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quinta-feira, 26 de abril de 2012

Os desafios da nova YPF

19/Abril/2012 - por Claudio Katz [*]
original extraído do site Resistir (Portugal)


A intervenção na YPF e a introdução de uma gestão estatal da empresa são medidas necessárias para começar a reverter a depredação energética. Mas constituem só um ponto de partida para recuperar os recursos petrolíferos.


Durante uma década a REPSOL liderou o esvaziamento de poços, reservas e instalações pré-existentes. Extraiu o máximo possível sem investir e expatriou lucros de forma escandalosa.

Mas esta conduta não irritou nenhum dos críticos neoliberais da expropriação em curso.

Agora questionam a "violação da ordem jurídica", esquecendo o total incumprimento dos contratos por parte da firma.

Este duplo critério é congruente com a sua habitual aprovação dos atropelos contra os direitos dos assalariados ou aposentados. Nunca estendem a estes sectores os princípios da segurança jurídica.

Falácias neoliberais
Os direitistas estão a recriar os fantasmas de 2001-2005 e repetem os mesmos argumentos que difundiram a seguir ao incumprimento (default). Advertem contra as terríveis consequências de "isolar-se do mundo", omitindo o seu recorde de prognósticos falhados.

Alguns desculpam a REPSOL afirmando que sofreu um castigo de preços desfavoráveis. Mas silenciam os sucessivos ajustes dos últimos anos, a autorização para liquidar divisas no exterior e a permissão para exportar a custo do auto-abastecimento. As objectadas retenções móveis às vendas externas foram uma ténue compensação pela terrível drenagem que o país sofreu. Tão pouco recordam que a falta de investimentos remonta aos anos 90, quando o combustível era muito caro em dólares.

Os porta-vozes locais da REPSOL afirmam que a expropriação afugentará os investimentos, que são necessários para recompor a produção. Mas o desenvolvimento petrolífero da Argentina nunca proveio dos capitais estrangeiros. Foi um resultado da propriedade estatal do petróleo bruto e do equilíbrio entre exploração (exploración) e gestão da extracção (explotación) de poços, que se conseguiu mediante um sistema integrado de extracção, refinação e comercialização. Este regime foi demolido com a privatização e deveria ser recomposto para reconstruir o abastecimento.

Qualquer passo nessa direcção é visto pela direita como uma expressão de "populismo, ou demagogia nacionalista". Mas com o seu apoio à privatização já demonstraram como concebem o ideal oposto de condutas republicanas, maduras e responsáveis. Os defensores mais descarados da REPSOL alertam contra o iminente conflito entre argentinos e espanhóis que provocará a expropriação, como se a firma afectada fosse a representação do povo ibérico.

Na realidade é uma empresa privada de duvidosa propriedade espanhola, uma vez que o grosso do seu capital encontra-se distribuído em vários centros financeiros do mundo. Como se especializada, além disso, em localizar sociedades em paraísos fiscais, potencia a evasão tributária que deteriorou as finanças espanholas, precipitando o brutal ajuste que padece esse país.


A REPSOL, naturalmente, é defendida por uma monarquia e um governo reaccionário, que continuam a exibir soberba neo-colonial com crescente descaramento. A repetição local dessa diatribe é particularmente chocante. Como a firma recorrerá a seus aliados da Europa e ao G20 para gerar um conflito jurídico internacional, é imperioso que a Argentina se retire do CIADI [1]. Esse tribunal já tem preparada uma sentença a favor daquela petrolífera. [2]

Empresa mixta ou estatal?
Os principais problemas da nova YPF não estão no flanco externo.

É evidente que o governo decidiu a expropriação por necessidade e não por convicção.

Estava aguilhoado pela queda da produção e consequente obrigação de financiar importações com os poucos recursos que dispõe a Tesouraria. Pressionados por essas circunstâncias efectuou uma volta de 180 grau no seu idílio anterior com a empresa afectada.

Negociou sem resultados um compromisso de maior investimento e finalmente optou pelo choque com os seus velhos sócios.

Julio de Vido

A expropriação não faz parte de uma estratégia prevista, nem obedece ao grande volume de votos conseguido nas últimas eleições.

