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quarta-feira, 9 de outubro de 2013

O que explica a sinceridade desconcertante da Folha?

Por Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo
O jornalismo chapa branca, hoje, se pratica no interior das grandes empresas de jornalismo. Já escrevi sobre isso. Os jornalistas, lá, estão numa gaiola: só podem escrever o que os patrões querem que eles escrevam.

Isso quer dizer o seguinte: eles defendem os interesses particulares das empresas para as quais trabalham. Eles são, portanto, a voz do 1%.

Nunca foi tão claro isso. Compete aos jornalistas produzir, mecanicamente, textos, fotos, legendas, primeiras páginas e demais itens que compõem uma publicação.  Mas não pensar. Não ter ideias.

As ideias são exclusividade dos donos. Os jornalistas não podem pensar diferente deles. Ou melhor: podem. Mas não podem transformar isso em reportagens, artigos, entrevistas etc.

Não é um trabalho exatamente excitante. É mais parecido com propaganda do que com jornalismo propriamente: você vende ao seu público, como se fosse sabonete, os interesses de um pequeno grupo que fez o Brasil ser o que é, a terra da desigualdade.

Quanto isso pode durar?

É verdade que a internet abre aos jornalistas uma nova possibilidade – defender coisas que vão além dos interesses do 1%.

Mas para quem está engaiolado nas corporações o prolongamento de uma situação em que pensar é proibido pode tornar a situação mais e mais exasperante.

Entendo que isso possa explicar, ao menos em parte, o desabafo franco – e talvez suicida – da ombudsman da Folha, Suzana Singer.

Ao comentar a cobertura de uma pesquisa sobre a situação dos brasileiros, ela se referiu ao tradicional “catastrofismo” da Folha.

Os destaques dados pela Folha foram, todos eles, negativos. As más notícias estavam longe de representar o conjunto. Isso significou que foi oferecido ao leitor um quadro distorcido.

O desafio de um editor é ajudar o leitor a entender o mundo. Uma das armas, para isso, é buscar uma visão de floresta sobre as coisas, e não se limitar a uma árvore ou outra.

A Folha fez o oposto. Se conheço a vida numa redação, os editores da reportagem sobre a pesquisa acharam que, pinçando as estatísticas ruins, estavam agradando a seus patrões.

O acúmulo deste tipo de expediente pode ter esgotado a paciência da ombudsman. Catastrofismo é uma acusação séria. É desvio de caráter numa publicação. Não é um problema ocasional. É um drama no dia a dia do jornal e, sobretudo, dos seus leitores.

Outro episódio que tinha me chamado a atenção, na mesma linha, foi uma surpreendente crítica de Ricardo Noblat no site do Globo a Joaquim Barbosa. Sempre tão obediente à linha de pensamento dos Marinhos, ali Noblat foi para o lado oposto.

Cansaço? Exaustão? Frustração? Alguma preocupação com a posteridade? Problemas de consciência?

Situações extremas não podem perdurar por muito tempo. O jornalismo chapa branca que se faz hoje nas redações brasileiras – um ofício em que você faz pouco mais que beijar as mãos dos donos – é a negação do real jornalismo.

A beleza do jornalismo é dar voz a quem não tem. O jornalismo brasileiro dá voz a quem tem o monopólio da voz.

Uma hora a gaiola fica incômoda demais, por maiores que sejam os salários.

A seguir a coluna da ombudsman da Folha de S. Paulo publicada no domingo, 6/10.

