Santiago, Chile, 31/7/2012 – “A voz política das histéricas, santas, bruxas, loucas, putas e todas as mulheres”. Assim definem suas criadoras o jornal digitalLa MansaGuman, primeiro meio de comunicação feminista do Chile. “Sempre sonhamos em ter uma heroína que denunciasse a violência contra a mulher, mas também que nos representasse em outros âmbitos”, disse à IPS a diretora do jornal, Kena Lorenzini.
O jornal La MansaGuman foi criado integralmente por mulheres e busca mostrar a desigualdade e a discriminação que sofre a imensa maioria das chilenas, em um país marcado pelo duopólio jornalístico que domina a mídia escrita e digital. A empresa El Mercurio e o Consórcio Jornalístico do Chile S.A. (Copesa), propriedade das famílias mais ricas e influentes do Chile, são donos de 90% do que se publica no país, por isso lançar um meio de comunicação progressista e independente não é tarefa fácil.
A concentração da mídia se traduz também em um monopólio ideológico de direita, que tem consequência direta nas linhas editoriais, e mais especificamente nas fontes e nas formas de abordar a notícia. Nessa linha, a economista Gloria Maira destacou à IPS que o La MansaGuman “veio preencher um espaço importante no que se refere aos meios de comunicação e à informação à qual as pessoas podem ter acesso”.
“Em geral, as mulheres estão ausentes da mídia, aparecemos como o dado diferente, ou como nota associada, mas as fontes, em geral, são homens, e a voz das mulheres não está presente. Decidimos que essa era uma grande necessidade que deveria ser atendida”, explicou Maira, subdiretora do novo jornal digital. Maira acrescentou que, no geral, os temas das mulheres são manejados como uma aproximação de minoria, “e falam de nós como se fôssemos um pequeno grupo cujos problemas não passam a ser temas nacionais”.
“Queremos colocar os grandes temas das mulheres, como a brecha salarial. A segregação do mercado de trabalho, a despenalização do aborto em todas suas circunstâncias, bem como problemas da democracia que afetam metade da população do país e, portanto, têm de ser vistos com essa importância política, econômica e cultural”, ressaltou Maira. Lorenzini afirmou que “99% da mídia tem editores homens, proprietários homens e, portanto, os que escrevem e falam em 85% são homens”.
A diretora destacou que o mais radical do La MansaGuman é que não há fontes masculinas, “mas não é um jornal digital para mulheres, mas para todos, porque está imerso no debate nacional”. O nome La MansaGuman se refere a uma grande mulher. Mansa, no Chile significa “muito grande” e Guman é uma deformação em espanhol da palavra inglesa “woman” (mulher).
No jornal trabalha um grupo multidisciplinar de fotógrafas, economistas, advogadas e orientadoras familiares. Seu comitê editorial é formado por destacadas escritoras: Diamela Eltit, defensora dos direitos humanos, Ana González, familiar de quatro presos desaparecidos durante a ditadura (1973-1990), e pela dirigente dos estudantes secundários Danae Díaz, entre outras. Também participam a antropóloga mexicana Marta Lamas, a escritora equatoriana Tatiana Cordero e a secretária-geral da União de Mulheres Saharauis, Fatma Mehdi, que também integra a direção da Frente Popular de Libertação de Saguia al Hamra e Rio de Ouro, mais conhecida como Frente Polisário de Libertação.
O financiamento é 100% voluntário. A abertura do site e até o projeto do jornal foram possíveis graças às doações. O La MansaGuman é “uma aposta jornalística crítica e desbocada”, criada para ser um espaço de destaque para as mulheres, até agora excluídas da agenda dos meios de comunicação tradicionais, afirmam suas criadoras. A ideia é que a pauta informativa mostre espaços onde as mulheres estejam presentes, a agenda que as define, as coisas que as afetam e importam para elas.
“Não há censura, mas existem dois requisitos para integrar o projeto: ser feminista e de esquerda”, ressaltam. “Ser feminista é um orgulho para as mulheres. Há algumas que ainda não o assumiram, mas, se olharmos nossa história, o fato de podermos hoje estar falando das grandes dívidas da democracia se deve ao movimento feminista, tanto no país como no resto do mundo, em termos de lutar e pressionar pelo reconhecimento de nossos direitos”, enfatizou Maira.
A economista acrescentou que, apesar de muitos dizerem que o feminismo segue um discurso manuseado, “já que as mulheres continuam sendo um grupo subordinado, em termos simbólicos, políticos e econômicos, continua mais vigente do que nunca”. Assim, “se queremos um discurso transformador, para uma sociedade inclusiva, solidária, que lide com esses valores e princípios, evidentemente o feminismo é uma corrente de pensamento, de proposta que alimenta toda essa transformação”, opinou Maira. Sobre ser de esquerda, Lorenzini explicou que significa justiça de gênero, social e econômica.
Maira enfatizou: “Nós levantamos o punho esquerdo, companheira, somos das que pensam que em nosso país existe um capitalismo selvagem que afeta a população em seu conjunto”. Segundo ela, “os princípios de solidariedade que inspiraram em outro momento a sociedade chilena foram perdidos, passamos de cidadãos a clientes e são as regras do mercado que determinam, não apenas a economia, mas também a política, o conjunto de valores. Por isso, também assumimos isso como um posicionamento político para efeito do discurso que queremos transmitir e motivar e colocar no debate público”, acrescentou.
É nessa linha que o La MansaGuman pretende ser “a voz política” das mulheres para acabar com a “invisibilidade” histórica a que estão submetidas. “Temos direito a voto, há algum tipo de política pública para atender certas manifestações da violência contra a mulher, mas, convenhamos, as mulheres continuam sendo um coletivo subordinado da sociedade, e todo os indicadores assim demonstram”, destacou a economista.
Maira acrescentou que “em representação política, presença trabalhista, níveis salariais, nos espaços de tomada de decisões das empresas, nos circuitos culturais como produtoras de cultura, etc., as mulheres estão em lugares claramente relegados. Cremos que esta é a grande dívida da democracia com as mulheres e que é preciso abordá-la, também por meio dos meios de comunicação”, ressaltou Maira.
No La MansaGuman podem escrever desde intelectuais até sindicalistas, da mulher comum até empresárias. Isto é, todas as mulheres terão um espaço. Os critérios editoriais “não são rigorosos, mas também não são frouxos”, detalhou Lorenzini. E Maira destacou que daqui em diante as mulheres poderão ficar tranquilas, porque “as histéricas, as santas, as bruxas, as putas, todas, estarão na primeira linha sempre. A heroína fará todo o possível para que assim seja”, concluiu. Envolverde/IPS
Fonte: extraído do site Envolverde por Marianela Jarroud da IPS