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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Quais são essas "vozes" da nova classe média?

27/09/2012 - Paulo Kliass (*)
- extraído do portal Carta Maior

Renda do capital ainda é renda do capital, assim como renda do trabalho continua sendo renda do trabalho.


Por mais que a remuneração mensal dos despossuídos tenha evoluído, o conceito de classes sociais e seus conflitos de interesses continuam valendo para a análise do modo capitalista de produção.
(Paulo Kliass)

A Presidência da República está colocando em marcha uma delicada operação política, que pode trazer conseqüências perigosas para a análise e a compreensão de nossa realidade social e econômica. Tudo começou com o anúncio, por parte da Secretaria de Assuntos Estratégicas (SAE), do lançamento de um novo programa, considerado prioritário no âmbito do governo. Foi batizado com o nome de “As Vozes da Classe Média”.

Em tese, nada demais a chamar atenção, não é mesmo? Afinal, esse tema da classe média tem ocupado as páginas dos grandes jornais de forma crescente, ao longo dos últimos tempos. No entanto, vale a pena chamar a atenção para alguns elementos do entorno desse programa em especial e do simbolismo político envolvido com o fato. O atual titular da SAE é o dirigente do PMDB/RJ, Wellington Moreira Franco, que substituiu o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães desde o início do mandato da Presidenta Dilma. O órgão mais importante de sua pasta, porém, é o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), que era presidido desde 2007 pelo economista Marcio Pochmann, professor da UNICAMP e pesquisador crítico das correntes mais conservadoras dos vários campos das ciências sociais. Sob tais condições, o ministro carioca pouco conseguia influenciar na política interna do instituto.

As mudanças na direção do IPEA: de Pochmann a Neri
Convencido a disputar a prefeitura de Campinas pelo PT, Pochmann pediu demissão do cargo e Dilma optou há poucos dias pela nomeação definitiva de outro economista: Marcelo Neri, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ). Com esse passo, a avaliação reinante nos corredores do poder é que o conservadorismo tem todas as possibilidades de retornar às áreas dirigentes do IPEA. 

Independentemente de sua competência técnica e suas qualidades profissionais, o novo presidente do órgão representa grupos e correntes ligados à ortodoxia econômica e à ressonância de todo o pensamento neoliberal em solo tupiniquim. Afinal, as posições da FGV são mais do que conhecidas nesse domínio.

O lançamento do novo programa “Vozes da Classe Média” é a perfeita expressão política de mais um movimento de mudança no interior do governo.


Neri é um estudioso da questão da distribuição de renda e coordenou recentemente uma publicação chamada “A nova classe média – o lado brilhante da base da pirâmide”, onde todo o foco reside nessa suposta nova composição de classe social em nossas terras. Do ponto de vista político, o trabalho articulado pelo pesquisador da fundação carioca cai como sopa no mel para os dirigentes políticos governistas. Tanto que a própria Presidenta fez referência pública ao autor, em um evento no Rio de Janeiro, ainda em abril passado, elogiando e recomendando a leitura da obra.

Bingo: o recado político estava dado, para quem quisesse ouvir. Talvez tampouco seja mera coincidência o fato do PT não ter lançado candidato a prefeito no Rio de Janeiro e do governo federal apoiar o peemedebista Eduardo Paes, sempre ao lado do governador Sérgio Cabral, também do PMDB e muito prestigiado pelo núcleo duro de Dilma. O círculo se fecha.


Max Weber
[O Marcelo Neri está muito impressionado com a expansão e a pujança dos micro-negócios nas favelas do Rio onde se instalaram as UPPs – Unidades Policiais Pacificadoras. As barbearias, tinturarias, biroscas, salões de beleza proliferam. (Por que o Cerra, que se apropria de tudo, não disse que as UPPs são dele e instalou uma na Baixada Santista ?)

Neri mora na Lagoa, no Rio – que horror! – e observa, ao lado, as mudanças ocorridas numa favela com UPP. Daqui a pouco, a gente vai descobrir que o Sergio Cabral jogou o Max Weber no lixo. O que estimula mesmo o “Espírito do Capitalismo” não são os chatos dos calvinistas, mas uma boa UPP na favela!

(O Farol de Alexandria adora Max Weber. Ele e uns colonistas da Folha. No Brasil há mais leitores do Max Weber do que em toda a Prússia.) Acordou, o que Neri chama de “capital que estava adormecido”.
(PHA - Conversa Afiada)]

Já Pochmann, havia lançado um livro com interpretação bastante diferente desse oficialismo chapa branca. A Editora Boitempo publicou há pouco a obra “Qual classe média?”, que chama a atenção logo de início pelo ponto de interrogação no próprio título. Como estudioso sério e crítico, o ex-presidente do IPEA lança uma série de indagações a respeito da suposta unanimidade em torno desse “novo” conceito de classe média. E demonstra que não se pode confundir a inegável melhoria nas condições de renda na base da sociedade com a transformação em sua estrutura de classes sociais. Com a devida vênia de nossa Presidenta, eu recomendaria também a leitura do livro de Pochmann.

No entanto, por se tratar de um estudo que não compartilha desse clima de oba-oba ufanista e irresponsável, ele não é tão útil nem funcional para alavancagem da política governamental no varejo e no cotidiano. Afinal, a honestidade intelectual exige alguns “poréns” e algumas observações de reparo metodológico. Xi, lá vem o chato do Paulo Kliass outra vez... Pois é, são os ossos do ofício!

Voices of the poor” e “Vozes da classe média”: do Banco Mundial à SAE
Em sua apresentação oficial, está dito que o programa “Vozes da classe média” pretende servir como parâmetro para a elaboração de políticas públicas pelo governo federal. Talvez não seja por outra simples coincidência que ele tenha recebido esse nome. Na verdade, trata-se de uma quase versão para o português de um conhecido programa do Banco Mundial lançado lá em 2000, na virada do milênio, que é chamado de “Voices of the poor” (Vozes dos pobres).

