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sábado, 14 de setembro de 2013

Dez fatos perturbadores sobre a grande mídia

12/09/2013 - Sophie McAdam - Jornal GGN-O jornal de todos os Brasis

O site True Activist criou uma lista de fatos a respeito da grande mídia de massa internacional, relacionados a casos recentes envolvendo jornalismo e poder.

Confira:

1. Grande mídia só existe para dar lucro
Qual o propósito da grande mídia? 

Dizer que a imprensa existe para informar, educar ou entreter é como dizer que a função principal da Apple é fazer com que a tecnologia possa enriquecer nossas vidas

Na verdade, a indústria de mídia de massa é igual a qualquer outra em uma sociedade capitalista: ela existe para dar lucro.

O MediaLens, site britânico que critica o jornalismo convencional (ou empresarial), afirma que todas as empresas, incluindo aquelas que lidam com a mídia, existem apenas para maximizar o retorno aos acionistas – uma “lei” universalmente aceita como algo divino, uma verdade incontestável.

Sem agradar os acionistas e um conselho de administração, as empresas de mídia de massa simplesmente não existiriam. Assim que você entender isso, nunca mais verá as notícias da mesma forma.

2. Os anunciantes ditam o conteúdo
Como é que a busca do lucro afeta a notícia que consumimos? 

Corporações de mídia obtêm a maior parte - geralmente, em torno de 75% - de seu lucro com publicidade, o que significa que são os próprios anunciantes que ditam o conteúdo, não jornalistas. E certamente não são os consumidores.

Imagine que você é editor de um jornal de sucesso ou de um canal de TV com altos índices de audiência. Você atrai receitas de grandes marcas e corporações multinacionais como a BP, a Monsanto e companhias aéreas dos Emirados Árabes Unidos.

Como poderia, então, lidar com temas importantes, como alterações climáticas, alimentos geneticamente modificados ou desastrosos vazamentos de petróleo de uma forma que fosse honesta com seu público e favorável a seus clientes? A resposta é simples: não pode.

Isso pode explicar porque Andrew Ross Sorkin, do jornal The New York Times – patrocinado pela Goldman Sachs –, é tão interessado em defender a corporação.

Andrew Marr, correspondente político da BBC, resume o dilema em sua autobiografia: “A grande questão é se os limites de publicidade remodelam a agenda de notícias. Eles fazem isso, claro. É difícil fazer as somas somarem quando você está chutando as pessoas que assinam os cheques”.

3. Bilionários magnatas e monopólios de mídia ameaçam jornalismo de verdade
A monopolização da imprensa (pequenos grupos de indivíduos ou organizações que controlam partes crescentes dos meios de comunicação) está crescendo a cada ano, e isso é um grave perigo para a ética e a diversidade.

A política pessoal neoliberal do magnata da mídia Rupert Murdoch [foto ]é repassada por seus 175 jornais e endossada por especialistas (vide Fox News) nos canais de TV que ele possui, 123 deles só nos EUA.

Qualquer pessoa que não esteja preocupada com a visão de mundo desse homem sendo consumida por milhões de pessoas em todo o mundo – dos EUA ao Reino Unido, da Nova Zelândia à Ásia, da Europa à Austrália – não está pensando suficientemente sobre as consequências.

É um monopólio abrangente, que não deixa dúvida de que Murdoch é um dos homens mais poderosos do mundo. Mas, como mostrou o escândalo de escutas telefônicas, ele certamente não é o mais honroso ou ético deles.

Assim como não é Alexander Lebedev, um ex-espião da KGB e político que comprou o jornal britânico The Independent em 2010. Com tanta influência (o oligarca bilionário está envolvido em vários setores, desde bancos de investimentos a companhias aéreas), podemos realmente esperar que a cobertura de notícias dessa publicação, que já foi respeitada, vá continuar na mesma linha? Obviamente que não: o jornal que sempre carregou um banner em sua primeira página declarando-se “livre de preconceitos político-partidários, livre da influência do dono”, curiosamente o abandonou em setembro de 2011.

4. Imprensa corporativa está na cama com o governo
Além do óbvio, um dos fatos mais preocupantes que emergiu do escândalo dos grampos telefônicos de Murdoch foi a exposição de ligações obscuras entre altos funcionários do governo e magnatas da imprensa.

Durante o escândalo, e ao longo do Inquérito Leveson sobre a ética da imprensa britânica (ou a falta dela), ficamos sabendo de encontros secretos, ameaças de Murdoch a políticos que não queriam atender o que ele queria, e que o primeiro-ministro David Cameron [foto] tem uma estreita amizade com o então editor-chefe do Sun, Rebekah Brooks [foto].

Como os jornalistas podem fazer o seu trabalho de manter os políticos prestarem contas quando eles estão de férias juntos ou sentam um ao lado do outro em jantares privados? 

Mas o apoio do governo funciona em ambos os sentidos. Cameron tentou ajudar o filho de Murdoch a vencer uma licitação para a BSkyB, enquanto que, bizarramente, o belicista ex-primeiro-ministro Tony Blair é padrinho de filha de Murdoch, Grace.

Esse apoio bilateral também garante uma tendência esmagadora na cobertura de notícias e campanhas eleitorais, inundando jornais com artigos baratos e fáceis, de fontes governamentais inquestionáveis. Além da ausência de criticas contra quem está no poder.

Essas conexões secretas também são responsáveis por grande parte da futilidade incessante da mídia corporativa ao falso patriotismo, especialmente em períodos que antecedem ataques contra outros países.

Uma interessante análise da cobertura da atual situação na Síria, pelo New York Times, por exemplo, demonstra como os jornalistas estão deixando de refletir sobre o sentimento público a respeito da questão de um ataque em grande escala contra Assad pelos EUA (Estados Unidos) e seus aliados.

5. Histórias importantes são ofuscadas por trivialidades
Você poderia ser perdoado por assumir que a parte mais interessante da situação de Edward Snowden [foto], como denunciante, foi sua viagem de avião de Hong Kong para a Rússia, ou sua longa temporada de espera em um aeroporto de Moscou para alguém – ninguém – oferecer-lhe asilo.

Isso porquê, com a exceção do The Guardian, que publicou os vazamentos, em geral, a mídia tem preferido não se concentrar nas condenatórias revelações de Snowden sobre liberdade e tirania, mas sim sobre trivialidades banais – como sua personalidade e antecedentes, se sua namorada sente falta dele, se ele é realmente um espião chinês, e claro, nos lembrar do desenho “Onde está Wally?” e como ele cruzou o mundo inteiro como um fugitivo.

O mesmo poderia ser dito sobre a mudança de sexo de Bradley Manning que, convenientemente, ofuscou a enorme injustiça de sua sentença.

E o que dizer de Julian Assange? Seu perfil na mundialmente respeitada rede BBC foi dedicado quase que inteiramente a manchar seu caráter, em vez de detalhar os profundos impactos do Wikileaks sobre nossa visão do mundo.

Em todos os casos, as principais histórias são desviadas de nossa atenção, que fica perdida em um mar de curiosidades, e habilmente retiradas dos problemas reais que temos nas mãos: aqueles que, invariavelmente, o governo quer que esqueçamos.

6. A grande mídia não faz perguntas
Verifique suas fontes, cheque os fatos” são regras de ouro do jornalismo, mas você não iria supor que isso é feito a partir da leitura da imprensa ou de canais de TV corporativos.

Neste momento, Obama está batendo os tambores para uma guerra contra a Síria. Após acusações dos EUA e do Reino Unido de que Assad foi o responsável por um ataque químico contra seu próprio povo, no mês passado, a maioria dos grandes jornais, como o New York Times, não exigiu provas do ataque em grande escala.

Mas há várias boas razões para que os jornalistas questionem a história oficial.

Em primeiro lugar, o jornal de extrema-direita britânico The Daily Mail publicou uma notícia, em janeiro deste ano, sobre vazamento de e-mails de uma empresa de armas britânica, mostrando que os EUA estavam planejando um ataque químico contra civis na Síria.

Eles, então, culpariam Assad para obter apoio público para uma posterior invasão em larga escala. O artigo foi rapidamente apagado, mas uma versão em cache ainda existe.

Veja abaixo a carta:


Outra evidência recente atinge o inacreditável.

