
É possível que nesse instante o tenente tenha ouvido algo mais, aquilo que só daqui a alguns anos a próxima geração contará de verdade sobre suas mães que nessa Marcha, numa espécie de desobediência coletiva, inauguraram um tempo de passeatas que depois se alastrou pelo país porque naquele dia não apenas entregaram flores, mas foram capazes de perceber com acerto "por quem os sinos dobravam", coisa que os magistrados que vêem a sociedade de longe e pela vidraça do andar de cima e por isso a proibiram, foram incapazes de o fazer.
Pois bem, era por eles mesmos que os sinos dobravam. A rigor, não exatamente, mas por tudo que representavam, uma sociedade autoritária, traumatizada pelas ditaduras do século XX que tanto fez para sufocar as utopias, equivocada por essa idéia de progresso que ao misturar alta tecnologia e postura consumista imagina estar dando respostas adequadas à uma sociedade que acabou parida por um arremedo de capitalismo ao qual se convencionou chamar de neoliberalismo e no qual todos estamos mergulhados até o pescoço.
Pois bem, era por eles mesmos que os sinos dobravam. A rigor, não exatamente, mas por tudo que representavam, uma sociedade autoritária, traumatizada pelas ditaduras do século XX que tanto fez para sufocar as utopias, equivocada por essa idéia de progresso que ao misturar alta tecnologia e postura consumista imagina estar dando respostas adequadas à uma sociedade que acabou parida por um arremedo de capitalismo ao qual se convencionou chamar de neoliberalismo e no qual todos estamos mergulhados até o pescoço.

Quem nos garante que a juventude européia, latino ou norte-americana está a salvo de angústias semelhantes? Quem é capaz de jurar que um universo de frustrações existenciais, decepções políticas de variados tons, um não sei o quê de uma auto-estima que em algum momento se escafedeu, de uma não percepção de que o mundo se constrói aos poucos, mas que suas urgências não lhes permite ver nem sentir, tudo isso enfim não seja capaz de fornecer a munição suficiente para que uma passeata pela legalização da maconha se torne o combustível suficiente para que a insurgência assuma suas verdadeiras cores, a de um clamor popular que se recusa, por exemplo, a aceitar uma "governabilidade a qualquer preço", desde a presença de um Sarney até o salário da professora Amanda Gurgel, passando por essa vergonhosa taxa Selic que, de antemão, já assinala para esta geração impaciente que em muito pouco deve apostar quando lhe falarem de um futuro promissor, digno e comparável a de outros países? (ainda que possa parecer melhor, qudo nos comparamos com nós mesmos).

Fazê-lo entender que, neste momento em que o mundo parece querer entrar em ebulição e o nosso país não está a salvo, mais decisivo do que as intrigas do palácio é o gesto de chegar perto, bem perto. De dar as mãos aos indígenas e ribeirinhos para, contornados os impasses e junto com eles, às margens do Xingu, assistir a primeira carga de dinamite dar início a construção de Belo Monte e testemunhar o otimismo aflorando nos semblantes em volta. Fazê-lo perceber que nossos jovens têm pressas e sonhos e parecem querer passar o rodo na UNE e a na UBES, quietas até demais, como se estivessem cochilando ou por terem se tornado obsoletas antes do tempo, naqueles entraves jurássicos ou jurídicos que lhes obstrua o caminho das suas utopias, das suas realizações, sejam elas de natureza ética, política, profissional, moral ou existencial e em tudo o mais que lhes lembre o quanto é repugnante, por exemplo, um Pimenta Neves e os poucos meses que passará na cadeia ou os motivos que levaram à morte o casal sindicalista Zé Cláudio e Ma. do Espírito Santo, assassinado no Pará, cujos autores e mandantes, certamente ficarão impunes.
Em meio a sentimentos de tolerância, de solidariedade, de liberdade, de fraternidade, outros temas afins a tudo que entendemos como respeito aos inúmeros dos nossos valores emergem. E aí entra em cena a ânsia de expurgar a mentira e a hipocrisia presente, por exemplo, na grande mídia nativa, mais especificamente a oriunda da grande família GAFE (Globo, Abril, Folha e Estadão), de bradar pelos direitos das mulheres, pelo combate à pobreza, à desigualdade social, ao racismo, xenofobia e homofobia, pelo realce da nossa auto-estima, por um futuro próximo (não o daqui a 15 ou 20 anos) livre de um capitalismo predatório e egoísta, como se fôssemos - e os jovens em especial -, herdeiros delirantes daquela geração de hippies que valorizava a integridade, a honestidade e a verdade como princípios imutáveis de vida já que nesses aspectos, em muito se parecem, com o que sentiram os dos países árabes e agora sentem os da Espanha e, se estou certo, até mesmo o que distingue esses de São Paulo.

Estou certo que, daquela egoísta indiferença que Bertold Brecht, Maiakovski e Niemöller lamentaram em seus poemas esta geração já acena por querer se livrar, convidando Dilma a se juntar a ela, combinando tudo direitinho pela internet e depois não arredar mais o pé das ruas.
*Antonio Fernando Araujo é colaborador deste Blog.
Este artigo foi publicado também no site Rede Democrática.