Era uma tentativa de ouvir e estudar o fenômeno da pobreza ao redor do mundo, incluindo países como Brasil, Etiópia, Índia, Indonésia, Uzbequistão, entre outros. Mas para além desse vício de paternidade, o caminho que o governo pretende adotar agora contém graves equívocos metodológicos.

Como a idéia é sempre elogiar o suposto sucesso da política de melhoria das condições da população da base da pirâmide, entra em marcha um verdadeiro “vale-tudo” no sentido de organizar, rearranjar e espremer os números e os dados estatísticos. O objetivo é oferecer resultados convincentes e belas conclusões. Tudo perfeito e adequado para o recheio do discurso oficial, a ser faturado politicamente.

Parte-se de um fato inegável: ao longo dos últimos anos, a política de transferência de renda (via programas como Bolsa Família) e a política de valorização do salário mínimo foram o carro chefe de uma transformação significativa nas condições da população mais pobre em nosso País. Com elas vieram também a ampliação dos benefícios concedidos pela previdência social, a melhoria das condições no mercado de trabalho e o acesso ao crédito. No entanto, também é amplamente reconhecido que a política econômica desse período continuou a favorecer e beneficiar as camadas mais ricas de nossa sociedade, por meio da política de juros elevadíssimos (que só começou a mudar no último ano), das isenções fiscais, das desonerações tributárias, da ampliação da privatização e toda a sorte de benesses dirigidas ao capital em geral e ao setor financeiro em particular.

Assim, apesar de ter ocorrido uma melhoria na distribuição na base da sociedade, o restrito topo da pirâmide foi ainda muito mais beneficiado. E como os níveis da desigualdade e de concentração são muito elevados, o aspecto significativo seria analisar o que ocorreu com os 0,5% mais ricos na comparação com os 99,5% restantes. Se pegarmos faixas amplas com os 10% ou 20% das famílias com maior renda, estaremos misturando alhos com bugalhos e as conclusões serão, obviamente, apressadas e equivocadas. Isso porque os dados utilizados vêm da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, onde apenas uma pequena amostra do total das famílias responde a um extenso questionário de forma voluntária. Com isso, os domicílios familiares de renda mais elevada tendem a subestimar as informações fornecidas a respeito dos valores e das fontes de seu rendimento efetivo.

Os números do programa e as conclusões equivocadas

De acordo, com o programa “Vozes da classe média”, os limites para fazer parte desse novo recorte de “classe” são os seguintes: de R$ 291 a R$1.091 como renda mensal familiar per capita. Dessa forma, as conclusões são uma maravilha! Mais de 50% da população brasileira estão nesse perfil – um total superior a 100 milhões de pessoas. Então, vamos lá verificar – na realidade concreta da vida real - quem está enquadrado dentro dessa inovadora definição de “nova classe média” e quem já está recebendo uma renda tão elevada que está até acima desse nível, passa a fazer parte das elites, da classe alta.

Consideremos o caso de um jovem casal, sem filhos. Um dos cônjuges recebe um salário mínimo e o outro está desempregado. Sua renda mensal é de R$ 620, o que nos permite concluir uma renda per capita de R$ 310 a cada 30 dias. Imaginemos ainda que seus vizinhos sejam um casal com 2 filhos, onde os pais trabalham e recebem cada um deles salário mínimo também. A renda mensal da família é de R$ 1.240, com uma renda per capita de R$ 310, como no caso anterior. Vejam que ambas as famílias são integrantes da “nova classe média”, pois estão acima do patamar mínimo de R$ 291, o que lhes permitiria a chave de acesso ao paraíso do consumo, segundo as capas das revistas semanais penduradas nas bancas de jornal.

Pouco se fala a respeito da qualidade dos serviços públicos que recebem, como saúde, educação, saneamento, transporte público, etc. O que importa é a renda auferida.

Cabe ao leitor optar: o estabelecimento arbitrário desses valores seria ato de ingenuidade ou de maldade? Afinal, não é lá muito difícil contabilizar os níveis de despesa mensal dessas unidades familiares: o transporte coletivo numa grande cidade; o aluguel de moradia em péssimas condições; as contas de água, luz e telefone celular; o gás para cozinha; as compras de cesta básica e seus complementos; etc. Ora, o retrato é de uma sobrevivência nesse nível básico, que não permite quase nenhuma capacidade de poupança, nem o usufruto das boas condições de vida. Quem teria a coragem de afirmar que esses indivíduos seriam integrantes da “nova classe média”? Em sentido oposto, Pochmann nos oferece uma interessante reflexão a respeito do fenômeno, na apresentação de seu livro:
O adicional de ocupados na base da pirâmide social reforçou o contingente da classe trabalhadora, equivocadamente identificada como uma nova classe média. Talvez não seja bem um mero equívoco conceitual, mas expressão da disputa que se instala em torno da concepção e condução das políticas públicas atuais.

Por outro lado, tão ou mais impressionantes são as conseqüências da definição casuística do limite superior para o enquadramento em “nova classe média”. Imaginemos outra vez a situação de um casal típico de assalariados, com um filho. Ele acabou de conseguir um emprego numa empresa automobilística no ABC e recebe o piso da categoria. Ela é empregada de um banco e também recebe o piso salarial assegurado pelos acordos dos sindicatos com a FENABAN. A renda mensal do trio familiar supera R$ 3.300, com um equivalente per capita superior aos R$ 1.091 do programa oficial do governo. Dessa forma, a conclusão é assustadora: pasmem, mas essa família de trabalhadores não seria mais integrante da “nova classe média”. Em função dessa “estupenda” remuneração mensal, eles já teriam sido alçados à condição da elite, fazem parte das classes altas da sociedade brasileira! Uma loucura, para dizer o mínimo!

Trabalhadores ou classe média?
As políticas desenvolvidas ao longo da última década contribuíram para a melhoria das condições de vida da maioria da população. No entanto, o elevado grau de desigualdade social e econômica nos coloca ainda entre os países mais injustos do planeta.