Verificou-se que os produtos químicos usados para fazer o gás usados no ataque foram enviados do Reino Unido, e a inteligência alemã insiste que Assad não foi o responsável pelo ataque químico.

Enquanto isso, um hacker ativista revelou evidências de envolvimento de agências de inteligência norte-americanas no massacre, que sugerem que houve uma conspiração tramada por potências ocidentais.

Nâo esqueça dos laços da mídia corporativa tanto com grandes empresas como com o governo antes de aceitar o que lhe é dito.

Se o jornalismo está morto, você tem o direito e o dever de fazer suas próprias perguntas.

7. Jornalistas corporativos odeiam jornalistas reais
Michael Grunwald, correspondente do Times, tuitou que não podia esperar para escrever uma reportagem sobre quando um drone matasse Julian Assange.

O escritor David Sirota sublinhou a ironia do fato: “Aqui temos a excitação expressa de um repórter sobre a perspectiva de o governo executar o editor de informações que se tornou a base para algumas das mais importantes informações jornalísticas da última década”.

Sirota passou a notar vários exemplos do que ele chama de “jornalistas contra o clube do Jornalismo”, e cita vários exemplos, como o colunista do The Guardian, Glenn Greenwald, que foi atacado pela imprensa corporativa por causa dos vazamentos feitos por Snowden.

Andrew Ross Sorkin, do New York Times, pediu a prisão de Greenwald, enquanto David Gregory, da NBC, declarou que Greenwald tem “ajudado e instigado Snowden”.

Quanto à questão de saber se os jornalistas podem, de fato, ser francos, Sirota observa precisamente que tudo depende se suas opiniões servem ou desafiam o status quo, e, assim, passam à lista da hipocrisia dos críticos de Greenwald: "Grunwald tem dado opiniões barulhentas que orgulhosamente apoiam os ataques aéreos do governo e de vigilância."

As opiniões de Sorkin promovem os interesses de Wall Street.

David Broder (do The Washington Post) tinha opiniões que sustentavam, entre outras coisas, a agenda comercial do “livre” serviço corporativo do governo.

Bob Woodward (também do Washington Post) tem opiniões de apoio cada vez maiores ao orçamento do Pentágono, que enriquece empreiteiros do setor de defesa.

Jeffrey Goldberg (The Atlantic's) promove o complexo militar-industrial, e geralmente tem opiniões pró-guerra.

Thomas Friedman (New York Times) tem as mesmas opiniões de todos os outros, promovendo o “livre” comércio, por exemplo.

Esas vozes lealmente promovem os pressupostos não declarados que servem às estruturas de poder e que dominam a política americana. Todas as suas opiniões particulares não são sequer tipicamente retratadas como opiniões, pois geralmente representam "objetividade sem polêmicas”.

8. Má notícia vende, boa notícia é censurada, e fofocas de celebridades são questões importantes
É triste mas é verdade: uma má notícia realmente vende mais jornais. Mas por quê?

Será que estamos realmente tão pessimistas? Será que saboreamos o sofrimento dos outros? Estamos secretamente felizes de que algo terrível aconteceu com alguém, que não seja nós?

Lendo a imprensa corporativa como um alienígena em visita à Terra, você poderá achar isso.

Geralmente, a cobertura de notícias é sensacionalista e deprimente como o inferno, com tantas páginas dedicadas a homicídios, estupros e pedofilia, mas nenhuma (ou muito poucas) para as centenas de milhares de boas ações e movimentos incrivelmente inspiradores que ocorrem a cada minuto de cada dia em todo o planeta.

As razões para consumirmos más notícias é perfeitamente lógica.

Em tempos de paz e harmonia, as pessoas simplesmente não sentem a necessidade de educar-se, tanto quanto o fazem em épocas de crise. Essa é uma boa notícia para quem começava a se desesperar com a ideia de que os seres humanos são apáticos, odiosos e mudos.

Poderia-se argumentar que esse fato preocupante e simples é um grande incentivo para a indústria da comunicação social para fazer algo que vale a pena.

Ela poderia começar a oferecer um ângulo positivo e de esperança para uma mudança. Poderia usar períodos obscuros de maior interesse público para transmitir uma mensagem de paz e de justiça. Poderia refletir o desejo da humanidade por soluções e nossas preocupações urgentes com o meio ambiente. Poderia atuar como a voz de uma população mundial que sofreu bastante com violência e mentiras, para fazer campanha voltada à transparência, à igualdade, à liberdade, à verdade e à verdadeira democracia. 

Venderia jornais? Acho que sim. Poderiam até mesmo defender alguns políticos em nome do povo.

Mas, para o futuro próximo, é provável que a imprensa corporativa só venha a desviar nossa atenção com outra foto da bunda da Rihanna, outro rumor sobre os hábitos de Justin Bieber ou outro artigo sobre Kim Kardashian usando saltos altos com os tornozelos inchados durante a gravidez. 

9. Quem controla a linguagem controla a população
Você já leu clássico romance de George Orwell, “1984”? 

Ele tornou-se uma referência-clichê na distopia de hoje, isso é verdade, mas com uma boa razão.

Há muitos, muitos paralelos entre o futuro obscuro e imaginário de Orwell e nossa realidade atual, mas uma parte importante de sua visão se concentra na língua.

Orwell cunhou o termo “novilíngua” para descrever uma versão simplista do idioma inglês com o objetivo de limitar o livre pensamento sobre as questões que desafiam o status quo (criatividade, paz e individualismo, por exemplo).

O conceito de novilíngua inclui o que Orwell chamou de “duplipensar” – como a linguagem é construída de forma ambígua, ou mesmo invertida, para transmitir o oposto do que é verdadeiro.

Em seu livro, o Ministério da Guerra é conhecido como o Ministério do Amor, por exemplo, enquanto o Ministério da Verdade lida com propaganda e entretenimento. Soar familiar?

Outro livro que investiga o tema mais profundamente é “Unspeak”, uma leitura obrigatória para qualquer pessoa interessada em linguagem e poder e, especificamente, em entender como as palavras são distorcidas para fins políticos.

Termos como “mísseis mantenedores da paz”, “extremistas” e “zonas livres”, as armas sendo referidas como “espólios”, ou eufemismos comerciais enganosos como “enxugamento” para redundâncias e “por do sol” para o extermínio – esses e centenas de outros exemplos demonstram como a linguagem pode ser poderosa.

Em um mundo de crescente monopolização da mídia corporativa, aqueles que exercem o poder podem manipular palavras e, portanto, a reação do público, para incentivar o cumprimento, defender o status quo, ou provocar medo.

10. A liberdade de imprensa não existe mais
A única imprensa que está atualmente livre (pelo menos por enquanto) é a publicação independente, sem anunciantes corporativos, conselho de administração, acionistas ou diretores executivos.

Detalhes de como o Estado redefiniu jornalismo são mencionados no item nº 7, mas o melhor exemplo recente seria o tratamento do governo ao The Guardian sobre a publicação dos vazamentos de Snowden.

É bom ressaltar que é possível que esse jornal jogue conosco, assim como qualquer outro – o Guardian Group não é peixe pequeno, afinal.

Por outro lado deveríamos achar difícil de acreditar que, depois da publicação dos arquivos da NSA, o editor Alan Rusbridge relatou o que foi dito pelas autoridades: “você já teve o seu divertimento, agora devolva os arquivos”; que os funcionários do governo invadiram a redação e destruíram discos rígidos, ou que o parceiro de Greenwald, David Miranda, foi detido por nove horas em um aeroporto de Londres sob a Lei de Terrorismo, e teve apreendidos documentos relacionados com a história contada pelo colunista?

O jornalismo, lamentou Alan Rusbridge, “pode estar enfrentando uma espécie de ameaça existencial”.

Conforme escreveu o âncora da CBS Evening News, Dan Rather: “Temos alguns príncipes e condes hoje, mas certamente eles têm seus equivalentes modernos que buscam gerenciar a notícia, fazer fatos desagradáveis desaparecerem e eleger os representantes que estão a serviço de sua própria agenda econômica e social.

A 'imprensa livre' não é mais um fiscal do poder. Ela foi transformada em parte do próprio aparato de poder”.

