidade de pensar como o Brasil poderia ser uma nação mais justa para todos.

Reverência pela serenidade como viveu a vida e enfrentou a morte.

Fundador do PT, deputado federal por três legislaturas, meu colega de ministério no governo Lula, Luiz Gushiken partiu como viveu. Com coragem.

Aos familiares e amigos, deixo as minhas condolências e homenagens a este grande brasileiro”.

Dilma Rousseff
Presidenta da República Federativa do Brasil


Nota de pesar pelo falecimento de Luiz Gushiken


"Luiz Gushiken foi um militante político brilhante, um conselheiro, um companheiro e um grande amigo. Um homem íntegro que dedicou sua vida à construção de um Brasil mais justo e solidário. No Sindicato dos Bancários de São Paulo, no Partido dos Trabalhadores, na Assembleia Constituinte, no governo e em todos os espaços em que atuou, sempre defendeu a democracia, a classe trabalhadora e um mundo com mais harmonia e justiça social.

Nunca esqueceremos a contribuição generosa de Gushiken para a construção desse Brasil que sonhamos juntos e que sem ele não seria possível.

Neste momento de dor, queremos nos juntar e prestar nossa solidariedade aos seus familiares, amigos e todos aqueles que, como nós, só podem agradecer a Deus ter convivido com uma pessoa tão iluminada quanto Luiz Gushiken.

Nossos mais sinceros sentimentos".

Dona Marisa Letícia e Luiz Inácio Lula da Silva


Luiz Gushiken é brasileiro, filho do fotógrafo e violinista Shoei Gushiken, que emigrou da ilha japonesa de Okinawa para o interior paulista nos anos 60. Passou sua infância na cidade pacata de Oswaldo Cruz, com 20 mil habitantes, a 570 quilômetros de São Paulo. Dono de uma biografia invejável, foi estudante de filosofia, funcionário do Banespa e fez carreira como sindicalista, mas formou-se em administração pela Fundação Getúlio Vargas.

No governo Geisel, Gushiken foi militante da tendência Liberdade e Luta (conhecida como Libelu), braço estudantil da trotskista Organização Socialista Internacionalista (OSI). Luiz Gushiken teve também papel fundamental na presidência do Sindicato dos bancários, na década de 80. Mostrou como um sindicato pode ser atuante e politicamente ativo na defesa de sua categoria. Ele enfrentou a classe mais poderosa de nosso país: os banqueiros. Em 1986, fundou o Partido dos Trabalhadores juntamente com Lula e se tornou presidente do Diretório Nacional do PT de 1988 a 1990.

Foi deputado federal por três legislaturas, de 1987 a 1999, e coordenador das campanhas presidenciais de Lula em 1989 e 1998. Nessas últimas três décadas esteve ao lado do amigo e companheiro de lutas sindicais, Luiz Inácio Lula da Silva, e juntos fundaram o PT e a CUT (Central Única dos Trabalhadores).

Em 2002 foi ministro-chefe da Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica da Presidência da República, teve que trocar sua bucólica chácara em Indaiatuba (SP) pelo burocrático gabinete do bloco A da Esplanada dos Ministérios.

Um pouco antes da campanha de 2002, passou por graves problemas de saúde. Um câncer lhe retirou boa parte do estômago, mas Lula não desistiu do amigo e disse: “Eu boto uma enfermeira ao teu lado e acertamos só dois dias de trabalho semanal no comitê”. O guerreiro topou o desafio – e foi fundamental na campanha vitoriosa. Gushiken é um dos signatários da “Carta aos Brasileiros”, documento que acalmou o mercado e lançou as bases de uma serena transição na economia. Ao amigo fiel tece elogios e diz: “Lula sempre foi paz e amor. Um radical não teria construído um partido tão amplo e complexo como o PT”, lembra Gushiken.