Assim, não se “acaba com a pobreza” da noite para o dia, apenas com uma canetada, estabelecendo um limite arbitrário de renda de forma injustificada. O caminho é longo e passa pelo aprofundamento das políticas de distribuição de renda. Não será por força dos limites quantitativos constantes de um eventual Decreto que o Brasil amanhecerá menos pobre ou menos injusto.

Reconhecer as significativas transformações ocorridas com a população de menor renda em nosso País ao longo dos últimos 10 anos não nos permite tentar avançar na deturpação dos dados da realidade. Não se pode ser conivente com a utilização política e eleitoral de informações aviesadas, com o fim exclusivo de propiciar análises encomendadas para usufruto do governo de plantão.


Renda do capital ainda é renda do capital, assim como renda do trabalho continua sendo renda trabalho.

Por mais que a remuneração mensal dos despossuídos tenha evoluído, o conceito de classes sociais e seus conflitos de interesses continuam valendo para a análise do modo capitalista de produção.

(*) Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5788

quarta-feira, 9 de março de 2011

Padrões de Desenvolvimento e meio ambiente

* Marcio Pochmann 



O tema da sustentabilidade ambiental ganha maior dimensão e profundidade quando relacionado ao padrão de desenvolvimento, especialmente no momento presente de transição da sociedade urbano-industrial. Antes disso, em plena sociedade agrária, seja pela dimensão da população global abaixo de um bilhão de pessoas, seja pelo padrão de desenvolvimento, o meio ambiente não acusava impactos climáticos significativos frente à baixa concentração de dióxido de carbono na atmosfera e à estabilidade na temperatura global.

No sistema de produção e consumo generalizado globalmente pelo modelo estadunidense, especialmente a partir da Segunda Guerra Mundial, a oferta de energia não-renovável cresceu rapidamente, com forte impacto na elevação da temperatura do planeta. Assim, mediante a forte elevação da renda per capita a partir da passagem para a sociedade urbano-industrial, aumentou a intensidade da emissão de carbono na atmosfera, cuja concentração cresce de 275 ppm antes do ciclo de industrialização para cerca de 400 ppm atualmente. No caso da concentração de gás metano, que girava em torno de 720 a 780 ppb entre os anos 1000 e 1800, passou para 1.750 ppb no ano 2000. A consequência direta foi o movimento de aquecimento global.

Atualmente, a transição para a sociedade pós-industrial em curso, sobretudo nos países desenvolvidos, permite avançar significativamente as economias com produção intensiva em baixo carbono. Assim, as nações ricas passam a assumir a condição de economias de consumo de mercadorias intensivas em alto carbono, geralmente importadas dos países não desenvolvidos. Nesse sentido, está em marcha uma divisão internacional entre economias de alto e de baixo carbono, sendo que os países não desenvolvidos, cada vez que se industrializam, tornam-se economias intensivas na produção de mercadorias de alto carbono. A diferença ainda é elevada, porém, se reduz rapidamente. Nos Estados Unidos, por exemplo, as emissões de dióxido de carbono per capita aumentaram 11% entre 1990 e 2005, pois passaram de 19,1 para 21,2 toneladas por habitante. Em países como China, Índia e Brasil, o crescimento acumulado no mesmo período de tempo para emissão de dióxido de carbono por habitante foi de 87,7% (de 2,1 para 3,9 tn), 88,9% (de 0,9 para 1,9 tn) e 5,6% (de 1,8 para 1,9 tn), respectivamente.

A expansão econômica na sociedade urbano-industrial pressupõe a inexorável ampliação do consumo de energia, pois do contrário pode haver estagnação econômica combinada com a regressão social. Assim, nota-se que o padrão de desenvolvimento capitalista tem implicado elevação mais intensa da renda per capita que os países não desenvolvidos. Até o presente momento, em geral, o aumento da renda individual traz consigo a maior expansão do consumo de energia por pessoa. Ademais, constata-se também que a composição da energia no mundo encontra-se fortemente associada ao carvão (41%) e ao gás (20%). Carvão, gás e petróleo respondem conjuntamente por quase 70% da oferta mundial de energia.

Nos países da OCDE, a matriz energética encontra-se em quase 2/3 dependente do carvão, gás e petróleo. A diferença em relação ao mundo como um todo é a maior oferta de energia nuclear. A experiência brasileira recente chama atenção por se diferenciar de outros países não desenvolvidos que elevam a produção de mercadorias com mais intensificação das emissões de dióxido de carbono. A maior expansão econômica recente do Brasil não vem acompanhada da degradação ambiental, sobretudo do desflorestamento e de emissões de dióxido de carbono. De um lado, há avanços em termos da matriz energética limpa, com forte presença de fontes renováveis e redução do desmatamento e elevação das reservas ambientais. De outro, a substituição da energia não-renovável por renováveis em setores econômicos fortemente emissores de dióxido de carbono, como o de transporte e indústria. A maior parte da oferta energética é constituída por fontes renováveis, principalmente decorrentes do uso da água, que respondem por 77% da oferta de energia do país. Enquanto no mundo as fontes renováveis de energia respondem por somente 13% da oferta energética, no Brasil ela se aproxima dos 50%.

Para além de possuir uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, o Brasil vem substituindo fontes agressivas ao meio ambiente por outras renováveis. Em 2005, o carvão vegetal e a lenha responderam por menos de 12% da oferta energética do País, enquanto em 1970 representavam quase 50% da oferta de energia nacional. Na sequência da redução da lenha e carvão na matriz energética nacional houve elevação da oferta de energia elétrica, bagaço da cana-de-açúcar e do álcool etílico. Mesmo assim, cresceu a importância relativa do uso do carvão mineral, gás natural e derivados de petróleo. Em grande medida, o aumento no uso dos derivados do petróleo encontra-se relacionado à opção do transporte rodoviário em oposição às ferrovias e ao uso fluvial. Entre 1970 e 2005, por exemplo, cerca de 55% do consumo final de derivados de petróleo deveu-se ao transporte, pois a indústria reduziu a sua participação relativa de 24,1% para 13,8%, sem ampliação por parte das residências (de 7,2% para 6,8%).

