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sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Uma revolução, dessa vez nos postos de saúde

22/02/2014 - Revolução cubana nos postos de saúde
- Itamar Melo, Júlia Otero e Larissa Roso
- Zero Hora, de Porto Alegre

Seis médicas cubanas convivem na mesma casa em Guaíba, todas deixaram suas famílias a fim de realizar essa missão internacional - Anderson Fetter / Agencia RBS

Pouco depois das 7h, seis mulheres saem de uma casa no centro de Guaíba para trabalhar. 

Vestem-se com simplicidade e carregam a marmita do almoço.

Uma delas segue a pé. As outras ficam na parada de ônibus, com o vale-transporte à mão, rumo a cinco bairros distintos, em viagens de até 40 minutos. A rotina é idêntica à de milhões de trabalhadores, mas tem um aspecto surpreendente.

As seis mulheres são médicas.

As seis profissionais do amado e odiado programa Mais Médicos representam um personagem novo, surgido no fim do ano passado em muitos rincões do país: o "doutor" cubano que vive modestamente, faz a faxina da casa e ganha um salário apertado, assim como muitos de seus pacientes no Sistema Único de Saúde (SUS).

As novidades são sentidas no consultório. Os pacientes costumam se surpreender ao entrar na sala de Marlyn Paneca Gómez, 47 anos, na unidade de saúde do centro de Guaíba. Encontram a médica do outro lado da mesa, mas não acham uma cadeira diante do móvel, para sentar. Como outros médicos cubanos, Marlyn gosta de colocar a cadeira do paciente colada à sua.

A mesa é uma barreira na relação médico-paciente. Explico que preciso estar perto, tocar. Mas os brasileiros não entendem. Não estão acostumados. Vão arrastando a cadeira. Depois de um tempo, ela já está do outro lado da mesa — diz.

O mapa de Cuba no Rio Grande do Sul

Marlyn é um dos 285 cubanos em ação no Estado, aos quais vão se somar mais 138 em março. No Brasil, eles são 5,4 mil, o equivalente a 80% dos estrangeiros ou formados no Exterior que participam do Mais Médicos. Ela fazia um curso preparatório no Espírito Santo, em outubro, quando foi comunicada de que iria para Guaíba:

Vi (na Internet) que era uma cidade pequena, com um lago lindo. Gostei. Tem muitas coisas bonitas. Já trabalhei na Venezuela e em Honduras, em lugares bem mais complicados, com muita pobreza.

Em 1º de fevereiro, Marlyn e as outras cinco compatriotas foram instaladas na casa do centro de Guaíba, um imóvel mobiliado de 198 metros quadrados. As médicas aprovaram.

A casa tem três quartos (todos eles com split), três banheiros (incluindo banheira), uma biblioteca (forrada de enciclopédias), um salão de festas recém-concluído (com churrasqueira), uma cozinha ampla e 
todos os utensílios e equipamentos necessários (desde louça até freezer e TV). A prefeitura alugou a casa por R$ 5,5 mil e banca água, luz e internet.

A casa é muito boa. E ainda tem a vantagem de morarmos todas juntas, como uma família — elogia Maritza Cañada Castillo, 41 anos, que já trabalhou no Paquistão, na Bolívia e na Venezuela.

A casa pertence a Carmen Tejada e seu marido, Telmo, que viviam no imóvel até a chegada das cubanas e mantêm uma oficina mecânica na parte da frente do terreno. Para aproveitar a oportunidade de alugar a casa, mudaram-se em caráter provisório para a residência de uma parente. Acabaram virando amigos das médicas.

São seis pessoas novas na família. Já combinei de levá-las a jantares e festas da paróquia. 

Também estou organizando a inscrição delas em uma academia. Quando elas vieram conhecer a casa, eu disse o que tinha ao redor: mercado, farmácia. Quando mencionei a academia, ficaram animadas e disseram que queriam — conta Carmen.

Médicas levam marmitas para fazer a refeição no trabalho

A rotina das médicas começa às 6h, quando uma delas levanta mais cedo para preparar o café. O toque cubano no cardápio são as tortillas de ovo. Às 6h30min, as demais saem da cama e vão para a mesa. Todas começam a trabalhar às 8h. Ao meio-dia, pegam a marmita, aquecem a comida no micro-ondas e fazem a refeição no próprio posto, com outros funcionários. O expediente termina às 17h.

Elas se reencontram por volta das 18h. É a hora de contar as experiências do dia, de bater papo, de estudar e de mexer no tablet fornecido pelo governo federal.

Elas não gostam de TV. São mais ligadas na internet — conta Carmen.

A única que sai todas as noites é Marlyn. Às 19h, ela ganha a rua e caminha por uma hora e 20 minutos pela beira do Guaíba. Perdeu 10 quilos desde a chegada:

Estou fazendo a preparação cardiovascular para quando começar a academia.

Cada noite, uma das médicas faz o jantar, que será também o almoço, levado na vianda. Nos fins de semana, elas arrumam a casa e passeiam. Costumam pegar o catamarã até o centro de Porto Alegre, onde combinam encontros com cubanos de outras cidades, olham lojas de Guaíba ou arrumam o cabelo em algum salão. Amigos já as levaram à Serra e ao Litoral.

Elas adoraram Gramado. Acharam lindo. Encantam-se por coisas que para nós são simples, como a facilidade de encontrar produtos de higiene — diz a diretora de saúde de Guaíba, Fabiani Malanga.

