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sábado, 25 de janeiro de 2014

Classe "mérdia" e seu ódio ao Brasil

22/01/2014 - Por que a classe mérdia odeia o Brasil?
- Bruno Oliveira - blogue do Carlos, Professor de Geografia

Antes que me acusem de ufanista, defensor de algum patriotismo cafona, já adianto de antemão que não acho o nosso país uma maravilha, nem concordo com muitas coisas que por aí estão.

Também não sou xenófobo, curto cultura estrangeira tanto quanto a nossa, e não acho que ser brasileiro me torna melhor ou pior do que ninguém.

Mas se tem algo que me incomoda é como, principalmente elementos da “classe mérdia” (com R mesmo pra não confundir com quem é de classe média e não merece ser generalizado com esses tipinhos), não só creem que vivemos no “pior país do mundo”, como estão sempre a se referir a todo e qualquer problema como se sua raiz fosse o fato de aqui ser Brasil, e nós sermos brasileiros.

- Tem corrupção?É a porra do Brasil”.
- Tem impunidade?Só podia ser Brasil mesmo”.
- Educação de péssima qualidade?Coisa do Bostil”.
- Tem Feriado?Brasileiro é tudo vagabundo mesmo”.
- Tem Carnaval?É por isso que o Brasil não vai pra frente”.
- Não ganhamos a copa?País de incompetentes”.
- Ganhamos a copa?Compraram o título, cambada de corruptos”.

É certo que nosso país tem problemas, mas daí achar que o resto do planeta é um paraíso, principalmente quando falamos da Europa, é típico daquele ditado “a grama do vizinho é mais verde”.

Hoje com a internet e mecanismos de pesquisa, descobrimos em rankings decentes que já estivemos pior, e que (pasmem!) em determinadas situações há dezenas de países piores do que o nosso em várias áreas.

Isso não é uma desculpa pra se justificar os nossos problemas, mas sim uma amostra que estamos longe de ser o “pior país do mundo”, como tantos querem crer por aí.

Uma das grandes perguntas que me faço é porque, se aqui é tão ruim, os incomodados não vão embora de uma vez?

Sim, eu sei que isso pode parecer muito “Ame-ou ou Deixe-o”, jargão da ditadura militar, mas naquela época o exílio era a única opção pra escapar da morte certa.

Hoje em dia qualquer um pode ficar ou partir conforme sua vontade.

E se aqui está tão ruim, e nunca vai melhorar, porque “o brasileiro é o pior povo do mundo”, então por que ficar? Todos os demais países não são melhores?

Ah eu quero lutar para melhorar as coisas aqui”, alguns podem dizer.

Então VALE A PENA LUTAR pelas coisas aqui, hein?

Então isso não pode ser uma bosta tão grande se você acha que merece melhorar.

Se é assim, qual o sentido de dizer que tudo aqui é uma bosta, se você realmente ama esse país e quer viver nele? Não faz o menor sentido.

Talvez toda a confusão seja que algumas pessoas não conseguem separar o conceito de país de governo. Pra alguns, é a mesma coisa.

Como se algum partido ou governo pudessem representar o que é um país.

Essa é uma diferença essencial com os norte-americanos, por exemplo, que são muito patriotas e não confundem essas coisas.

Os reaças americanos podem odiar o Obama, e 50% da população falar mal do seu governo, mas você não os verá falando mal dos Estados Unidos.

Mesmo no que sua pátria está errada, em atacar e explorar outros povos, eles se justificam, eles acreditam no seu “destino manifesto” enquanto nação.

Aqui, o que temos é o velho “complexo de vira-lata”, o brasileiro parece que se odeia (meus amigos estrangeiros vivem comentando isso comigo, eles acham muito estranho).

Isso não é um assunto novo. Já ouço falar desse complexo desde criancinha, lá nos anos 80. A classe mérdia não odeia nosso país de hoje, não é algo necessariamente ligado ao seu desprezo pelo atual governo. É algo de profundas raízes históricas e culturais.