Nos dias de hoje, o consumo nacional de elementos tóxicos à camada de ozônio representa não mais que 5% do verificado durante a década de 1990. Até há bem pouco tempo, o comportamento econômico brasileiro era acompanhado pelo movimento de desmatamento no bioma amazônico. De tal forma que a expansão da produtividade implicava o aumento do desmatamento na Amazônia Legal e vice-versa. Desde 2004, contudo, a expansão econômica brasileira tem sido seguida pela redução do desmatamento no bioma amazônico.

(Envolverde/Carbono Brasil)

Por Marcio Pochmann* presidente do IPEA, para a Revista Fórum

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Marcio Pochmann: Brasil poderia ter superado pobreza há 20 anos

Nota do EDUCOM: o governo pode estar perdendo um de seus melhores quadros...

Dayanne Sousa, do Terra Magazine
Pochmann, presidente do Ipea. Foto: A. Cruz/ABr
Se as políticas de desenvolvimento social tivessem acompanhado o crescimento da economia há décadas, a pobreza estaria extinta há pelo menos 20 anos, pondera o economista Marcio Pochmann. O presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) avalia que a presidente Dilma Rousseff tem condições de cumprir sua principal promessa de campanha: superar a miséria.

Um estudo do Ipea divulgado no início do ano prevê que a pobreza extrema seja erradicada no Brasil até 2016.
- A possibilidade de superarmos a pobreza é algo que faz parte da agenda de superação do próprio subdesenvolvimento. O que nós estamos vendo agora é um avanço mais rápido do padrão social e por isso que o Brasil consegue ter esse indicativo de superação da pobreza nos próximos cinco ou seis anos.

Em entrevista a Terra Magazine, Pochmann destaca o desenvolvimento dos últimos anos e os programas sociais do governo Lula.
- Eu acho que nós só podemos comparar o desempenho brasileiro deste ano com o que nós vivenciamos na primeira metade da década de 70, com o chamado Milagre Econômico. Mas esse crescimento de agora tem distribuição de oportunidades.

Apesar dos elogios, ele acredita que Dilma terá desafios maiores. Entre eles, lidar com novas características da economia como o aumento da população idosa e o crescimento da importância do setor de serviços. Além disso, o ministro da Fazenda, Guido Mantega - que continuará na pasta -, já anunciou a necessidade de cortes nos gastos públicos nos próximos anos.

Para Pochmann, o corte deve ser nos gastos improdutivos, como os provocados pelos altos juros.
- Nós vínhamos num ritmo bastante acelerado, crescendo acima de 7% ao ano. E possivelmente teremos um crescimento menor para 2011. Ao redor de 5%, o que já é bastante grande olhando o período recente do Brasil. Uma coisa é o custeio, outra coisa é o investimento. Espero que essas decisões considerem o teor do investimento, que é crucial.

Leia a entrevista na íntegra.

Terra Magazine - A ascensão social e o crescimento da classe C nos últimos anos foram destacados no governo Lula. A que isso se deve?
Marcio Pochmann - Se nós olharmos ao longo do século 20, o Brasil foi uma das nações que mais cresceu do ponto de vista econômico, ampliando a base material que permitiu que deixássemos de ser um país agrícola e nos transformássemos num país industrial. A despeito desse avanço econômico, os avanços sociais foram relativamente pequenos quando a gente olha o conjunto da população. O Brasil não fez o conjunto das reformas que os outros países fizeram, não fez reforma agrária, não fez reforma social, não fez reforma tributária. É natural que sem essas reformas não pudessem ser mais bem distribuídos os ganhos que o Brasil obteve. Apesar dessa característica de um processo muito concentrador, nós sempre tivemos uma forte mobilidade social. É uma característica do capitalismo brasileiro. Mas nas décadas de 80 e 90 essa mobilidade foi reduzida. Era cada vez mais difícil que os filhos de classe média conseguissem reproduzir o padrão de seus pais. O que nós temos nesta primeira década do século 21 é a forte mobilidade social. O desafio do próximo governo é como abrir as oportunidades não apenas para a base da pirâmide social, mas também acima dos níveis intermediários.

Como assim?
Isso depende não apenas do crescimento da economia, mas do tipo e da natureza do crescimento. Porque crescer é importante, mas depende do tipo. O desenvolvimento fundado na produção de commodities permite a economia crescer, mas as oportunidades, a qualidade das ocupações é diminuta. A expansão de setores de maior valor agregado pode permitir a contratação de pessoas com salários maiores.

No final de 2009, o senhor disse em entrevista a Terra Magazine que 2010 seria o melhor ano para o Brasil. Foi, de fato?
Eu acho que nós só podemos comparar o desempenho brasileiro deste ano com o que nós vivenciamos na primeira metade da década de 70, com o chamado Milagre Econômico. Só que esse desempenho de 2010 é diferente daquele. Nós crescemos um pouco menos, mas esse crescimento de agora tem distribuição de oportunidades. Com saída da pobreza de parcela significativa da população e ampliação das oportunidades escolares. Um país que está crescendo sem depender do mercado externo, contrário do que era no Milagre Econômico. É muito mais saudável o que está acontecendo neste ano de 2010. Especialmente pelo número de empregos formais, que é uma coisa impressionante.

A presidente Dilma fez uma promessa de erradicar a miséria. Isso é possível? Como?
Quando nós falamos em nova classe média no Brasil, causamos a falsa impressão de que se trata de uma classe média com padrão de vida europeu. Isso não é verdade, estamos num país que carrega as condições de um país subdesenvolvido. A possibilidade de superarmos a pobreza é algo que faz parte da agenda de superação do próprio subdesenvolvimento. É estranho que o Brasil - já sendo a oitava economia do mundo na década de 70 - tivesse 40% da sua população vivendo na condição de pobreza. Nós poderíamos ter superado a pobreza há 20 anos. É bastante peculiar no Brasil o disparate entre a base material e econômica que o país possui e o padrão social. O que nós estamos vendo agora é um avanço mais rápido do padrão social e por isso que o Brasil consegue ter esse indicativo de superação da pobreza nos próximos cinco ou seis anos. Isso é viável. É evidente que precisa crescer e sofisticar melhor as políticas sociais, mas não é impossível.

