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terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Derrotas dos barões da mídia em 2013

01/01/2014 - Por Altamiro Borges em seu blog do Miro (*) 

"O ano em que a rainha Elizabeth II [foto] aderiu ao chavismo" (Viomundo)

Em 2013, o debate sobre o poder ditatorial dos meios de comunicação e sobre a urgência da regulação democrática da mídia ganhou impulso no mundo inteiro.

Até o Reino Unido, chocado com os escândalos de corrupção e invasão de privacidade do império de Rupert Murdoch [foto], aprovou uma dura legislação.

A Rainha Elizabeth II se tornou, na visão dos barões da mídia, a nova “chavista” do planeta.

Os avanços mais sensíveis se deram na América Latina.

Infelizmente, o Brasil se manteve na posição da “vanguarda do atraso” no enfrentamento desta questão estratégica.

O “Royal Charter” britânico
A nova legislação britânica, assinada em outubro, cria um órgão regulador para a mídia imprensa, estabelece um código de ética para os veículos e fixa multas de até R$ 3,7 milhões para os crimes da imprensa.

Ela se soma à regulação já existente há décadas sobre as concessões públicas de rádio e televisão.

Os abusos da mídia britânica, principalmente do império Murdoch – o maior do planeta – resultaram num fato inédito.

A nova lei foi elaborada pelo governo conservador de David Cameron [foto], obteve o apoio da oposição trabalhista e foi assinada pela Rainha Elizabeth II.

Os monopólios do setor fizeram de tudo para sabotar a nova lei.

Ingressaram na Justiça, pressionaram parlamentares e até atacaram a “sagrada” monarquia britânica.

A pressão, porém, não evitou que a rainha ratificasse a “Royal Charter”, a carta real sobre a mídia imprensa.

Os poderes públicos se viram pressionados pela sociedade, que não engoliu os crimes praticados pelo jornal “News of the World”, do empresário australiano Rupert Murdoch.

O tabloide, que subornou e grampeou telefones ilegalmente, inclusive foi fechado e seus diretores podem ir para a cadeia.

Pela lei aprovada, o novo órgão regulador poderá aplicar multas de até 1 milhão de libras (R$ 3,7 milhões), além de impor correções e pedidos de desculpas por parte de jornais e revistas com o mesmo destaque dado pelas matérias caluniosas.

Ele será composto por integrantes indicados de forma independente, sendo vedada a participação de editores dos veículos privados.

Já o código de ética exige “respeito pela privacidade onde não houver suficiente justificativa de interesse público”. Qualquer pessoa que alegar ter sido atingida por reportagens poderá acionar o órgão.

A defesa do pluralismo na Europa
As derrotas dos barões da mídia não se deram apenas no Reino Unido.

Em vários países tão badalados como expressão da “democracia liberal” também ocorreram importantes revezes em 2013.

Outro destaque do ano, simplesmente ocultado pela imprensa brasileira, foi a aprovação do relatório “Uma mídia livre e pluralista para sustentar a democracia europeia”, em janeiro do ano passado.

O documento foi elaborado por um grupo de alto nível (HLG) constituído no âmbito da União Europeia e faz trinta recomendações sobre a regulação democrática da mídia.

Entre outros pontos, o relatório realça que “o conceito de liberdade de mídia está intimamente relacionado à noção de liberdade de expressão, mas não é idêntico a ela.

A última está entronizada nos valores e direitos fundamentais da Europa: ‘Todos têm direito à liberdade de expressão...

Pluralismo na mídia é um conceito que vai muito além da propriedade... 

Pluralismo inclui todas as medidas que garantam o acesso dos cidadãos a uma variedade de fontes e vozes de informação, permitindo a eles que formem opiniões sem a influência indevida de um poder dominante”.

Para o desespero dos barões da mídia, o documento propõe
- a introdução da educação para a leitura crítica da mídia nas escolas secundárias;
- o monitoramento permanente do conteúdo da mídia por parte de organismo oficial;
- a total neutralidade de rede na internet;
- a provisão de fundos estatais para o financiamento da mídia alternativa que seja inviável comercialmente, mas essencial ao pluralismo;
- a existência de mecanismos que garantam a identificação dos responsáveis por calúnias
- e a garantia da resposta e da retratação de acusações indevidas.

Todos os países da União Europeia deveriam ter Conselhos de mídia independente, cujos membros tenham origem política e cultural equilibrada, assim como sejam socialmente diversificados.