Usando novamente os EUA como exemplo, os colonos que iam para lá muitas vezes era gente perseguida, principalmente por causa da sua prática religiosa na Grã Bretanha.

Eles iam para as colônias já sabendo que iriam viver lá pelo resto das suas vidas, sem quaisquer planos de voltar. Estavam indo com claros projetos de construir uma nova nação.

Não por acaso embora a colonização tenha sido tardia, só começado em meados do século XVII, no século XVIII já declaravam sua independência.

Já para o Brasil, os colonos portugueses vinham para cá com claros projetos de enriquecer.

Ganhar dinheiro com o pau-brasil, depois com a cana de açúcar, depois com o ouro, e se mandar para casa, para a metrópole, para a Europa onde era lugar de gente civilizada.

Os colonos portugueses odiavam tudo por aqui, o clima, os índios, a cultura local, a falta de civilização, enfim, eles não conseguiam ver isso aqui como um país.

O problema é que a maioria desses incompetentes não conseguia.

Eles ficavam por aqui, e passavam para os seus filhos, e os filhos dos seus filhos, o sonho de um dia enriquecer e finalmente voltar para a Metrópole.

O Brasil, este sempre foi uma porcaria, um lugar para se trabalhar e ganhar o que desse, mas não para viver.

Assim, os filhos dos abastados estudavam na Europa, quando casavam passavam lua de mel na Europa, e quando se aposentassem, iam passear pela Europa.

Mudam-se os tempos, e os destinos hoje são mais amplos, incluindo Miami. Mas o sentimento é o mesmo.

Continuam a detestar o clima, o povo, os hábitos, a cultura local.

Eles continuam não se sentindo brasileiros.

No seu íntimo, o grande sonho é ainda deixar esse lugar, ou que ele fosse adotado como uma colônia extra-oficial de alguma metrópole utopicamente perfeita dentro da sua concepção, no caso, muitas vezes os EUA.

Mas assim como seus antepassados, a classe mérdia não consegue enriquecer fora daqui.

E por isso não vai embora, só fica a nos azucrinar em como esse país é ruim, como esse povo é ruim, como o problema é ser Brasil e ser brasileiro.

E os seus filhos e filhos dos seus filhos, aprendem essa lição, direto da família, ou da mídia que foi construída por eles, para não nos deixar esquecer essa lição.

Claro que esse sentimento parece muito pior nos últimos tempos.

Por duas coisas:
- a primeira é que a grande mídia, que antes era alinhada com o governo central, colocava panos quentes nos problemas nacionais.

Afinal descontentamento com o país leva a descontentamento com o governo.

Agora que estão na oposição, é fácil ver a lógica: quanto mais as pessoas odiarem o país mais odiarão quem o governa (como se as duas coisas fossem uma só, esse é o maior absurdo de toda essa questão).

Então a percepção que os grandes meios de comunicação e seus articulistas dão é essa.

- A segunda razão do aumento do ódio contra o Brasil é que a classe mérdia perdeu a maior compensação do que tinha, por viver nessa terra de “gente inculta, feia, incivilizada”.

Que era justamente ser de classe mérdia. Eles eram “superiores” pois tinham um dinheirinho a mais, não se misturavam com “essa gentalha”.

Eram apenas 30 milhões de brasileiros, até o ano 2002.

Agora são 90 milhões a compartilhar do mesmo status.

- A ir pra praia no fim de semana e congestionar o tráfego.
- A pegar avião.
- A entrar pra universidade.
- A lotar o Shopping Center.
- E o pior, em até ir pra Disney, a ir pra Miami.

Tem “pobre” em tudo que é lugar.

Como escreveu a Danuza Leão, "qual a graça de ir pra Paris ou Nova Iorque se o seu zelador também pode?" Pois é.

- Qual a graça de comer salmão e beber vinho importado se hoje em dia isso é acessível?
- Qual a graça de ver a Copa se não precisa viajar pra isso e ela acontece bem aqui?

