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domingo, 9 de março de 2014

Dia Internacional da Mulher Branca

06/03/2014 - por Zaíra Pires - extraído do blogue Blogueiras Negras

Mais um 8 de março se aproxima e recebemos aquela enxurrada de chorume em nossas existências femininas nos “homenageando” por sermos delicadas, amorosas, resilientes, submissas, mães, esposas, damas na sociedade e amantes ardentes entre quatro paredes.

Todo esse repentino amor tem hora pra começar e acabar, durando o tempo do mês de março, da semana do 8 ou só desse dia mesmo, de acordo com o tanto de baboseira que cada um consegue produzir.

Nesse sentido, as mulheres homenageadas são sempre as mesmas: brancas, jovens, magras, ocidentais, cristãs e cisgêneras.

E para não perder o costume, nós, as pretas neuróticas, recalcadas, mal amadas e que veem racismo em tudo, vamos direcionar nossa crítica destrutiva ao bode expiatório da vez: a [loja] Riachuelo e sua campanha pela Semana da Mulher Brasileira 2014 (leiam ironia nas minhas palavras, por favor).

http://www.youtube.com/watch?v=3GPFMI5WtFI



Como podemos ver no vídeo, a mulher brasileira padrão, essa do comercial, corresponde exatamente ao padrão médio da brasileira, afinal, somos majoritariamente brancas, loiras, com traços faciais finos e tão magras e altas como sílfides mitológicas. Uai, não somos?

E então que a presença negra no comercial é de uma mão que serve.

Um corpo sem cara, que não consome, não tem vontades, sequer existe, apenas serve.

Uma sombra semivivente que só se presta a apoiar a existência da sua senhora.

Sim, porque a mulher que deve ser homenageada na semana da mulher é aquela branca que trabalha fora, independente, bem resolvida, que limpa a casa, cuida dos filhos, serve ao seu marido e sempre está com as unhas feitas e a depilação em dia.

Essa é uma super mulher que consegue viver seus rompantes de modernidade sem deixar de lado suas obrigações femininas. 

Essa merece ser louvada e ganhar um desconto nas compras da semana por cumprir suas funções com tanto esmero.

A preta que sustenta a família com seu salário do subemprego, que enfrenta 5 horas de ônibus sujeita a abuso sexual, que vê seu filho ser morto pela polícia, que morre por complicações aborto inseguro, que está fadada ao serviço doméstico desde sempre como se isso fosse inerente à sua existência, que suporta as investidas sexuais do patrão e do filho do patrão para não perder o sustento dos seus, que é a principal vítima de negligência na saúde pública, que deixa seus filhos sozinhos em casa pra cuidar dos filhos da patroa branca, que é a maioria entre as trabalhadoras do sexo, que não completa os anos básicos de estudo porque precisa sair para trabalhar, que tem que se virar em quinze para viver e ainda manter o sorriso no rosto, essa não merece as homenagens desse dia.

Na verdade essa mulher é a serviçal que deve se alegrar por ter a honra de ver seus braços pretos aparecerem na televisão.

Afinal, o que a Riachuelo nos diz com esse filme, e o que muitas outras nos dirão nessa semana, é que mulher negra consumidora é paradoxo, e já que ela não existe, porque deveria ser representada numa propaganda?

Quem disse que preta tem dinheiro?

Quem disse que preta compra alguma coisa?

Quem disse que preta entende de publicidade?

Pois estamos aqui, consumidoras, pensadoras, cidadãs, formadoras de opinião, dizendo que esse comercial não nos representa. Durmam com esse barulho!

Fonte:
http://blogueirasnegras.org/2014/03/06/dia-internacional-da-mulher-branca/

Leis também:
- Domitila, uma mulher das minas bolivianas - Christina Iuppen - Moema Viezzer

Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.

sábado, 14 de dezembro de 2013

Resiliência e uma negra no aeroporto de Frankfurt

09/12/2013 - Sobre resiliência, o direito à felicidade e ser mulher negra no aeroporto de Frankfurt
- Viviana Santiago para o site Blogueiras Negras

Segundo a física, a resiliência é uma certa particularidade apresentada por alguns corpos, de após sofrerem uma deformação, voltar a sua forma original. 