Esses organismos teriam competência para investigar reclamações (...), mas também certificariam de que as organizações de mídia publicaram seus códigos de conduta e revelaram detalhes sobre propriedade...

Os conselhos de mídia devem ter poderes legais, tais como imposição de multas, determinar a publicação de justificativas e cassação do status jornalístico”, afirma o relatório.

Espionagem e atritos nos EUA
Se na Europa o debate sobre a regulação democrática da mídia produziu alguma luz, na pretensa “pátria da democracia”, os EUA, ele só gerou atritos e nada de concreto.

Mesmo assim, o tema esteve na ordem do dia. Durante vários meses, o presidente Barack Obama e os impérios midiáticos se digladiaram.

O governo acusou abertamente a rede Fox, do mesmo Rupert Murdoch, de se transformar no braço político do Partido Republicano e da sua corrente mais fascistoide, o Tea Party.

Já os veículos acusaram a Casa Branca de monitorar os seus repórteres e promover retaliações.

Em junho passado, num fato inédito, as corporações midiáticas chegaram a boicotar uma reunião com o secretário de Justiça, Eric Holder.

A crise decorreu das revelações de que o governo espionava jornalistas.

A agência de notícias Associated Press e a TV Fox News tiveram telefonemas e e-mails de seus repórteres monitorados pelo Departamento de Justiça, que investigava o vazamento de informações consideradas confidenciais pelo governo.

Diante do escândalo, que desmistifica a “pátria da democracia”, Barack Obama [foto] aceitou conter as medidas de monitoramento.

O armistício, porém, não soluciona os crescentes atritos entre o governo dos EUA e as poderosas corporações midiáticas.

Estudos indicam que a concentração do setor tem aumentado no país, reforçando assustadoramente o poder destes impérios.

Mais de 120 jornais faliram nos últimos anos e apenas os grandes sobrevivem à avassaladora crise da mídia impressa.

Já as emissoras de televisão “atravessam intensa concentração nos EUA”, segundo reportagem de Nelson de Sá, publicada em julho passado na Folha.

Através de aquisições e fusões, a mídia fica ainda mais monopolizada.

Nelson de Sá cita dois exemplos nos setores de TV a cabo e TV aberta.

No primeiro, a Charter, controlada por John Malone [foto], tenta comprar o serviço da Time Warner.

Negócios semelhantes estariam sendo discutidos entre a Cablevisión e a Cox e, no âmbito das operadoras de TV por satélite, entre a Dish e a DirecTV.

No segundo setor, pequenos grupos de emissoras abertas estão se consolidando em grupos maiores, como na compra das 19 estações do Local TV pelo Tribune por US$ 2,7 bilhões”.

(*) No próximo artigo, as derrotas dos barões da mídia na América Latina.

Leia também:
- China vs. Brasil: alguma diferença? - Venício Lima

Fonte:
http://altamiroborges.blogspot.com.br/2014/01/derrotas-dos-baroes-da-midia-em-2013.html

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Veja a aula de jornalismo do Sakamoto

Leonardo Sakamoto 06/08/2013


Sakamoto, tudo bem?

Gosto muito do seu blog, apesar de nem sempre concordar com você. Adoro a área de direitos humanos e sempre quis fazer jornalismo para cobrir problemas sociais. Sei que é besta, mas mudar o mundo, sabe? Sei que há boas faculdades em São Paulo e meus pais têm como pagar o curso.

Mas estou em dúvida. Como você é professor de jornalismo, gostaria que me convencesse a fazer esse curso.

Abraços!

Cara, tudo bem?

Se não se importa, vou publicar no blog a resposta que te mandei, ok?

Hipoteticamente, vamos fazer de conta que exista uma faculdade de jornalismo que cobre R$ 1750,00 por mês dos alunos. É claro que nenhuma instituição em sã consciência extorquiria isso a menos que oferecesse aulas holográficas em 3D, free cupcakes nos intervalos e contasse com a presença de lêmures amestrados de Madagascar para carregar a mochila dos estudantes.

Mas façamos de conta que ela exista. Por mais profundos e interessantes que os debates possam ser nessa instituição, por mais amplo o conhecimento à disposição por lá, se você tem um terço desse dinheiro e ainda não precisa trabalhar para viver, arriscaria uma heresia para quem é professor de jornalismo: não entre na faculdade, vá viajar.