Arauto das más notícias

Folha destaca apenas dados negativos da Pnad, apesar de a pesquisa ter apontado aumento de renda em 2012
A edição que a Folha fez da pesquisa Pnad, que traça anualmente um quadro social do país, é um prato cheio para quem acha que o jornal só publica más notícias. Todos os destaques pinçados no levantamento eram negativos.
O título na capa informava que "Analfabetismo e desigualdade ficam estagnados no país" (28/9). Em "Cotidiano", havia o aumento da diferença de renda entre homem e mulher, os salários inchados pela falta de mão de obra especializada e o celular como o único tipo de telefone em mais da metade dos lares. A análise dizia que o resultado da pesquisa pode significar "o fim da década inclusiva".
Outros jornais optaram por manchetes do tipo uma no cravo outra na ferradura: "Renda média sobe, mas desigualdade para de cair" ("O Globo"), "Analfabetismo para de cair no país; emprego e renda sobem" ("Estado"), "Em todas as regiões houve aumento de renda, mas a desigualdade ficou estagnada" (Jornal Nacional).
Com seu característico catastrofismo, a Folha fez uma leitura míope da pesquisa, que é muito importante pela sua abrangência -são 363 mil entrevistados respondendo sobre escolaridade, trabalho, moradia e acesso a bens de consumo.
O dado mais surpreendente era que a renda do brasileiro cresceu em 2012, ano em que o PIB subiu apenas 0,9%. Na Folha, esse fenômeno só foi citado no meio de uma reportagem sobre a desigualdade.
Coube ao colunista Vinicius Torres Freire, no dia seguinte, chamar a atenção para o fato de que o Brasil estava mais rico "e não sabíamos". "É possível dizer que a taxa de pobreza deve ter caído bem no ano passado", escreveu Freire.
Pelos cálculos de Marcelo Neri, 50, presidente do Ipea, 3,5 milhões de brasileiros saltaram a linha de pobreza em 2012. "No conjunto das transformações, foi a melhor Pnad dos últimos 20 anos", diz Neri.
A desigualdade parou mesmo de cair, mas foi porque os muito ricos (1% da população) ficaram ainda mais ricos (a renda subiu 10,8%), num ritmo mais rápido do que os muitos pobres (10% na base da pirâmide) ficaram menos pobres (ganho de renda de 6,4%). É claro que não se deve desprezar o abismo social, mas não dá para ignorar que houve uma melhora geral no ano passado, o que é um mistério a ser explicado pelos economistas.
Se o jornal subestimou o dado da renda, deu espaço demais para o fato de o analfabetismo ter parado de cair. Teve nesse ponto a companhia dos outros jornais e da TV.
Depois de 15 anos de queda contínua, a taxa de analfabetismo variou de 8,6% para 8,7%. A diferença, irrisória, pode ser apenas uma flutuação estatística. Nem o fato de a taxa ter parado de cair é importante, segundo os especialistas.
Os analfabetos brasileiros concentram-se, principalmente, na faixa etária mais alta (60 anos ou mais). Os mais velhos, que não tiveram acesso à escola na infância, são mais difíceis de serem alfabetizados. "Entre os jovens, a proporção de analfabetos continua caindo. A conclusão é que, embora nossa educação tenha muitos problemas, este não é um deles", explica Simon Schwartzman, 74, presidente do Iets.
O destaque dado à diferença entre a remuneração de homens e mulheres também foi descabido. Em 2011, a brasileira recebia 73,7% do salário de um homem. No ano passado, era 72,9%.
Além de não ser uma variação muito significativa, pode ser um problema amostral. "As mulheres não estão necessariamente ganhando menos do que os homens. Se elas já têm uma renda média menor, basta crescer a participação feminina no mercado de trabalho para aumentar a diferença entre os sexos", afirma Marcio Salvato, 44, professor de economia do Ibmec.
Entre os bens de consumo, o jornal destacou o celular e as motos. Wasmália Bivar, 53, presidente do IBGE, ressalta a máquina de lavar roupa, presente em 55% das casas. "Para a vida das famílias mais pobres, é um bem de grande significado, porque dá mais tempo livre para as mulheres."
Não é fácil escolher o que há de mais relevante em uma pesquisa extensa como a Pnad, mas não dá para adotar o critério dos piores números. O jornalismo deve ter como primeira preocupação o que vai mal, apontar os problemas, só que o necessário viés crítico não pode impedir que se destaque o que é de fato o mais importante.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Quais são essas "vozes" da nova classe média?

27/09/2012 - Paulo Kliass (*)
- extraído do portal Carta Maior

Renda do capital ainda é renda do capital, assim como renda do trabalho continua sendo renda do trabalho.