A reconstrução da YPF encontra-se agora em mãos daqueles que participaram da sua destruição.

Grande parte da elite actual de funcionários tomou parte no sucateamento da empresa durante o governo Menem e no remate das suas acções. Sua responsabilidade no descalabro energético dos últimos oito anos é inocultável. De Vido [3] é a antítese de Mosconi.[4] Pelo seu gabinete passaram todas as autorizações requeridas para validar o aniquilamento da YPF. A iniciativa da expropriação é positiva, mas seus efeitos reais dependerão das próximas medidas.

Uma decisão chave joga-se no manejo da indemnização. Não se pode pagar pelo que é nosso, nem premiar com maiores fundos aqueles que descapitalizaram a empresa.

Ainda há que averiguar quais foram os lucros reais que a REPSOL acumulou com a distribuição de lucros à custa dos activos energéticos e com a expansão internacional da companhia, utilizando os recursos do subsolo nacional. Antes de falar de qualquer avaliação da empresa (por cotação na bolsa, contabilística ou patrimonial) há que ver os resultados de uma auditoria, que esclareça o estado dos poços e dos danos ambientais. Se se utilizam os fundos do ANSES, as reservas do Banco Central ou a emissão de nova dívida para pagar a REPSOL, repetir-se-á a velha história de um estado bobo que se encarrega das perdas provocadas por ex-concessionários.

A nova YPF é concebida como uma sociedade anónima, seguindo um modelo de empresa mista muito distante da velha companhia inteiramente estatal.

Esta decisão é errada e conspira contra o projecto de reconstrução energética.

Não é casual que existam tantos exemplos internacionais de manejo totalmente público de um recurso vital. Esse modelo de propriedade pública manteve a taxa de exploração requerida no passado para um país como a Argentina, que tem reservas limitadas e de extracção custosa.

A necessidade de um longo processo de investimento não é compatível com os esquemas idealizados de companhias mistas, que já foram ensaiados na primeira etapa de privatização da YPF. Um teste próximo dos problemas que este modelo enfrentará verificar-se-á quando tiver de ser resolvida a situação do grupo Eskenazi. Esta família ficou como sócia minoritária da nova YPF, depois de haver perpetrado uma fraude superior às tropelias cometidas pela REPSOL. Comprou a sua participação sem por um só peso, recorrendo a um crédito a pagar com a distribuição de lucros. Sua permanência está em dúvida, a partir do momento em que terá de cancelar esse empréstimo com o seu próprio dinheiro.

Se se concretiza a sua deserção, quem se encarregará desse pacote?
Ou o estado mediante perdas adicionais?
Ou haverá uma transferência para outros "capitalistas amigos" (Bulgheroni, Cristóbal López, Lázaro Báez, Eurekian), que já ficaram com várias áreas sem realizar nenhum investimento?

O perigo da sociedade mista não reside só nesses favoritismos. A forte presença do capital privado dentro da companhia exige que se opere com critérios de rentabilidade imediata, que obstruem a prioridade investidora. Este modelo induz, além disso, ao aumento dos preços na boca do poço pela pressão para alcançar maiores lucros, gerando um encarecimento adicional do combustível.

Gestão, legislação e propriedade
O governo promete uma administração profissional da nova YPF. Mas esta meta exige não só conhecimentos técnicos como também grande independência do lobby petrolífero.

Se as firmas privadas participam do directório, aumentará o perigo de repetir os vícios do passado (endividamento desnecessário da companhia) ou incorrer em novos desacertos (uso dos recursos para financiar o buraco de importações).

É evidente que a transcendência de definir como se administrará a companhia e a ENARSA [5] é um mau antecedente imediato. Torna-se imprescindível dotar a YPF de um genuíno controle social, popular e dos trabalhadores.

Mas o maior problema está no que sucederá com os 70% da actividade petrolífera que actualmente é desenvolvida fora da YPF. O governo não definiu que tipo de modificações serão introduzidas, num sector regido por princípios neoliberais de livre disponibilidade do petróleo bruto por parte dos concessionários.
A revisão dos contratos subscritos com essas normas mal começou e na sua grande maioria afectou poços marginais. O projecto de lei em curso não esclarece o que ocorrerá com o marco legal que permitiu a atomização do sector e a proliferação de uma grande variedade de convénios gravosos.