A vida social gira em torno de amigos brasileiros, como os donos do hotel onde ficaram antes de alugar a casa. Lá, foram protagonistas da festa de Ano-Novo.

Tivemos uma noite cubana. Elas trouxeram colegas de Eldorado do Sul e de Porto Alegre, prepararam pratos típicos e colocaram música de Cuba. Dançaram até as 3h. São pessoas animadas — diz Katia Sperotto, 46 anos, proprietária do hotel.

Uma das principais vitrines eleitorais da presidente Dilma Rousseff, o Mais Médicos nasceu, no ano passado, debaixo de ataques de entidades médicas. Para essas agremiações, não faltam profissionais no Brasil. Além disso, o fato de os participantes do programa terem sido liberados de revalidar seus diplomas no país representaria um risco à qualidade do atendimento.

É um projeto demagógico e eleitoreiro. São profissionais que vêm ocupar espaço dos brasileiros. Eles são oferecidos como um milagre, como se o governo tivesse uma varinha de condão para tirar o atendimento médico de uma cartola. Já temos 400 mil médicos no Brasil e mais 17 mil são formados ao ano — critica Maria Rita de Assis Brasil, vice-presidente do Sindicato Médico (Simers).

Quando ficou claro que os médicos trazidos do Exterior seriam basicamente cubanos, o tom das críticas se elevou e foi reforçado por grupos políticos que viam no Mais Médicos uma forma encontrada pelo governo de fazer populismo eleitoral e financiar a ditadura dos irmãos Castro.

Enquanto os médicos de outras nacionalidades participantes do programa recebem uma bolsa mensal de R$ 10 mil, os cubanos ganham cerca de R$ 1 mil. O grosso do dinheiro vai para o governo de seu país. Os mais exaltados definem o acerto como trabalho escravo.

No início do mês, a cubana Ramona Matos Rodríguez virou notícia ao abandonar o programa, com apoio do deputado ruralista Ronaldo Caiado (DEM). Ela disse que vai acionar o governo brasileiro na Justiça do Trabalho.

A atitude de Ramona é quase isolada até o momento. De 89 profissionais que abandonaram o Mais Médicos sem justificativa, só quatro vieram de Cuba — em um universo de mais de 5 mil. As médicas de Guaíba, por exemplo, garantem que a participação no programa é interessante do ponto de vista financeiro.

Para começar, dizem, o salário que recebiam em Cuba continua a ser pago a suas famílias. Elas reconhecem que a remuneração de R$ 1 mil por mês é baixa, mas lembram que não é só isso que recebem. Do valor entregue pelo governo brasileiro, outros US$ 600 são depositados em uma conta bancária, que pode ser acessada quando voltarem ao seu país.

Para os críticos, trata-se de uma forma de Cuba manter os médicos como reféns, obrigando-os a retornar para ter acesso ao dinheiro. Para os profissionais, acaba sendo um belo pé de meia.

Os benefícios recebidos incluem moradia, transporte e, no caso das cubanas de Guaíba, um auxílio mensal individual de R$ 500 para alimentação — a soma ultrapassa os R$ 3 mil mensais.

Os preços aqui são altos, mas como existem vários auxílios fica vantajoso. Mas o mais importante é o lado humanitário e o dinheiro que vai para Cuba, o que ajuda na economia e na saúde, que é gratuita — defende Marlene Muñoz Sánchez, 43 anos.

Esse tipo de discurso, sincero ou ensaiado, é característico dos cubanos. Eles se dizem agradecidos por ter podido estudar Medicina gratuitamente em seu país e afirmam que não o fizeram para ganhar dinheiro, e sim para ajudar. 

Diante da afirmação de que estão sendo explorados e vivendo na pobreza, reagem. Para eles, o estranho não é os médicos terem um padrão de vida simples, mas terem um padrão de vida superior ao das outras pessoas.

No Brasil a gente nota uma grande distância social dos médicos para os pacientes — diz Diurbys Díaz Utria, 34 anos.

Contato por e-mail e pelo Facebock com familiares

A relação com os médicos brasileiros, aliás, não é tranquila. Os cubanos sentem-se incomodados com os ataques.

Com os funcionários dos postos, a relação é muito boa, mas com parte dos médicos, não. Alguns nos receberam bem, mas outros não falam conosco nem nos olham — diz Diurbys.

Essa hostilidade, somada à deserção de Ramona, motivou muitos dos cubanos a evitar a imprensa. 

Dos 30 médicos de Porto Alegre e dos 10 de Canoas, por exemplo, nenhum topou falar com ZH [Zero Hora].

Eles estão fugindo de entrevista de tudo que é jeito. Não topam nada. No início, teve uma exposição muito grande, e eles resolveram se preservar — diz Marcelo Bósio, secretário da Saúde de Canoas.

À dificuldade vivida nos postos de saúde, com os colegas brasileiros, soma-se uma maior, de caráter pessoal: a distância da família. As seis cubanas de Guaíba têm filhos, alguns deles pequenos, que ficaram com parentes. O contato é por Facebook e e-mail. Para chamadas por vídeo, é preciso que o familiar em Cuba vá até um centro de comunicação, o que não custa barato.

É a parte mais difícil. Mas não tenho tristeza. Toda manhã, quando acordo, abro o e-mail e tem um "bom dia" do meu marido ou dos meus filhos — conta Marlyn.