Os “pobres” já não estão mais tão pobres assim. É isso que tornou a vida da classe mérdia tão insuportável, a ponto de que se intimamente já odiavam o Brasil, agora queimam a bandeira em atos e manifestações.

Perderam até o gosto de torcer pela seleção brasileira.

O desprezo a nação chegou no seu limite.

Eles precisam que alguém lhes socorra, que voltem os militares, que o V de Vingança destrua os governos, que Jesus traga o apocalipse, por favor, socorro, alguém, os liberte da vida na Colônia e lhes devolva para a merecida metrópole, de onde nunca deveriam ter saído.

Original de 10/01/2014 em:
http://www.sempreupdate.com.br/2014/01/por-que-classe-merdia-odeia-o-brasil_10.html?fb_action_ids=699058716794105&fb_action_types=og.likes&action_object_map=[719566761401847]&action_type_map=[#.UtF6UupocOA.twitter

Fonte:
http://carlos-geografia.blogspot.com.br/2014/01/por-que-classe-merdia-odeia-o-brasil.html

Nota:

A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Caco Barcellos, a classe média e o Bolsa Família

13/11/2013- Caco Barcellos e a classe média que não quer mudar
- por Luana Tolentino (*) - para o site Blogueiras Negras

Acho que nunca contei essa história a ninguém.

Na adolescência, nutri um amor platônico pelo Caco Barcellos [foto].

Assim como as minhas amigas eram apaixonadas pelos cantores/dançarinos das boy bands dos anos 1990, eu suspirava pelo jornalista da Globo.

Explico.

Em 1999, Caco fora entrevistado pela Regina Casé, que na época apresentava o Muvuca, uma espécie de talk show exibido nas noites de sábado. A certa altura da conversa, Regina perguntou algo sobre as desigualdades existentes no país, não me lembro ao certo o que ela disse.

O repórter global respondeu: “o Brasil não muda porque a classe média não quer mudar!”.

Aquelas palavras me impactaram de tal maneira que passei alguns dias repetindo mentalmente o que ele havia dito.

Pensei: somente ele teria coragem de dizer aquilo num programa da emissora carioca, e principalmente no horário nobre.

Daquele instante em diante, meu interesse pelas questões sociais eclodiu e Caco Barcellos tornou-se o meu ídolo.

Passei a colecionar entrevistas do jornalista gaúcho.

Não tive coragem de colocar uma foto dele na parede do meu quarto, pois temia ser incompreendida pela minha mãe. Como explicar a minha paixão repentina por um homem que tinha idade para ser o meu pai?

Um tempo depois, descobri o Caco Barcellos escritor.

A leitura de Rota 66 foi inesquecível!

Um clássico indispensável para o entendimento da postura violenta e autoritária da polícia militar no Brasil.

Em 2003, tão logo foi lançado, li O Abusado, um petardo que narra a história de Márcio VP, traficante do Morro Santa Marta que ficou conhecido em todo o país.

Praticamente quinze anos se passaram desde que o Caco Barcellos concedeu aquela entrevista à Regina Casé.

Muita coisa mudou.

Apesar de ainda guardar alguns traços daquela garota que sonhava ser inteligente e conhecer o Rio de Janeiro, hoje já sou quase uma balzaquiana.

O Brasil nem de longe lembra aquele país dos anos finais da década de 1990, atolado na recessão, subordinado aos interesses econômicos dos Estados Unidos e com indicies elevadíssimos de desemprego, pobreza e miséria.

Sobre a nossa classe média, lamentavelmente, não posso dizer o mesmo.

Como pude testemunhar no início dessa semana, parece insistir em manter a sua face conservadora e reacionária.

Enquanto aguardava na recepção do consultório dentário, ouvi um dentista esbravejar na sala ao lado:

“Hoje em dia tudo é muito fácil! Ninguém quer trabalhar! Tem bolsa para tudo!

É bolsa família, bolsa disso, bolsa de não sei mais o quê! E ainda tem essas cotas.

Agora qualquer um pode entrar na Universidade! É tudo culpa do PT! Tudo culpa do Lula e da Dilma! Sou contra tudo isso!”