Impõe-se aqui a imediata recuperação da atribuição do estado para controlar toda a comercialização interna e externa, fixando as condições e os preços de extracção e processamento.

A propriedade provincial do subsolo constitui outro impedimento para alcançar essa meta. Mantém o poder discricionário dos governadores no manejo de um recurso de toda a nação. O compromisso da sindicatura comum [de accionistas] que se estabeleceu com as províncias para o manejo da YPF não se estende ao resto do sector e só adia a necessidade de reintroduzir a propriedade nacional. Marginalizar as províncias não petrolíferas da nova condução da YPF não contribui para essa recomposição.

Com a expropriação abre-se um novo capítulo da história petrolífera.


Há condições nacionais e internacionais muito favoráveis para reconstruir nosso cimento energético, avançando rumo a uma empresa totalmente pública.

Só este esquema permitirá equilibrar os custos de extracção com os preços requeridos para o desenvolvimento industrial.

Este manejo é indispensável para diversificar a matriz energética, reduzir a dependência dos hidrocarbonetos e evitar uma maior deterioração do meio ambiente.

O alcance destes objectivos exige que se afecte os interesses capitalistas que até agora o governo protegeu e adoptar uma atitude soberana frente às pressões externas.



A mobilização popular com bandeiras próprias é o grande instrumento para esta acção.



Claudio Katz

[*] Professor da Universidade de Buenos Aires – Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (UBA-CONICET) e membro da rede Economistas de Izquierda (EDI).

[1] Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos
Fonte: Wikipédia
O CIADI significa Centro Internacional para Arbitragem de Disputas sobre Investimentos,criado a partir de uma Convenção Internacional de 1966, sob a égide do Banco Mundial. O CIADI proporciona instalações para a resolução mediante conciliação ou arbitragem de disputas referentes a investimentos entre investidores estrangeiros e os seus países anfitriões. O Brasil não faz parte do CIADI (também conhecido como ICSID, na sigla em inglês).

[2] ANRed (Agencia de Noticias Red Accion) - 15 de abril de 2012 - Ciadi: una herramienta de las multinacionales - http://www.anred.org/article.php3?id_article=4948

[3] Julio de Vido, ministro do Planejamento argentino

[4] General Enrique Mosconi, militar nacionalista, defensor da YPF, foi seu presidente de 1922 a 1930

[5] ENARSA (acrónimo de Energía Argentina S.A.) es una empresa pública argentina creada el 29 de diciembre de 2004 por la administración de Néstor Kirchner dedicada al estudio, exploración y explotación de yacimientos de hidrocarburos, el transporte, almacenaje, distribución, comercialización e industrialización de estos productos y sus derivados, el transporte y distribución de gas natural, y la generación, transporte, distribución y comercialización de energía eléctrica. Fonte: Wikipedia - http://es.wikipedia.org/wiki/Enarsa


Este artigo encontra-se em português (Portugal) em: http://resistir.info/ .

Ver também: Argentina: Recuperación (parcial) de YPF, de Alejandro Teitelbaum, em espanhol, em: http://www.argenpress.info/2012/04/argentina-recuperacion-parcial-de-ypf.html


quarta-feira, 25 de abril de 2012

A Argentina tem razão

23-04-12 - Só se desenvolve quem se defende - Brizola Neto
no seu blog Tijolaço

"
O professor Luís Carlos Bresser Pereira, de quem o pior que se pode dizer é que acreditou um dia que o PSDB fosse um partido social-democrata, publica hoje (23/04) na Folha um artigo imperdível. Um texto direto, que contesta a postura do “atrair capital estrangeiro a qualquer preço” que, aliás, marcou o período FHC." (Brizola Neto)


A Argentina tem razão


A Argentina se colocou novamente sob a mira do Norte, do “bom senso” que emana de Washington e Nova York, e decidiu retomar o controle do Estado sobre a YPF, a grande empresa petroleira do país que estava sob o controle de uma empresa espanhola. O governo espanhol está indignado, a empresa protesta, ambos juram que tomarão medidas jurídicas para defender seus interesses.