Por mais que a remuneração mensal dos despossuídos tenha evoluído, o conceito de classes sociais e seus conflitos de interesses continuam valendo para a análise do modo capitalista de produção.
(Paulo Kliass)

A Presidência da República está colocando em marcha uma delicada operação política, que pode trazer conseqüências perigosas para a análise e a compreensão de nossa realidade social e econômica. Tudo começou com o anúncio, por parte da Secretaria de Assuntos Estratégicas (SAE), do lançamento de um novo programa, considerado prioritário no âmbito do governo. Foi batizado com o nome de “As Vozes da Classe Média”.

Em tese, nada demais a chamar atenção, não é mesmo? Afinal, esse tema da classe média tem ocupado as páginas dos grandes jornais de forma crescente, ao longo dos últimos tempos. No entanto, vale a pena chamar a atenção para alguns elementos do entorno desse programa em especial e do simbolismo político envolvido com o fato. O atual titular da SAE é o dirigente do PMDB/RJ, Wellington Moreira Franco, que substituiu o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães desde o início do mandato da Presidenta Dilma. O órgão mais importante de sua pasta, porém, é o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), que era presidido desde 2007 pelo economista Marcio Pochmann, professor da UNICAMP e pesquisador crítico das correntes mais conservadoras dos vários campos das ciências sociais. Sob tais condições, o ministro carioca pouco conseguia influenciar na política interna do instituto.

As mudanças na direção do IPEA: de Pochmann a Neri
Convencido a disputar a prefeitura de Campinas pelo PT, Pochmann pediu demissão do cargo e Dilma optou há poucos dias pela nomeação definitiva de outro economista: Marcelo Neri, pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ). Com esse passo, a avaliação reinante nos corredores do poder é que o conservadorismo tem todas as possibilidades de retornar às áreas dirigentes do IPEA. 

Independentemente de sua competência técnica e suas qualidades profissionais, o novo presidente do órgão representa grupos e correntes ligados à ortodoxia econômica e à ressonância de todo o pensamento neoliberal em solo tupiniquim. Afinal, as posições da FGV são mais do que conhecidas nesse domínio.

O lançamento do novo programa “Vozes da Classe Média” é a perfeita expressão política de mais um movimento de mudança no interior do governo.


Neri é um estudioso da questão da distribuição de renda e coordenou recentemente uma publicação chamada “A nova classe média – o lado brilhante da base da pirâmide”, onde todo o foco reside nessa suposta nova composição de classe social em nossas terras. Do ponto de vista político, o trabalho articulado pelo pesquisador da fundação carioca cai como sopa no mel para os dirigentes políticos governistas. Tanto que a própria Presidenta fez referência pública ao autor, em um evento no Rio de Janeiro, ainda em abril passado, elogiando e recomendando a leitura da obra.

Bingo: o recado político estava dado, para quem quisesse ouvir. Talvez tampouco seja mera coincidência o fato do PT não ter lançado candidato a prefeito no Rio de Janeiro e do governo federal apoiar o peemedebista Eduardo Paes, sempre ao lado do governador Sérgio Cabral, também do PMDB e muito prestigiado pelo núcleo duro de Dilma. O círculo se fecha.


Max Weber
[O Marcelo Neri está muito impressionado com a expansão e a pujança dos micro-negócios nas favelas do Rio onde se instalaram as UPPs – Unidades Policiais Pacificadoras. As barbearias, tinturarias, biroscas, salões de beleza proliferam. (Por que o Cerra, que se apropria de tudo, não disse que as UPPs são dele e instalou uma na Baixada Santista ?)

Neri mora na Lagoa, no Rio – que horror! – e observa, ao lado, as mudanças ocorridas numa favela com UPP. Daqui a pouco, a gente vai descobrir que o Sergio Cabral jogou o Max Weber no lixo. O que estimula mesmo o “Espírito do Capitalismo” não são os chatos dos calvinistas, mas uma boa UPP na favela!

(O Farol de Alexandria adora Max Weber. Ele e uns colonistas da Folha. No Brasil há mais leitores do Max Weber do que em toda a Prússia.) Acordou, o que Neri chama de “capital que estava adormecido”.
(PHA - Conversa Afiada)]

Já Pochmann, havia lançado um livro com interpretação bastante diferente desse oficialismo chapa branca. A Editora Boitempo publicou há pouco a obra “Qual classe média?”, que chama a atenção logo de início pelo ponto de interrogação no próprio título. Como estudioso sério e crítico, o ex-presidente do IPEA lança uma série de indagações a respeito da suposta unanimidade em torno desse “novo” conceito de classe média. E demonstra que não se pode confundir a inegável melhoria nas condições de renda na base da sociedade com a transformação em sua estrutura de classes sociais. Com a devida vênia de nossa Presidenta, eu recomendaria também a leitura do livro de Pochmann.