Em linguagem figurada seria aquela habilidade de fazer do limão, uma limonada e quem trabalha no terceiro setor, sobretudo com os chamados grupos em situação de vulnerabilidade e risco social e/ou pessoal sabe que essa palavra faz parte do repertório de ensinamentos.

Falar de resiliência significa evocar aquela capacidade que nós todas, pessoas em alguma situação de vulnerabilidade, devemos possuir, ou ser apoiadas na construção: uma capacidade que nos possibilitaria transformar cada situação ruim vivida, numa situação positiva, a partir de nossa competência de re-significar e seguir em frente.

Há alguns meses, eu, Viviana, negra-mulher-nordestina-pedagoga e mãe fui à Áustria participar de uma reunião de trabalho: atuo na defesa de direitos de crianças e adolescentes, assim como de mulheres e famílias em situação de vulnerabilidade, dentre outros aspectos, defendo a ideia de promoção, proteção, defesa e garantia do direito a convivência familiar e comunitária para todos esses grupos; e nesse contexto fui convidada a ser stakeholder para um processo de elaboração de uma política global.

Meu voo para Áustria deveria fazer antes uma escala em Frankfurt [foto], vocês já imaginam a cena: avião lotado de brasileiras e brasileiros, mulheres e homens desembarcando naquela correria, muitos passageiros habitués, outras pessoas de primeira viagem chegando à Europa, e eu: com aquela sensação de, ainda sob o impacto de tantas vozes, tantas línguas, tantos rostos diferentes, sentir-me num espaço global – o aeroporto de Frankfurt é gigantesco - vendo todo mundo e pensando curiosamente como estaria sendo vista. (Não tardaria em descobrir…)

Na fila da imigração, havia dezenas e dezenas de brasileiras e brasileiros, também muitas mulheres e homens também de outros lugares do mundo, muitos e muitos orientais, mas por uma daquelas coincidências do destino: a única mulher negra ali era eu.

Chegando minha vez de apresentar o passaporte, um jovem me atendeu e extremamente rude, me pergunta num inglês - muito mal falado - para onde vou e o que vou fazer.

Explico que vou prestar uma consultoria sobre gênero, para uma ONG internacional – muito conhecida na Europa -, ele me faz uma pergunta que não consigo entender e peço que repita.

E ai começa o show de humilhações, grosseria e maus tratos: mostro todos os papéis, os convites, meu currículo e ele, sempre me olhando de cima a baixo, com especial atenção para meu cabelo, minha boca e minha bunda; ele rejeita tudo que eu falo, fazendo de conta que não entende, e em alemão, partilhando com o companheiro do guichê ao lado, comentários jocosos a meu respeito.

Somos todas mulheres! escuto  vozes em minha cabeça, daquelas pessoas que querem destituir as nossas lutas e diminuir a importância da abordagem das interseccionalidades com a afirmação de que somos todas iguais…, mas quando olho para o lado, vejo as outras mulheres caminhando livremente apresentando seus passaportes e seguindo em frente, enquanto somente eu: a negra, estou retida.

Somos todas mulheres! escuto mais uma vez, mas percebo que somente eu, mulher-negra, em meio a todas aquelas mulheres, estou tendo que justificar exaustivamente o que faz uma mulher negra indo para Áustria.

Somos todas mulheres! mas só sobre mim recai o estereótipo da mulata e da prostituta…

E eu fico pensando nessa experiência…

Pensando, entristeço e recordo que partilhei com as amigas e amigos e ouvindo de todas: puxa, que pesado! Vixi que perverso!

Mas em seguida, sempre a continuação: ainda bem que você é uma mulher resiliente! Seja resiliente, faça dessa situação uma limonada, aprenda com isso!

E continuam quando eu digo que em mais alguns meses estarei lá novamente: isso Vivi, seja resiliente! Você tem que aprender a lidar com isso!