A saudade é aliviada, dizem as cubanas, pela recepção oferecida por pacientes e amigos brasileiros.

Fabiani Malanga, a diretora de saúde da cidade, afirma que é comum a prefeitura receber reclamações sobre médicos locais. É raro alguém elogiar. Mas isso tem acontecido em relação às cubanas.

Há alguns dias, Marlyn voltou faceira para casa, com um creme e um livro 
presenteados por um paciente.

(Leia adiante a versão em espanhol de uma postagem que a Presidenta Dilma fez no facebook sobre esse artigo e publicado no site CubaDebate)

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Revolución Cubana - 27 FEBRERO 2014 - Por: Dilma Rousseff
- Publicado en: Solidaridad Cubana
extraído do site CubaDebate (Tomado de la cuenta en Facebook de la Presidenta Dilma Rousseff, em http://www.cubadebate.cu/especiales/2014/02/27/revolucion-cubana/#.Uw97L-NdW-n)

Ellos son pocos, pero están cambiando profundamente el modo de actuación de los profesionales del área de la salud y la relación médico-paciente en Rio Grande do Sul. Bajo el título “Revolución cubana en los centros de salud”, el diario Zero Hora, de Porto Alegre, describe la rutina de un grupo de profesionales cubanos en el estado.

Cedidos al programa Mais Médicos, que vino a cambiar el perfil de la medicina preventiva en Brasil, ellos visten con sencillez, hacen la limpieza de la casa y llevan su propia lonchera con el almuerzo. Son sistemáticos, dedicados en el trato con los pacientes y, además, fiesteros como los brasileños.

Con eso, están rompiendo la barrera de los prejuicios y el corporativismo de los profesionales brasileños.

Este es el primer informe que hace que la gran prensa sobre el tema: Revolución cubana en los puestos de saludEste, arriba, es el artículo publicado en Zero Hora y referenciado por la Presidenta Dilma

Fonte:
http://zerohora.clicrbs.com.br/rs/geral/noticia/2014/02/revolucao-cubana-nos-postos-de-saude-4427771.html

Leituras afins:
- Aos médicos cubanos: escárnio é o nome do jogo - Saul Leblon
- De Mariel-Cuba a Melgaço-Marajó-Pará, uma lição de cubanos no pior IDH do país - Vera Paoloni

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Aos médicos cubanos: escárnio é o nome do jogo

17/02/2014 - O nome disso é escárnio - Saul Leblon - Carta Maior

Algo outrora inescapável do epíteto de um escárnio contra o povo brasileiro está em curso nos dias que correm.

O ruído que provoca - tanto das fileiras do governo, quanto nas de segmentos que se avocam à esquerda dele - é incompreensivelmente desproporcional a sua gravidade.

Que as sininhos não badalem e, igualmente, seus carrilhões silenciem, é ilustrativo do fosso existente entre o inflamável alarido anti-Copa bimbalhada nas ruas e a real preocupação com o futuro do país e a sorte da população.
   
A Associação Médica Brasileira [AMB], em sintonia com a embaixada dos EUA e aliada à coalizão demotucana, tendo respaldo e torcida da mídia, opera abertamente para destruir um programa de saúde pública emergencial voltado às regiões e contingentes mais vulneráveis do país.

Não há resguardo das intenções, nem pudor na propaganda da ação.

A entidade que se proclama representante da corporação médica brasileira acolhe e viabiliza deserções de profissionais cubanos fisgados  pelo redil conservador em diferentes regiões e municípios.

O Estado brasileiro  investirá este ano R$ 1,9 bi em recursos públicos nesse programa, para agregar 43 milhões de atendimentos/ano ao SUS a partir de abril, quando o Mais Médicos atingirá seu efetivo pleno, com mais de 13 mil profissionais em ação, sendo seis mil cubanos.

A embaixada dos EUA no Brasil - em sintonia com a Associação Médica e lideranças dos partidos conservadores - opera abertamente para que não seja assim.

O tripé orienta e encaminha pedidos de vistos especiais, a toque de caixa, para que o maior número de desistentes possa rumar a Miami, onde os espera a estrutura da ‘Solidariedade Sem Fronteiras’.

A ONG de fachada humanitária tem como principal negócio – financiado por recursos orçamentários que a bancada cubana assegura no Congresso - promover e operar deserções em convênios de saúde firmados entre Havana e 66 países nesse momento.


São mais de 43 mil médicos cubanos em ação na América Latina, Ásia e África. Devem atingir um recorde de 50 mil em dois meses, quando o convênio brasileiro estiver plenamente implantado.

Um aspecto da remuneração desses profissionais deliberadamente pouco divulgado é que nem todos os convênios internacionais de Havana são pagos.

Na verdade, dos 66 países assistidos nesse momento apenas 26 se enquadram no que se poderia chamar de prestação de serviços pagos.

Outros 40 países recebem contingentes médicos gratuitamente.

O mesmo ocorre com missões de educação ou esporte.

A ‘exportação’ de serviços rende a Havana, segundo a chancelaria cubana, cerca de US$ 6 bi/ano (três vezes mais que a segunda fonte de divisas do país, representada pelo turismo).

A exportação de serviços pagos - principalmente na área de saúde – financia as missões solidárias destinadas a países de extrema precariedade econômica e material ou focadas em situações de calamidade devastadora.

É assim desde 1960, quando Cuba enviou sua primeira missão de solidariedade ao Chile, vítima de um terremoto.