Fonte:
http://jornalggn.com.br/noticia/dez-fatos-perturbadores-sobre-a-grande-midia

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Por que a mídia não quer que mude nada

10/09/2013 - Paulo Nogueira [*]- Diário do Centro do Mundo

Como mostra a lista de bilionários da Forbes, as famílias lucram extraordinariamente com os privilégios que têm.

Na rarefeita lista dos bilionários brasileiros montada pela revista Forbes estão quatro donos de empresas de mídia: os três irmãos Marinhos – Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto – [foto] e Giancarlo Civita, o Gianca, primogênito e um dos herdeiros de Roberto Civita. [Editora Abril]

Essa simples informação – a lista da Forbes não é científica, mas ao longo de décadas seus editores desenvolveram métodos sofisticados de apuração – explica por que a mídia brasileira luta tanto contra qualquer mudança que represente o fim de seus imensos privilégios e mamatas.

O número 1 é o investidor Jorge Paulo Lemann. Mas se você combinar as fortunas dos três herdeiros de Roberto Marinho, Lemann é ultrapassado com 
folga.

Um olhar de floresta sobre a listagem mostra que 124 pessoas concentram 12,3% do PIB brasileiro.

Eis um número que se pode classificar de miserável: é a representação da extrema iniquidade do país.

Vi a notícia no site da Exame, da Abril, e evidentemente fui lê-la. Um bom texto, exceto por uma omissão que mostra como é difícil a vida dos jornalistas profissionais no Brasil de hoje: entre os setores que abrigam os bilionários não estava citada a mídia.

Presumo que o editor, ou o próprio redator, tenham tirado a menção por cuidado.

A voz rouca das ruas não tem ideia das facilidades que as grandes empresas de mídia têm recebido ao longo dos tempos do Estado. Ou, para sermos mais precisos, do contribuinte.

O papel usado, por exemplo, é isento de impostos. É o chamado “papel imune”, no jargão interno das empresas de jornalismo. Tampouco elas pagam 
ISS sobre as vendas de publicidade.

Ao longo da história, órgãos como o BNDES e o Banco do Brasil concederam empréstimos a juros maternos para a mídia, sempre com dinheiro público.

Nos anos 1980, o Jornal do Brasil pagava suas dívidas perante o Banco do Brasil com anúncios. Mesmo assim, quebraria por causa de uma gestão ruinosa.

É um clássico na mídia: a administração é lastimável. Isso se explica, em parte, pela absurdamente anacrônica reserva de mercado mantida para as 
grandes corporações jornalísticas.

A reserva – que a mídia combate em todos os setores exceto o dela mesma – impede a concorrência estrangeira. Mas o preço pela facilidade são gestões trôpegas, típicas de quem goza de reserva. Para as famílias acionistas é uma coisa boa, mas para a sociedade é péssimo.

Administrações atrapalhadas ajudam a entender por que, mesmo com tantas vantagens bancadas com dinheiro público, as empresas de mídia frequentemente estiveram à beira da quebra. Muitas foram além disso e se instalaram no cemitério.

Veja a diferença.

No exterior, Rupert Murdoch [foto], da News Corp, construiu um império global à base de risco.

Murdoch foi da Austrália para o Reino Unido, e de lá para os Estados Unidos, com base em apostas que poderiam levá-lo ao céu ou ao inferno.

No final da década de 1980, ele decidiu investir em tevê por satélite. Pegou dinheiro emprestado em bancos e montou a Sky. Mas as coisas não correram como o esperado, e ele esteve à beira de ir à bancarrota.

Foi obrigado pelos credores a se juntar em tevê por satélite com a rival da Sky, a BSB. Pouco tempo atrás, ele estava com o dinheiro pronto para comprar a parte da BSB por mais de 20 bilhões de reais. O negócio só não foi feito porque o escândalo de seu tabloide levou o governo britânico a proibir a aquisição.

Veja, em contraste, como a Globo construiu sua supergráfica que foi concebida, pausa para rir, para uma tiragem de mais de 1 milhão de exemplares do Globo.

A Globo foi buscar dinheiro no lugar de sempre, o BNDES. Ou seja, a viúva e os pensionistas foram convocados para ajudar a família Marinho.

A mídia tem tido no Brasil um “Estado-babá”. Isso é bom para seus acionistas, como se vê pela Forbes.

Para a sociedade, é uma tragédia.

[*] O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.

Fonte:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/por-que-a-midia-nao-quer-que-mude-nada/

Leia também:http://contextolivre.blogspot.com.br/2013/09/dez-fatos-perturbadores-sobre-grande.html

domingo, 1 de setembro de 2013

Globo admite "erro" em 64. Haja medo!


Por Altamiro Borges - em seu Blog

O Globo publicou neste sábado (31) um artigo que entrará para a história da mídia nativa. O jornal finalmente assume que o "apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro" - estampa já no título. O texto é maroto, cheio de distorções históricas, mas confirma que a arrogante Rede Globo está com medo. Medo dos protestos de rua contra o império global, que um dia antes voltaram a ocupar os portões da emissora em vários estados. Medo da repercussão na blogosfera das denúncias sobre a bilionária sonegação fiscal da empresa. Medo da concorrência no setor, principalmente com a presença das multinacionais da tecnologia, como a Google, que abocanham gordas fatias do mercado publicitário.


Com o editorial, a famiglia Marinho tenta recuperar um pouco da credibilidade perdida, expressa na queda da tiragem do jornal e da audiência da emissora. O jornalão mesmo admite que os protestos de rua estão incomodando. "Desde as manifestações de junho, um coro voltou às ruas: 'A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura'. De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma verdade dura. Já há muitos anos, em discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio foi um erro". Mas só agora o império confirmou o seu bárbaro crime!

O jornal garante que o texto de autocrítica já estava pronto há meses - mas quem vai acreditar num império que sempre mente e manipula? E afirma, posando de humilde: "Não lamentamos que essa publicação não tenha vindo antes da onda de manifestações, como teria sido possível. Porque as ruas nos deram ainda mais certeza de que a avaliação que se fazia internamente era correta e que o reconhecimento do erro, necessário. Governos e instituições têm, de alguma forma, que responder ao clamor das ruas. De nossa parte, é o que fazemos agora, reafirmando o nosso incondicional e perene apego aos valores democráticos". Só mesmo um ingênuo para acreditar nesta bravata!

Na sequência, o texto ainda tenta justificar o apoio ao golpe. "O Globo, de fato, à época, concordou com a intervenção militar, ao lado de outros grandes jornais, como 'O Estado de S.Paulo', 'Folha', 'Jornal do Brasil' e o 'Correio da Manhã', para citar apenas alguns. Fez o mesmo parcela importante da população, um apoio expresso em manifestações e passeatas organizadas em Rio, São Paulo e outras capitais. Naqueles instantes, justificavam a intervenção dos militares pelo temor de outro golpe, a ser desfechado pelo presidente João Goulart, com amplo apoio de sindicatos - Jango era criticado por tentar instalar uma 'república sindical' - e de alguns segmentos das Forças Armadas".

O Globo só não confessa que ajudou a criar o clima para o golpe militar, que investiu pesado para desestabilizar um governo democraticamente eleito e que manipulou para incitar a classe "mérdia". O jornal também nada fala sobre a conspiração orquestrada pelo governo dos EUA, pelo latifúndio e por grandes empresários contras as "reformas de base" anunciadas por Jango. Um complô em que a imprensa, historicamente reacionária, teve papel determinante. Pesquisas da época indicam que João Goulart tinha o apoio da maioria da sociedade. Mas o "partido da imprensa golpista" fez de tudo para derrubá-lo e para instalar uma ditadura sanguinária no país.

O editorial ainda afirma que "naquele contexto, o golpe, chamado de 'Revolução', termo adotado pelo Globo durante muito tempo, era visto como a única alternativa para manter no Brasil uma democracia". O jornal nada fala sobre os seus vínculos estreitos com os generais golpistas e os torturadores e assassinos da ditadura. Não explica como a famiglia Marinho construiu seu poderoso império com o apoio do regime militar. No maior cinismo, ainda insinua que ajudou na luta pela democratização do país. "Nos vinte anos durante os quais a ditadura perdurou, O Globo, nos períodos agudos de crise, mesmo sem retirar o apoio aos militares, sempre cobrou deles o restabelecimento, no menor prazo possível, da normalidade democrática".