Com sua determinação, engajamento, dedicação e, mais que tudo, amor à luta pela classe trabalhadora brasileira, Luiz Gushiken foi peça fundamental nas conquistas sociais e econômicas que o Brasil teve nesses últimos 10 anos.

Sentiremos sua falta.


quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

A encenação do mensalão e um assassinato sem o morto

Dezembro de 2012 - A Prova do Erro do STF 
-  Revista Retrato do Brasil - edição 65 - dez/2012


Como se montou a prova do “maior escândalo da história da República”. E porque essa “prova” é falsa e precisa ser revista pelo STF.

Vale a pena ver de novo.

Está no YouTube, nos votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) do dia 29 de agosto [de 2012], no julgamento do mensalão.

A sessão já tinha 47 minutos.

Fala o ministro Gilmar Mendes.

Ele esclarece que tratará da “transferência de recursos por meio da Companhia Brasileira de Meios de Pagamento (CBMP)”.

Diz, preliminarmente, que, a seu ver, “se cuidava” de recursos públicos. Faz, então, uma pausa. E adverte ao presidente da casa, ministro Ayres Britto, que fará um registro. De fato, é uma espécie de pronunciamento ao País.


Ele diz que todos que tivemos alguma relação com esta “notável instituição” que é o Banco do Brasilcertamente ficamos perplexos”.

Lembra que o revisor, Ricardo Lewandowski, “destacou que reinava uma balbúrdia” na diretoria de marketing do banco e completa dizendo que parecia ser uma balbúrdia no próprio banco como um todo.

A seguir, ergue a cabeça, tira os olhos do voto que lia meio apressadamente, encara seus pares. E diz cadenciadamente:
Quando eu vi os relatos se desenvolverem, eu me perguntava, presidente: o que fizeram com o Ban-co-do-Bra-sil?

Então, põe alguns dedos da mão esquerda sobre os lábios e explica:
Quando nós vemos que, em curtíssimas operações, em operações singelas, se tiram desta instituição 73 milhões, sabendo que não era para fazer serviço algum...

Neste ponto, parece tentar repetir o que disse e fala engolindo pedaços das palavras:
E se diz isso, inclus... [parece que ele quis dizer inclusive] não era para prestar servi [serviço, aparentemente].”

E conclui, depois de pausa dramática, ao final separando as sílabas da palavra para destacá-la:
Eu fico a imaginar [...] como nós descemos na escala das de-gra-da-ções.


RB [Retrato do Brasil] vê a narrativa do ministro de outra forma.

Foi um dramalhão, um mau teatro.

Mas, a despeito do grotesco, a tese central do mensalão é exatamente a encenada pelo ministro Mendes.

E só foi possível aos ministros do STF concordar com ela porque se tratou de um julgamento de exceção. Um julgamento excepcional, feito sob regras especiais, para condenar os réus.



Esta tese diz que, sob o comando de Henrique Pizzolato, o então diretor de marketing e comunicação do BB, foi possível tirar, graças a uma propina que ele teria recebido, 73,8 milhões de reais para que uma trinca de quadrilhas comandadas pelo ex-chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu, (foto) comprassem deputados.

Deixaram os advogados da defesa falar por apenas uma hora em agosto. E os ministros falaram por mais de dois meses, com uma espécie de promotor público, o ministro Joaquim Barbosa, brandindo a regra de condenar por indícios, e não por provas, réus a quem foi negado um dos princípios históricos do direito penal, o da presunção da inocência.

E deu no que deu.
A tese central do mensalão é tão absurda que ainda se espera que o STF possa revogá-la.

Ela diz que foram desviados para o PT os tais 73,8 milhões de recursos do BB para comprar sete deputados e aprovar, por exemplo, a reforma da Previdência, que todo mundo sabe ter passado com apoio da direita não governista sem precisar de um tostão para ser aprovada.

