23/12/2013 - 2013, o ano das grandes derrotas
- Miguel do Rosário em seu blog O Cafezinho
Retrospectiva de um ano ultracansado
O ano de 2013 foi curioso para o Brasil. Todos saíram derrotados.
A Globo perdeu audiência e foi pega sonegando imposto.
O PT viu seus melhores quadros serem presos.
Um deles (justamente aquele mais traumatizado por quatro anos de tortura na ditadura) foi novamente preso e torturado – desta vez, psicologicamente, de forma ainda mais sádica e cruel, por sete ou oito anos.
Genoíno [foto com José Dirceu] sempre repete para os amigos que a tortura moral infligida pela mídia é muito pior do que a tortura física da ditadura; porque vai direto na sua alma.
Os blogs também perderam.
Ficaram imprensados entre um governo assustado e a loucura revolucionária (?) das ruas.
As ruas… As ruas também perderam.
Depois de mostrar seus enormes pés, as ruas não conseguiram revelar uma cabeça.
A lógica do espetáculo rapidamente prevaleceu. Tornou-se uma diversão de final de tarde.
Os jovens na rua sem saber porque estavam na rua.
Os policiais, também perdidos.
E o helicóptero da Globo sobrevoando e tentando vender audiência.
Ao final, incêndios, quebra quebra e audiência em alta da GloboNews.
A própria Mídia Ninja, que alça os píncaros da fama e ganha ares de ferramenta revolucionária, termina desempenhando o melancólico papel de parasita do caos (ela só ganha audiência se há quebra-quebra, violências e fogo).
E o Fora do Eixo, entidade por trás da Mídia Ninja, se tornou saco de pancadas de coxinhas virtuais.
A imprensa perdeu muito.
As ruas foram agressivas contra as mídias tradicionais.
Jornalistas eram quase linchados em meio à turba de coxinhas enfurecidos.
Quer dizer, nem só coxinhas.
Houve cenas épicas, como a de um sujeito que flagrou o repórter da Globo forjando um protesto contra a Dilma.
O repórter pediu para uma senhora segurar uma plaqueta contra a presidente.
Um homem (um sindicalista) viu a cena e protestou contra aquela fraude sem vergonha, na cara de todo mundo.
Foi um boca a boca memorável, que encerrou com o repórter saindo de fininho, sob uma saraivada de xingamentos e cantorias anti-mídia.
Tudo filmado por um celular.
Aliás, as manifestações de rua tiveram um caráter anti-mídia que a própria mídia, naturalmente, até hoje trata de esconder com unhas e dentes.
A Globo pediu desculpas envergonhadas por ter dado “apoio editorial” à ditadura…
Houve protestos de todo o tipo.
Foi algo tão grande que é difícil enxergar de perto.
Ouvi muita gente caçoar do Arnaldo Jabor [foto abaixo], que logo após as primeiras manifestações declarou que os garotos nas ruas não valiam nem 20 centavos.
Dias depois, ele muda totalmente de ideia e começa a tecer loas aos protestos.
Bem, eu não critiquei o Jabor por mudar de ideia.
Bem aventurados os capazes de mudar, diria o profeta.
O problema está na razão pela qual mudamos, que nem sempre é louvável.
Eu mesmo me portei igual ao Arnaldo Jabor, só que às avessas.
Quando ele criticou, eu elogiei. Quando ele passou a elogiar, eu passei a criticar.
Porque aconteceu uma coisa sinistra, que os coxinhas e os black blocs não perceberam.
Em questão de dias, a mídia se adaptou à nova realidade e iniciou uma estratégia de manipulação que chegou facilmente às ruas.
Se a pauta dos protestos era difusa, a Globo oferecia a solução para todos os seus problemas.
O foco é a corrupção, foi o título de um post de Merval Pereira [foto abaixo] no auge dos protestos.
A mídia também conseguiu transformar a PEC 37, que regulamentava o poder de investigação do Ministério Público, em alvo dos manifestantes [abaixo].
A PEC 33, que impunha limites ao STF, sumiu do mapa.
Com certeza, entre as primeiras e as últimas manifestações, houve reunião emergencial de barões da imprensa e caciques de oposição, provavelmente em alguma sala de luxo no Instituto Millenium.
Eles tomaram decisões rápidas, o que é a grande vantagem de centros de comando enxutos, unificados e com orçamento infinito.