Confesso que a fala do dentista não causou em mim nenhuma indignação. Essa gente não me assusta. Na verdade, senti pena.

Percebi nas palavras do “doutor” a mais profunda ignorância e um bocado de inveja e ressentimento, sentimentos que parecem ser inerentes à boa parte da classe média brasileira.

A negação de forma virulenta e odiosa das melhorias nas condições de vida da população trazidas por programas como o Bolsa Família e pelo sistema de cotas revela o desejo de manutenção de privilégios, muitos deles conquistados na base da exploração e exclusão social da população pobre.

Mas como me disse outro dia a Conceição Lemes, jornalista e amiga querida, contra fatos, não há argumentos.

Em outubro, o Bolsa Família completou 10 anos com o status de programa de transferência de renda mais bem sucedido do mundo.

Pesquisas revelam que desde a sua criação, no primeiro mandato de Lula, mais de 36 milhões de brasileiros saíram da extrema pobreza ao serem beneficiados com os recursos pagos mensalmente pelo programa.

Na condição de professora de um dos municípios mais pobres de Minas Gerais, posso afirmar que o Bolsa Família tem também o mérito de contribuir para a permanência de crianças e adolescentes na escola, uma vez que o benefício é suspenso caso o alunos deixem de frequentar as salas de aula.

Já as cotas tem se mostrado um instrumento eficaz na reversão do quadro de injustiça no qual se encontra a população afrodescendente.

Estudos mostram que a ação afirmativa é uma medida eficaz para que haja uma maior representatividade de negros nas universidades públicas e consequentemente a elevação da condição socioeconômica desse grupo.

Além disso, uma pesquisa recente do IPEA apontou que estudantes cotistas têm rendimento igual ou superior ao dos demais alunos, desmitificando a teoria defendida por muitos de que esse tipo de medida reparatória provocaria a queda da qualidade dos cursos.

Volto ao Caco Barcellos.

Para o meu deleite, há dois anos ele ministrou uma palestra aqui em Belo Horizonte.

Sempre sensato e coerente, Caco falou para uma plateia lotada sobre a experiência de ter sido taxista, do ótimo Profissão Repórter, de política e dos nossos dramas sociais.

E mais uma vez, ele me encantou.

Dessa vez com as seguintes palavras: “a maior herança que o meu pai me deixou foram três palavras: vergonha na cara!

Bem, na minha modesta opinião, além da vontade de mudar, acho que é exatamente isso que falta à classe média da terra brasilis: uma boa dose de vergonha na cara.

Enquanto isso não acontece, o Brasil segue mudando. Para melhor! “E quem não é tolo, pode ver”.

(*) Luana Tolentino [foto] é mulher, negra, canhota, gêmea univitelina.

Fonte:
http://blogueirasnegras.org/2013/11/13/caco-barcellos-classe-media-nao-quer-mudar/?subscribe=success#blog_subscription-4

Nota:
A inserção de algumas imagens adicionais, capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, elas inexistem no texto original.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Quais são essas "vozes" da nova classe média?

27/09/2012 - Paulo Kliass (*)
- extraído do portal Carta Maior

Renda do capital ainda é renda do capital, assim como renda do trabalho continua sendo renda do trabalho.


Por mais que a remuneração mensal dos despossuídos tenha evoluído, o conceito de classes sociais e seus conflitos de interesses continuam valendo para a análise do modo capitalista de produção.
(Paulo Kliass)

A Presidência da República está colocando em marcha uma delicada operação política, que pode trazer conseqüências perigosas para a análise e a compreensão de nossa realidade social e econômica. Tudo começou com o anúncio, por parte da Secretaria de Assuntos Estratégicas (SAE), do lançamento de um novo programa, considerado prioritário no âmbito do governo. Foi batizado com o nome de “As Vozes da Classe Média”.