Dos autos do processo, com aproximadamente 50 mil páginas, cerca de metade é dedicada a três auditorias do BB sobre o uso do Fundo de Incentivo Visanet (FIV), do qual teriam sido roubados os tais milhões. Pois bem: em nenhuma parte, nem em uma sequer das páginas dessas gigantescas auditorias, afirma-se que houve desvio de dinheiro do banco.


Nem o BB nem a Visanet processaram Pizzolato até agora.
Simplesmente porque, até agora, não se propuseram a provar que ele comandou o desvio, nem mesmo se houve o desvio.

E também porque está escrito explicitamente nos autos que não era ele quem ordenava os adiantamentos de recursos para a empresa de propaganda DNA, de Marcos Valério, fazer as promoções.

O adiantamento de recursos à DNA era feito não pela diretoria que ele comandava, a Dimac, mas por um funcionário da Direv, a diretoria de varejo.
Esta diretoria era, com certeza, a grande interessada na venda dos cartões, o que, aliás, fez com raro brilho, visto que o BB desbancou o Bradesco, o sócio maior da CBMP, na venda de cartões de bandeira Visa.

Nesta edição, na matéria a seguir, “Um assassinato sem um morto”, Retrato do Brasil mostra um documento reservado da CBMP, preparado por um
grande escritório de advocacia de São Paulo para ser encaminhado à Receita Federal, no qual a companhia lista todos esses trabalhos, que confirma informações constantes das outras três auditorias do BB.

Porém, acrescenta um dado essencial: mostra que a empresa tem os recibos e todos os comprovantes — como fotos, vídeos, cartazes, testemunhos — atestando que os serviços de promoção para a venda de cartões de bandeira Visa pelo BB foram realizados. Ou seja, que não houve o desvio.

A tese do grande desvio que criou o mensalão surgiu na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios já no início das investigações, em meados de 2005, quando se descobriu que Henrique Pizzolato estava envolvido no esquema do “valerioduto”. E ganhou forma acabada no relatório final desta comissão, entregue à Procuradoria da República em meados de abril de 2006.


O então procurador-geral Antônio Fernando de Souza, (foto) menos de uma semana depois, encaminhou a denúncia ao STF, onde ela caiu sob os cuidados do ministro Joaquim Barbosa.


O que Souza fez de destaque na denúncia foi tirar da lista de indiciados feita pela CPMI, na parte que apresentava os que operavam o FIV no BB ou que poderiam ser vistos como responsáveis pelo desvio, todos os que não eram petistas.

Souza — não ingenuamente, deve-se supor — retirou da lista de indiciados todos os que vinham do governo anterior, do PSDB, entre os quais o diretor de varejo, que tinha, no caso, o mesmo, ou até mais alto, nível de responsabilidade de Pizzolato. E excluiu também o novo presidente do banco, Cássio Casseb, um homem do mercado.

Sob a direção de Barbosa não foi realizada nenhuma nova investigação de peso e a tese do desvio de dinheiro do BB continuou sendo a peça central da armação acusatória. O delegado da Polícia Federal, Luiz Flávio Zampronha, chegou a ser mobilizado para investigar o que ainda se imaginava serem duas fontes de dinheiro possíveis para o mensalão: o dinheiro do FIV e o de empresas então dirigidas pelo financista Daniel Dantas, a Telemig, a Amazônia Celular e a Brasil Telecom, que também tinham Marcos Valério como agente publicitário.

Zampronha, tudo indica, chegou a conclusões diferentes das de Souza e de Barbosa, mas seu relatório não consta dos autos da Ação Penal 470, em julgamento no Supremo. Tanto Souza como Barbosa desqualificaram o delegado no começo de agosto, quando ele deu declarações como a de que os empréstimos dos banqueiros ao “valerioduto” de fato existiram e a de que as acusações contra José Dirceu por formação de quadrilha não passavam de figuração.

Preocupado em construir uma historinha — em torno de, como veremos no caso de Pizzolato, simplórias acusações de corrupção —, o ministro Barbosa não quis entender a estrutura jurídica do Fundo de Incentivo Visanet, sua natureza propositadamente confusa.