E quais os desafios, então?
Cada vez mais a gente vem enfrentando a nova pobreza. Ela é caracterizada, em primeiro lugar, pela transição demográfica que nós estamos vivendo. Um processo acelerado de envelhecimento dos brasileiros. Infelizmente o Brasil ainda não está preparado para lidar com uma parcela significativa da população em condição de pobreza. Temos 3 milhões de pessoas com mais de 80 anos e em 2030 pode ter cerca de 20 milhões de pessoas com 80 anos ou mais. Isso significa considerar um fundo público de políticas nesse segmento e políticas de saúde nessa direção. Também estamos vivendo uma transição do ponto de vista da organização da economia, que está cada vez mais centrada nos serviços. Isso não quer dizer que a indústria e a agricultura não sejam importantes, mas nós vamos gerar emprego é no setor de serviços. Isso pressupõe uma nova forma de olhar essas ocupações, pressupõe olhar o conhecimento como a principal forma de manejo. E nós temos problemas sérios na educação.

A necessidade já anunciada pelo ministro Guido Mantega de fazer cortes nos gastos públicos pode prejudicar os investimentos na área social?
Nós vínhamos num ritmo bastante acelerado, crescendo acima de 7% ao ano. E possivelmente teremos um crescimento menor para 2011. Ao redor de 5%, o que já é bastante grande olhando o período recente do Brasil. Uma coisa é o custeio, outra coisa é o investimento. Espero que essas decisões considerem o teor do investimento, que é crucial uma vez que o investimento é a melhor política para conter a inflação. O investimento permite ampliar a capacidade produtiva gerando mais produtos e serviços e evitando uma inflação de demanda.

O senhor acha que seja necessário reduzir os gastos públicos?
Sim. Se olharmos o gasto como um todo, incluída a despesa com juros, eu não tenho dúvida. Nós temos todas as condições de reduzir a despesa pública, especialmente aquela que é improdutiva para o país: a despesa com os juros. O Brasil está gastando de 5% a 6% do PIB. Isso é um gasto elevadíssimo, um absurdo.

A economia já cresce o suficiente para que seja possível haver ajuste fiscal sem que isso afete o crescimento da economia?
Eu acredito que nós já abandonamos essa fase de ajuste fiscal. Essa política sofreu uma derrota nas últimas três eleições. O Brasil, de uns tempos para cá, trocou o ajuste fiscal pelo desenvolvimento. O que está em jogo neste momento é: quais são as condições macroeconômicas para garantir o desenvolvimento brasileiro. As finanças públicas são o meio, não o fim. Nos anos 90, o ajuste fiscal era o fim. O governo estava organizado para o ajuste fiscal. E lamentavelmente o que nós vimos foi um aumento do endividamento público, especialmente comparado ao PIB. E o aumento da carga fiscal. Hoje o que estamos verificando é que a dívida pública caiu. E não porque teve ajuste fiscal, mas porque a produção cresceu mais rapidamente.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Conferência do IPEA debate desenvolvimento do Brasil

Por Marco Aurélio Weissheimer, da Carta Maior
O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) promove, entre os dias 24 e 26 de novembro, em Brasília, a 1ª Conferência do Desenvolvimento (Code), um encontro destinado a discutir planejamento e estratégias de desenvolvimento para o Brasil. Será uma conferência diferente das tradicionais lembrando um pouco o formato do Fórum Social Mundial. Um espaço de 10 mil metros quadrados foi construído no canteiro central da Esplanada dos Ministérios (em frente à Catedral de Brasília) para a Code.

Durante os três dias, serão nove painéis temáticos sobre o desenvolvimento, 88 oficinas, 50 lançamentos de livros, vídeos, exposições e shows artísticos e culturais. São esperados mais de 200 palestrantes e debatedores, entre conselheiros, diretores e técnicos de planejamento e pesquisa do instituto e acadêmicos de autoridades de todas as regiões do país. Até sexta-feira, já havia cerca de 4 mil inscritos para o encontro.

Marcio Pochmann, presidente do Ipea
Possivelmente, será um dos maiores eventos sobre o tema já realizados no Brasil, diz Marcio Pochmann, presidente do IPEA (foto ao lado). A Code se assemelha às grandes conferências temáticas realizadas no governo Lula, explica Pochmann, com a diferença de que não tratará de apenas um tema. Ao tratar da questão do desenvolvimento, estaremos discutindo estratégias e políticas sobre saúde, educação, ciência e tecnologia, entre outras áreas.

O objetivo do encontro é criar um espaço nacional de debates no coração do Brasil, no momento em que o país volta a discutir planejamento e estratégias de desenvolvimento. Esses debates estarão organizados em torno de sete grandes eixos temáticos do desenvolvimento definidos pelo IPEA: inserção internacional soberana; macroeconomia para o desenvolvimento; fortalecimento do Estado, das instituições e da democracia; estrutura tecnoprodutiva integrada e regionalmente articulada; infraestrutura econômica, social e urbana; proteção social, garantia de direitos e geração de oportunidades; e sustentabilidade ambiental.

“Para nós do IPEA”, diz Pochmann, “é uma mudança institucional de grande porte”. “Até aqui, historicamente, os nossos debates sempre foram mais internos. Agora, estamos nos abrindo ao público e convidando representantes da sociedade a debater o presente e o futuro do país”. Essa novidade apareceu já na organização do evento, que conta com o apoio de 45 instituições da sociedade civil, entre sindicatos de trabalhadores e de empresários, entidades de classe, instituições de pesquisa e outras organizações.