Em tese, nada demais a chamar atenção, não é mesmo? Afinal, esse tema da classe média tem ocupado as páginas dos grandes jornais de forma crescente, ao longo dos últimos tempos. No entanto, vale a pena chamar a atenção para alguns elementos do entorno desse programa em especial e do simbolismo político envolvido com o fato. O atual titular da SAE é o dirigente do PMDB/RJ, Wellington Moreira Franco, que substituiu o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães desde o início do mandato da Presidenta Dilma. O órgão mais importante de sua pasta, porém, é o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), que era presidido desde 2007 pelo economista Marcio Pochmann, professor da UNICAMP e pesquisador crítico das correntes mais conservadoras dos vários campos das ciências sociais. Sob tais condições, o ministro carioca pouco conseguia influenciar na política interna do instituto.

As mudanças na direção do IPEA: de Pochmann a Neri
Convencido a disputar a prefeitura de Campinas pelo PT, Pochmann pediu demissão do cargo e Dilma optou há poucos dias pela nomeação definitiva de outro economista: Marcelo Neri, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ). Com esse passo, a avaliação reinante nos corredores do poder é que o conservadorismo tem todas as possibilidades de retornar às áreas dirigentes do IPEA. 

Independentemente de sua competência técnica e suas qualidades profissionais, o novo presidente do órgão representa grupos e correntes ligados à ortodoxia econômica e à ressonância de todo o pensamento neoliberal em solo tupiniquim. Afinal, as posições da FGV são mais do que conhecidas nesse domínio.

O lançamento do novo programa “Vozes da Classe Média” é a perfeita expressão política de mais um movimento de mudança no interior do governo.


Neri é um estudioso da questão da distribuição de renda e coordenou recentemente uma publicação chamada “A nova classe média – o lado brilhante da base da pirâmide”, onde todo o foco reside nessa suposta nova composição de classe social em nossas terras. Do ponto de vista político, o trabalho articulado pelo pesquisador da fundação carioca cai como sopa no mel para os dirigentes políticos governistas. Tanto que a própria Presidenta fez referência pública ao autor, em um evento no Rio de Janeiro, ainda em abril passado, elogiando e recomendando a leitura da obra.

Bingo: o recado político estava dado, para quem quisesse ouvir. Talvez tampouco seja mera coincidência o fato do PT não ter lançado candidato a prefeito no Rio de Janeiro e do governo federal apoiar o peemedebista Eduardo Paes, sempre ao lado do governador Sérgio Cabral, também do PMDB e muito prestigiado pelo núcleo duro de Dilma. O círculo se fecha.


Max Weber
[O Marcelo Neri está muito impressionado com a expansão e a pujança dos micro-negócios nas favelas do Rio onde se instalaram as UPPs – Unidades Policiais Pacificadoras. As barbearias, tinturarias, biroscas, salões de beleza proliferam. (Por que o Cerra, que se apropria de tudo, não disse que as UPPs são dele e instalou uma na Baixada Santista ?)

Neri mora na Lagoa, no Rio – que horror! – e observa, ao lado, as mudanças ocorridas numa favela com UPP. Daqui a pouco, a gente vai descobrir que o Sergio Cabral jogou o Max Weber no lixo. O que estimula mesmo o “Espírito do Capitalismo” não são os chatos dos calvinistas, mas uma boa UPP na favela!

(O Farol de Alexandria adora Max Weber. Ele e uns colonistas da Folha. No Brasil há mais leitores do Max Weber do que em toda a Prússia.) Acordou, o que Neri chama de “capital que estava adormecido”.
(PHA - Conversa Afiada)]

Já Pochmann, havia lançado um livro com interpretação bastante diferente desse oficialismo chapa branca. A Editora Boitempo publicou há pouco a obra “Qual classe média?”, que chama a atenção logo de início pelo ponto de interrogação no próprio título. Como estudioso sério e crítico, o ex-presidente do IPEA lança uma série de indagações a respeito da suposta unanimidade em torno desse “novo” conceito de classe média. E demonstra que não se pode confundir a inegável melhoria nas condições de renda na base da sociedade com a transformação em sua estrutura de classes sociais. Com a devida vênia de nossa Presidenta, eu recomendaria também a leitura do livro de Pochmann.