O “Wall Street Journal” afirma que “a decisão vai prejudicar ainda mais a reputação da Argentina junto aos investidores internacionais”.


Mas, pergunto, o desenvolvimento da Argentina depende dos capitais internacionais, ou são os donos desses capitais que não se conformam quando um país defende seus interesses? E, no caso da indústria petroleira, é razoável que o Estado tenha o controle da principal empresa, ou deve deixar tudo sob o controle de multinacionais?


Em relação à segunda pergunta parece que hoje os países em desenvolvimento têm pouca dúvida. Quase todos trataram de assumir esse controle; na América Latina, todos, exceto a Argentina.


Não faz sentido deixar sob controle de empresa estrangeira um setor estratégico para o desenvolvimento do país como é o petróleo, especialmente quando essa empresa, em vez de reinvestir seus lucros e aumentar a produção, os remetia para a matriz espanhola.

Além disso, já foi o tempo no qual, quando um país decidia nacionalizar a indústria do petróleo, acontecia o que aconteceu no Irã em 1957. O Reino Unido e a França imediatamente derrubaram o governo democrático que então havia no país e puseram no governo um xá que se pôs imediatamente a serviço das potências imperiais.


Mas o que vai acontecer com a Argentina devido à diminuição dos investimentos das empresas multinacionais? Não é isso um “mal maior”?

É isso o que nos dizem todos os dias essas empresas, seus governos, seus economistas e seus jornalistas. Mas um país como a Argentina, que tem "doença holandesa" [1] moderada (como a brasileira) não precisa, por definição, de capitais estrangeiros, ou seja, não precisa nem deve ter deficit em conta corrente; se tiver deficit é sinal que não neutralizou adequadamente a sobreapreciação crônica da moeda nacional que tem como uma das causas a doença holandesa.

A melhor prova do que estou afirmando é a China, que cresce com enormes superavits em conta corrente.


Mas a Argentina é também um bom exemplo.


Desde que, em 2002, depreciou o câmbio e reestruturou a dívida externa, teve superavits em conta corrente. E, graças a esses superavits, ou seja, a esse câmbio competitivo, cresceu muito mais que o Brasil.

Enquanto, entre 2003 e 2011 o PIB brasileiro cresceu 41%, o PIB argentino cresceu 96%.

Os grandes interessados nos investimentos diretos em países em desenvolvimento são as próprias empresas multinacionais. São elas que capturam os mercados internos desses países sem oferecer em contrapartida seus próprios mercados internos.Para nós, investimentos de empresas multinacionais só interessam quando trazem tecnologia, e a repartem conosco.Não precisamos de seus capitais que, em vez de aumentar em os investimentos totais, apreciam a moeda local e aumentam o consumo. Interessariam se estivessem destinados à exportação, mas, como isso é raro, eles geralmente constituem apenas uma senhoriagem permanente sobre o mercado interno nacional.

Nota do blog Educom:
[1] A "doença holandesa" é um termo cunhado por economistas após a experiência da Holanda com a exportação de gás natural nos anos 60. A receita que entrava acabou gerando uma valorização cambial que prejudicou o setor manufatureiro e o tornou menos competitivo no exterior. Para Bresser-Pereira, a mesma realidade já ocorre no Brasil com a exportação agrícola. (Jamil Chade, em http://www.bresserpereira.org.br/papers/interviews/2011/11.06-Brasil_já_vive_doença_holandesa.pdf )

terça-feira, 24 de abril de 2012

TODOS SOMOS ARGENTINOS

22/04/2012 - Mauro Santayana em seu blog


O Brasil e a Argentina, sendo os dois maiores países da América do Sul, têm sido alvos preferenciais do domínio euro-americano em nosso continente. A Argentina, sob Cristina Kirchner, depois de anos desastrados de ditadura militar e do governo caricato e neoliberal de Menem, se confronta com Madri, ao retomar o controle de suas jazidas de petróleo que estava com a Repsol.