A CBMP, cujo nome fantasia era Visanet e hoje é Cielo, é dirigida pela Visa Internacional, empresa com sede na Califórnia e uma gigante da era dos cartões de crédito e débito de aceitação global.

Em duas centenas de países, a Visa juntou interesses contrários localmente — como, no Brasil, os bancos de varejo Bradesco, BB, Santander — em empresas dirigidas por ela, como a CBMP, pela ambição comum de vender mais cartões de sua bandeira.

A Visa dá a elas uma fração — 0,1%, um milésimo do movimento de dinheiro dos cartões — para publicidade. Em 2004, por exemplo, no Brasil, como o giro de dinheiro nos cartões Visa foi estimado em 156 bilhões de reais, a CBMP adiantou para os bancos o milésimo previsto para publicidade, 156 milhões de reais.

O dinheiro sempre sai na forma de adiantamento, para que a máquina de promover a venda de cartões não pare. A CBMP fica com 4% a 6% do dinheiro movimentado pelos cartões, tirando essa parte como comissão dos que vendem produtos ou serviços pagos pelos cartões. E assina contratos-padrão com os bancos constituidores dessas empresas locais. Nestes, permite que o banco associado escolha se quer que ela pague diretamente aos fornecedores pelos serviços de publicidade para promoção dos cartões ou se quer receber a verba para a promoção diretamente em seu orçamento, prestando contas posteriormente a ela.


Como se lê na ilustração com um trecho do parecer jurídico do BB, a escolha do banco estatal foi a de não receber os recursos em seu orçamento, com o objetivo de pagar menos imposto de renda.

Para tanto, não assinou contrato com a DNA para cuidar especificamente destes recursos.

Diz o texto do parecer reafirmado em 2004 e firmado inicialmente em 2001, quando o BB associou-se à CBMP e foi criado o FIV: os artigos 436-438 do Código Civil trazem a figura jurídica “Estipulação em favor de terceiros”, que permite este tipo de relação — a CBMP pagar ao fornecedor da DNA por um serviço feito por demanda do BB.


O parecer afirma que não é necessária a formalização de contratos nem do BB com a DNA para esse fim específico e nem da CBMP com a DNA. O ministro Barbosa ficou cobrando de Pizzolato a inexistência desses contratos, como se Pizzolato fosse o responsável pela situação, e não a direção do BB.

A confusão estrutural, portanto, é essa: por contrato considerado o mais adequado pela direção do banco, o BB nem ficava com o controle completo da execução das operações de promoção dos cartões nem tinha interesse em apresentar seus planos de venda de cartões de maneira muito aberta, para não dar dicas de suas estratégias de marketing para concorrentes, como o Bradesco.

Como se viu, Barbosa não tocou nestes assuntos mais complexos.
Acabou grosseiramente apresentando Pizzolato como o mandachuva do dinheiro do FIV, capaz de sacar dinheiro de lá para não fazer nada — a não ser ajudar a quadrilha do PT, como ele acha que provou.

Barbosa não quis ver que, na questão do uso do FIV, a figura central do BB não era o diretor de comunicação e marketing, mas o diretor de varejo, interessado em vender mais cartões e, portanto, ganhar mais comissões.

O ponto de partida de Barbosa foi o fato de Pizzolato ter sido incluído na lista de recebedores de dinheiro do “valerioduto”. Pizzolato defendeu-se dizendo que apenas repassou dinheiro para o PT do Rio, coisa verossímil, visto que, como já demonstrou RB, esta seção do partido foi a que mais recebeu recursos do “valerioduto”, depois do publicitário Duda Mendonça.

Pizzolato foi derrotado porque o STF inverteu, para este julgamento e sob falsas alegações, o ônus da prova. Ele é que tinha de provar que não recebeu propina.