No entanto, por se tratar de um estudo que não compartilha desse clima de oba-oba ufanista e irresponsável, ele não é tão útil nem funcional para alavancagem da política governamental no varejo e no cotidiano. Afinal, a honestidade intelectual exige alguns “poréns” e algumas observações de reparo metodológico. Xi, lá vem o chato do Paulo Kliass outra vez... Pois é, são os ossos do ofício!

Voices of the poor” e “Vozes da classe média”: do Banco Mundial à SAE
Em sua apresentação oficial, está dito que o programa “Vozes da classe média” pretende servir como parâmetro para a elaboração de políticas públicas pelo governo federal. Talvez não seja por outra simples coincidência que ele tenha recebido esse nome. Na verdade, trata-se de uma quase versão para o português de um conhecido programa do Banco Mundial lançado lá em 2000, na virada do milênio, que é chamado de “Voices of the poor” (Vozes dos pobres).

Era uma tentativa de ouvir e estudar o fenômeno da pobreza ao redor do mundo, incluindo países como Brasil, Etiópia, Índia, Indonésia, Uzbequistão, entre outros. Mas para além desse vício de paternidade, o caminho que o governo pretende adotar agora contém graves equívocos metodológicos.

Como a idéia é sempre elogiar o suposto sucesso da política de melhoria das condições da população da base da pirâmide, entra em marcha um verdadeiro “vale-tudo” no sentido de organizar, rearranjar e espremer os números e os dados estatísticos. O objetivo é oferecer resultados convincentes e belas conclusões. Tudo perfeito e adequado para o recheio do discurso oficial, a ser faturado politicamente.

Parte-se de um fato inegável: ao longo dos últimos anos, a política de transferência de renda (via programas como Bolsa Família) e a política de valorização do salário mínimo foram o carro chefe de uma transformação significativa nas condições da população mais pobre em nosso País. Com elas vieram também a ampliação dos benefícios concedidos pela previdência social, a melhoria das condições no mercado de trabalho e o acesso ao crédito. No entanto, também é amplamente reconhecido que a política econômica desse período continuou a favorecer e beneficiar as camadas mais ricas de nossa sociedade, por meio da política de juros elevadíssimos (que só começou a mudar no último ano), das isenções fiscais, das desonerações tributárias, da ampliação da privatização e toda a sorte de benesses dirigidas ao capital em geral e ao setor financeiro em particular.

Assim, apesar de ter ocorrido uma melhoria na distribuição na base da sociedade, o restrito topo da pirâmide foi ainda muito mais beneficiado. E como os níveis da desigualdade e de concentração são muito elevados, o aspecto significativo seria analisar o que ocorreu com os 0,5% mais ricos na comparação com os 99,5% restantes. Se pegarmos faixas amplas com os 10% ou 20% das famílias com maior renda, estaremos misturando alhos com bugalhos e as conclusões serão, obviamente, apressadas e equivocadas. Isso porque os dados utilizados vêm da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, onde apenas uma pequena amostra do total das famílias responde a um extenso questionário de forma voluntária. Com isso, os domicílios familiares de renda mais elevada tendem a subestimar as informações fornecidas a respeito dos valores e das fontes de seu rendimento efetivo.

Os números do programa e as conclusões equivocadas

De acordo, com o programa “Vozes da classe média”, os limites para fazer parte desse novo recorte de “classe” são os seguintes: de R$ 291 a R$1.091 como renda mensal familiar per capita. Dessa forma, as conclusões são uma maravilha! Mais de 50% da população brasileira estão nesse perfil – um total superior a 100 milhões de pessoas. Então, vamos lá verificar – na realidade concreta da vida real - quem está enquadrado dentro dessa inovadora definição de “nova classe média” e quem já está recebendo uma renda tão elevada que está até acima desse nível, passa a fazer parte das elites, da classe alta.