Compre um tablet, pode ser o mais vagabundo ou um usado, e baixe nele uma lista de livros que posso te indicar. Um terço serão de grandes reportagens – para inspirar. Um terço de livros sobre política, economia, cultura, sociedade – para alimentar. Um terço de livros de literatura – para viver.

Então, sozinho ou com mais alguém, vá conhecer o Brasil que nunca te mostraram porque acharam “desnecessário” ou fora de pauta. Descubra o país para além do Leblon e dos Jardins, mas também de Santa Tereza e da Vila Madalena. Sente-se para conversar com pessoas tão diferentes de você quanto possível e ouça a história de vida delas como se ouvisse a sua própria. Trabalhe como voluntária em organizações sociais na Amazônia, no Cerrado, no Pantanal, não para comprar créditos no céu, mas, simplesmente, para entender as coisas.

Por uma pequena fração dessa mensalidade, você vai conseguir viver sem luxo e com alguns apertos. É claro que terá que fazer um bico de trabalho aqui, outro ali, para completar o orçamento. Mas ganhar o pão com o próprio suor ajuda a se conceber como trabalhador – coisa que nós, jornalistas, esquecemos o tempo inteiro.

Jogue futebol em campos de várzea, nade em rios, dance loucamente em festas, de raves ao carimbó. Coma muito – por mim, é claro. Se você não tiver medo de entrar nas periferias das grandes cidades ou em pequenos povoados distantes de tudo, eles não terão medo de você. Faça amigos. Participe de protestos e manifestações por solidariedade. Ame alguém loucamente.

Daí atravesse a fronteira entre Corumbá e Puerto Suárez e adentre sua América do Sul com o peito e a mente abertos, deixando o olhar arrogante para trás. Perceba o quão somos parecidos em nossas lutas, frustrações e sonhos e se pergunte o porquê de todos os seus amigos terem ido para a Disney e não para a Bolívia ou a Colômbia. Passe frio em Ushuaia e calor em Cartagena, suba montanhas no Equador, desça ao mar na Venezuela. Vá dormir acampada com quem não tem nada e veja se eles são os baderneiros dos quais sempre ouviu falar.

Peça para visitar redações de jornais, discuta à vontade em coletivos culturais. Faça um diário de viagem e escreva tudo o que se passou por fora e por dentro. E mande notícias para seus amigos e família, com textos, fotos, vídeos, gravando, trocando impressões, usando redes sociais.

Dois anos depois, na volta, venha conversar.

Tenho plena convicção de que a atividade jornalística não deve ser monopólio de quem é diplomado, podendo ser realizada por quem não passou por uma cadeira de faculdade. Um professor de jornalismo falando isso pode ser um pouco chocante, eu sei.

Conheci, andando por esse Brasil, muita gente que nunca viu um diploma, mas que é mais jornalista com um microfone de uma rádio comunitária na mão, fazendo um pequeno jornal mural ou com um pequeno blog de notícias ou, mais recentemente, com celulares no meio de conflitos, transmitindo imagens, do que alguns que passaram quatro anos nos bancos de universidades e hoje refestelam-se atrás de cartões de visita, bloquinhos timbrados, um nome conhecido – seja de redação grande ou pequena, mainstream ou alternativa.

Refletir sobre sua profissão, dentro de uma ética específica, sabendo o que significa o papel de intermediar a informação na sociedade e ter a consciência dos direitos e deveres atrelados à liberdade de expressão são desafios que não serão aprendidos necessariamente na academia. Ou mesmo em uma redação. Mas na vivência diária, conhecendo o outro, o diferente.

Isso se chama bagagem de vida. E, por mais que seja crucial para um bom jornalismo, é o que mais falta na profissão. Seja por falta de oportunidade, seja por falta de vontade.

Não me entenda mal, por favor. Não estou desprezando a escola de jornalismo como local de estudo, pesquisa e reflexão da profissão e de seu ethos. Técnicas podem ser passadas no dia-a-dia de uma redação e em cursos de treinamento de jornalistas das empresas de comunicação. É a parte fácil da formação. Mas há outras coisas que o mercado não entende ou permite (pois passa pela subversão de seus próprios princípios) que precisam de um local para florescer. E a academia poderia suprir esse papel.

Fazer jornalismo não é só passar adiante informação. É estar preparado para analisá-la e entendê-la, coletando discursos diferentes e contraditórios e organizando-os de forma a fazer sentido. Sem se deixar levar pela aparência ou sendo usado por terceiros. E isso se aprende, principalmente, com outros exemplos feitos por quem veio antes de nós, seus erros e acertos.