O Globo não explica porque escondeu a campanha das Diretas-Já, tornando um ato da campanha numa "festa de aniversário" de São Paulo; porque maquiou Collor de Mello como o "caçador de marajás' para derrotar o operário Lula nas eleições presidenciais; porque foi o baluarte do projeto destrutivo e regressivo do neoliberalismo no triste reinado de FHC. Também nada fala sobre a sua ofensiva para "sangrar" de Lula e da sua campanha descarada contra a eleição de Dilma Rousseff.

Ao final, o editorial afirma que "a História não é apenas uma descrição de fatos, que se sucedem uns aos outros. Ela é o mais poderoso instrumento de que o homem dispõe para seguir com segurança rumo ao futuro: aprende-se com os erros cometidos e se enriquece ao reconhecê-los". A famiglia Marinho não aprendeu nada com a História!


Fonte: http://altamiroborges.blogspot.com.br/2013/09/globo-admite-erro-em-64-haja-medo.html?spref=tw


Globo: o dor da saturação

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

O "controle" da mídia no Brasil


Sim. Existe ‘controle’ da mídia no Brasil


*Por Venício A. de Lima em 27/08/2013 na edição 761 - Observatório da Imprensa

     
Em debate sobre “A mídia e a corrupção”, realizado durante o seminário “Corrupção: diálogos interdisciplinares”, promovido pelo tradicional Centro Acadêmico Afonso Pena (CAAP), da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, na quarta-feira (21/8), respondi a uma pergunta de futura advogada preocupada em saber se as normas e princípios da Constituição de 1988 permitiam o “controle” sobre a mídia no Brasil.

Respondi de imediato: não; claro que não. As normas e princípios da Constituição de 1988 impedem claramente que haja “controle” do Estado sobre a mídia. Não há possibilidade de volta à censura estatal nem de qualquer ameaça do Estado à liberdade de expressão ou à liberdade da imprensa.

Embutido na pergunta, tudo indica, estava o conhecido mantra da grande mídia brasileira e de seus eloquentes porta-vozes que identificam qualquer manifestação sobre regulação, independentemente de sua origem, como tentativa autoritária de “controlar” a mídia por intermédio do Estado ou, em outras palavras, volta à censura estatal, atentado à liberdade de expressão e à liberdade da imprensa (tratadas, aliás, como se fossem a mesma coisa).

Resposta errada

O debate continuou, outras perguntas foram feitas e me dei conta de que havia cometido um erro grave. Minha resposta assumia como verdadeiro o falso pressuposto contido no mantra da grande mídia de que somente o Estado pode “controlar” a mídia.

Solicitei, então, ao mediador do debate que, por favor, me permitisse corrigir uma resposta incorreta.

Sim. Apesar das normas e princípios da Constituição de 1988 é possível que exista “controle” sobre a mídia. Na verdade, esse “controle” vem sendo exercido diariamente. Todavia, não pelo Estado, mas pelos oligopólios privados de mídia.

São esses oligopólios que – contrariando as normas e princípios da Constituição em vigor – “controlam” a mídia e ameaçam a liberdade de expressão e a liberdade da imprensa ao impedir o acesso das vozes da maioria da população brasileira ao espaço de debate público cuja mediação, apesar das TICs, monopolizam.

Constituição não regulamentada


Esse “controle” da mídia pelos oligopólios privados se sustenta de diferentes formas. Uma delas é o poderoso (e bem remunerado) lobby que nos últimos 25 anos tem pressionado continuamente deputados e senadores e impedido que normas e princípios da Constituição de 1988 relativas à comunicação social sejam regulamentados. Sem serem regulamentados, não são cumpridos.

É por isso que, apesar de a Constituição rezar que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio” (parágrafo 5º do artigo 220), apenas uns poucos grupos privados controlam os meios de comunicação diretamente ou indiretamente através de “redes” de afiliadas cuja “formação” não obedece a qualquer regulação.

É por isso que, apesar de a Constituição rezar que “os Deputados e Senadores não poderão firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes” (alínea ‘a’ do inciso I do artigo 54), muitos deles mantêm vínculos com empresas privadas concessionárias do serviço público de radiodifusão, numa viciosa circularidade que inviabiliza a aprovação de projetos que regulem as normas e princípios constitucionais sobre a comunicação social no Congresso Nacional.

É por isso que, apesar de a Constituição rezar que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão devem atender “aos princípios de preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família” (artigo 221), o que se escuta nas emissoras de rádio e se vê na televisão, salvo raras exceções, é exatamente o oposto.

É por isso que, apesar de a Constituição rezar que as outorgas e renovações de concessões, permissões e autorizações para o serviço público de radiodifusão sonora e de sons e imagens devem “observar o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal” (artigo 223), a imensa maioria das concessões, permissões e autorizações de radiodifusão no país continua a ser explorada por empresas privadas.

O paradoxo do Estado financiador do “controle” privado

No Brasil, os “critérios técnicos” adotados pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom-PR) para distribuição dos recursos oficiais de publicidade se baseiam na diretriz “comercial” que considera “a audiência de cada veículo [como] o balizador de negociação e de distribuição de investimentos. A programação de recursos deve ser proporcional ao tamanho e ao perfil da audiência de cada veículo” (ver “Transparência e a desconcentração na publicidade do governo federal“).

Como já argumentei neste Observatório (ver “Publicidade oficial: Quais critérios adotar?“), o artigo 1º da Constituição de 1988 reza que um dos fundamentos da democracia brasileira é o pluralismo político (inciso V) e, logo em seguida, o artigo 5º garante que é livre a manifestação do pensamento (inciso IV). Essa garantia é confirmada no caput do artigo 220, que impede a existência de qualquer restrição à manifestação do pensamento, à expressão e à informação.

Por outro lado, o inciso I, do artigo 2º do Decreto nº 6.555/2008, que “dispõe sobre as ações de comunicação do Poder Executivo Federal”, determina que “no desenvolvimento e na execução das ações de comunicação (...), serão observadas as seguintes diretrizes, de acordo com as características de cada ação: afirmação dos valores e princípios da Constituição”.

Decorre, portanto, que a responsabilidade primeira da negociação e distribuição de qualquer investimento oficial – inclusive, por óbvio, aqueles de publicidade – deveria ser a proteção e garantia do pluralismo político e da liberdade de expressão.

Da mesma forma, considerando apenas que “a programação de recursos deve ser proporcional ao tamanho e ao perfil da audiência de cada veículo”, a Secom-PR descumpre também os princípios gerais da atividade econômica definidos no “Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira” da Constituição.

Na verdade, contrariam-se os incisos IV (livre concorrência), VII (redução das desigualdades regionais e sociais) e IX (tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte) do artigo 170, e o parágrafo 4º (repressão ao abuso de poder econômico, com vistas à eliminação da concorrência e aumento arbitrário dos lucros) do artigo 173.

A Secom-PR – vale dizer, o Estado brasileiro –, paradoxalmente, tem sido um dos principais financiadores do “controle” que os oligopólios privados exercem sobre a mídia no Brasil.

Inversão da realidade


Ao difundir a noção de que o Estado brasileiro é o único agente capaz de exercer o “controle da mídia” e, ainda mais, ao empunhar como exclusivamente suas as bandeiras da liberdade de expressão e da liberdade da imprensa, os oligopólios privados de mídia constroem publicamente a imagem daqueles que pelejam para que mais vozes tenham acesso ao debate público como se fossem os inimigos da liberdade e pretendessem fazer exatamente o que, de fato, já é feito por eles, os oligopólios privados – isto é, o “controle” da mídia.

Com o desmesurado poder de que desfrutam, conseguem fazer prevalecer publicamente uma inversão do que de fato acontece (o processo de “inversão da realidade”, como se sabe, foi identificado, nomeado e explicado faz mais de 150 anos).

O debate na Faculdade de Direito da UFMG me ofereceu a oportunidade de argumentar, ainda uma vez mais, que, apesar das normas e princípios da Constituição de 1988, existe, sim, “controle” da mídia no Brasil. E ele tem sido exercido exatamente por aqueles que se apresentam como defensores exclusivos da liberdade de expressão e da liberdade: os oligopólios privados de mídia.