O fato de Pizzolato ter aberto seus sigilos bancário e fiscal logo que o escândalo estourou e de a Receita Federal ter feito uma devassa monumental em suas contas — especialmente para saber se ele não havia comprado o apartamento em que mora em Copacabana com a suposta propina — e não ter encontrado nada não convenceu os ministros, como se vê pelo mal informado e patético depoimento do ministro Gilmar Mendes.(foto)

Resta um porém: como os serviços de promoção dos cartões de fato foram feitos, se não houve o desvio de dinheiro do BB, como explicar a propina — a qual, aliás, o Supremo não tem prova de que Pizzolato recebeu?



De última hora, um ministro do Supremo alegou, para condenar Pizzolato, que tanto era verdade que ele havia recebido o dinheiro de Valério por meio de um contínuo da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do BB, que dividiu a quantia recebida com o próprio contínuo, a quem teria dado 18 mil reais.

O ministro, Dias Tofolli, (foto) talvez deslumbrado com o ânimo anticorrupção do STF, esqueceu-se de que a contribuição de Pizzolato para o contínuo — dada junto com outras pessoas para que ele reconstruísse um barraco em que morava — era de bem antes do escândalo do mensalão.

Nada a estranhar neste absurdo.
Se a tese central do mensalão não tem pé nem cabeça, por que buscar coerência nos seus detalhes?

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Henrique Pizzolato foi condenado no STF por um crime – ter desviado 73,8 milhões de reais do Banco do Brasil. Mas o desvio não existe. Veja a prova disso na lista publicada a seguir por Lia Imanishi e Raimundo Rodrigues Pereira.


Na Idade Média, condenava-se uma bruxa sem precisar provar a existência material do crime. Sua confissão bastava.

Com Henrique Pizzolato, (foto) ex-diretor de marketing e comunicação do Banco do Brasil (BB), foi pior: ele nunca confessou que tivesse desviado 73,8 milhões de reais do BB para o suposto esquema de corrupção do mensalão.

Mas foi condenado por 11 votos a zero, no Supremo Tribunal Federal, por esse crime.

Foram feitas três auditorias pelo BB sobre o emprego dos recursos que o banco recebia da Companhia Brasileira de Meios de Pagamentos (CBMP) para uso em promoções e publicidade para a venda de cartões de bandeira Visa – dos quais os 73,8 milhões teriam sido desviados. É certo que em todas as auditorias há indícios de irregularidades. O ministro revisor da Ação Penal do mensalão, a AP 470, Ricardo Lewandowski (foto) – que  frequentemente corrigiu, para menos, a fúria condenatória do ministro relator Joaquim Barbosa – disse que a gestão dos recursos era uma balbúrdia.

Uma das auditorias, feita em 2004, quando Henrique Pizzolato ainda era diretor do BB, apontava muitas imperfeições no processo de uso dos recursos. Nessa auditoria, como nas outras duas, aparecem – algumas vezes, inclusive – variações da mesma preocupação: a gestão era ruim, a tal ponto que deixava a dúvida de saber se todos os projetos de promoção e publicidade haviam sido de fato realizados.

A corte não se preocupou em obter as provas materiais do crime. O argumento dos ministros do STF foi o de que, em casos de gente muito  poderosa, com enorme capacidade para ocultar as provas, e, especialmente, em casos de corrupção, a fim de evitar a impunidade, se deveria condenar com base nos indícios.

E pobre Pizzolato: como se viu, havia indícios de irregularidades.
Mas, afinal, os projetos foram realizados? Ou não?
Antes: Pizzolato era tão poderoso assim que teria sido capaz de ocultar todas as provas  concretas do desvio realizado? Jamais. Ele pediu demissão de seu cargo no BB e na diretoria da Previ, o fundo de pensão dos funcionários do banco, logo que seu nome apareceu no escândalo, em meados de 2005.