O problema é que falta muito para que tenhamos escolas de jornalismo que sejam um espaço real de debate e contestação e não de reprodução de modelos de formas e narrativas que já não cabem nesse admirável mundo novo. Escolas que entendam como pode ser horrível estudar para ser tijolo de muro ou engrenagem de máquina. A educação deveria libertar mas, nesse caso, aprisiona. Por outro lado, a consciência de si e do outro como iguais é arrebatadora. E isso, como eu disse, não se aprende na carteira de uma faculdade.

Se você tem estrutura para tanto, fuja do hospital para se tratar. Adorei ter feito faculdade. E faria novamente. Isso ampliou muito minha visão de mundo e me deu amigos para uma vida. Mas sei que aprendi mais nos corredores, inclusive com os mestres, do que nas salas de aula. Considere, portanto, que o mundo é um grande corredor de faculdade.

Ter um diploma em jornalismo não significa exercer a profissão com mais ou menos ética – considerando que a maioria de nós, que fazemos grandes besteiras, frequentamos faculdades. Ao mesmo tempo, o exercício do jornalismo pode causar danos mais amplos, profundos e duradouros do que a queda de uma ponte ou um erro médico. A incompetência, preguiça ou má fé de nós, jornalistas, pode acabar com vidas de um dia para noite, ajudar a derrubar governos, detonar guerras, justificar genocídios. E a capivara de crimes cometidos por nós, jornalistas, seria melhor conhecida se, até pouco tempo atrás, não fossemos os próprios responsáveis por fazer a informação chegar à mesma sociedade que nos condenaria. Afinal, éramos os iluminados que fizeram a ponte entre a notícia e você. Até pouco tempo atrás.

Há uma série de perguntas que não estão atreladas a um diploma ou um emprego em uma grande empresa de comunicação: De que forma nós podemos garantir que a sociedade receba a melhor informação possível para tomar suas decisões? Como garantir que sejamos responsabilizados por danos causados a terceiros erroneamente? Como é possível nos perceber como trabalhadores e não como patrões? Como fazer com que nós, jornalistas, possamos entender que não somos observadores independentes da realidade? Como contar a história deste novo tempo?

Se depois que ver o mundo ainda quiser fazer faculdade de jornalismo, para organizar as ideias e ir além, serei feliz em discutir opções contigo. Mas, até lá, talvez você irá preferir outro caminho. Até porque estará muito à frente de tantas pessoas que ficam tão preocupadas em explicar o céu e a terra de olho no retrovisor do seu carro importado que não percebem que estão prestes a serem ultrapassadas por quem vem por trás, de bicicleta.

Espero não ter te convencido de nada.

Grande abraço e boa sorte!

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/08/06/uma-leitora-pede-para-convence-la-a-fazer-jornalismo/


sexta-feira, 24 de maio de 2013

Professor vagabundo que faz greve deveria ser demitido


 Por Leonardo Sakamoto, no seu Blog


“Vagabundo que faz greve deveria ser demitido.” Algumas poucas vezes me dou ao direito de atualizar e republicar certos textos deste blog. Hoje é o caso. Pois, ouvi no trem, uma senhora reclamando destemperadamente com uma amiga dos professores da rede municipal em São Paulo, que estão em greve que começou no dia 03. Os professores pedem 17% de recomposição inflacionária dos últimos três anos. A prefeitura oferece 10,19% agora e mais 13,43% em 2014. Os sindicatos dizer que esses valores são relativos a outros acordos firmados em outros anos para incorporação de abonos. Mas, mais do que o salário de fome que ganham os professores, o que me interessa neste texto é a forma com a qual os vemos.

Quando escrevi pela primeira vez sobre isso vivíamos a greves dos mestres das universidades federais. E, é claro, essa frase nunca vem sozinha: passeata que atrapalha o trânsito? Cacete neles! Protesto em praça pública? Cacete neles! Onde já se viu? Essas pessoas têm que saber seu lugar.

Sindicatos não são perfeitos, longe disso. Assim como ocorre em outras instituições, possuem atores que resolvem voltar-se para os próprios umbigos e tornar a busca pelo poder e sua manutenção de privilégio mais importante que os objetivos para os quais foram eleitos. Ou seja, tá cheio de sindicalista pelego ou picareta, da mesma forma que empresário corrupto e sonegador. Contudo, graças à organização e pressão dos trabalhadores, importantes conquistas foram obtidas para civilizar minimamente as regras do jogo – não trabalhar até a exaustão, descansar de forma remunerada, ter salários (menos in)justos, garantir proteção contra a exploração infantil. Direitos estes que, mesmo incompletos, são chamados por alguns empregadores de “gargalos do crescimento”.