***

*Venício A. de Lima é jornalista e sociólogo, professor titular de Ciência Política e Comunicação da UnB (aposentado), pesquisador do Centro de Estudos Republicanos Brasileiros (Cerbras) da UFMG e autor de Política de Comunicações: um Balanço dos Governos Lula (2003-2010), Editora Publisher Brasil, 2012, entre outros livros

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A linguagem que veio das ruas


Por Luciano Martins Costa em 12/08/2013 na edição 758

Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 12/8/2013

   
A análise da mídia requer atenção a detalhes da narrativa, como as escolhas de ícones e a sua distribuição no tempo e no espaço de cada mensagem, de acordo com o meio em que se aplica. Na rotina, as intenções que se escondem sob a falsa objetividade do texto jornalístico podem ser identificadas nos módulos de informação que são destacados nas manchetes e no alto da páginas de jornais, nas capas de revistas e nas “chamadas” reiteradas dos telejornais.

Em todos os casos, os temas sobre os quais a imprensa quer chamar mais atenção ganham mais centímetros por coluna na mídia impressa e mais segundos preciosos na televisão, comumente acrescentando-se personagens e comentários de especialistas, cuja credibilidade é bancada pelo próprio veículo.

Eventualmente, as coisas da vida, como uma doença ou a falta de preparo intelectual ou psicológico, reduzem o valor de um ou outro desses analistas, como no caso de uma protagonista onipresente no rádio e na TV, que costumava ser convocada para falar de tudo, e acabou se atrapalhando num dia em que, tendo ingerido uma quantidade maior de bebida alcoólica, colocou no ar a voz pastosa dos embriagados.

Esse modelo de jornalismo está em recesso, por algumas razões que exigem um pouco mais de esforço do observador. Quase todas essas razões têm relação direta com o conjunto de elementos presentes nas manifestações que paralisaram muitas das grandes cidades brasileiras no mês de junho.

O fato de milhares de cidadãos, na maioria jovens, haver denunciado a falta de representatividade do sistema partidário e a falta de credibilidade das instituições republicanas, de alguma forma levou a imprensa a se distanciar um pouco do objeto central de suas pautas – a política partidária – e abrir o olhar para outros aspectos da vida social. Assim é que proliferam reportagens sobre transporte público, assunto que ganhou centralidade após os protestos liderados pelo Movimento Passe Livre.

Por outro lado, a questão das multiparcialidades, colocada em debate com a grande evidência dada ao coletivo Mídia Ninja a partir dos mesmos eventos que tomaram as ruas, induz os jornalistas a reflexões sobre a bipolaridade que marca o debate político nos últimos anos.

Não por acaso, esse é um dos temas anunciados na primeira página do Estado de S.Paulo na edição de segunda-feira (12/8), sobre um artigo que analisa resultados de pesquisa eleitoral que mostra a recuperação da popularidade da presidente da República.

Detalhes da narrativa

A diluição da bipolaridade entre PT e PSDB, que transformou todos os debates em briga de torcidas, tem uma relação direta com a explicitação de uma complexidade na qual os analistas se veem obrigados e constatar, por exemplo, os limites da mídia tradicional na cobertura de eventos de massa.

De outra parte, torna-se obrigatório compreender como funcionam os coletivos de mídia, que por sua vez nascem dos coletivos de produção cultural, que por seu lado são resultado de políticas públicas que contornaram o campo dominado pela indústria hegemônica de entretenimento e informação.

Entre os detalhes dessa mudança, registre-se a inclusão da expressão “coletivo” na narrativa jornalística tradicional. Por exemplo, em reportagem publicada domingo (11/8) pelo Estado, sobre projeto da prefeitura paulistana de regularizar a situação de imóveis ocupados por movimentos de sem-teto no centro de São Paulo, há espaço para o registro de uma experiência social de convivência num prédio de treze andares tomado por 170 famílias desde outubro de 2012.

No texto do jornal, há referências à gestão coletiva do imóvel, que reúne famílias sem casa, prostitutas, imigrantes do Haiti, estudantes de arquitetura, intelectuais e ativistas de movimentos sociais (ver aqui). O prédio tem internet coletiva, creche, cozinha comunitária, hortas nas sacadas, biblioteca, sala de cinema, e um conjunto de regras que prioriza o bem-estar coletivo.

Ler no vetusto diário paulista um texto que se refere a “coletivos culturais”, “produtores independentes” e “moradia popular” sem o velho ranço reacionário que caracteriza tradicionalmente a imprensa, é um desses detalhes a ser registrado.

Nos debates que se prolongam nas redes sociais sobre problemas na ação do coletivo Fora do Eixo, que deu origem ao grupo denominado Mídia Ninja,o foco das análises críticas de alguns intelectuais são os desvios. No entanto, até a mídia tradicional começa a ver as possibilidades de uma nova forma de vida comunitária e produção de cultura que não precisa de referências bibliográficas para acontecer.

Fonte: Observatório da Imprensa

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_linguagem_que_veio_das_ruas

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Sinais vitais preservados


Por Luciano Martins Costa em 08/08/2013 na edição 758

Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 8/8/2013

     
Os principais jornais de circulação nacional parecem revigorados na quinta-feira (8/8), mas não se pode afirmar se por méritos próprios ou por imposição dos fatos. Algumas decisões editoriais apontam para mudanças que já haviam sido notadas por outros observadores, por exemplo, no registro de que a Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo davam sinais de ter desembarcado do apoio incondicional ao partido que governa os paulistas há quase duas décadas (ver “Tucanos começam a ser abandonados”).

Outras escolhas parecem indicar que a imprensa tradicional está sendo obrigada a ampliar a diversidade de interpretações que costuma oferecer aos seus leitores sobre o cotidiano, com a emergência de novas fontes de informações e opiniões no ambiente digital.

Na Folha, surpreende a decisão de inserir o nome do ex-governador José Serra no meio do escândalo detonado pela revelação de que um cartel de empresas comandou as obras do sistema de metrô e trens metropolitanos em São Paulo.

Embora, acertadamente, o jornal tenha oferecido ao ex-governador um espaço generoso para suas explicações, “bondade” que nem sempre contemplou outros personagens de histórias pouco edificantes, sua citação como tendo proposto um acerto entre a alemã Siemens e a espanhola Construcciones y Auxiliar de Ferrocarriles, fornecedoras de trens e equipamentos, para resolver uma licitação, é fato inusitado.

Nesse mesmo assunto, também surpreende a disposição do Estado de S.Paulo de buscar novos elementos informativos em fontes diversas, revelando, por exemplo, como funcionou o sistema de pagamento de propina por parte da francesa Alstom, também envolvida no escândalo, a integrantes do governo paulista e do PSDB. Na parte do esquema que tem a Siemens como epicentro, o Estado revela a existência de conta bancária na Suíça, por meio da qual teriam sido feitos pagamentos a diretores da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos entre 2001 e 2002.

O Globo segue de longe o caso que lança os tucanos paulistas no inferno astral, mas se destaca em outros temas, como nos dados sobre a queda da inflação, assumindo que a menor alta em três anos, para o mês de julho, remete o custo de vida de volta à meta do governo federal.

Interessante observar também que o jornal carioca destaca o fato de que as manifestações de junho foram determinantes para a queda dos indicadores, porque obrigaram muitas prefeituras a congelar as tarifas de transporte público, o que produziu um efeito significativo no resultado geral.

Respirando sem aparelhos

Há algo de surpreendente num dia como este, em que as edições dos três principais jornais do país parecem oferecer uma visão mais diversificada da realidade nacional, depois de haverem se dedicado, semana após semana, a incutir na população o veneno do catastrofismo, com manchetes negativas sobre a economia, e após terem produzido uma sucessão de reportagens e artigos tentando vincular o atual governo à insatisfação das ruas.

Teriam os editores dos jornais sofrido uma crise de consciência, após o confronto entre a visão tradicional da imprensa e a perspectiva da multiparcialidade, inserida nos debates públicos por entrevistas dos jovens do Mídia Ninja natelevisão?

Muito improvável. O que parece mais verossímil é uma conjunção de elementos que podem ser coletados nos próprios jornais.