[Legenda: Cadeira africana do século XVIII, peça da exposição sobre a arte africana, 915 mil reais de patrocínio do Fundo de Incentivo Visanet, no Rio, linha 17 da tabela abaixo: o STF diz que isso não existiu.]

Como se pode verificar na tabela que começa na página ao lado [ver adiante], os projetos de uso dos recursos do fundo dos quais os 73,8 milhões de reais teriam sumido eram todos, se realizados, de enorme exposição pública. Se não realizados, eram praticamente impossíveis de inventar.

Mais uma vez, pobre Pizzolato, nenhuma das instâncias com poder para tal mandou fazer essa simples prova da existência material do delito: investigar se as ações de incentivo haviam sido realizadas ou não, requisito essencial para condená-lo pelo desvio dos recursos destinados a elas.

O PT, do qual Pizzolato foi um dos abnegados criadores (veja a história: “A verdade o absolverá?”, [nos próximos dias] à página 14), que tinha a Presidência da República, o Ministério da Justiça e, em tese, o comando do Banco do Brasil, o abandonou como se ele fosse culpado.

A principal das três comissões parlamentares de inquérito que investigou a história, a CPMI dos Correios, presidida pelo petista Delcídio Amaral e relatada pelo peemedebista Osmar Serraglio, ambos da chamada base aliada, encomendou inúmeros inquéritos à Polícia Federal, todos eles em busca, digamos assim, dos criminosos. Nenhum em busca do “morto”.


A TABELA DA CBMP PARA A RECEITA FEDERAL

A ex-Visanet, hoje Cielo, diz que tem todos os comprovantes de que os eventos foram feitos: pág. 1
Página 2
Página 3
Página 4 - final


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Observações no rodapé da página final, acima.
* Sem exposição ou menção à marca Ourocard ou Visa
** Lançamento contábil – o número da tabela é precedido, no documento, pelos números 51000

Nihil: Falta o número no documento original


Nota da redação: a soma do valor dos eventos de 2003 e 2004 que, segundo o STF, não teriam sido feitos e cujo valor teria sido desviado é de R$ 73,8 milhões. A lista de eventos apresentada pela Visanet soma R$ 74,1 milhões. A diferença pode ser atribuída ao fato de um ou outro evento passar do orçamento de um ano para o outro.


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[Legenda: Todo mundo viu: Shelda e Adriana, promovendo as marcas Visa e Ourocard, patrocínio do Fundo de Incentivo Visanet, linha 6 da tabela, [acima] 900 mil reais. O STF diz que isso não existiu]

Na Justiça, o procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, mal recebeu, em abril de 2006, as grandiosas conclusões da CPMI, de que teria sido cometido um dos maiores crimes da história política do País, graças ao desvio de dinheiro do BB, fez apenas uma depuração política nas conclusões, para deixar somente petistas na lista dos indiciados (confira [acima] o “Ponto de Vista - A Encenação do Mensalão" - à página 5 [na revista]).

E abriu o inquérito 2245, que seria presidido – em nome do STF, visto que as investigações envolviam pessoas com foro privilegiado – pelo ministro
Joaquim Barbosa.

Tanto o procurador-geral Souza como o ministro Barbosa viram a complexidade do problema e não quiseram encará-lo, fazendo simplesmente uma investigação policial, de campo, e não só de documentos, para saber se os serviços haviam sido realizados. Os dois se depararam, concretamente,
com os advogados da CBMP, dona e gestora – formalmente, por contrato – dos recursos que teriam sido desviados.

Desde o início do ano, o procurador-geral Souza tentava obter da companhia os papéis originais das prestações de contas feitas pela agência de publicidade DNA, de Marcos Valério, a respeito dos serviços, seus e de fornecedores contratados para fazer os trabalhos de promoção para a venda dos cartões, mas a CBMP resistia.