No entanto, por se tratar de um estudo que não compartilha desse clima de oba-oba ufanista e irresponsável, ele não é tão útil nem funcional para alavancagem da política governamental no varejo e no cotidiano. Afinal, a honestidade intelectual exige alguns “poréns” e algumas observações de reparo metodológico. Xi, lá vem o chato do Paulo Kliass outra vez... Pois é, são os ossos do ofício!

Voices of the poor” e “Vozes da classe média”: do Banco Mundial à SAE
Em sua apresentação oficial, está dito que o programa “Vozes da classe média” pretende servir como parâmetro para a elaboração de políticas públicas pelo governo federal. Talvez não seja por outra simples coincidência que ele tenha recebido esse nome. Na verdade, trata-se de uma quase versão para o português de um conhecido programa do Banco Mundial lançado lá em 2000, na virada do milênio, que é chamado de “Voices of the poor” (Vozes dos pobres).

Era uma tentativa de ouvir e estudar o fenômeno da pobreza ao redor do mundo, incluindo países como Brasil, Etiópia, Índia, Indonésia, Uzbequistão, entre outros. Mas para além desse vício de paternidade, o caminho que o governo pretende adotar agora contém graves equívocos metodológicos.

Como a idéia é sempre elogiar o suposto sucesso da política de melhoria das condições da população da base da pirâmide, entra em marcha um verdadeiro “vale-tudo” no sentido de organizar, rearranjar e espremer os números e os dados estatísticos. O objetivo é oferecer resultados convincentes e belas conclusões. Tudo perfeito e adequado para o recheio do discurso oficial, a ser faturado politicamente.

Parte-se de um fato inegável: ao longo dos últimos anos, a política de transferência de renda (via programas como Bolsa Família) e a política de valorização do salário mínimo foram o carro chefe de uma transformação significativa nas condições da população mais pobre em nosso País. Com elas vieram também a ampliação dos benefícios concedidos pela previdência social, a melhoria das condições no mercado de trabalho e o acesso ao crédito. No entanto, também é amplamente reconhecido que a política econômica desse período continuou a favorecer e beneficiar as camadas mais ricas de nossa sociedade, por meio da política de juros elevadíssimos (que só começou a mudar no último ano), das isenções fiscais, das desonerações tributárias, da ampliação da privatização e toda a sorte de benesses dirigidas ao capital em geral e ao setor financeiro em particular.

Assim, apesar de ter ocorrido uma melhoria na distribuição na base da sociedade, o restrito topo da pirâmide foi ainda muito mais beneficiado. E como os níveis da desigualdade e de concentração são muito elevados, o aspecto significativo seria analisar o que ocorreu com os 0,5% mais ricos na comparação com os 99,5% restantes. Se pegarmos faixas amplas com os 10% ou 20% das famílias com maior renda, estaremos misturando alhos com bugalhos e as conclusões serão, obviamente, apressadas e equivocadas. Isso porque os dados utilizados vêm da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do IBGE, onde apenas uma pequena amostra do total das famílias responde a um extenso questionário de forma voluntária. Com isso, os domicílios familiares de renda mais elevada tendem a subestimar as informações fornecidas a respeito dos valores e das fontes de seu rendimento efetivo.

Os números do programa e as conclusões equivocadas

De acordo, com o programa “Vozes da classe média”, os limites para fazer parte desse novo recorte de “classe” são os seguintes: de R$ 291 a R$1.091 como renda mensal familiar per capita. Dessa forma, as conclusões são uma maravilha! Mais de 50% da população brasileira estão nesse perfil – um total superior a 100 milhões de pessoas. Então, vamos lá verificar – na realidade concreta da vida real - quem está enquadrado dentro dessa inovadora definição de “nova classe média” e quem já está recebendo uma renda tão elevada que está até acima desse nível, passa a fazer parte das elites, da classe alta.