Sem desmerecer nenhum pouco a importância de darmos a volta por cima, venho sinceramente dizer que eu não quero Ter que Ser Resiliente!

Eu não quero Ter que fazer uma limonada! Eu quero é ser feliz!

Porque felicidade e ser tratada dignamente é um direito.

Aceitar que devo ser resiliente, nesse e em muitos contextos é aceitar como natural que essa e outras violências vão acontecer e vão se repetir, é aceitar que elas estão determinadas, dadas e irrevogáveis.

Penso na minha experiência de ser menina, jovem, mulher e mãe negra…

Não é isso que escutamos quando naturalizam que nós aguentamos dor por isso não recebemos anestesia? Seja forte! Você consegue!

Quando naturalizam que nós somos fortes por isso trabalhamos sempre a mais.

Que nossa pele não queima, por isso ninguém nunca passa protetor solar ou dá um bonezinho para as crianças negras da educação infantil quando vão ao parquinhos.

Somos fortes, e se algo de ruim acontecer seremos resilientes.

Não quero mais ouvir as pessoas me mandando ser resilientes, quero sim, saber, quando as pessoas vão me dizer, (a mim e a todas as outras mulheres negras): vocês têm o direito de serem tratadas dignamente, espero que isso não aconteça mais.

Muitas vezes quando escuto o discurso do “be posisitve!” consigo perceber uma ausência de problematização: porque, ao mesmo tempo em que dizemos que as pessoas devem ser capazes de se recuperar de violências, por que também não defendemos o direito das mesmas a uma vida sem violência?

Sejamos resilientes, mas antes de tudo não sejamos mais violentadas.

Não sejamos mais tratadas como objetos.

Não admitamos nem nos conformemos com essas violências que se repetem. Mudemos esse repertório!

É isso que estou pensando agora.

E é isso que levarei comigo, quando for mais uma vez a mulher negra no aeroporto em Frankfurt.

Fonte:
http://blogueirasnegras.org/2013/12/09/resiliencia-direito-felicidade-mulher-negra-aeroporto-frankfurt/

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Caco Barcellos, a classe média e o Bolsa Família

13/11/2013- Caco Barcellos e a classe média que não quer mudar
- por Luana Tolentino (*) - para o site Blogueiras Negras

Acho que nunca contei essa história a ninguém.

Na adolescência, nutri um amor platônico pelo Caco Barcellos [foto].

Assim como as minhas amigas eram apaixonadas pelos cantores/dançarinos das boy bands dos anos 1990, eu suspirava pelo jornalista da Globo.

Explico.

Em 1999, Caco fora entrevistado pela Regina Casé, que na época apresentava o Muvuca, uma espécie de talk show exibido nas noites de sábado. A certa altura da conversa, Regina perguntou algo sobre as desigualdades existentes no país, não me lembro ao certo o que ela disse.

O repórter global respondeu: “o Brasil não muda porque a classe média não quer mudar!”.

Aquelas palavras me impactaram de tal maneira que passei alguns dias repetindo mentalmente o que ele havia dito.

Pensei: somente ele teria coragem de dizer aquilo num programa da emissora carioca, e principalmente no horário nobre.

Daquele instante em diante, meu interesse pelas questões sociais eclodiu e Caco Barcellos tornou-se o meu ídolo.

Passei a colecionar entrevistas do jornalista gaúcho.

Não tive coragem de colocar uma foto dele na parede do meu quarto, pois temia ser incompreendida pela minha mãe. Como explicar a minha paixão repentina por um homem que tinha idade para ser o meu pai?

Um tempo depois, descobri o Caco Barcellos escritor.

A leitura de Rota 66 foi inesquecível!

Um clássico indispensável para o entendimento da postura violenta e autoritária da polícia militar no Brasil.

Em 2003, tão logo foi lançado, li O Abusado, um petardo que narra a história de Márcio VP, traficante do Morro Santa Marta que ficou conhecido em todo o país.

Praticamente quinze anos se passaram desde que o Caco Barcellos concedeu aquela entrevista à Regina Casé.