No dia 30 de junho de 2006, Barbosa autorizou a busca e apreensão de documentos da CBMP. A empresa apelou à presidência do STF. Mas a então presidente, Ellen Gracie, reafirmou a busca, feita em julho. Houve petições dos advogados da companhia para que fossem devolvidos documentos protegidos pelo princípio da inviolabilidade das relações advogados-clientes. Os documentos que ficaram foram encaminhados ao Instituto Nacional de Criminalística.


Àquela altura, Barbosa (foto) tinha amplas condições de entender o problema.

Ele poderia ter visto – se é que não viu – o material que nos permitiu construir a tabela desta reportagem, do final de 2006, de um dos maiores escritórios de advocacia do País a serviço da CBMP, que argumentou, a fim de evitar o pagamento de impostos indevidos pela companhia, terem sido todas as ações de incentivo realizadas.

E observou, apenas, que algumas podem ter sido realizadas sem promover especificamente os cartões da bandeira Visa, que era o essencial para a CBMP, uma empresa controlada pela Visa Internacional, parte do oligopólio internacional dos cartões de crédito e débito de uso global.

Barbosa e o procurador-geral tiveram toda a condição de entender a estranha forma de funcionamento do Fundo de Incentivo Visanet: a CBMP pagava os serviços de promoção dos cartões por meio da DNA, serviços esses programados pelo BB, sem que existissem contratos entre a CBMP e a DNA, nem entre o BB e a DNA, para operação desses recursos específicos.

Nos autos existe um parecer jurídico do BB que considera perfeitamente legal essa engenharia jurídica.

[Legenda da imagem: Não foi Pizzolato: o jurídico do BB, já em 2001, autorizava a relação informal Visanet-BB]

Ela foi construída desde 2001 pelo banco estatal e a empresa de cartões multinacional e seus outros sócios.

Sobre ela, é óbvio, Pizzolato não teve a menor influência.

Barbosa e Souza não viram nos autos, ou não quiseram ver, também, que as vendas de cartões de bandeira Visa no BB eram atribuição essencial da diretoria de varejo (Direv), sendo que o funcionário que autorizava formalmente as ordens de serviço de promoções dos cartões a serem pagas pela CBMP era indicado pelo diretor da Direv.

No encaminhamento da denúncia aceita pelo STF em agosto de 2007, no entanto, Souza cometeu dois absurdos:

1) garantiu que o desvio de dinheiro do BB havia ocorrido, sem ter feito a prova contrária, muito simples, de verificar os abundantes comprovantes de realização dos serviços de promoção; e

2) disse que o laudo 2828, do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, que examinara a documentação e ao qual ele fizera as perguntas consideradas essenciais para esclarecer o caso, havia afirmado que Pizzolato e seu então chefe, Luiz Gushiken, (foto) secretário de Comunicação do governo Lula, eram os principais responsáveis pelo desvio – no entanto, no laudo 2828 os nomes de Gushiken e Pizzolato nem sequer foram citados.

O ministro Barbosa, ao defender a aceitação da denúncia que afinal criou a Ação Penal 470, também evitou todos os problemas estruturais que precisavam ser compreendidos para se contar efetivamente ao plenário do STF a história.

Como ele mesmo disse, fez uma historinha.
Reorganizou a denúncia do procurador-geral para destacar, em primeiro lugar, duas supostas ações de corrupção de petistas, a de João Paulo Cunha e a de Henrique Pizzolato.

Essas historinhas, para a mídia mais conservadora, caíram como o queijo no macarrão.

Como disse o ministro Ricardo Lewandowski nos dias da votação da aceitação da denúncia em 2007, e que poderia ter repetido agora:

A imprensa acuou o Supremo. Não ficou suficientemente comprovada a acusação."

"Todo mundo votou com a faca no pescoço.”

Fonte:
http://www.oretratodobrasil.com.br/revista/RB_65/pdf/RB65_parcial.pdf

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

Não deixe de ler:
STF: mais um erro? ou uma história exemplar - Raimundo Pereira
- O mensalão, as elites e o povo - Luiz Carlos Bresser-Pereira