É esquizofrênico reclamar que não há no Brasil quantidade suficiente de força de trabalho devidamente preparada para fazer frente às necessidades de inovação e produtividade e, ao mesmo tempo, chutar feito caixa de giz vazia as reivindicações de professores por melhores condições e remuneração. Como acham que o processo de formação ocorre? Por osmose? Cissipartição? Geração espontânea a partir dos argumentos fedidos desse povo?

Incrível como muitos colegas, ao tratarem sobre a greve dos professores, chamam sempre as mesmas fontes de informação que dizem, sempre, as mesmas coisas: é hora de apertar os cintos, os grevistas só pensam neles, a economia não aguenta, bando de vagabundos, já para a senzala, enfim. Não existe imparcialidade jornalística. Qualquer estudante de jornalismo aprende isso nas primeiras aulas. Quando você escolhe um entrevistado e não outro está fazendo uma opção, racional ou não, por isso a importância de ouvir a maior diversidade de fontes possível sobre determinado tema. Fazer uma análise ou uma crítica tomando partido não é o problema, desde que não se engane o leitor, fazendo-o acreditar que aquilo é a única intepretação possível da realidade.

Infelizmente, muitos veículos ou jornalistas que se dizem imparciais, optam sistematicamente por determinadas fontes, sabendo como será a análise de determinado fato. Parece até que procuram o especialista para que legitime um ponto de vista. Ou têm preguiça de ir além e fugir da agenda da redação, refrescando suas matérias com análises diferentes. Ou alguém acha que é aleatório escolherem sistematicamente o professor José Pastore para analisar direitos trabalhistas?

Apoio os professores. Apoio os metalúrgicos de fábricas de automóveis. Apoio os controladores de vôo. Apoio os cobradores e motoristas de ônibus. Apoio os bancários. Apoio os garis. Apoio os residentes médicos. Apoio o santo direito de se conscientizarem, reconhecerem-se nos problemas, dizer não e entrar em greve até que a sociedade pressione e os patrões escutem. Mesmo que a manifestação deles torne minha vida um absurdo.

Por fim, estou farto daquele papinho do self-made man cansativo de que os professores e os alunos podem conseguir vencer, com esforço individual, apesar de toda adversidade, “ser alguém na vida”. Aí surgem as histórias do tipo “Joãozinho comia biscoitos de esterco com insetos e vendia ossos de zebu para sobreviver. Mas não ficou esperando o Estado, nem seus professores lhe ajudarem e, por conta, própria, lutou, lutou, lutou (às vezes, contando com a ajuda de um mecenas da iniciativa privada), andando 73,5 quilômetros todos os dias para pegar o ônibus da escola e usando folhas de bananeira como caderno. Hoje é presidente de uma multinacional”. Passando uma mensagem “se não consegue ser como Joãozinho e vencer por conta própria sem depender de uma escola de qualidade e de um bom professor, você é um verme nojento que merece nosso desprezo”. Afe. Daí para tornar as instituições públicas de ensino e a figura do próprio professor cada vez mais acessórias é um passo.

Educação é a saída, mas qual educação? Aquela defendida pelo pessoal do “Amigos do Joãozinho”? Educar por educar, passar dados e técnicas, sem conscientizar o futuro trabalhador e cidadão do papel que ele pode vir a desempenhar na sociedade, é o mesmo que mostrar a uma engrenagem o seu lugar na máquina e ponto final. Uma das principais funções da escola deveria ser produzir pessoas pensantes e contestadoras que podem colocar em risco a própria estrutura política e econômica montada para que tudo funcione do jeito em que está. Educar pode significar libertar ou enquadrar. Que tipo de educação estamos oferecendo? Que tipo de educação queremos ter? Para essa tarefa, professores bem formados e remunerados são fundamentais.

Em algumas sociedades, pessoas assim, que protestam, discutem, debatem, discordam, mudam são úteis para fazer um país crescer. Por aqui, são vistas com desconfiança e chamadas de mal-educadas e vagabundas. Ironia? Não, Brasil.

http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2013/05/23/professor-vagabundo-que-faz-greve-deveria-ser-demitido/



sábado, 11 de agosto de 2012

Instituições federais de educação em greve: o que está em disputa..