O debate de fundo sobre o desenvolvimento do Brasil, observa o presidente do IPEA, ficou congelado durante cerca de 25 anos, a partir das crises que o país enfrentou nas décadas de 80 e de 90. Entre 1930 e 1980, assinala, o Brasil teve um grande salto de crescimento que não foi capaz, contudo, de enfrentar o problema da desigualdade social. A crise da dívida, a partir da década de 80, acabou por desfazer uma maioria política que até então governava o país. Nesse período, a economia brasileira que chegou a ser a oitava do mundo caiu para o 14° lugar. “A desigualdade, que já era grande, ficou congelada”, assinala Pochmann. E acrescenta:

“Agora, na primeira década do século 21, tivemos uma reorganização de uma maioria política em torno dos dois mandatos do presidente Lula. Com ela, abriu-se a possibilidade de um novo padrão de desenvolvimento capaz de combinar crescimento econômico, redução da desigualdade social e sustentabilidade ambiental”.

Os desafios e oportunidades colocados por esse novo padrão de desenvolvimento serão o tema central do encontro de três dias em Brasília. “Estaremos discutindo temas que representam gargalos e entraves ao nosso desenvolvimento. Alguns carregamos do passado, outros são temas do futuro”, resume Pochmann. Entre os temas do passado, destaca-se, por exemplo, o perfil da economia brasileira, ainda preso à produção e exportação de bens primários. “Já sabemos que esse modelo não é capaz de gerar empregos de qualidade, educação de qualidade e melhores salários. O Brasil precisa mudar sua relação com o mundo e isso passa, entre outras coisas, pela integração regional, por investimentos pesados em educação, epelo aprimoramento da nossa estrutura de Defesa que hoje não tem condições de defender todas as nossas fronteiras e recursos naturais”.

Em relação aos temas do futuro, Pochmann destaca a necessidade da refundação do Estado brasileiro, especialmente no que diz respeito ao seu funcionamento. Neste debate, a Reforma Tributária ocupa um lugar central. O Brasil precisa mudar o atual padrão regressivo de tributação, onde quem tem menos acaba pagando mais. Essa mudança é condição básica também para a implementação de investimentos massivos em educação, sem os quais o país não desatará os nós que ainda o amarram a um passado de desigualdades econômicas, sociais e regionais.

O presidente do IPEA também chama a atenção para a mudança do perfil demográfico brasileiro, registrada na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e que deve ser confirmada no Censo que está sendo realizado este ano. A partir de 2030, o Brasil deve ter regressão populacional, ou seja, o número de pessoas que vão nascer deve ser menor do que o número de pessoas que vão morrer. Essa tendência, destaca Pochmann, é diferente das previsões que eram feitas para o Brasil. “O cenário que temos pela frente é de redução da população jovem e de alteração radical da estrutura familiar. Em pouco tempo, teremos que discutir políticas de estímulo à natalidade”.

Outro ponto fundamental neste debate, destaca ainda Pochmann, é o da transição do trabalho material para o trabalho imaterial. “O conhecimento passa a ser cada vez mais estratégico, exigindo uma educação continuada, uma educação para toda a vida. As grandes empresas já perceberam isso e passaram a investir pesadamente em universidades corporativas”. O debate sobre a melhoria do sistema educacional brasileiro deverá enfrentar esse tema que hoje não está elaborado. Pochmann resume assim um dos principais problemas relacionados a esse tema:

Hoje, no Brasil, os filhos dos pobres estão condenados ao ingresso no mercado de trabalho muito cedo, o que implica, muitas vezes, o abandono da escola, quando não a combinação de brutais jornadas de atividades de 16 horas por dia (8 horas de trabalho, 2 a 4 horas de deslocamentos e 4 horas de freqüência escolar). A aprendizagem de qualidade torna-se muito distante nessas condições. Os filhos dos ricos, por sua vez, permanecem mais tempo na escola, ingressam mais tardiamente no mercado de trabalho e acabam ocupando os principais postos, com maior remuneração e status social, enquanto os filhos dos pobres seguem disputando a base da pirâmide do mercado de trabalho, transformado num mecanismo de reprodução das desigualdades no país.

Esse é um dos principais entraves para que o novo modelo de desenvolvimento que se quer implementar no Brasil alie crescimento econômico com justiça social. E esse será também um dos pontos centrais da conferência que ocorrerá esta semana em Brasília.

Maiores informações sobre a conferência, como a programação completa do encontro, podem ser acessadas no site do evento. As principais conferências serão transmitidas ao vivo pela internet.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Apocalipse agora

Maurice Strong, secretário-geral da Rio 92, destacava: "O volume de riqueza, hoje, é capaz de proporcionar uma boa qualidade de vida ao dobro da população mundial". Assim ele abria a Eco 92, propondo a erradicação da pobreza.

Em julho de 2009, durante um curso de economia para jornalistas no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em Brasília, o presidente da autarquia, Marcio Pochmann, assegurou que o volume de riqueza atualmente é muito maior. Na mesma aula, informava que as três maiores corporações do mundo têm o PIB do Brasil.

A FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) recentemente divulgou que há no mundo 969 milhões de famintos e que, nos últimos dois anos, este número aumentou em 200 milhões.

Diante disso e da voracidade dos representantes das nações ricas, agora, em Copenhague, para impor acordos que permitissem a manipulação dos recursos naturais pelos países ricos - 80% do patrimônio natural pertence aos países pobres - não nos restam dúvidas de que se aproxima o apocalipse.

Imaginem que a Terra é um organismo vivo. Sua base é formada pelos pobres, que estão morrendo de fome ou sendo executados para que a indústria de armas cresça. Em breve, a Terra desmoronará. A Terra talvez não, mas a humanidade sim.

Este texto de Frei Betto, que transcrevemos na íntegra a seguir, foi publicado originalmente no Correio da Cidadania em 12 de dezembro de 2009.

Será que teremos Feliz Ano Novo?
(Zilda Ferreira - Equipe do Blog EDUCOM)

Apocalipse agora

Frei Betto*
O fim do mundo sempre me pareceu algo muito longínquo. Até um contra-senso. Deus haveria de destruir sua Criação? Hoje me convenço de que Deus nem precisa mais pensar em novo dilúvio. O próprio ser humano começou a provocá-lo, através da degradação da natureza.