Consideremos o caso de um jovem casal, sem filhos. Um dos cônjuges recebe um salário mínimo e o outro está desempregado. Sua renda mensal é de R$ 620, o que nos permite concluir uma renda per capita de R$ 310 a cada 30 dias. Imaginemos ainda que seus vizinhos sejam um casal com 2 filhos, onde os pais trabalham e recebem cada um deles salário mínimo também. A renda mensal da família é de R$ 1.240, com uma renda per capita de R$ 310, como no caso anterior. Vejam que ambas as famílias são integrantes da “nova classe média”, pois estão acima do patamar mínimo de R$ 291, o que lhes permitiria a chave de acesso ao paraíso do consumo, segundo as capas das revistas semanais penduradas nas bancas de jornal.

Pouco se fala a respeito da qualidade dos serviços públicos que recebem, como saúde, educação, saneamento, transporte público, etc. O que importa é a renda auferida.

Cabe ao leitor optar: o estabelecimento arbitrário desses valores seria ato de ingenuidade ou de maldade? Afinal, não é lá muito difícil contabilizar os níveis de despesa mensal dessas unidades familiares: o transporte coletivo numa grande cidade; o aluguel de moradia em péssimas condições; as contas de água, luz e telefone celular; o gás para cozinha; as compras de cesta básica e seus complementos; etc. Ora, o retrato é de uma sobrevivência nesse nível básico, que não permite quase nenhuma capacidade de poupança, nem o usufruto das boas condições de vida. Quem teria a coragem de afirmar que esses indivíduos seriam integrantes da “nova classe média”? Em sentido oposto, Pochmann nos oferece uma interessante reflexão a respeito do fenômeno, na apresentação de seu livro:
O adicional de ocupados na base da pirâmide social reforçou o contingente da classe trabalhadora, equivocadamente identificada como uma nova classe média. Talvez não seja bem um mero equívoco conceitual, mas expressão da disputa que se instala em torno da concepção e condução das políticas públicas atuais.

Por outro lado, tão ou mais impressionantes são as conseqüências da definição casuística do limite superior para o enquadramento em “nova classe média”. Imaginemos outra vez a situação de um casal típico de assalariados, com um filho. Ele acabou de conseguir um emprego numa empresa automobilística no ABC e recebe o piso da categoria. Ela é empregada de um banco e também recebe o piso salarial assegurado pelos acordos dos sindicatos com a FENABAN. A renda mensal do trio familiar supera R$ 3.300, com um equivalente per capita superior aos R$ 1.091 do programa oficial do governo. Dessa forma, a conclusão é assustadora: pasmem, mas essa família de trabalhadores não seria mais integrante da “nova classe média”. Em função dessa “estupenda” remuneração mensal, eles já teriam sido alçados à condição da elite, fazem parte das classes altas da sociedade brasileira! Uma loucura, para dizer o mínimo!

Trabalhadores ou classe média?
As políticas desenvolvidas ao longo da última década contribuíram para a melhoria das condições de vida da maioria da população. No entanto, o elevado grau de desigualdade social e econômica nos coloca ainda entre os países mais injustos do planeta.

Assim, não se “acaba com a pobreza” da noite para o dia, apenas com uma canetada, estabelecendo um limite arbitrário de renda de forma injustificada. O caminho é longo e passa pelo aprofundamento das políticas de distribuição de renda. Não será por força dos limites quantitativos constantes de um eventual Decreto que o Brasil amanhecerá menos pobre ou menos injusto.

Reconhecer as significativas transformações ocorridas com a população de menor renda em nosso País ao longo dos últimos 10 anos não nos permite tentar avançar na deturpação dos dados da realidade. Não se pode ser conivente com a utilização política e eleitoral de informações aviesadas, com o fim exclusivo de propiciar análises encomendadas para usufruto do governo de plantão.


Renda do capital ainda é renda do capital, assim como renda do trabalho continua sendo renda trabalho.

Por mais que a remuneração mensal dos despossuídos tenha evoluído, o conceito de classes sociais e seus conflitos de interesses continuam valendo para a análise do modo capitalista de produção.

(*) Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.