Não estou falando da cúpula do partido comunista chinês, mas do grupinho de endinheirados que domina a mídia brasileira.
Duas ou três famílias de banqueiros, três ou quatro famílias donas das principais infra-estruturas de mídia no país, e pronto, tem-se um bloco de poder avassalador.
O STF é o mais fácil de dominar, porque são poucos, mas o neocoronelismo midiático que vivemos alcança todos os setores, com ênfase nas classes A e B, onde figura a elite do serviço público e das empresas privadas.
As ruas, os coxinhas e os black blocs também perderam.
O Congresso se aproveitou da confusão das pautas e não adotou nenhuma delas.
Os black blocs, depois de usados pela mídia, foram descartados.
E agora, ao final do ano, quando o Senado teria a oportunidade de introduzir pautas progressistas na reforma do Código Penal, o relator Pedro Tacques [foto abaixo], o mesmo Pedro Tacques que tanto elogiou a rebelião das ruas – sobretudo quando enxergou nelas um sopro de oposição popular – agora lhes passa uma sórdida rasteira, ao eliminar os poucos avanços que havia no texto.
Tacques removeu os avanços em relação ao aborto e às drogas.
A democracia perdeu feio em 2013.
Perdeu nas manifestações, quando reprimiu com violência, primeiro; e perdeu quando deixou a coisa rolar frouxa demais, em seguida.
Perdeu com o avanço do STF sobre o Legislativo.
Perdeu com o bloqueio absoluto imposto pela grande imprensa ao debate sobre a democratização da mídia.
Dilma perdeu.
A barbada de 2014 não é mais tão certa. Há variáveis mais complexas e instáveis em ação.
Sua aprovação encerra o ano vinte ou mais pontos abaixo do que tinha em seu início.
A oposição perdeu.
Aécio Neves [foto abaixo com Eduardo Campos] conseguiu a incrível proeza de figurar como um príncipe na mídia e… cair nas pesquisas.
Campos fez algo ainda mais extraordinário: uniu-se a uma campeã eleitoral, que entrou em seu partido e passou a lhe apoiar publicamente e… perdeu intenções de voto (aumentou na primeira pesquisa após sua união com Marina, mas começou a cair em seguida).
O trensalão, o helicóptero do pó, a máfia fiscal da prefeitura paulistana, a coisa de repente ficou feia, em termos “éticos”, para a oposição.
Seu discurso de vestais ficou ainda mais ridículo e falso do que sempre foi.
Eu também perdi algumas coisas este ano.
A virgindade processual, por exemplo.
Agora sou um processado por Ali Kamel [foto D], o todo-poderoso diretor de jornalismo das Organizações Globo, e se perder terei que lhe pagar R$ 41 mil.
Em novembro, sofri meio que um bullying político por parte de simpatizantes de black blocs, reunidos num auditório na UFRJ.
Me puseram na mesa na condição de blogueiro famoso e “criminalizado”, por causa do processo do Kamel.
A meu lado, os parlamentares Jandira Feghali e Jean Wyllys; um advogado da OAB; Mario Augusto Jakobskind, presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI (Associação Brasileira de Imprensa); e um professor que havia passado uns dias num presídio após a polícia lhe prender por varrer a frente da Câmara dos Vereadores.
Eu suspeitei que estava em terreno minado.
Afinal, o que já dei de pancada verbal em black bloc e coxinhas, não tá no gibi.
Eu sou a favor da violência: verbal. E contra violência física.
Os black blocs são o contrário: são a favor da violência física, mas contra a violência verbal: ninguém pode criticá-los.
Todos falaram, inclusive eu, e ao final uma moça se ergueu para me fazer uma pergunta, pegou um bloco e passou a ler um trecho de um post meu de meses atrás.
Eu respondi da forma que pude.
Houve um início de gritaria, com minhas amigas me defendendo e outras pessoas me atacando.
Até que o Jakobskind pegou o microfone e determinou: “temos que cerrar fileiras em torno desse rapaz (eu), porque ele está enfrentando o maior império de todos!”
Jakobskind é um jornalista íntegro e portanto anti-global, até porque ele está lutando para evitar que o candidato da Globo vença as próximas eleições da ABI.
Esse é o tipo de enrascada previsível para um blogueiro de opiniões polêmicas.
Só lamento não ter dado uma resposta clara e firme à moça, porque ela atacou abaixo da cintura: ela conseguiu catar, como quem cata uma pulga, o erro mais grave que cometi, não no conteúdo, mas na forma como eu expressei uma ideia.