Eis a principal razão para a diferença entre o salário efetivamente recebido pelo profissional de uma missão e aquilo que o governo cubano arrecada pelo serviço prestado.

Uma parte do saldo financia as missões gratuitas que, repita-se, são a maioria.

Outra sustenta a Escola Latino-americana de Medicina, que possuía em 2013 cerca de 14 mil alunos estrangeiros, gratuitamente cursando ou com subsídio quase integral.

Com pouco mais de 11 milhões de habitantes, Cuba investe pesado em pesquisa na área de saúde e formação de médicos: são quase 83 mil (1/138 habitantes).

O investimento tem duplo objetivo: zelar pela população que tem a menor taxa de mortalidade infantil do mundo, e gerar receita numa economia asfixiada há 50 anos pelo embargo comercial norte-americano.

Também isso se financia através das missões remuneradas.

A ideia de que a doutora Ramona Rodriguez [foto] possa ter desembarcado no Brasil desinformada dessas particularidades acerca de seu salario, subestima a conhecida determinação de Havana, de ressaltar interna e externamente aquela que é a marca inegável de sua ação internacional: a solidariedade.

A mesma alegação de ignorância tampouco se pode conceder – neste aspecto -  ao colunismo isento, que cuida de festejar as deserções – por ora pontuais - como se fossem o preâmbulo de uma diáspora libertária, em marcha épica rumo a Miami.

A participação da embaixada norte-americana no jogo de aliciamento e hipocrisia é ainda mais grave.

Trata-se de uma tentativa de sabotagem de um programa soberano de saúde pública emergencial, cujo desmonte poderá agregar novas vítimas e mais sofrimento num universo de milhões de brasileiros desassistidos.

Se a intrusão é desconcertante, não se pode dizer que surpreenda.

Quando o governo Lula decidiu quebrar a patente de anti-virais, em 2007, a embaixada norte-americana operou para sabotar a medida.

Agiu em contato direto com as múltis do setor farmacêutico, o Departamento de Estado do governo Bush e ‘amigos’ locais - não se sabe se os mesmos que hoje cerram fileiras com o duplo interesse de  implodir o ‘Mais Médicos’ e sangrar Havana.

Telegramas secretos da época, obtidos pela organização Knowledge Ecology International (KEI), revelam ameaças de represália enviadas então a Brasília:

“(...) uma licença compulsória pode fazer com que fabricantes de produtos farmacêuticos evitem introduzir novos remédios no mercado e seria mais difícil para o Brasil atrair os investimentos que tanto necessita", relatava um deles sobre o teor de reuniões com autoridades e políticos locais.

Lula oficializaria em maio de 2007 o licenciamento compulsório do anti-retroviral  Efavirenz, usado por 75 mil pacientes de Aids atendidos pelo SUS. Um genérico importado da Índia passou a ser usado ao preço de  US$ 0,45, contra US$ 1,59 cobrado pela multinacional norte-americana.  

Uma economia de US$ 30 milhões até 2012.

Volte-se um pouco mais no tempo, até as vésperas do golpe de 64, e lá estarão, de novo, os mesmos protagonistas, com idênticos propósitos.

O embaixador dos EUA, Lincoln Gordon, fileiras udenistas e lacerdistas, múltis do setor farmacêutico e sabujos da mídia, a ganir a pauta da estação.

Eram tempos de inflação galopante e dinheiro curto: a saúde corria risco.

O então ministro da Saúde, Souto Maior, lutava para obter uma redução de 50% sobre os preços de 70 medicamentos mais usados pela população.

Laboratórios das multinacionais abriram guerra contra o tabelamento.

Às favas a saúde: primeiro, os interesses das corporações.

Lembra algo do comportamento atual da embaixada que se orienta pelos mesmos valores e da Associação Médica Brasileira [AMB] que tanto quanto os abraça?

No famoso comício da Central do Brasil, sexta-feira, 13 de março de 1964, João Goulart decretou a expropriação de terras para fins de reforma agrária, encampou refinarias e anunciou estudos para fabricação estatal de medicamentos no país.

O conjunto era fiel aos preceitos do ‘sanitarismo-desenvolvimentista,’ abraçado então pelas fileiras progressistas da medicina brasileira.

Médicos como Samuel Pessoa, Mário Magalhães, Gentile de Melo e Josué de Castro – autor do clássico ‘Geografia da Fome‘ e primeiro secretário-geral da FAO, que faleceu no exílio, cassado pela ditadura e impedido de retornar ao Brasil mesmo para morrer – eram alguns de seus expoentes.

Profissionais que hoje seriam olhados com suspeita, enxergavam a luta pela saúde como indissociável da luta pela desenvolvimento econômico e humano do país.

Em setembro de 1963, Jango, com apoio deles, restringiu a remessa de lucros da indústria farmacêutica. Mister Lincoln Gordon foi à luta: a USAID retaliou no lombo da pobreza cortando a ajuda no combate à malária – que se destacava como uma das principais doenças tropicais na época.

A ofensiva apenas fortalecia as convicções dos sanitaristas-desenvolvimentistas.

Embora heterogêneos nas filiações ideológicas, seus  representantes entendiam que doença e pobreza caminhavam juntas.

Como tal deveriam ser enfrentadas em ações soberanas, abrangentes e desassombradas, que rompessem a fragmentária estrutura de uma sociedade retalhada por interesses que não eram os de seu povo. 

