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segunda-feira, 26 de agosto de 2013

O cinismo e a desfaçatez é a pior face do corporativismo médico


Que tal assumir um posto de saúde em Tefé ou em Santo Antonio do Salto da Onça?


Com a aceleração da execução do programa do governo federal Mais Médicos, os porta-vozes do atraso e da irresponsabilidade, geralmente presidentes de conselhos e associações médicas, encontram imenso espaço na mídia tradicional para revelar seus interesses mesquinhos.

por Washington Araújo - Carta Maior
   
O cinismo e a desfaçatez é a pior face do corporativismo médico.

Com a aceleração da execução do programa do governo federal Mais Médicos, os porta-vozes do atraso e da irresponsabilidade, geralmente presidentes de conselhos e associações médicas, encontram imenso espaço na mídia tradicional para revelar seus interesses mesquinhos: manter a população carente sem médicos para assim manter seu poder de barganha junto ao Ministério da Saúde, às Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde.

A agenda – antes oculta – revela-se agora escancarada. A vinda de médicos estrangeiros para o Brasil coloca em risco de morte qualquer possibilidade de êxito na longa queda-de-braço entre governos e classe médica. O governo, seja de qual cor partidária for, sabe que precisa disponibilizar médicos pelo Brasil profundo. As corporações médicas sabe que somente acuando o governo poderá efetivamente aumentar seus salários, diminuir a carga horária semanal dos médicos, criar a ambicionada carreira de Estado para profissionais da saúde, hipervalorizar o pagamento de horas extras, superdimensionar o preço dos plantões.. E a lista... é infindável.

Lamentavelmente, alguns países europeus como a França e a Alemanha, mostram sempre que pode, sua carranca xenofóbica. O Brasil não precisa se alinhar a eles, ainda mais em se tratando da vinda de médicos, sejam de Cuba, sejam de Marte. Será necessário repisar argumentos óbvios? Não nos esqueçamos jamais de que o Brasil, desde o início, foi e é um país de imigrantes. Porque brasileiros legítimos mesmo, apenas os nossos indígenas o são, já que quando os portugueses por aqui aportaram há cerca de 500 atrás, já os encontraram aqui nesta Pindorama até então desconhecida do restante do mundo.

O que se busca com tanto esperneio amplificado generosamente por meios de comunicação que também priorizam suas agendas partidárias é nada mais que manter a reserva de mercado para a prestação de assistência médica à população.

A propósito, não seria uma boa iniciativa que o Conselho Federal de Medicina, tão ousado em boicotar o programa Mais Médicos, providenciasse missões de médicos brasileiros para áreas muito necessitadas desses profissionais, países como a Tanzânia, Zanzibar, Síria, Faixa de Gaza, Gabão, Somália? Por que ninguém critica programas mantidos por organismos como as Nações Unidas,Médicos Sem Fronteiras, Cruz Vermelha e Crescente Verde? Todos esses programas, alguns reconhecidos com o Nobel da Paz, enviam médicos para regiões de conflitos, áreas de risco ou apenas de grande pobreza e nunca colocam como prerequisito que em tais locais existam hospitais bem equipados, postos de saúde com linhas telefônicas funcionando, sistema de água corrente.

Mas no caso do Brasil, o CFM em sua insana luta para manter o status quo de pessoas morrendo por falta de assistência médica básica, passa a brandir argumentos risíveis – “não adianta ter médicos sem hospitais”, “não adianta médicos sem centros cirúrgicos” – como se deixando a população à própria sorte fosse muito mais sábio e razoável que colocar à sua disposição médicos vindos de outros países. A verdade é que boa parte dos médicos brasileiros não cogitam, nem de longe, residir em um rincão afastado dos grandes centros urbanos, sem as comodidades do acesso a bons supermercados, bons cinemas e teatros, sem acesso a bons clubes e shoppings. É tanto que em uma primeira fase o Mais Médicos deu preferência a médicos brasileiros. E qual foi o resultado? Ao menos 701 municípios de praticamente todos os Estados do país não receberam uma mísera inscrição. Isso significa que 701 municípios continuarão sem contar com um médico sequer para atender à saúde de sua população.

Isso é justo?

No caso dos 4.000 médicos cubanos prontos para virem ao Brasil pelo programa Mais Médicos 84% deles contam com mais de 16 anos de experiência médica, e a maioria detêm experiência no exercício da medicina em países diversos dos seus. Então, qual o problema?

O problema é o cinismo e a desfaçatez levados a extremo. Querem partidarizar o atendimento público de saúde. E para isso contam, como sói poderia se esperar, com a velha e tradicional mídia – a mídia que torce pelo quanto pior melhor como melhor atalho para virar o jogo político.