Primeiro, a decisão dos diretórios do PSDB de sacramentar a candidatura do senador mineiro Aécio Neves à Presidência da República no ano que vem passa a exigir de seus correligionários – em especial aqueles colocados em postos importantes da imprensa – uma ação política objetiva. Nesse sentido, é mais conveniente acelerar a apuração do escândalo que envolve o PSDB paulista, ao contrário do que ocorreu no caso do chamado “mensalão”, que foi deliberadamente arrastado como um cadáver insepulto por pelo menos cinco anos.

Segundo, considere-se o soluço dos preços, que a imprensa tentou transformar em inflação galopante e até em “carestia” – expressão absolutamente inapropriada para a situação econômica do Brasil –, propalada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo senador Neves e exaustivamente repetida por jornais e revistas entre abril e junho. Analistas prestigiados pela imprensa tradicional vêm dizendo que a oscilação dos preços faz parte do contexto comum aos mercados emergentes, e que nada indica o risco de uma volta da inflação.

Em terceiro lugar, observe-se que, no caso do escândalo que afeta o núcleo fundador do principal partido de oposição ao governo federal, há sinais claros da ocorrência de “fogo amigo”, ou seja, parte das informações que chegam aos jornais tem origem no próprio PSDB.

Muito mais se poderia dizer, e a complexidade dos fatos desautoriza especulações, mas na quinta-feira, 8 de agosto, o jornalismo parece estar respirando sem ajuda de aparelhos.

Fonte: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/sinais_vitais_preservados

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Veja a aula de jornalismo do Sakamoto

Leonardo Sakamoto 06/08/2013


Sakamoto, tudo bem?

Gosto muito do seu blog, apesar de nem sempre concordar com você. Adoro a área de direitos humanos e sempre quis fazer jornalismo para cobrir problemas sociais. Sei que é besta, mas mudar o mundo, sabe? Sei que há boas faculdades em São Paulo e meus pais têm como pagar o curso.

Mas estou em dúvida. Como você é professor de jornalismo, gostaria que me convencesse a fazer esse curso.

Abraços!

Cara, tudo bem?

Se não se importa, vou publicar no blog a resposta que te mandei, ok?

Hipoteticamente, vamos fazer de conta que exista uma faculdade de jornalismo que cobre R$ 1750,00 por mês dos alunos. É claro que nenhuma instituição em sã consciência extorquiria isso a menos que oferecesse aulas holográficas em 3D, free cupcakes nos intervalos e contasse com a presença de lêmures amestrados de Madagascar para carregar a mochila dos estudantes.

Mas façamos de conta que ela exista. Por mais profundos e interessantes que os debates possam ser nessa instituição, por mais amplo o conhecimento à disposição por lá, se você tem um terço desse dinheiro e ainda não precisa trabalhar para viver, arriscaria uma heresia para quem é professor de jornalismo: não entre na faculdade, vá viajar.

Compre um tablet, pode ser o mais vagabundo ou um usado, e baixe nele uma lista de livros que posso te indicar. Um terço serão de grandes reportagens – para inspirar. Um terço de livros sobre política, economia, cultura, sociedade – para alimentar. Um terço de livros de literatura – para viver.

Então, sozinho ou com mais alguém, vá conhecer o Brasil que nunca te mostraram porque acharam “desnecessário” ou fora de pauta. Descubra o país para além do Leblon e dos Jardins, mas também de Santa Tereza e da Vila Madalena. Sente-se para conversar com pessoas tão diferentes de você quanto possível e ouça a história de vida delas como se ouvisse a sua própria. Trabalhe como voluntária em organizações sociais na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal, não para comprar créditos no céu, mas, simplesmente, para entender as coisas.

Por uma pequena fração dessa mensalidade, você vai conseguir viver sem luxo e com alguns apertos. É claro que terá que fazer um bico de trabalho aqui, outro ali, para completar o orçamento. Mas ganhar o pão com o próprio suor ajuda a se conceber como trabalhador – coisa que nós, jornalistas, esquecemos o tempo inteiro.

Jogue futebol em campos de várzea, nade em rios, dance loucamente em festas, de raves ao carimbó. Coma muito – por mim, é claro. Se você não tiver medo de entrar nas periferias das grandes cidades ou em pequenos povoados distantes de tudo, eles não terão medo de você. Faça amigos. Participe de protestos e manifestações por solidariedade. Ame alguém loucamente.

Daí atravesse a fronteira entre Corumbá e Puerto Suárez e adentre sua América do Sul com o peito e a mente abertos, deixando o olhar arrogante para trás. Perceba o quão somos parecidos em nossas lutas, frustrações e sonhos e se pergunte o porquê de todos os seus amigos terem ido para a Disney e não para a Bolívia ou a Colômbia. Passe frio em Ushuaia e calor em Cartagena, suba montanhas no Equador, desça ao mar na Venezuela. Vá dormir acampada com quem não tem nada e veja se eles são os baderneiros dos quais sempre ouviu falar.

Peça para visitar redações de jornais, discuta à vontade em coletivos culturais. Faça um diário de viagem e escreva tudo o que se passou por fora e por dentro. E mande notícias para seus amigos e família, com textos, fotos, vídeos, gravando, trocando impressões, usando redes sociais.

Dois anos depois, na volta, venha conversar.

Tenho plena convicção de que a atividade jornalística não deve ser monopólio de quem é diplomado, podendo ser realizada por quem não passou por uma cadeira de faculdade. Um professor de jornalismo falando isso pode ser um pouco chocante, eu sei.

Conheci, andando por esse Brasil, muita gente que nunca viu um diploma, mas que é mais jornalista com um microfone de uma rádio comunitária na mão, fazendo um pequeno jornal mural ou com um pequeno blog de notícias ou, mais recentemente, com celulares no meio de conflitos, transmitindo imagens, do que alguns que passaram quatro anos nos bancos de universidades e hoje refestelam-se atrás de cartões de visita, bloquinhos timbrados, um nome conhecido – seja de redação grande ou pequena, mainstream ou alternativa.

Refletir sobre sua profissão, dentro de uma ética específica, sabendo o que significa o papel de intermediar a informação na sociedade e ter a consciência dos direitos e deveres atrelados à liberdade de expressão são desafios que não serão aprendidos necessariamente na academia. Ou mesmo em uma redação. Mas na vivência diária, conhecendo o outro, o diferente.

Isso se chama bagagem de vida. E, por mais que seja crucial para um bom jornalismo, é o que mais falta na profissão. Seja por falta de oportunidade, seja por falta de vontade.

Não me entenda mal, por favor. Não estou desprezando a escola de jornalismo como local de estudo, pesquisa e reflexão da profissão e de seu ethos. Técnicas podem ser passadas no dia-a-dia de uma redação e em cursos de treinamento de jornalistas das empresas de comunicação. É a parte fácil da formação. Mas há outras coisas que o mercado não entende ou permite (pois passa pela subversão de seus próprios princípios) que precisam de um local para florescer. E a academia poderia suprir esse papel.

Fazer jornalismo não é só passar adiante informação. É estar preparado para analisá-la e entendê-la, coletando discursos diferentes e contraditórios e organizando-os de forma a fazer sentido. Sem se deixar levar pela aparência ou sendo usado por terceiros. E isso se aprende, principalmente, com outros exemplos feitos por quem veio antes de nós, seus erros e acertos.

O problema é que falta muito para que tenhamos escolas de jornalismo que sejam um espaço real de debate e contestação e não de reprodução de modelos de formas e narrativas que já não cabem nesse admirável mundo novo. Escolas que entendam como pode ser horrível estudar para ser tijolo de muro ou engrenagem de máquina. A educação deveria libertar mas, nesse caso, aprisiona. Por outro lado, a consciência de si e do outro como iguais é arrebatadora. E isso, como eu disse, não se aprende na carteira de uma faculdade.

Se você tem estrutura para tanto, fuja do hospital para se tratar. Adorei ter feito faculdade. E faria novamente. Isso ampliou muito minha visão de mundo e me deu amigos para uma vida. Mas sei que aprendi mais nos corredores, inclusive com os mestres, do que nas salas de aula. Considere, portanto, que o mundo é um grande corredor de faculdade.