Os bens da Terra tornaram-se posse privada de empresas e oligopólios. A causa de 4 bilhões de seres humanos viverem abaixo da linha da pobreza, e 1,2 bilhão padecerem fome, é uma só: toda essa gente foi impedida de acesso à terra, à água, à semente, às novas técnicas de cultivo e aos sistemas de comercialização de produtos.

A decisão dos EUA e da China de ignorarem a Conferência de Copenhague sobre Mudanças Climáticas torna mais agônico o grito da Terra. Os dois países são os principais emissores de CO2 na atmosfera. São os grandes culpados pelo aquecimento global. Ao decidirem boicotar Copenhague e adiar o compromisso de reduzirem suas emissões, eles abreviam a agonia do planeta.

Felizmente, a 25 de novembro o presidente Obama, sob forte pressão, voltou atrás e desdisse o que falara em Pequim. Os EUA, responsáveis por 23% das emissões mundiais de CO2, prometerão em Copenhague reduzir, até 2020, 17% das emissões de gases de efeito estufa; 30% até 2025; e 42% até 2030.

Por que o recuo? Além da pressão dos ecologistas, Obama deu-se conta de que ficaria mal na foto ignorar Copenhague e comparecer em Oslo, dia 10 de dezembro – quando se comemora o 61º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos – para receber o prêmio Nobel da Paz. Portanto, na véspera estará na capital da Dinamarca.

Curioso, todos os prêmios Nobel são entregues em Estocolmo, exceto o da Paz. Por uma simples e cínica razão: a fortuna da Fundação Nobel, sediada na Suécia, resulta da herança do inventor da dinamite, Alfred Nobel (1833-1896), utilizada como explosivo em guerras. Como não teve filhos, Nobel destinou os lucros obtidos por sua patente a quem se destacar em determinadas áreas do saber.

Há uma lógica atrás da posição ‘ecocida’ dos EUA e da China. São dois países capitalistas. O primeiro abraça o capitalismo de mercado; o segundo o de Estado. Ambos coincidem no objetivo maior: a lucratividade, não a sustentabilidade.

O capitalismo, como sistema, não tem solução para a crise ecológica. Sabe que medidas de efeito haverão de redundar inevitavelmente na redução dos lucros, do crescimento do PIB, da acumulação de riquezas.

Se vivesse hoje, Marx haveria de admitir que a crise do capitalismo já não resulta das contradições das forças produtivas. Resulta do projeto tecnocientífico que beneficia quase que exclusivamente apenas 20% da população mundial. Esse projeto respalda-se numa visão de qualidade de vida que coincide com a opulência e o luxo. Sua lógica se resume a "consumo, logo existo". Como dizia Gandhi, "a Terra satisfaz as necessidades de todos, menos a voracidade dos consumistas".

Exemplo disso é a recente crise financeira. Diante da ameaça de quebra dos bancos, como reagiram os governos das nações ricas? Abasteceram de recursos as famílias inadimplentes, possibilitando-as de conservar suas casas? Nada disso. Canalizaram fortunas – um total de US$ 18 trilhões - para os bancos responsáveis pela crise. Eduardo Galeano chegou a pensar em lançar a campanha "Adote um banqueiro", tal o desespero no setor.

O planeta em que vivemos já atingiu os seus limites físicos. Por enquanto não há como buscar recursos fora dele. O jeito é preservar o que ainda não foi totalmente destruído pela ganância humana, como as fontes de água potável, e tentar recuperar o que for possível através da despoluição de rios e mares e do reflorestamento de áreas desmatadas.

Ecologia vem do grego "oikos", significa casa, e "logos", conhecimento. Portanto, é a ciência que estuda as condições da natureza e as relações entre tudo que existe - pois tudo que existe co-existe, pré-existe e subsiste. A ecologia trata, pois, das conexões entre os organismos vivos, como plantas e animais (incluindo homens e mulheres), e o seu meio ambiente.

Essa visão de interdependência entre todos os seres da natureza foi perdida pelo capitalismo. Nisso ajudou uma interpretação equivocada da Bíblia - a idéia de que Deus criou tudo e, por fim, entregou aos seres humanos para que "dominassem" a Terra. Esse domínio virou sinônimo de espoliação, estupro, exploração. Os rios foram poluídos; os mares, contaminados; o ar que respiramos, envenenado.

Agora, corremos contra o relógio do tempo. O Apocalipse desponta no horizonte e só há uma maneira de evitá-lo: passar do paradigma de lucratividade para o da sustentabilidade.
*Frei Betto é escritor, autor do romance "Um homem chamado Jesus", lançamento da editora Rocco para o Natal 2009.

Leia também: Salvemo-nos com o Planeta!

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Ipea debate perspectivas do Brasil para a COP 15 nesta terça, 24, em Brasília

Representantes que apresentarão a posição do Brasil na Conferência sobre Mudanças Climáticas participam de seminário
da página do Ipea

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por meio do Fórum Ipea de Mudanças Climáticas, promove na terça-feira, 24 de novembro, às 14h, no auditório do Instituto (SBS, Q. 1, Bl J, Ed. BNDES, Brasília-DF), o seminário Brasil Rumo a Copenhague: Perspectivas para a COP 15 de Mudanças Climáticas. O encontro será transmitido on-line pelos sites do Instituto (www.ipea.gov.br e www.agencia.ipea.gov.br).

Os palestrantes do seminário fazem parte da comitiva do governo que apresentará a posição do Brasil durante a 15ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, a realizar-se em Copenhague, na Dinamarca, em dezembro. A delegação será chefiada pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff.

O Ipea estuda uma série de ações de longo prazo voltadas para a formulação de políticas públicas de sustentabilidade ambiental e de adaptação às mudanças climáticas no País. O evento é aberto ao público, e as inscrições podem ser feitas pelo e-mail eventos@ipea.gov.br. Mais informações com Adriana Moura (adriana.moura@ipea.gov.br, 61 3315-5032) ou Gustavo Luedemann (gustavo.luedemann@ipea.gov.br, 61 3315-5552).