Mas ela podia ter pego mil outros exemplos.
Se há política e confronto, haverá sempre algum radical, à esquerda ou à direita, que não concorda com minhas ideias: e pode ser que ele esteja certo, e eu errado.
Eu escrevo diariamente, tanta coisa, e me envolvo em linhas de pensamento sobre as quais preciso meditar com o máximo de urgência. Posso errar, portanto.
Eu errei num post em que narro um episódio no dia 11 de julho, em que algumas amigas minhas se sentiram intimidadas e agredidas por black blocs.
Ao final do post, eu cometo um sério deslize, ao encerrar o post com uma frase deliberadamente vulgar: “se eu vir um mascarado na minha frente sou capaz de lhe dar um murro”.
É chato. Tantos posts intelectualizados, citando latim e teorias políticas, e a pessoa cata uma frase vulgar e brutal presente num post escrito com o fígado.
Repito, sou a favor da violência verbal.
Acho que a violência verbal integra esse universo maior a que alguns chamam liberdade de expressão.
Este é um assunto, aliás, no qual sou absolutamente liberal.
Tenho que ser, porque sem liberdade, eu serei o primeiro a me lascar, visto que, por mais que eu procure ser cuidadoso, não tenho controle total sobre meu (mau) humor e meu sarcasmo.
A literatura é um vale tudo, e literatura de ficção e literatura política às vezes partilham dos mesmos anseios em termos de iconoclastia, subversão e criatividade sintática.
O ano termina, portanto, com um aspecto terrivelmente cansado, como se não tivesse transcorrido apenas um ano, mas uma década. Tenho a impressão, por isso mesmo, de que todos estão exaustos.
Eu me flagrei cometendo errinhos bestas de sintaxe ou lógica em posts recentes.
Esses feriados de Natal e Ano Novo serão providenciais para mim.
O recesso dos poderes públicos nos dão um pouco de paz por alguns dias. Esperemos que a mídia também sossegue.
O ano de 2014 promete ser tão ou mais intenso do que este.
Copa do Mundo, eleições, além dos momentos finais, talvez os mais encarniçados, do debate sobre a Ação Penal 470.
O calor eleitoral reviverá o tema e os esforços canhestros de setores do governo que pretendem “virar a página” darão com os burros n’água.
Na verdade, é provável que os marketeiros se mantenham no terreno das platitudes estéticas.
O trabalho pesado, a desconstrução sistemática das mentiras diárias da mídia, a luta para não deixar que as injustiças da Ação Penal 470 se consolidem como “fato consumado”, ficará sob responsabilidade, como sempre, de blogueiros duros, processados, destemidos e incansáveis.
A diferença é a própria luta de classes e a dicotomia entre o capital e o trabalho, tanto que, em reunião política no Barão de Itararé, discutimos como seria negativo para o Brasil se Dilma obtivesse uma fria e calculista vitória eleitoral, feita por marketeiros, ao invés de uma apaixonada e libertadora vitória política, conduzida por intelectuais, militantes e blogueiros.
Ao menos não estamos mais totalmente sozinhos.
Vários agentes políticos estão se preparando para um embate mais polarizado no ano que vem, e todos que não estarão com a Globo, estarão com a gente.
Da minha parte, construí relações com vários parlamentares, representantes de movimentos sociais e sindicatos, e mesmo com jornalistas da grande imprensa.
No ano que vem, estreitaremos laços com mais gente; esta é a vantagem de um ano eleitoral.
Em ano eleitoral, a mídia perde o monopólio da conspiração política.
Em ano eleitoral, todos viram conspiradores.
Todos fazem reuniões com todo mundo.
O "vamos conversar" de Aécio Neves é o clichê de todos os candidatos, e isso é muito bom.
Num ano em que quase todos os agentes políticos, à esquerda, à direita, na situação e na oposição, na mídia, nas ruas, nos blogs, saíram derrotados, talvez um só tenha sido vencedor. O povo? O Fluminense?
Vou descansar por uns dias.
Tentarei voltar para mais um post antes da virada do ano, mas desde logo lhes desejo um feriado tranquilo e votos de um novo ano cheio de realizações, saúde e felicidade.
Fonte:
http://www.ocafezinho.com/2013/12/23/2013-o-ano-das-grandes-derrotas/
Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.