Ter um diploma em jornalismo não significa exercer a profissão com mais ou menos ética – considerando que a maioria de nós, que fazemos grandes besteiras, frequentamos faculdades. Ao mesmo tempo, o exercício do jornalismo pode causar danos mais amplos, profundos e duradouros do que a queda de uma ponte ou um erro médico. A incompetência, preguiça ou má fé de nós, jornalistas, pode acabar com vidas de um dia para noite, ajudar a derrubar governos, detonar guerras, justificar genocídios. E a capivara de crimes cometidos por nós, jornalistas, seria melhor conhecida se, até pouco tempo atrás, não fossemos os próprios responsáveis por fazer a informação chegar à mesma sociedade que nos condenaria. Afinal, éramos os iluminados que fizeram a ponte entre a notícia e você. Até pouco tempo atrás.

Há uma série de perguntas que não estão atreladas a um diploma ou um emprego em uma grande empresa de comunicação: De que forma nós podemos garantir que a sociedade receba a melhor informação possível para tomar suas decisões? Como garantir que sejamos responsabilizados por danos causados a terceiros erroneamente? Como é possível nos perceber como trabalhadores e não como patrões? Como fazer com que nós, jornalistas, possamos entender que não somos observadores independentes da realidade? Como contar a história deste novo tempo?

Se depois que ver o mundo ainda quiser fazer faculdade de jornalismo, para organizar as ideias e ir além, serei feliz em discutir opções contigo. Mas, até lá, talvez você irá preferir outro caminho. Até porque estará muito à frente de tantas pessoas que ficam tão preocupadas em explicar o céu e a terra de olho no retrovisor do seu carro importado que não percebem que estão prestes a serem ultrapassadas por quem vem por trás, de bicicleta.

Espero não ter te convencido de nada.

Grande abraço e boa sorte!

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/08/06/uma-leitora-pede-para-convence-la-a-fazer-jornalismo/


sexta-feira, 12 de julho de 2013

A morte de Tayná, a tortura e a imprensa



Publicado em 11/07/2013 por Urariano Motta [*]

Recife (PE) - O inquérito do assassinato da menina Tayná, no Paraná, ilustra o tempo de trevas que sobrevive no Brasil.  Em breves linhas lembramos que toda a imprensa noticiou que uma linda jovem de 14 anos, Tayná Andrade da Silva, havia sido estuprada e morta por quatro empregados de um parque de diversões, no dia 25 de junho. E que os frios estupradores confessaram o seu hediondo crime, depois de um rápido e eficiente trabalho da polícia.

Os apresentadores na tevê bradavam, elevavam a tensão em nossas veias: “E aí, o que devia ser feito com esses animais?”, e mostravam as imagens das quatro feras.

Assim estávamos nós com a nossa consciência insatisfeita, porque clamávamos pelo sangue desses monstros, quando, passados alguns dias, a brava perita Jussara Joeckel descobriu que jamais houve qualquer violência sexual contra Tayná. Mais, que o exame de DNA no sêmen encontrado na calcinha da jovem não pertence aos tidos como culpados. E para o cúmulo do absurdo, a perita afirma que a menina foi morta depois dos “assassinos” presos. Escândalo.

A perita Jussara teve a sorte de ser apoiada por uma jornalista à altura, Joice Hasselmann. A repórter divulgou a análise e registrou no Blog da Joice  que em meio aos gritos e ao bate-boca de uma reunião na Secretaria de Segurança, um integrante da Polícia Civil chegou ao extremo da pergunta:

(...) será que na contraprova nós não conseguimos um laudo com resultado inconclusivo?

Sabe-se agora que o preso Adriano teve um cabo de vassoura enfiado no ânus, amarrado de ponta-cabeça e agredido com uma máquina de choque, para que confessasse o crime. A máquina de choque foi usada com uma haste de metal introduzida no seu ânus. Adriano, internado em hospital, tem sinais de perfuração no intestino. E todos os presos, depois de torturados, tiveram que assinara sem ler os “seus” depoimentos escritos.

Infelizmente, este é um caso exemplar da polícia brasileira, de Norte a Sul do país. Prende-se o culpado, para depois iniciar-se a investigação que prove a sua culpa. A investigação, todos sabemos, é sempre a mesma: porradas primeiro, uma pergunta depois. Se o culpado não responder logo o que se quer provar, tudo mal. Pau de arara e choques elétricos como método infalível de apuração. Se responder conforme a acusação, tudo mais ou menos. A tortura continua, mas dessa vez para selar o depoimento, ou como gritam os torturadores:

Ah, então você escondia o jogo, não é, safado? Você vai ver agora o que um criminoso merece.

Pelo medo e terror, selam assim a culpa do culpado.

O costume da tortura se transformou em uma coisa tão banal, que os advogados falam nas entrevistas em invalidação do inquérito, porque contaminado pela violência. Isso é óbvio. Daí os doutores partem para a soltura dos presos, com a posterior cobrança ao Estado pela prisão indevida. O que é justo. Mas da ação lhes escapa o maior horror: eles parecem não ver que os policiais deveriam responder, antes de tudo, pela tortura, porque esse é um crime condenável, imprescritível em nossa Constituição e em todos os tribunais civilizados. O fundamental lhes escapa: a mais severa punição prisional para o torturador.

Mais. Chamamos a atenção para o comportamento da imprensa que reproduz as versões da polícia sem um filtro, sem uma dúvida.

Os repórteres copiam o Boletim de Ocorrência, e de tal modo que repórter policial é o mesmo que policial repórter. Mas isso é igualzinho ao tempo da ditadura. É igual àqueles malditos anos em as mortes de “terroristas” eram reproduções exatas da Agência Segurança Press.

Se não, olhem o que se falou sobre o assassinato da menina de 14 anos nas tevês:

“Polícia termina investigação sobre morte da menina Tayná”, em 05/07/2013.
“Polícia conclui inquérito e afirma que os suspeitos mataram Tayná”, em  05/07/2013.
E esta informação de 9/7/2013: “Reviravolta: sêmen encontrado em Tayná não é dos suspeitos”.
E a última informação de 11/7/2013 sobre o “Caso Tayná: após denúncias de tortura, delegados são afastados”.
Os exemplos da imprensa brasileira, que reproduz de modo literal o que a polícia lhe sopra, ao fim de torturante inquérito, poderiam ser mostrados a um infernal infinito. E o mais grave, leitor. Agora mesmo, neste preciso instante, um preso comum está sendo torturado, sofrendo empalação ou é morto. Isso em plena democracia. Era bom que transformássemos o caso Tayná em um começo de real mudança, nas delegacias de polícia e na imprensa.
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Urariano Motta [*] é natural de Água Fria, subúrbio da zona norte do Recife. Escritor e jornalista, publicou contos em Movimento, Opinião, Escrita, Ficção e outros periódicos de oposição à ditadura. Atualmente é colunista do Direto da Redação e colaborador do Observatório da Imprensa. As revistas Carta Capital, Fórum e Continente também já veicularam seus textos. Autor de Soledad no Recife (Boitempo, 2009) sobre a passagem da militante paraguaia Soledad Barret pelo Recife, em 1973, e Os corações futuristas(Recife, Bagaço, 1997). No início de 2013 lançou o romance O filho renegado de Deus (Recife-Bertrand-Brasil, 2013).


Publicado originalmente por Direto da Redação

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Uma virada na cobertura


Por Luciano Martins Costa em 14/06/2013 na edição 750

Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 14/6/2013

   
De repente, não mais que de repente, o noticiário sobre as manifestações que paralisam grandes cidades brasileiras há uma semana sofre uma reviravolta: agora os jornais começam a enxergar os excessos da polícia e mostrar que no meio da tropa há agentes provocadores e grupos predispostos à violência.

Um dos relatos mais esclarecedores sobre o momento em que a passeata realizada na capital paulista na quinta-feira (13/06) deixou de ser pacífica é feito pelo colunista Elio Gaspari, na Folha de S.Paulo e no Globo (ver "A PM começou a batalha na Maria Antônia"). Ele descreve como uma equipe da tropa de choque se posicionou e agiu deliberadamente para provocar o tumulto.

Há também, na rede social digital, um vídeo mostrando um PM, aparentemente por orientação de um oficial, quebrando o vidro da viatura. A imagem, cuja autenticidade só pode ser confirmada pela própria Polícia Militar, está diponível no Youtube.

No Facebook, registro para a legenda colocada sob cenas dos conflitos, no noticiário da GloboNews durantea noite: “Polícia fecha a Avenida Paulista para evitar que manifestantes fechem a Avenida Paulista”. Nessa linha de raciocínio, pode-se imaginar também a seguinte manchete: “Polícia usa violência para evitar violência de manifestantes”.