André Lázaro*  
         A greve de professores das instituições federais de educação levanta o debate necessário sobre o que está em disputa neste momento na educação brasileira. Após seis anos sem qualquer paralisação por motivos salariais, a maioria das Universidades e boa parte dos Institutos Federais, além do Colégio Pedro II, estão em greve. Trata-se do esgotamento de um modelo antigo ou da crise de um novo modelo que mal se iniciou?
         A educação tem merecido atenção crescente no debate público. A crítica feroz aos resultados atuais dos estudantes da educação básica, no entanto, nem sempre se recorda dos baixíssimos investimentos e péssimo acompanhamento da qualidade que orientaram a política da educação superior nos anos de 1990. Hoje ainda colhemos frutos desses equívocos: baixa qualidade da formação de professores, disputas de mercado entre as instituições privadas com redução de custos por meio da demissão de profissionais qualificados, instituições públicas que ignoram o compromisso com a educação básica.
         Os investimentos públicos no ensino superior nos anos de 1990, sua expansão e interiorização, foram frutos dos esforços das universidades estaduais. A política que vigorou até o início dos anos 2.000 apostava no fortalecimento da iniciativa privada em educação, deixando as instituições federais à mingua. A partir do início da década passada o Governo Federal passou a investir na visão sistêmica da educação e tomou diversas iniciativas para fortalecer a educação superior, inclusive em sua articulação com a educação básica. Em destaque, a reestruturação das universidades federais pelo Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), que significou mais recursos de investimento e de custeio e contratação de professores e técnicos, tanto para suprir as deficiências herdadas da década anterior quanto para sustentar a expansão em curso. Do mesmo modo, a rede de educação profissional e tecnológica, negligenciada na década de 1990, recebeu novos recursos de investimento e de custeio e contratação de pessoal. Em parceria com diversas instituições de educação superior, a Universidade Aberta do Brasil foi ampliada e a educação a distância chega a municípios bastante afastados das cidades universitárias. São iniciativas de grande porte que demandam sustentação de longo prazo e políticas de Estado para lhes darem o tempo de maturação necessário. Construir é mais demorado do que desmontar...
         Por outro lado, o Sinaes (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior) ganhou consistência e consequência: mesmo instituições federais foram advertidas quando seus resultados estavam aquém do necessário. E, pela primeira vez na história do país, foram fechadas vagas em cursos de baixo rendimento, tanto em pedagogia quanto em medicina e direito.
         Hoje os estudantes no nível superior, pouco mais de 6,3 milhões, estão distribuídos entre instituições privadas, com 74,2% das matrículas, e instituições públicas, com 25,8%. As instituições públicas, no entanto, têm papel a cumprir: foram as que iniciaram ações afirmativas para inclusão da diversidade, são elas que seguem abrindo campi no interior do país, são elas que oferecem a maioria dos cursos de pós-graduação, que desenvolvem pesquisas e extensão universitárias.
         A atual expansão da educação superior recoloca questões que já estavam à mesa, mas agora se tornam urgentes visto o papel estratégico que as Instituições passam a ter no modelo que se pretende fortalecer no país. A carreira que está em debate na greve precisa ser reformulada em valores e em estrutura. É preciso valorizar adequadamente a dedicação exclusiva, oferecer as adequadas condições para as pessoas que dedicam a vida a produzir conhecimento novo (pesquisa), formar as novas gerações (ensino) e a disseminar o conhecimento pela sociedade (extensão), além de levar esse conhecimento ao setor produtivo, numa via de mão dupla (inovação tecnológica). Isso não se faz sem professor ou sem os técnicos.
         Portanto, a greve em curso deve ser lida no contexto do crescimento e da expansão, diferente de como se dava nos anos de 1990, quando havia um contexto de agonia e esfacelamento da rede federal frente ao fortalecimento do setor privado.
         Após a década de 90, repleta de greves e impasses, as negociações caminhavam para consolidar um rumo e etapas a serem cumpridas. No entanto, mudanças de governo e o trágico falecimento do secretário do planejamento que conduzia as negociações, Duvanier Ferreira (cuja morte por negligência motivou a lei recente que criminaliza a exigência de cheque caução nos hospitais) trouxeram consequências inesperadas. Parece que se perdeu o rumo da prosa e o horizonte da carreira.
         Vivemos um novo momento e a greve expressa exatamente essa tensão entre o novo e o velho. A greve atual, por mais forte que seja e mais ampla que possa se tornar, representa a necessidade de superar definitivamente tanto um desenho de carreira inadequado quanto um padrão de negociação burocratizado. A dedicação que se espera das Instituições Federais de educação superior não pode estar sujeita a variações anuais. A educação é investimento de longo prazo, inclusive – e talvez principalmente – para professores e pesquisadores que necessitam de tempo e condições para desenvolver o trabalho de ensino, pesquisa e extensão.
         O país ainda está construindo as soluções que foram negadas na década de 90. Como todo percurso histórico, o atual tem suas tensões e contradições, mas tem também uma direção: dotar o Brasil de um parque de instituições capaz de produzir inteligência e inovação, ser inclusivo de sua diversidade étnico-racial, social e cultural e se distribuir por todo o território, visando à superação das históricas desigualdades regionais.
         Este texto é uma contribuição do autor ao projeto Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior (GEA-ES), realizado pela FLACSO-Brasil com apoio da Fundação Ford.
      *   - André Lázaroé  Professor da Faculdade de Comunicação Social da UERJ e Coordenador Executivo do GEA-ES (Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior no Brasil) da Flacso-Brasil. Foi Diretor no MEC de 2004 a 2006 e Secretário de 2006 a 2010.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