Quando um governo entrega, de forma aviltante, os bens nacionais ao estrangeiro, como também ocorreu no Brasil, procede como quem oferece seu corpo no mercado da prostituição.

Carlos Menem
Assim, as medidas de Cristina buscam reparar a abjeção de Menem.

Será um equívoco discutir o conflito de Buenos Aires com Madri dentro dos estreitos limites das relações econômicas.

A economia de qualquer país é um meio para assegurar sua soberania e dignidade - não um fim em si mesma.


Adolfo Suárez

As elites espanholas, depois da morte de Franco, foram seduzidas pela idéia de que poderiam recuperar sua presença na América Latina, perdida na guerra contra os Estados Unidos e durante a ditadura de quase 40 anos. Já durante o governo de Adolfo Suárez, imaginaram que poderiam, pouco a pouco, readquirir a confiança dos latino-americanos, ofendidos pela intervenção descarada dos Estados Unidos no continente. De certa forma, procediam com inteligência estratégica: a nossa América necessitava de aliados, mesmo frágeis, como era a Península Ibérica, na reconstrução de sua soberania, mutilada pelos governos militares alinhados a Washington.

Mas faltou aos governantes e homens de negócios espanhóis a habilidade diplomática, que se dissimula na modéstia, e lhes sobrou arrogância.

Essa arrogância cresceu quando a Espanha foi admitida na União Européia, e passou a receber fartos recursos dos países ricos do Norte, a fim de acertar o passo continental. A sua estratégia foi a de, com parte dos recursos disponíveis, “comprar” empresas e constituir outras em nossos países. Isso os levou a imaginar que poderiam ditar a nossa política externa, como serviçais que foram, e continuam a ser, dos Estados Unidos. A idéia era a de que, em espanhol, os ditados de Washington seriam mais bem ouvidos.

José Maria Aznar
O paroxismo dessa paranóia ocorreu quando José Maria Aznar telefonou ao presidente Duhalde, da Argentina, determinando-lhe que aceitasse as imposições do FMI, sob a ameaça de represálias. E a insolência maior ocorreu, e sob o governo socialista de Zapatero, quando esse heróico matador de paquidermes indefesos, Juan Carlos, mandou que o presidente Chávez (eleito livremente pelo seu povo, sob a fiscalização de observadores internacionais, entre eles o ex-presidente Carter) se calasse, no encontro iberoamericano de Santiago.

Um rei matador de elefantes indefesos e sogro de um acusado de peculato - o bem apessoado serviçal da Telefónica de Espanha, Iñaki Urdangarin, pago com lucros obtidos pela empresa na América Latina, principalmente no Brasil.

Os espanhóis parecem não se dar conta de que as suas antigas colônias se tornaram independentes, umas mais cedo – como é o caso da Argentina – e outras mais tarde, embora muitas passassem ao domínio ianque.
  
Imaginaram que podiam fazer o que faziam antes disso no continente – e incluíram o Brasil na geografia de sua presunção.


O Brasil pode e deve, ser solidário com a Argentina, no caso da recuperação, para seu povo, das jazidas petrolíferas da YPF. E manter a nossa posiçãohistórica de reconhecimento da soberania de Buenos Aires sobre o arquipélago das Malvinas.

Que querem os espanhóis em sua gritaria por solidariedade contra a Argentina, pelo mundo afora? Eles saquearam tudo o que puderam, durante o período colonial, em ouro e prata. Usaram esses recursos imensos – assim como os portugueses fizeram com o nosso ouro – a fim de construir castelos e armar exércitos que só se revelaram eficazes na repressão contra o seu próprio povo – como ocorreu na guerra civil.


Durante o seu período de arrogância subsidiada, trataram com desdém os mal chamados iberoamericanos, humilhando e ofendendo brasileiros e latino-americanos, aviltando-os ao máximo.

Um só ser humano, em sua dignidade, vale mais do que todos os poços de petróleo do mundo.



Antes que Cristina Kirchner determinasse a recompra das ações da YPF em poder da Repsol, patrimônio muito maior dos argentinos e de todos os latino americanos, sua dignidade, havia sido aviltada, de forma abjeta e continuada, pelas autoridades espanholas no aeroporto de Barajas e em seu território.