Fórum Ipea de Mudanças Climáticas
24 de novembro- 14h às 18h30


Programação

14h - Apresentação do evento
Marcio Pochmann, presidente do Ipea
Liana Carleial, diretora da Dirur-Ipea
José Aroudo Mota, coordenador de Meio Ambiente, Dirur-Ipea

14h15 - Abertura
Sergio Machado Rezende, ministro da Ciência e Tecnologia
Sergio Serra, embaixador extraordinário para a Mudança do Clima
Izabella Teixeira, secretária executiva do Ministério do Meio Ambiente

14h45 - Palestrantes
Susana Khan Ribeiro, secretária de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente

15h15 - José Miguez, coordenador-geral de Mudança Global do Clima do Ministério de Ciência e Tecnologia

15h45 - Sérgio Serra, embaixador extraordinário para a Mudança do Clima do Ministério das Relações Exteriores

16h15 - Senadora Ideli Salvatti, presidente da Comissão Mista Permanente sobre Mudanças Climáticas do Senado Federal

16h45 - Intervalo

17h - Debates

18h - Encerramento
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Ainda sobre Marcio Pochmann, presidente do Ipea...
Há raras análises econômicas que dissecam a raiz da problemática ambiental. Marcio Pochmann faz essa análise com maestria, neste texto (confira abaixo), da reestruturação. Fiquei impressionada com sua lucidez e conhecimento do tema, durante a abertura do Fórum IPEA de Mudanças Climáticas, ano passado, precisamente no dia 11 de maio de 2008, em Brasília e que tem prosseguimento na próxima terça, 24 de novembro. (Zilda Ferreira, da Equipe do Blog EDUCOM)


A marcha da reestruturação

por Marcio Pochmann*
Superar a crise requer outro padrão de financiamento de longo prazo, novo modelo de produção e consumo e inédita governança global

OITENTA ANOS após a mais grave depressão econômica do século 20, o mundo capitalista convive com uma grave crise de dimensões financeiras, produtivas, sociais e políticas comparáveis à de 1929. A sua superação pressupõe, contudo, a construção de outro padrão de financiamento de longo prazo, de um novo modelo de produção e consumo sustentável ambientalmente e de inédita governança pública global do mundo.

Em síntese, esses são três componentes complexos não desprezíveis para sua imediata resolução e que podem implicar maior tempo do que atualmente imaginado para a saída completa da atual crise internacional.

Apesar disso, diversos países apontam mais rapidamente para o horizonte de recuperação econômica, fruto do êxito das políticas públicas nacionais anticíclicas adotadas.

Mesmo com a queda de quase 12% na produção industrial entre outubro de 2008 e março de 2009, o Brasil apresenta fortes indicadores, não só econômicos, de saída mais fortalecida da crise, sem ter interrompido, inclusive, a tendência de redução da pobreza absoluta e da desigualdade no interior da renda do trabalho nas principais regiões metropolitanas do país.

Essa conjuntura econômica e social nacional menos desconfortável não deveria obscurecer os crescentes desafios que a atual marcha de reestruturação capitalista impõe ao mundo.

Inicialmente, destaca-se a força da reconfiguração na divisão internacional do trabalho, já que o drástico aumento da capacidade ociosa nas grandes corporações transnacionais (apenas 500 respondem por faturamento equivalente a quase 50% do PIB mundial) resulta em profundo acirramento na concorrência intercapitalista e, por que não dizer, entre países.

Em tese, a ampliação da competição em ambiente de contida regulação internacional e inegável ineficiência das agências multilaterais pode levar ao novo quadro geral de conflitos, diretamente proporcional ao avanço dos apelos nacionalistas e de restrição dos mercados.

Simultaneamente, o processo de fusão e concentração do capital em torno das grandes corporações transnacionais tende a sufocar as oportunidades de expansão dos micro e pequenos negócios, uma vez que as fontes de crédito e de apoio fiscal tornam-se cada vez mais enviesadas pelo poder da grande empresa.

As hiperempresas transnacionais não apenas monopolizam praticamente todos os segmentos de mercado como também se tornaram tão grandes que não podem quebrar, sob o risco de causar o próprio colapso do sistema econômico.

Exemplo disso foi a manifestação da crise internacional em 2008 a partir da quebra de um grande banco estadunidense (Lehman Brothers) e a imediata e constante injeção de recursos públicos nas grandes empresas inadimplentes com o fim de impedir o avanço para uma depressão econômica mundial.

Em virtude disso, o papel "ad hoc" e hospitalar do Estado em relação ao setor privado -inimaginável até então pelos defensores do neoliberalismo- deverá levar à nova ossatura estatal. O curso da reestruturação mundial passa a exigir, em contrapartida, a formatação do superestado capacitado para as funções de monitoramento, regulação e intervenção da conduta das grandes empresas de escala mundial.

Do contrário, qualquer novo sinal de quebra dos quase monopólios globais pode implicar adicionais riscos de colapso das economias nacionais.

A importância do Estado torna-se maior na medida em que ele avance os investimentos concentrados na reformulação do padrão de produção e consumo menos degradante do meio ambiente.

A maior eficácia das ações públicas voltadas a minorar as emissões de gases de efeito estufa por meio da conscientização, tributação e promoção de alternativas ambientalmente sustentáveis passa a depender também da renovação da base tecnológica, como as iniciativas em torno da matriz energética renovável e da estrutura bioindustrial com crescente geração de empregos verdes.

A reinvenção do mercado a ser protagonizada pelo superestado não pode deixar de contemplar maior ação articulada e matricial com os micro e pequenos negócios, pois correm o risco de serem ainda mais sufocados pela consolidação da reestruturação somente em torno da grande corporação de dimensão transnacional.

*MARCIO POCHMANN , 47, economista, é presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. Foi secretário do Desenvolvimento, Trabalho e Solidariedade da Prefeitura de São Paulo (gestão Marta Suplicy). Este artigo foi originalmente publicado na Folha de S. Paulo em 13/10/2009
A marcha da reestrutração, no site do Ipea