Compare-se isso com o sultanato de jaleco branco.

Esse que  hoje trata a saúde como um entreposto de camelos; alia-se ao conservadorismo mais retrógrado e tem na embaixada dos EUA um corredor de fuga em prontidão obsequiosa.

Bajulado pela mídia, o conjunto quer implodir o ‘Mais Médicos’.
  
O nome disso é escárnio.

E Brasília deveria dizê-lo claramente ao embaixador gringo, ao chamá-lo a prestar esclarecimentos sobre ingerência e sabotagem em assuntos internos.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/O-nome-disso-e-escarnio/30275

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Contra a indústria da medicina para idosos

27/01/2014 - Léa Maria Aarão Reis (*) - Carta Maior

A vida saudável no Brasil é cara. Há sempre um remédio a ser vendido ao idoso, que acaba hipermedicado. Prometem curar até a infelicidade.

“Dizer ‘coma de forma saudável’ em um país subdesenvolvido soa como uma piada. Significa comer frutas quatro vezes por dia, folhas, alimentos orgânicos, sem agrotóxicos. É um discurso que se deve fazer, sim, para alertar as pessoas, mas a prática é difícil. De qualquer modo, o Brasil está comendo melhor, as pessoas fazem mais exercícios e isso é parte da prevenção secundária de doenças.”

A observação é do médico Ernani Saltz, chefe do Serviço de Oncologia do Hospital Federal Cardoso Fontes do Ministério da Saúde, no Rio de Janeiro.

Ele atende a um grande número de mulheres e homens idosos por força da sua especialização, que trata do câncer, hoje considerado uma moléstia “crônico-degenerativa” por conta da longevidade esticada, como ele lembra.

Saltz coordenou a Campanha Nacional de Combate ao Câncer incluída na Campanha Nacional de Combate ao Fumo e comenta também: “A vida saudável é cara; há sempre um medicamento para vender ao idoso e um laboratório oferecendo remédio para tudo. O idoso acaba hipermedicado. Ora, não existe experiência médica sobre uma pessoa que toma seis, sete remédios ao mesmo tempo; ela ainda não foi realizada e não se sabe qual o resultado da interação desses diversos medicamentos no organismo.

Ele ressalta: “A indústria farmacêutica está vendendo a ideia de que, para cada transtorno, inclusive para a infelicidade, temos um remédio. Às vezes, as pessoas estão tristes por causa de um fato muito concreto, mas a sociedade não aceita.

Na virada do século 19 para o 20, ele lembra, a expectativa de vida no Brasil era de 35 anos. As pessoas morriam de infecções e de acidentes. Hoje, no sul e no sudeste do país essa expectativa é igual à da Bélgica. “O país passou da fase da mortalidade infantil para a da doença crônico-degenerativa.

As linhas entre meia idade, juventude, envelhecimento e velhice começam a se apagar. Muita gente madura atua com energia e vitalidade e vive conforme suas expectativas. Já as novas gerações dão mais atenção à saúde preventiva – o que não ocorria antes.

Para garantir um futuro confortável para os novos velhos de agora é importante promover campanhas e ações educativas para desconstrução de estereótipos, para a valorizar e estimular a participação deles na sociedade.

Vale lembrar que, segundo relatório recente do Banco Mundial do fim de 2013, a produtividade nos mercados de trabalho pode aumentar em até 25% com a inclusão dos idosos no processo.

Da parte da sociedade é preciso reivindicar e estimular a criação de centros de convivência para os mais velhos e o aprofundamento das políticas públicas de saúde existentes, embora elas tenham dado um passo adiante no Brasil, de onze anos para cá, com as diversas ações inclusivas do governo. 

Também é necessário resistir à indústria da doença, que despreza a preservação da saúde e cuja clientela preferencial é composta pelos idosos, mais vulneráveis à dependência da figura do médico onipotente e às drogas químicas.

O programa Farmácia Popular que distribui medicamentos de uso contínuo aos idosos é um exemplo. Outro, a inclusão obrigatória nos planos de saúde privada de determinados tratamentos necessários à grande maioria dos mais velhos - fisioterapia em geral, fisioterapia cardíaca, RPG.

Mas é necessário mais: apoiar, por exemplo, a prática dos chamados cuidados de longa duração. O estado tem obrigação, segundo a Organização Mundial de Saúde, de fornecê-los, assim como apoio social para as pessoas com alguma limitação severa. Considerado pela OMS como direito humano fundamental, esta prática tem sido formalizada em acordos internacionais.

A responsabilidade dos cuidados de longa duração, serviço que já faz parte do sistema de seguridade social em países desenvolvidos, deve ser “compartilhada entre estado, família e mercado privado”, assinala a demógrafa Ana Amélia Camarano no volume ''Cuidados de longa duração para a população idosa / um novo risco social a ser assumido?'' (Ipea/2010.)

O estado deve aumentar os investimentos no desenvolvimento de programas domiciliares e comunitários eficazes, de custos mais baixos, para atender à população necessitada, é o que registra Camarano. “Qualidade de vida desperta anseio por mais qualidade de vida, por mais e melhores serviços”, acaba de lembrar a presidenta Dilma Roussef em seu discurso em Davos.

Outro aspecto de saúde pública relacionado aos idosos é apontado pelo neurologista e psiquiatra Marco Aurelio Negreiros, com vasta clientela de indivíduos de mais idade, no Rio de Janeiro. Ele chama a atenção para o fato de, às vezes, ser o próprio paciente idoso quem busca as tais “soluções mágicas” através de pílulas. O próprio paciente reforça a cultura da indústria médica da hipermedicalização.