A imprensa pós Rio+20

09/07/2012 - Por Marcus Tavares - blog Revista Ponto Com

Capas de jornais e revistas. Entrevistas e debates. Vídeos, matérias especiais e muitos artigos. A Rio+20 ocupou boa parte do noticiário da imprensa brasileira há algumas semanas. E agora, o que ficou? Foi apenas mais um evento sobre meio ambiente divulgado?


Em vinte anos, o Rio de Janeiro/Brasil foi sede de dois grandes encontros. De alguma forma, isso contribuiu para uma cobertura mais profunda sobre a ecologia no país?

A revistapontocom conversou com o jornalista Wilson Bueno. Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo (Umesp), Bueno vem estudando há alguns anos a interface jornalismo e meio ambiente. Segundo ele, a mídia precisa desempenhar um novo papel: ”Mas essa que aí está parece não ter competência ou disposição para exercê-lo. Precisamos sacudi-la, reformulá-la e criarmos alternativas cidadãs em nome do país e do planeta que desejamos para as novas gerações”, destaca.

Acompanhe:


revistapontocom – Como o senhor avalia a cobertura da mídia sobre o meio ambiente?
Wilson Bueno – Embora a cobertura da temática ambiental tenha crescido significativamente nos últimos anos, ela ainda está refém de fatos espetaculares (eventos, acidentes ambientais, debates como o do Código Florestal) e não mantém uma frequência, compatível com a sua importância. Além disso, com raras exceções, a imprensa não assume uma perspectiva investigativa e se omite em relação a grandes questões, como a segurança alimentar, a postura insustentável de grandes empresas ou setores (mineradoras, montadoras, papel e celulose, agroquímicas e empresas de biotecnologia etc), assumindo, quase sempre, a posição dos grandes interesses empresariais ou políticos. Felizmente, há algumas mídias ambientais autênticas e profissionais competentes comprometidos com o meio ambiente que têm feito o debate avançar e ganhar qualidade. Ainda que seja importante denunciar abusos e equívocos, é fundamental superar o nível da mera denúncia, inclusive para aprofundá-la e provocar mobilização a sociedade para enfrentar empresas, governos etc que ousam afrontar recorrentemente o meio ambiente.

revistapontocom – A ECO 92 não trouxe alguma mudança neste sentido?
Wilson Bueno - Embora não tenha trazido resultados concretos porque as nações boicotaram o que havia sido acordado durante a ECO 92, o evento se constituiu em um marco por ter trazido a questão ambiental para a linha de frente, alavancado a cobertura da imprensa e permitindo a mobilização de grupos organizados que têm se mantido ativos até hoje. A ECO 92 contribuiu para que a questão ambiental fosse contemplada planetariamente até porque havia um contexto favorável para que isso ocorresse.