Fonte:
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5788

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O Brasil que sai das urnas

A seguir, um resumo de várias análises publicadas no website do Instituto Humanitas Unisinos sobre as eleições de 2010, a partir de entrevistas com gente como Walter Pinheiro, D. Luiz Demétrio Valentini, Ivana Bentes, Ivo Poletto, Emir Sader, Wladimir Safatle, Marcelo Neri e Francisco de Oliveira, além de trabalhos de outros intelectuais e frases de políticos após um dos processos eleitorais mais marcantes do pós-ditadura militar. Confira a apresentação e um sumário de todo o material reunido na seção Notícias do Dia, da página do IHU.

O balanço da sexta eleição presidencial pós-ditadura, e a quinta consecutiva disputada entre o PT e o PSDB, aos poucos vai sendo feito e vai revelando o Brasil que saiu das urnas. Ao mesmo tempo, ganha corpo o debate de como será e quais são os principais desafios que aguardam Dilma Rousseff – no primeiro governo pós-Lula.

Contribuir na interpretação dos principais fatos que fizeram parte da disputa eleitoral 2010 e seus desdobramentos, na análise das forças ganhadoras e perdedores, nas conjecturas de qual projeto sai fortalecido e nos desafios que se apresentam para um governo pós-Lula é o objetivo dessa análise. O ponto de referência de elaboração desta análise é o movimento social, mesmo tendo presente que a leitura e a interpretação dos movimentos sobre as eleições estão em curso e não são unitárias. A nossa análise, portanto, é uma entre outras que se oferece para o debate público.

No balanço preliminar das eleições 2010 algumas constatações ganharam destaque. Entre elas, a mais ouvida e citada, foi a de que Lula foi o grande vitorioso considerando que a sua aposta pessoal – Dilma Rousseff – se transformou em uma candidatura competitiva e vencedora. Ainda mais: Lula conseguiu algo pouco comum no mundo da política que é a transferência de votos.

Entre ganhadores e perdedores do processo eleitoral 2010, além da vitória pessoal de Lula, destacam-se outras afirmações: Marina Silva surpreendeu; o DEM foi fragorosamente derrotado; o PT saiu fortalecido, o PSDB enfraquecido, o PSB emergiu como nova força política; caciques políticos foram expelidos pelas urnas e pela Ficha Limpa; a esquerda programática teve desempenho pífio. Falou-se ainda muito do grau de tensão dessas eleições comparável apenas ao das eleições de 1989 e ao fato da agenda moral religiosa ter assumido uma proporção impensável no debate eleitoral.

Agreguem-se aos aspectos anteriores outros elementos menos comentados, mas nem por isso menos importantes: a ausência de um debate programático mais consistente; o ‘lulismo’ substituindo o debate programático; a confirmação do realinhamento eleitoral verificado em 2006 e o não comparecimento da agenda do movimento social nas discussões. As eleições de 2010 permitem ainda a análise de que o modelo neodesenvolvimentista, protagonizado pelo governo Lula, saiu vitorioso e tende a se consolidar no governo de Dilma Rousseff.

Sumário

O Brasil que sai das urnas
Introdução
Eleições 2010. Surpresas ‘não esperadas’
Estado laico. Sociedade religiosa
Igreja e aborto – polêmica envolve a CNBB
Pronunciamento de Bento XVI, um reforço inesperado
Marina Silva. Onda verde ou onda conservadora?
Eleições despolitizadas?
O ‘lulismo’ substituiu os programas
Raízes sociais e ideológicas do lulismo
Lulismo. Um projeto sem rupturas e pluriclassista
Neodesenvolvimentismo. O conteúdo programático do lulismo
Estado financiador. As grandes transnacionais brasileiras
O Estado investidor. As grandes obras de infra-estrutura
O Estado Social. Mitigação e superação da pobreza
Lulismo + neodesenvolvimentismo = vitória de Dilma
A agenda esquecida
Gênero: forçando mudanças na política
Estereótipos de gênero
Dilma e as rupturas de concepções conservadoras
Desafios para o governo Dilma
Economia. Ventos de mau presságio?
A ‘sombra’ de Lula
Perfil do novo Congresso
Pós-eleição 2010 em frases

Clique aqui e leia a análise. Saudações educomunicativstas.