Que se queixem agora aos patrões, como seu chanceler, Garcia-Margallo fez, ao chorar nos ombros da senhora Clinton, e busquem a solidariedade de uma Europa em frangalhos. Ou que rearmem a sua Invencível Armada em Cádiz, e desembarquem no Rio da Prata.

Isso, se antes, os milhões de jovens desempregados - a melhor parcela de um povo maravilhoso, como é o da Espanha - não resolvam destituir suas elites políticas, corruptas, incompetentes e opressoras, e seu rei tão ocioso quanto descartável.

E, ao final, vale lembrar a viagem histórica que Eva Perón fez à Europa, no auge de sua popularidade. Em Madri, diante da miséria em que se encontrava o povo, ofereceu a Franco, em nome do povo argentino, alguns navios cheios de trigo. O general respondeu que não era necessário, que os celeiros espanhóis estavam cheios de farinha.

E Evita replicou, de pronto:
¿entonces, por qué no hacen pan?

sexta-feira, 20 de abril de 2012

O colonialismo liberal europeu mostra a sua face

19/04/2012 - Eduardo Febbro*, de Paris
Tradução: Libório Junior - Carta Maior


É o cúmulo do absurdo que o Parlamento Europeu, que reúne representantes do povo, se preste a votar uma resolução contra a Argentina, em defesa dos interesses de uma multinacional.

Cristina Kirchner
O mesmo parlamento que nada faz para denunciar as empresas do Velho Continente que, em nome da segurança jurídica, investiam seus capitais em países amordaçados por regimes assassinos que, ao mesmo tempo que ofereciam segurança jurídica aos investidores, jogavam seus povos no poço da repressão, da corrupção e da pobreza."
O artigo é de Eduardo Febbro, direto de Paris 
Catherine Ashton

Os impérios do Ocidente estão nervosos. A decisão da presidenta argentina de renacionalizar os recursos petrolíferos do país reativou nos europeus o ímpeto da ameaça e da desqualificação, assim como a política dos valores em escala variável. O santo mercado tem prerrogativas acima de qualquer oposição. Além da agressiva campanha que se desatou na Espanha em defesa de uma companhia que, na realidade, sequer é espanhola, a União Europeia somou seus votos em respaldo à multinacional. A inesgotável e esgotadora responsável pela diplomacia da UE, Catherine Ashton, advertiu que a decisão argentina “era um muito mau sinal” para os investidores estrangeiros. Por sua vez, o presidente da Comissão Europeia José Miguel Barroso, disse que estava muito “decepcionado” pela medida de Buenos Aires.

José Miguel Barroso
O vice-presidente da Comissão Europeia, o italiano Antonio Tajani, sacou um leque de ameaças: "Nossos serviços jurídicos estudam, de acordo com a Espanha, as medidas a adotar. Não se exclui nenhuma opção", disse.

Cúmulo do absurdo, o Parlamento Europeu de Estrasburgo, que reúne os representantes do povo, se presta a votar uma resolução contra a Argentina. 
UE - Estrasburgo - França
Um traço mais da confusão que leva a uma instituição política, surgida do voto popular, a clamar pelos interesses de uma multinacional. O Parlamento Europeu nada fez para denunciar as empresas do Velho Continente que, em nome da segurança jurídica, investiam e investem seus capitais em países amordaçados por regimes assassinos que, ao mesmo tempo que ofereciam segurança jurídica aos investidores, jogavam seus povos no poço da repressão, da corrupção, do assassinato das liberdades e da pobreza.

A defesa dos interesses nacionais contra os do mercado é algo que ficou na garganta da muito liberal União Europeia. A UE revisitou seus “valores” recentemente, no ano passado: em troca da ajuda aos países árabes, a UE pede eleições democráticas, luta contra a corrupção, abertura comercial e proteção dos investimentos. Antes, não lhe importava que um punhado de ditadores e autocratas esmagassem seus povos enquanto a abertura comercial e a proteção dos investimentos estivessem garantidas. A fonte da democracia fechava os olhos enquanto suas empresas pudessem operar a seu bel-prazer.