Precisamos urgentemente de um organismo nos moldes da organização não-governamental ‘Médico Sem Fronteiras’ atuando dentro do Brasil. Sem fronteiras ideológicas, sem fronteiras corporativistas, sem fronteiras elitistas. Existem médicos abnegados. E muitos. Nem precisam ir para a Somália ou o Haiti. Bastam ir para o interior da Amazônia, da Bahia, do Rio Grande do Sul. A dor humana não tem nacionalidade. Nem a enfermidade.

Aos médicos que criticam a vinda dos cubanos, um conselho:

"Ao invés de boicotarem qualquer iniciativa para a vinda de médicos estrangeiros, porque não pensam em assumir posto de saúde em Tefé ou em Santo Antonio do Salto da Onça?"

Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com


terça-feira, 21 de agosto de 2012

A imprensa seletiva

02/08/2012 - Por Washington Araujo (*), no Observatório da Imprensa

A imprensa brasileira pode ser acusada de tudo, menos de não ser seletiva.

O cardápio de notícias apresentado diariamente à sociedade brasileira também pode ser recriminado por tudo, menos pela repetição do prato principal.

Refiro-me à Ação Penal 470, no linguajar jurídico, e ao mensalão, no linguajar dos jornalões.

A depender da grande imprensa, o dia 2 de agosto de 2012 passa a ter mais importância que o 7 de setembro de 1822 e, por isso, merece ser eternizado em nosso calendário cívico como a verdadeira data da independência do Brasil.

É aqui que começa a seletividade monocórdia, a opção desabrida pelo que merece ser visto como o início de uma nova era para os brasileiros: a imprensa julgou o assunto antes do Supremo Tribunal Federal e espera deste nada menos que a sua validação.

Exarada a sentença nos noticiários das emissoras de rádio do Sistema Globo de Comunicação, proferida repetidas vezes do alto da audiência de que desfruta em todo o país o Jornal Nacional, da Rede Globo de Televisão, impressa em alto relevo em capas, páginas coloridas e colunas de fofocas que pretendem tratar de política da revista Veja, o carro-chefe – um tanto avariado, é verdade – da Editora Abril, em tudo o foco é um só: a Ação Penal 470 só desembocará em julgamento justo se dispensar o arcabouço jurídico a ser brandido pelas diversas teses de defesa, e se desconsiderar os aspectos técnicos mais comezinhos e indispensáveis a uma ação jurídica dessa envergadura.

Dois golpes
Desde os últimos dias de julho parecemos estar vivendo aquela última semana de dezembro de todos os anos: retrospectivas para um só gosto. Explico: a título de informar as pessoas sobre o julgamento do mensalão, são pinçadas não mais que as cenas que demonizem os réus, marquem suas frontes com ferro em brasa a insculpir a palavra “culpado”, imputem-lhes todas as iniquidades não republicanas e expiem o Himalaia de atos condenáveis que tão somente nossa legislação eleitoral poderia conter.

As retrospectivas do Jornal Nacional e da rádio CBN, ambos veículos de grande audiência, pertencem à família Marinho. A mais chamativa retrospectiva dos veículos impressos tem a chancela da Folha de S.Paulo, pertencente à família Frias. E os mais variados “renascimentos” do mensalão têm como sala de obstetrícia as redações da Editora Abril, de propriedade dos Civita. É impressionante como o monopólio dos meios de comunicação do Brasil é capaz de competir na batalha por corações e mentes em condições de paridade com o Poder Judiciário e sua mais elevada instância, o Supremo Tribunal Federal.

Chama a atenção como a parcialidade no noticiário pode ser nociva à própria ideia de democracia. E como o pensamento único pode ser danoso, além de cruel, à realização do ideal de justiça. E a AP-470 deve merecer, em futuro não muito distante, alentadas teses acadêmicas sobre a natureza e amplitude da influência que os meios de comunicação podem ter em um país que se diz moderno e, no entanto, se comporta de maneira partidarizada e sempre contundente graças ao elevado estado de concentração e aos efeitos pernósticos de um monopólio cada vez mais insustentável.

Enquanto isso, agentes do Direito, em especial do Ministério Público, sentem-se insuflados pelos meios de comunicação a subverter o real significado de eventos históricos de nossa tumultuada vida política. Para ilustrar à perfeição, encontramos ampla repercussão na imprensa dessa injuriosa frase à história do Brasil, proferida pelo procurador-geral da República Roberto Gurgel: “O mensalão é o maior escândalo da história do Brasil”. Será mesmo? Ou por trás de tão absurda declaração não existe a vaidade escancarada de se sentir partícipe de evento de tão grande magnitude?