As substâncias que causam dependência e contidas em tranquilizantes, benzodiazepínicos e medicamentos com tarja preta, quando receitados de forma exagerada - para dizer o mínimo - são muito usadas pelos idosos. Proporcionam conforto químico, mas tornam o idoso dependente. Acalmam e aplacam a ansiedade, mas não tratam o distúrbio. Geram depressão e distúrbios da memória,” ele diz.

O uso excessivo de benzodiazepínicos, típico da cultura brasileira, no entender de Negreiros, é caso de saúde pública. Eles não são mais tão usados na Europa nem nos Estados Unidos, onde o assunto vem sendo discutido cada vez mais amiúde apesar do lobby agressivo da indústria farmacêutica.

Os benzodiazepínicos têm efeitos prejudiciais cognitivos que ocorrem com frequência nos idosos e também podem piorar um quadro de demência.

Em 2012, um estudo concluiu que a utilização de benzodiazepínicos por pessoas com 65 anos ou mais está associada ao aumento de aproximadamente 50% no risco de demência.

O psiquiatra americano Peter Breggin, da Universidade de Ithaca, estado de Nova Iorque, reforça: ”Atualmente, as pessoas usam estas drogas para a ansiedade, para a obesidade, para a menopausa, para tudo. Elas são as mais complicadas na hora de abandoná-las. É mais difícil deixá-las do que a sair do vício do álcool ou de opiáceos.''

No Brasil, segundo Negreiros, há até pessoas físicas vendendo essa medicação. “Certa vez, um paciente me contou,” diz ele, “que comprava benzodiazepínicos sem receita médica com alguém que os vendia em seu apartamento. Como se fosse uma boca de fumo de benzodiazepínicos.

A opinião corrente, infelizmente,” diz por sua vez Ernani Saltz, “é a de que os remédios e os exames são mágicos. Na medicina, o exame mais sofisticado é hoje relegado ao segundo plano: o exame físico. Poucos médicos examinam de fato o paciente. As pessoas se referem a esta prática como a dos ‘médicos de antigamente’ e isso é terrível.

Temos que examinar e apalpar os pacientes; mas a prática caiu em desuso. Há uma fantasia corrente de que os exames radiológicos e de laboratório vão resolver tudo – e não resolvem. Há uma falsa segurança das pessoas ao se submeter a eles. Ouvir e examinar, apalpar os pacientes e, eventualmente, encontrar alguma lesão precoce, apenas a mão experiente do médico e o seu conhecimento são capazes de descobrir.

Houve um movimento de alegada falta de equipamentos médicos em cidades do interior do país, por parte de alguns profissionais da saúde, ano passado, quando se iniciou o programa Mais Médicos que se inclui com destaque nas ações públicas da saúde favorecendo também os novos velhos brasileiros: seis mil e 600 profissionais atuando em mais de duas mil cidades do país e beneficiando 23 milhões de indivíduos.

Em março próximo, 13 mil médicos atenderão a 45 milhões de pessoas – crianças, moços e idosos. São os dados apresentados pela presidenta Dilma Rousseff no seu discurso de fim de ano.

Se por um lado há situações em que há falta de equipamentos – como mamógrafos, por exemplo - por outro, em alguns locais distantes de centros urbanos, não existem técnicos nem médicos capacitados para operar as máquinas com eficiência e analisar com precisão os exames.

Os estrangeiros e os brasileiros contratados para o Mais Médicos são orientados para trabalharem na saúde da família e na medicina geral. É o que ocorre em Cuba, por exemplo, onde os estudantes se formam apesar da carência de recursos materiais. 

O oposto de alguns jovens médicos – nem todos eles, é claro - formados nas universidades brasileiras os quais, em seguida, com a prática vigente, acabam sendo parceiros da indústria farmacêutica no mercantilismo da saúde (principalmente da saúde dos idosos e das crianças) e no desinteresse pelo paciente.

Nos recentes resultados do exame de suficiência aplicado pelo Conselho de Medicina de São Paulo quase 60% dos formandos foram reprovados. Segundo o próprio Cremesp a deficiência se deu na “solução de eventos frequentes no cotidiano da prática médica.”

Muitos desses jovens médicos demonstraram não conhecer o diagnóstico ou tratamento adequados para situações comuns e problemas de saúde tais como pneumonia, tuberculose, hipertensão e atendimento de urgência – vários deles, distúrbios que atingem com frequência os mais velhos.

E 67% dos formandos não souberam afirmar que o grau de redução da pressão arterial é o principal fator determinante na diminuição do risco cardiovascular em paciente hipertenso – geralmente pacientes mais idosos.

Atualmente, há uma procura maior por parte dos estudantes de Medicina, no país, pela especialidade da Geriatria. “Investir” no idoso, adotando expressão mercantil própria do sistema neoliberal, se torna “bom negócio”. Que seja assim desde que o negócio beneficie ricos e pobres em atendimento adequado e digno. Todos os indivíduos, ricos e pobres, desejam envelhecer ativos, com saúde e reivindicam qualidade de vida.

Como anota Saul Leblon nesta página, “a desigualdade continua obscena, mas as placas tectônicas se movem.” 