Truculência e irresponsabilidade

Foi preciso mais do que evidências para a imprensa cair na real: os repórteres testemunharam dezenas de ações abusivas de policiais, como a retirada e o espancamento de um casal que tomava cerveja num bar, alheio à passeata, ou o lançamento de granadas de gás em meio aos carros travados nos congestionamentos.

Claramente, não se trata de bolsões descontrolados, mas de uma ação organizada dentro da corporação policial, o que mostra o esgarçamento da disciplina e do controle na Polícia Militar. A única possibilidade de desmentir tal observação é a ação imediata do comando, identificando e afastando das ruas os oficiais responsáveis por esses grupos.

A violência gratuita e excessiva ficou registrada nas páginas dos jornais, entre outras razões, porque desta vez houve mais jornalistas entre as vítimas de agressões. Sete deles são repórteres da Folha de S. Paulo. Isso talvez explique a mudança de tom nas reportagens, mas o relato da violência não esgota o assunto, apenas instala algum equilíbrio na visão dos fatos por parte da imprensa.

Para ampliar sua compreensão do que realmente se passa nas ruas da cidade por estes dias, o leitor tem que se valer de outras fontes além dos jornais e do noticiário da TV. Por exemplo, o vereador Ricardo Young, que acompanhou o indiciamento de alguns manifestantes detidos, registrou no Facebook um fato preocupante: policiais fizeram a revista de mochilas e bolsas longe de testemunhas, trocando conteúdos e inserindo em algumas delas materiais estranhos, como pedras e pacotes com maconha. Assessores do vereador denunciam que houve tentativa de “plantar” provas contra alguns dos manifestantes detidos.

É notória a má vontade da polícia, como instituição, contra jovens em geral, talvez ainda um resquício da ideologia de segurança pública que se consolidou durante a ditadura militar e que ainda orienta a formação nas academias. Os indicadores de agressões cometidas por agentes públicos contra homens jovens são um dos aspectos mais evidentes nos estudos sobre a violência nas grandes cidades brasileiras. O encontro dessa mentalidade com a irresponsabilidade de grupos de manifestantes que se julgam autores de uma revolução política pode resultar em tragédia.

Ações ilegais

Se algum fato mais grave vier a ocorrer em futuras manifestações, pode-se contar como grande a probabilidade de haver alguns desses policiais envolvidos. Portanto, a responsabilidade pelo que virá a partir de segunda-feira (17/6), quando nova manifestação está marcada para o Largo da Batata, na zona oeste de São Paulo, tem um peso maior na Secretaria de Segurança Pública.

Isso não quer dizer que a prefeitura e os líderes do Movimento Passe Livre, bem como os dirigentes dos partidos cujas bandeiras são agitadas por alguns ativistas, estejam isentos de arcar com sua parte na tarefa de prevenir o desastre.

A imprensa, que finalmente despertou para o fato de que há vândalos em ambos os lados do conflito, pode ajudar a identificar os comandantes dessas ações ilegais, assim como tem sabido apontar os autores de depredações durante os protestos.

Foi preciso que alguns jornalistas sofressem a violência no próprio corpo para que os jornais se dessem conta de que nem tudo é o que parece.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

A sociedade se descola


 Por Luciano Martins Costa (*)


Lembra do tempo quando a opinião pública era a opinião dos donos de jornais? (Aparecido Araujo Lima)
     
Os jornais da quarta-feira (27/03/2013) não trazem um tema impactante, desses capazes de mobilizar as opiniões dos leitores. Mas o conjunto das notícias forma um mosaico interessante para a análise de algumas mudanças que podem ser percebidas na relação da sociedade com a mídia tradicional.

Com exceção do Globo, as manchetes destacam a aprovação do projeto que estende os direitos trabalhistas de empregadas domésticas, tema que já vem sendo debatido nas redes sociais há pelo menos uma semana: a única coisa que o leitor tem de novidade é que agora se tornou lei, e os jornais aproveitam para esclarecer melhor as novas regras.

O Globo prefere usar a manchete para discutir o fechamento do Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, mas também registra a mudança nas normas trabalhistas. A Folha de S.Paulo ainda encontra espaço para sua recém-inaugurada cruzada contra o novo prefeito de São Paulo, cujo mandato ainda não completou três meses.

De modo geral, parece haver um esforço dos diários para se manter sintonizados com os debates nas redes sociais digitais, onde a natureza do trabalho doméstico produz opiniões muito divergentes. Há reportagens alertando para o risco de centenas de milhares de demissões, a possibilidade de se reduzir o número de empregos domésticos com carteira assinada, e para o possível aumento das demandas na Justiça do Trabalho.

Parte da imprensa também registra o caso do jovem que teve um braço decepado após atropelamento em São Paulo e que se reencontrou com os homens que o socorreram na ocasião do acidente.

Em todos esses temas, é interessante observar como o noticiário da mídia tradicional interage com informações e opiniões postadas autonomamente por participantes das mídias digitais. Assim como acontece com as instituições que regulam a vida pública, como o conjunto dos partidos políticos, comissões do Congresso ou entidades do sistema Judiciário, parece estar em andamento uma diluição do poder da imprensa sobre aquilo que se costumava chamar de “opinião pública”.

Os espaços públicos para a comunicação se expandem sem limites perceptíveis e os temas dos quais se ocupa a sociedade não dependem mais apenas nos meios institucionais de informação e opinião. A questão da violência urbana, por exemplo, ganha outra dimensão nos relatos e comentários publicados nas redes sociais, onde as pessoas podem entender melhor os sentimentos do jovem atropelado ao rever aqueles que salvaram sua vida.

Democracia midiática
Há sinais de que a sociedade em rede se descola rapidamente da imprensa e demais instituições tradicionais. Por outro lado, pode-se notar como a rotina das instituições passa a ser afetada pela dinâmica do ambiente de relações virtuais criado pela tecnologia digital de comunicação.

A nomeação de deputado pastor Marcos Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara provocou uma onda de protestos nas redes sociais. Os jornais de quarta-feira (27) informam que seu partido, o PSC, vai manter sua indicação, mas outros integrantes falam em abandonar a comissão, para obrigá-lo a renunciar.

Não foi certamente um súbito ataque de pruridos morais que provocou a ruptura no corporativismo parlamentar, mas isso parece resultar das pressões de milhares de indivíduos nos grupos de debates online. Claramente, a agenda pública se transfere do ambiente administrado pela mídia tradicional para o amplo e caótico espaço hipermediado, e não há como prever até que ponto as informações e opiniões dispersadas pelas redes poderão criar algum padrão que possa ser analisado objetivamente.

A notícia segundo a qual o fundador do Facebook,Mark Zuckerberg, estaria organizando um grupo político para atuar junto a instituições americanas merece uma observação cuidadosa. Trata-se de um movimento que segue a estratégia de iniciativas como o Avaaz.org, que organiza campanhas comunitárias por todo o mundo e tem ajudado a congregar ativistas dispersos nas redes sociais.

O que Zuckergerg pretende, segundo informe distribuído pelo Facebook,é criar um fundo destinado a financiar mobilizações por reformas legislativas nos Estados Unidos. Com cerca de US$ 50 milhões, ele planeja juntar especialistas para levar um pouco de racionalidade aos debates parlamentares sobre a política de imigração e estimular projetos de reforma do sistema educacional americano. Além disso, o projeto prevê investimentos em pesquisas, também com objetivo de reduzir a distância entre o conhecimento científico e as normas legais.

No Brasil, as mobilizações ainda dependem da vontade de militantes dispostos a doar seu tempo para campanhas, mas, ainda que faltem recursos e organização, tais iniciativas já produziram, por exemplo, a lei da Ficha Limpa.

Na medida em que as redes socais aumentam sua distância das mídias tradicionais e seu vicioso processo de controle da comunicação, é possível que estejamos assistindo à consolidação de uma forma muito interessante de democracia midiática.

http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/a_sociedade_se_descola

(*) REDES SOCIAIS - A sociedade se descola - Por Luciano Martins Costa em 27/03/2013 na edição 739 - Comentário para o programa radiofônico do Observatório, 27/3/2013