A mesma dupla linguagem, duplo valor, envolve a escandalosa política das subvenções agrícolas da UE. Instrumento de destruição dos mercados, perverso mecanismo de falsificação dos preços internacionais, as subvenções se aplicam em apoio a uma corporação, a dos agricultores. Pouco importa que o planeta pague pela proteção de um setor. O porta-voz do Comissário Europeu para o comércio, John Clancy, disse ao canal EuroNews que a decisão da presidenta “destrói a estabilidade que os investidores procuram”.
 
Juan Manuel de Rosas

 Tocar numa empresa europeia é sinônimo de uma declaração de guerra ou de pisotear a identidade. Hoje reúnem o Parlamento Europeu, em outras épocas talvez tivessem enviado a marinha para bloquear o porto de Buenos Aires como ocorreu em 1834, quando Juan Manuel de Rosas se negou a que os súditos franceses ficassem isentos de suas obrigações militares e decidiu impor um gravame de 25% às mercadorias que chegavam do exterior com destino a Buenos Aires.

A imprensa europeia e os analistas propagam um cúmulo alucinante de omissões e mentiras.


Frases como “nacionalismo petroleiro” ou “tentação intervencionista” do Estado argentino, se tornaram uma consigna repetida em todas as colunas. Como se qualificaria então a defesa de uma empresa por parte das instituições políticas da União? Euro-nacionalismo de mercado, escudo político para os interesses privados, etnocentrismo liberal?

E, assim mesmo, o discurso do nacional contra o global, do local contra o multilateral não é uma exclusividade peronista. O próprio presidente francês, Nicolas Sarkozy, o reativou com um vigoroso discurso durante a campanha eleitoral para as eleições presidenciais do dia 22 de abril e seis de maio (primeiro e segundo turno). O presidente candidato propôs renegociar o acordo de Schengen que regula e garante a livre circulação das pessoas e revisar os acordos comerciais que ligam os 27 países membros da União Europeia.

No primeiro caso e por razões claramente eleitorais, Sarkozy considera que os acordos de Schengen não permitem regular para baixo os fluxos migratórios. No segundo, que tem dois capítulos, se trata primeiro de instaurar na Europa um mecanismo similar ao Buy Act American com um “Buy European Act” a fim de que as empresas que produzem na Europa obtenham dinheiro público em caso de licitações. Em segundo lugar, Sarkozy exigiu à Comissão Europeia que imponha um critério de reciprocidade a seus sócios comerciais. Sarkozy disse em seu discurso: “A Europa não pode ser a única região do mundo que não se defende. (…). Não podemos ser vítimas dos países mais fortes do mundo”.

Isto pode ter vigência também para o resto do planeta. O patriotismo europeu bem vale o suposto “patriotismo petroleiro”. Ali onde se encontra em desvantagem, a UE impõe seus limites, ativa seu lobby ou bota suas instituições democráticas a atuar como polícia moralizadora. O livre comércio e o direito monárquico das empresas sobre os recursos naturais, a vida humana e as geografias não é o último estado da humanidade. Há vida depois de tudo, antes e depois da Repsol.

Todo o aparato jurídico da UE se colocou em marcha para sancionar isso que o jornal espanhol El País chama “o vírus expropriador” de Cristina Fernández de Kirchner.

O “vírus” do mercado global começa a fazer seu trabalho. A UE está ofendida.


Tocaram em seu filho pródigo, a liberdade de brincar com o destino dos povos em benefício de suas empresas.

Uma guerra moderna onde o gigante vai sancionar um sócio que deixou de apostar em um tabuleiro onde só ganham os capitais que se volatilizam como os valores democráticos e de justiça que defenda a sacrossanta União.

Seu hino à liberdade é geométrico.


Contanto que a grana encha seus bancos, o sangue pode correr, como na Tunísia, Líbia, Egito e tantas outras ditaduras africanas que proporcionam o petróleo para acender as luzes de um século cujo destino está em mãos privadas e suas instituições às ordens das entidades financeiras e das empresas.

* Eduardo Febbro é correspondente da Carta Maior em Paris