revistapontocom – Entre a ECO 92 e a Rio+20, o que aconteceu com a cobertura da imprensa?
Wilson Bueno – Ela se ampliou, viu surgir novos veículos e novos espaços de divulgação, novas fontes surgiram e se consolidaram ao longo do tempo e, mesmo com as lacunas apontadas anteriormente, assumiu um novo patamar, mantendo-se presente em inúmeros veículos, ambientes, programas etc. Mas a grande imprensa e os monopólios da comunicação não têm efetivamente colocado o dedo na ferida porque isso não lhes interessa. Tratam o tema cosmeticamente, privilegiando mais o aspecto midiático, o aumento da audiência do que buscando despertar consciências e mobilizar a população.

revistapontocom – E com a Rio+20, algo mudou nesta interface?
Wilson Bueno – A Rio+20 se caracterizou pela omissão e timidez dos governantes, mas, pelo menos no Brasil, serviu para acirrar o debate, incrementar uma postura crítica em relação a países e empresas, promover uma maior articulação entre os comprometidos com a solução do impasse ambiental. A imprensa cobriu o evento em si, mas pouco avançou em termos de trazer novos elementos para o debate e aprofundá-lo. A Rio+20, na imprensa, se constituiu em um evento midiático que não trouxe, pelo menos por enquanto, novos desdobramentos em termos de cobertura qualificada, com raríssimas exceções. Para a maioria dos veículos, foi mais um evento que passou.

revistapontocom – O que pode explicar essa ‘evolução’ da cobertura: o jornalismo diferenciado, a pressão da sociedade, a atuação de organismos internacionais?
Wilson Bueno – Há pressão de todo lado, sobretudo porque se aprofunda a consciência de que o impasse ambiental precisa ser equacionado com urgência, mas a imprensa, refém das fontes oficiais ou empresariais, caminha lentamente e não temos certeza de que ela efetivamente possa contribuir para que as mudanças necessárias ocorram antes que os problemas se tornem mais dramáticos. A cobertura tem sido mais ampla, o que não quer dizer que seja mais qualificada. Ainda predominam as ações de marketing verde e essa visão cosmética que caracteriza a chamada “economia verde”, particularmente com a ação nefasta de corporações que insistem em descolar o discurso da realidade, uma postura marcadamente predadora.

revistapontocom – Embora o Estado possua, no Brasil, seus meios de comunicação, é a grande imprensa – privada – que consegue uma maior penetração entre a sociedade. Ao cobrir o tema de meio ambiente, essa imprensa possui outros objetivos, além do serviço público da informação?
Wilson Bueno – A imprensa tem seus compromissos e interesses e necessariamente eles não estão sintonizados com as demandas reais da sociedade. Ela continua demonizando os movimentos sociais, esvaziando debates (como os relativos aos monopólios na área de sementes, às relações espúrias entre governos e corporações etc) e contribuindo para reforçar ações irresponsáveis comprometidas com o marketing verde. Há uma hipocrisia empresarial sustentada por ações comerciais da mídia privada. A imprensa brasileira é notadamente um grande balcão de negócios. As exceções (que felizmente existem) confirmam a regra.

revistapontocom – O que fica da Rio+20 para a interface mídia e meio ambiente?
Wilson Bueno - Para a grande imprensa, poucas mudanças irão acontecer e o cenário permanecerá o mesmo já descrito nessa avaliação, mas certamente irão surgir novas mídias ambientais, haverá maior presença da temática ambiental nas redes e mídias sociais e a sustentabilidade será incorporada gradativamente ao debate que hoje anima os jovens. Os governos e as empresas estarão sob vigilância, mesmo porque, se nada for feito com urgência, o problema tenderá a se agravar, tornando inevitáveis ações imediatas e de grande impacto. Se dependermos de empresas e governantes pouco esclarecidos ou omissos, que continuam, assim como os empresários inescrupulosos, predominando entre as fontes que repercutem a temática ambiental, a cobertura permanecerá morna, não crítica e contaminada por interesses comerciais e políticos. A coragem e a competência de alguns jornalistas não conseguirão se não houver uma mobilização efetiva da sociedade, promover as mudanças que todos queremos. Há estruturalmente, pela ação desse capitalismo predatório, condições para que os privilégios e os interesses escusos prevaleçam em detrimento da qualidade de vida e da preservação da nossa diversidade (ambiental, social e cultural). A mídia precisa desempenhar um novo papel, mas essa que aí está parece não ter competência ou disposição para exercê-lo. Precisamos sacudi-la, reformulá-la e criarmos alternativas cidadãs em nome do país e do planeta que desejamos para as novas gerações.

Fonte:
http://www.revistapontocom.org.br/entrevistas/a-imprensa-pos-rio20