Muita coisa mudou.

Apesar de ainda guardar alguns traços daquela garota que sonhava ser inteligente e conhecer o Rio de Janeiro, hoje já sou quase uma balzaquiana.

O Brasil nem de longe lembra aquele país dos anos finais da década de 1990, atolado na recessão, subordinado aos interesses econômicos dos Estados Unidos e com indicies elevadíssimos de desemprego, pobreza e miséria.

Sobre a nossa classe média, lamentavelmente, não posso dizer o mesmo.

Como pude testemunhar no início dessa semana, parece insistir em manter a sua face conservadora e reacionária.

Enquanto aguardava na recepção do consultório dentário, ouvi um dentista esbravejar na sala ao lado:

“Hoje em dia tudo é muito fácil! Ninguém quer trabalhar! Tem bolsa para tudo!

É bolsa família, bolsa disso, bolsa de não sei mais o quê! E ainda tem essas cotas.

Agora qualquer um pode entrar na Universidade! É tudo culpa do PT! Tudo culpa do Lula e da Dilma! Sou contra tudo isso!”

Confesso que a fala do dentista não causou em mim nenhuma indignação. Essa gente não me assusta. Na verdade, senti pena.

Percebi nas palavras do “doutor” a mais profunda ignorância e um bocado de inveja e ressentimento, sentimentos que parecem ser inerentes à boa parte da classe média brasileira.

A negação de forma virulenta e odiosa das melhorias nas condições de vida da população trazidas por programas como o Bolsa Família e pelo sistema de cotas revela o desejo de manutenção de privilégios, muitos deles conquistados na base da exploração e exclusão social da população pobre.

Mas como me disse outro dia a Conceição Lemes, jornalista e amiga querida, contra fatos, não há argumentos.

Em outubro, o Bolsa Família completou 10 anos com o status de programa de transferência de renda mais bem sucedido do mundo.

Pesquisas revelam que desde a sua criação, no primeiro mandato de Lula, mais de 36 milhões de brasileiros saíram da extrema pobreza ao serem beneficiados com os recursos pagos mensalmente pelo programa.

Na condição de professora de um dos municípios mais pobres de Minas Gerais, posso afirmar que o Bolsa Família tem também o mérito de contribuir para a permanência de crianças e adolescentes na escola, uma vez que o benefício é suspenso caso o alunos deixem de frequentar as salas de aula.

Já as cotas tem se mostrado um instrumento eficaz na reversão do quadro de injustiça no qual se encontra a população afrodescendente.

Estudos mostram que a ação afirmativa é uma medida eficaz para que haja uma maior representatividade de negros nas universidades públicas e consequentemente a elevação da condição socioeconômica desse grupo.

Além disso, uma pesquisa recente do IPEA apontou que estudantes cotistas têm rendimento igual ou superior ao dos demais alunos, desmitificando a teoria defendida por muitos de que esse tipo de medida reparatória provocaria a queda da qualidade dos cursos.

Volto ao Caco Barcellos.

Para o meu deleite, há dois anos ele ministrou uma palestra aqui em Belo Horizonte.

Sempre sensato e coerente, Caco falou para uma plateia lotada sobre a experiência de ter sido taxista, do ótimo Profissão Repórter, de política e dos nossos dramas sociais.

E mais uma vez, ele me encantou.

Dessa vez com as seguintes palavras: “a maior herança que o meu pai me deixou foram três palavras: vergonha na cara!

Bem, na minha modesta opinião, além da vontade de mudar, acho que é exatamente isso que falta à classe média da terra brasilis: uma boa dose de vergonha na cara.

Enquanto isso não acontece, o Brasil segue mudando. Para melhor! “E quem não é tolo, pode ver”.

(*) Luana Tolentino [foto] é mulher, negra, canhota, gêmea univitelina.

Fonte:
http://blogueirasnegras.org/2013/11/13/caco-barcellos-classe-media-nao-quer-mudar/?subscribe=success#blog_subscription-4

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.