Consideremos o caso de um jovem casal, sem filhos. Um dos cônjuges recebe um salário mínimo e o outro está desempregado. Sua renda mensal é de R$ 620, o que nos permite concluir uma renda per capita de R$ 310 a cada 30 dias. Imaginemos ainda que seus vizinhos sejam um casal com 2 filhos, onde os pais trabalham e recebem cada um deles salário mínimo também. A renda mensal da família é de R$ 1.240, com uma renda per capita de R$ 310, como no caso anterior. Vejam que ambas as famílias são integrantes da “nova classe média”, pois estão acima do patamar mínimo de R$ 291, o que lhes permitiria a chave de acesso ao paraíso do consumo, segundo as capas das revistas semanais penduradas nas bancas de jornal.

Pouco se fala a respeito da qualidade dos serviços públicos que recebem, como saúde, educação, saneamento, transporte público, etc. O que importa é a renda auferida.

Cabe ao leitor optar: o estabelecimento arbitrário desses valores seria ato de ingenuidade ou de maldade? Afinal, não é lá muito difícil contabilizar os níveis de despesa mensal dessas unidades familiares: o transporte coletivo numa grande cidade; o aluguel de moradia em péssimas condições; as contas de água, luz e telefone celular; o gás para cozinha; as compras de cesta básica e seus complementos; etc. Ora, o retrato é de uma sobrevivência nesse nível básico, que não permite quase nenhuma capacidade de poupança, nem o usufruto das boas condições de vida. Quem teria a coragem de afirmar que esses indivíduos seriam integrantes da “nova classe média”? Em sentido oposto, Pochmann nos oferece uma interessante reflexão a respeito do fenômeno, na apresentação de seu livro:
O adicional de ocupados na base da pirâmide social reforçou o contingente da classe trabalhadora, equivocadamente identificada como uma nova classe média. Talvez não seja bem um mero equívoco conceitual, mas expressão da disputa que se instala em torno da concepção e condução das políticas públicas atuais.

Por outro lado, tão ou mais impressionantes são as conseqüências da definição casuística do limite superior para o enquadramento em “nova classe média”. Imaginemos outra vez a situação de um casal típico de assalariados, com um filho. Ele acabou de conseguir um emprego numa empresa automobilística no ABC e recebe o piso da categoria. Ela é empregada de um banco e também recebe o piso salarial assegurado pelos acordos dos sindicatos com a FENABAN. A renda mensal do trio familiar supera R$ 3.300, com um equivalente per capita superior aos R$ 1.091 do programa oficial do governo. Dessa forma, a conclusão é assustadora: pasmem, mas essa família de trabalhadores não seria mais integrante da “nova classe média”. Em função dessa “estupenda” remuneração mensal, eles já teriam sido alçados à condição da elite, fazem parte das classes altas da sociedade brasileira! Uma loucura, para dizer o mínimo!

Trabalhadores ou classe média?
As políticas desenvolvidas ao longo da última década contribuíram para a melhoria das condições de vida da maioria da população. No entanto, o elevado grau de desigualdade social e econômica nos coloca ainda entre os países mais injustos do planeta.

Assim, não se “acaba com a pobreza” da noite para o dia, apenas com uma canetada, estabelecendo um limite arbitrário de renda de forma injustificada. O caminho é longo e passa pelo aprofundamento das políticas de distribuição de renda. Não será por força dos limites quantitativos constantes de um eventual Decreto que o Brasil amanhecerá menos pobre ou menos injusto.

Reconhecer as significativas transformações ocorridas com a população de menor renda em nosso País ao longo dos últimos 10 anos não nos permite tentar avançar na deturpação dos dados da realidade. Não se pode ser conivente com a utilização política e eleitoral de informações aviesadas, com o fim exclusivo de propiciar análises encomendadas para usufruto do governo de plantão.


Renda do capital ainda é renda do capital, assim como renda do trabalho continua sendo renda trabalho.

Por mais que a remuneração mensal dos despossuídos tenha evoluído, o conceito de classes sociais e seus conflitos de interesses continuam valendo para a análise do modo capitalista de produção.

(*) Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5788