Isto se aplica à velhice dourada dos bairros elegantes e dos condomínios de luxo aos idosos das favelas e das comunidades dos conjuntos populares. Aos velhos pacientes do SUS e aos dos planos privados de saúde.

A professora de Psicologia Social da PUC-RJ, Teresa Creuza Negreiros, costuma descrever a nossa época como o mundo do “aperta botão e passa cartão”.

Um mundo que pode ser vivido pelo idoso com maior dificuldade, como ela diz, o que não significa que a maioria deles se furte a ele: “O velho não é mais o estorvo que era no passado; não é um cidadão de segunda classe e não deseja se ver excluído.”

(*) Autora do livro Novos velhos – viver e envelhecer bem (Ed. Record)

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Direitos-Humanos/Contra-a-industria-da-medicina-para-idosos/5/30105

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

De Mariel-Cuba a Melgaço-Marajó-PA, uma lição de cubanos no pior IDH do país

28/12/2013 - No pior IDH do país, a lição dos médicos cubanos
- Por Vera Paoloni (*), especial para o portal Brasil 247

A jornalista Vera Paolani relata a transformação de Melgaço [foto], na Ilha do Marajó, que tem o pior Índice de Desenvolvimento Humano do País.

Lá, não há saneamento básico e a população sofre com micoses, contaminações genitais, hipertensão e gravidez precoce.

Essa realidade começou a mudar com a chegada de médicos cubanos, que atendem, no mínimo, 24 pessoas por dia, em consultas médias de trinta minutos.

A cubana Maribel Saborit [foto] relata uma experiência:

"Fomos a uma comunidade ribeirinha, fizemos a travessia de barco e na casa de um senhor diabético de 86 anos ouvimos, depois do exame: quatro médicos aqui, quatro médicos me visitando em casa, meu Deus posso morrer feliz. Nunca tinha visto um médico"

28 DE DEZEMBRO DE 2013 

Melgaço, no Marajó, Pará, tem o pior IDH - Índice de Desenvolvimento Humano do país, segundo o Atlas de Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, divulgado no final de julho.

São 24 mil habitantes, dos quais 12 mil não sabem ler e nem escrever, apenas 681 pessoas frequentam o ensino médio, saneamento é zero, saúde é rarefeita e internet só de vez em quando e apenas por celular.

O melhor de Melgaço é o povo, as pessoas, atestam Maribel, Oyainis e Maribel as três médicas e o médico cubano Orlando que estão morando e trabalhando no município marajoara desde 21 de setembro, há pouco mais de 3 meses.

Eles integram o programa audacioso e certeiro "Mais Médicos", que leva assistência e médicos a municípios carentes e vulneráveis. Ponto para o Ministério da Saúde e para a presidenta Dilma Rousseff.

Se o povo é o melhor de Melgaço, o pior é a água. Ribeirinho, Melgaço não tem água tratada e nem saneamento básico.

Isso gera micoses e contaminações genitais. Há gravidez muito precoce e um índice alarmante de hipertensão que atinge muitos jovens, resume o quarteto médico cubano que atende 24 pessoas, no mínimo, todo dia em Melgaço, de segunda a sexta.

Com a consulta média de 30 minutos, salvo situações mais complicadas e que exigem mais tempo. Em todas as consultas, a medicina preventiva em ação: tratar a água com hipoclorito de sódio, ferver a água, só pra citar um exemplo.

Pobreza e generosidade
Quase a metade, 48% da população de Melgaço é pobre, aponta o Mapa da Pobreza do IBGE publicado em 2003.

Grande parte da população do campo tem remuneração de R$ 71,50, fazendo com que as famílias na zona rural sobrevivam, em média, com R$ 662 por mês - menos que um salário mínimo.

As distâncias são grandes e se leva até 15 dias pra cruzar o espaço de mais de 6 mil quilômetros. Com toda toda essa adversidade, o povo de Melgaço é acolhedor e generoso, garantem as médicas e o médico cubanos.

15 horas de barco
Em português entrevistei as três médicas e o médico ontem (19.dez) à noite, em Belém. Na capital, fizeram um treinamento na área de saúde e retornam segunda-feira, 23.dez, bem no período de recesso natalino.

De Melgaço a Breves, uma hora de barco e de Breves a Belém, mais 14 horas. Ao todo 15 horas pra chegar em Belém, atravessando a baía do Marajó.

Orlando Penha, Maribel Hernández, Maribel Morera Saborit e Oyainis Santos Diaz, [da esq. para dir.] médico e médicas cubanos se conheceram não em Cuba, país em que nasceram, estudaram, se formaram, casaram, tiveram filhos e trabalharam. Foi em solo brasileiro, em Brasília, que os quatro se encontraram pela primeira vez, em agosto. Agora trabalham em Melgaço e lá ficarão por 3 anos.

Nem açaí e nem farinha
Como a jornada de trabalho em Melgaço é de 40 horas semanais, igual a Cuba, pergunto o que fazem no final de semana pra driblar a saudade de casa, já que as famílias ficaram em Cuba.

"Lavamos e passamos nossas roupas, limpamos nossos quartos, lemos, entramos na internet pra passar correio eletrônico, descansamos". E Orlando informa que em julho vão de férias a Cuba.

Os quatro me contam que Belém e Melgaço são "mais quentes que Cuba", mas isso não atrapalha. Gostam da comida à base de peixe, frango, carne, arroz, feijão.

Só açaí [foto] e farinha não faz parte do cardápio deles.