Ainda bem que o ilustre procurador não é autor de livros didáticos de história usados por estudantes do ensino fundamental; do contrário, milhões de crianças e jovens aprenderiam que o processo em vias de julgamento no STF eclipsou em importância nada menos que o escândalo de 1954, urdido por Carlos Lacerda (provavelmente o melhor aprendiz de Nicolau Maquiavel da política brasileira recente) para derrubar Getúlio Vargas e que, ao final, custou-lhe a vida, a eternização da expressão “mar de lama” e a beleza poética da carta-testamento do presidente suicida, certamente um dos mais importantes documentos políticos da história do Brasil.

Considerar o mensalão “o maior escândalo da história” é transformar os dois golpes de Estado ocorridos em 1955, ainda na esteira do suicídio de Vargas, em não mais que tempestades em copo d’água.

Dever divino
Poderia aproveitar o gancho e discorrer por alguns outros episódios que facilmente seriam impostos pelos fatos para ganhar a medalha de ouro, o lugar máximo do pódio de nossas crises e escândalos políticos: a chamada Intentona Comunista dos idos de 1935; o golpe militar que apeou do poder o presidente João Goulart e instaurou uma ditadura cruel (nada de “ditabranda”, como preferem alguns) que ceifou 20 anos da vida brasileira, exilou intelectuais, podou a criação artística, instaurou julgamentos sumaríssimos nos famigerados DOI-CODIs; e as imagens ainda vívidas da esteira de escândalos que envolveram personagens carimbados de nossa história recentíssima, como Fernando Collor de Mello, Pedro Collor, PC Farias, os Jardins da Babilônia recriados na Casa da Dinda, o Fiat Elba amarelo, a Operação Uruguay – todos episódios que culminaram com o primeiro impeachment de um presidente do Brasil, legitimamente eleito e legitimamente destituído do cargo.

Quer dizer, então, que nenhum desses eventos nefastos e seus terríveis desdobramentos não passaram de meros exercícios mentais, meros esboços de escândalos e crises políticas ante a AP-470? Sim, mas na abalizada visão jurídica do procurador-geral da República Roberto Gurgel tudo isso foi, vamos dizer, fichinha. A tese do senhor procurador-geral é por demais impertinente e falseia a história como um todo – porque o que falseia a parte, falseia o todo.

Nada contra o procurador-geral se equivocar. Nada mais natural, nada mais humano. Mas não deixa de ser curioso observar que esse seu equívoco de julgamento é realmente fichinha se comparado aos longos três anos que Sua Excelência consumiu para se posicionar ante os robustos resultados apresentados pelas operações da Polícia Federal de nomes Vegas e Monte Carlo, e que culminaram na prisão do meliante-mor Carlinhos Cachoeira, na cassação do mandato do senador Demóstenes Torres, e que deve levar ao fio da navalha o mandato do governador goiano Marconi Perillo, além de manchar reputações de personagens de menor projeção política.

O problema é a forma entusiástica com que a grande imprensa encampou a declaração do procurador-geral: repercutiu em primeiras páginas, foi à escalada dos telejornais noturnos, recebeu o destaque que as frases grandiloquentes costumam ganhar por parte dos ditos colunistas de política.

Mas não ficou por aí.

Com essa frase sobre “o maior escândalo da história” se turbinou na mídia uma nova fase do game “Detonando o mensalão”: retrospectivas, operações Lázaro (aquela que ressuscita mortos-vivos políticos) e se colocou, do cabo à lâmina, a faca nos pescoços de nossos supremos julgadores, os integrantes do STF.

O poeta e filósofo romano Quinto Horácio Flaco (65 a.C.-8 d.C.) foi contundente quando afirmou: “Ousa saber! Começa!” (Sapere aude!)

E ousar saber e começar nada mais é que o irrecusável convite a que saiamos da estagnação mental e partamos para o conhecimento das leis, deixando ao largo todas as pressões – desde aquelas que gritam mais que mil comícios do III Reich nazista até as que, ao amparo da liberdade de imprensa, exercem seu divino dever de usar a liberdade de pressão para fazer valer suas teses, ideologias e mesmo anseios tardios por vingança, aquele velho prato que na literatura anglo-saxã sempre deveria ser servido frio.

(*) Jornalista e escritor; mantém o blog http://www.cidadaodomundo.org

Fonte:
http://tudosobreomensalao.com.br/?p=503