"Muito forte o açaí" diz Maribel Saborit sorridente. Eu afianço a elas e ele que não sabem o que estão perdendo. E rimos todos.

Nove anos de estudo
Nem a imensidão de água da baía do Marajó, o calor ou as travessias de barco até as comunidades assustam o quarteto médico cubano.

Os quatro trabalharam em missões humanitárias na Venezuela e na Bolívia.

Estudaram os nove anos da formação de medicina cubana: 6 da medicina geral e mais 3 da medicina integral, algo semelhante à residência médica brasileira, em que a especialização é feita juntamente com trabalho prático. E os quatro trabalhavam em Cuba.

Maribel Saborit tem 21 anos de profissão. Maribel Hernanez, 19 anos. Oyanis, 8 anos e Orlando, 22 anos.

Cuba orientou como critério de participação no programa Mais Médicos, o mínimo de uma missão humanitária.

Orlando esteve no Paquistão e Venezuela. Oyainis, na Venezuela. Maribel Saborit e Maribel Hernandez, na Venezuela e Bolívia. Além dos 9 anos de estudo, atuação em uma missão humanitária por 3 anos.

Um médico em casa?
Embora o quarteto fale num bem compreensível portunhol, indago se não falarem bem o português fez com que algum paciente deixasse de entendê-los.

"De jeito nenhum, diz Oyainis Santos [foto]. 

A gente olha pra eles, conversa e se entende. Fazemos um amplo interrogatório, anotamos, fazemos exames físicos completos".

E Maribel Saborit completa:

"o povo é muito acolhedor, generoso e agradecido. Fomos a uma comunidade ribeirinha, fizemos travessia de barco e na casa de um senhor diabético de 86 anos ouvimos, depois do exame: 4 médicos aqui, quatro médicos me visitando em casa, meu Deus posso morrer feliz. Nunca tinha visto um médico"!

Sem essa de dr., dra.
Fico surpresa quando me dizem que se apresentam aos pacientes como Orlando, Maribel e Oyainis.

Assim, sem dr., dra., termos que aqui no Brasil são acrescidos à profissão de médicos.

Maribel Saborit ri e me diz: "por que dr., dra? Somos iguais, só tivemos mais chance de estudar, ter uma graduação. Mas nossa identidade é a mesma de quando nascemos".

Internet, problemão
O contato com a família é via e-mail, pois falar pelo celular é muito caro.

Cada um tem um tablet 3G, que faz parte dos equipamentos do Mais Médicos. E eles compraram um pacote basicão da Vivo, "mas os créditos somem muito rápido", se queixam. Como falar por telefone é caro demais, sobra conversar por e-mail na internet do celular.

Eu digo a elas e ele que quem mora e luta na Amazônia quando vara uma notícia pro mundo, rompe o cordão sanitário do isolamento em que nos encontramos.

O acesso à internet poderia ser uma forma de ajudar a romper esse cordão, mas temos o pior acesso de todas as cinco regiões do país e no Marajó, o pior acesso do Pará. Estamos ilhados, portanto.

Rendimentos compartilhados
Afinal, o que vocês ganham de salário fica com vocês ou vai pra família, indago? "Parte fica conosco, parte vai para nossas famílias e outra parte vai para o nosso governo, para ajudar o nosso povo cubano", me diz Maribel Hernandez [foto].

"Mas com o que ficamos é suficiente para nos manter, para lazer.

A prefeitura de Melgaço paga nosso alojamento e esse é muito bom: tem um quarto para cada um de nós, com banheiro, cama, ar condicionando. Temos mais que suficiente", fala Maribel Saborit.

E Oyainis completa: "a saúde em Cuba precisa da ajuda de todos nós, porque o país sofre um embargo econômico que é muito doloroso para nossa gente. Então, a ajuda precisa vir de nós, cubanos e de nossos aliados".

Faz parte da nossa formação retribuir
A conversa vai chegando ao fim, pois há várias pessoas chamando o quarteto médico cubano e querendo tirar fotos, indagar, conversar, rir junto.

E eu faço a última inquirição: o que fez vocês saírem de Cuba e vir pra Melgaço? E Maribel Saborit diz:

"olha, faz parte da nossa formação ajudar países e pessoas mais necessitadas com nosso conhecimento que foi dado de forma coletiva e gratuita. Só estamos retribuindo".

Encerramos a conversa e eu fico matutando que grandeza é essa de Cuba e do seu povo que tanto tem a nos ensinar!

Se eu conheço quantos médicos do meu país que fariam algo semelhante aqui mesmo.

Em janeiro [2014] vou a Melgaço numa caravana formativa da Fetagri/CUT no Marajó.

Quero rever meu novo quarteto camarada e amigo e conversar com o povo atendido pelas médicas e pelo médico cubanos.

E só finalizando mesmo: fizemos uma pequena homenagem às 3 médicas cubanas e ao médico cubano ontem à noite na formatura de encerramento do curso de Formação de Formadores promovido pela Escola Chico Mendes da Amazônia e da qual participamos 46 pessoas, de todas as CUTs da Amazônia.

(*) Vera Paoloni é bancária, jornalista e secretária de comunicação da CUT/Pará

Fonte:
http://lapaoloni.blogspot.com.br/2013/12/missao-humanitaria-humildade-e.html

Leia também:
- Mariel para Cuba, Brasil e o socialismo - Beto Almeida

Nota:
A inserção de imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.