Carta ao Senhor Benjamin Steinbruch
Ernesto Germano Parés*
Em artigo publicado no jornal “Folha de São Paulo” do dia 14 de agosto, sob o título “Leiloar ou prorrogar”, o senhor Benjamin Steinbruch se esforça para defender a posição da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) na questão da renovação das concessões de energia elétrica no país.
Ao longo de todo o seu artigo, ele transforma a questão da redução das tarifas de energia como central do debate e procura escamotear todo o resto que cerca um tema tão importante quanto a política energética de um país.
Logo no início do seu artigo, o senhor Steinbruch diz que fazer novas licitações representaria um “importante ganho de competitividade à economia”. Ao ler o texto, imediatamente, me vieram à memória os discursos idênticos feitos à época das privatizações da siderurgia brasileira. Os empresários diziam que o Estado emperrava a competitividade e, por isto, a siderurgia deveria ser privatizada. Ainda mais, gritavam contra o que chamavam de “monopólio estatal” da siderurgia e diziam que as privatizações iriam abrir o mercado e acabar com o “monopólio”.
Vinte anos depois, o que vemos é que a siderurgia se transformou em um “negócio entre amigos”, com os preços do aço sendo ditados pelos poucos grandes, e com o Brasil perdendo o mercado internacional.
A situação é tão crítica que a Companhia Siderúrgica Nacional, CSN, abiscoitada pelo senhor Steinbruch em um processo de privatização cheio de dubiedades, apresentou números negativos neste início de ano.
O senhor Steinbruch, presidente da CSN e que falava contra o monopólio estatal do aço, passou longo tempo lutando para assumir também o controle da Usiminas. O resultado de sua prática é que a CSN apresentou, no segundo semestre deste ano, um prejuízo de 1 bilhão de reais!
Que façanha esta do senhor Steinbruch! Durante toda a sua história como empresa estatal a CSN jamais deu prejuízo operacional!
Mas, vamos seguir em nossa resposta. Vamos falar no setor elétrico que está sendo agora cobiçado pelo senhor Steinbruch e seus pares.
Lembram da privatização da Light, no Rio de Janeiro?
O senhor Steinbruch também participou daquela privatização cheia de falcatruas e onde a Constituição brasileira foi vergonhosamente rasgada. A privatização da Light, em 1996, só aconteceu porque o próprio governo foi forçado a comprar uma parte das ações e, assim, legalizar a venda!
Pois bem. A Light foi privatizada e, dois anos depois o Rio de Janeiro estava mergulhado em apagões que transformaram o verão carioca em um inferno! Os serviços de distribuição de energia não melhoraram, a tal competitividade tão anunciada não aconteceu e os consumidores do Rio se viram entregues à sanha de lucro. Em 10 anos de privatização as tarifas de energia no estado subiram quase cinco vezes mais do que a inflação acumulada no período!
Isto para não lembrarmos as explosões de bueiros que atemorizam os cariocas até hoje!
Mas o senhor Steinbruch defende novas licitações dizendo que seria para aumentar a competitividade e reduzir as tarifas. Foi isto que aconteceu com a telefonia?
Vejam a atual situação da telefonia móvel no país. As operadoras abusam de tarifas e serviços, mas a qualidade está pior a cada dia. Os usuários dos serviços, agora, ficam felizes quando conseguem uma linha ou quando sua chamada não cai durante a ligação.
Fico imaginando, diante de todo esse quadro, o que aconteceria com o setor de energia brasileiro se, como deseja o senhor Steinbruch, houver novas licitações e tudo for parar nas mãos do setor privado.
A Eletrobras acaba de apresentar lucro líquido consolidado de 1,35 trilhão de reais, com crescimento de 312%. O que isto representaria nas mãos dos empresários?
A questão da energia é bem simples de ser entendida. Devido aos altíssimos investimentos necessários para projetar, construir, instalar e operar esses serviços (geração, transmissão e distribuição), não houve grande interesse inicial do setor privado, deixando ao Estado a tarefa de criar empresas estatais e investir para que a energia produzida pudesse mover o restante da economia nacional. Segundo cálculos, os 15 ou 20 primeiros anos da concessão servem apenas para amortizar o valor total de investimentos e a energia só passa a dar lucro muito tempo depois.
E é exatamente este momento que estamos vivendo. O problema da renovação das concessões envolve 20% das usinas de energia existentes (cerca de 20,2GW), 84% das linhas de transmissão já instaladas e 35% da energia comercializada no país (37 empresas distribuidoras). Grande parte desses negócios está em mãos do grupo estatal Eletrobras e os investimentos já foram amortizados.
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) prevê redução em torno de 25% para as tarifas de hidrelétricas, cujas concessões estão terminando em 2015. Além disso, os reajustes anuais pelo IPCA podem ser substituídos por revisões tarifárias a cada quatro ou cinco anos, em um esforço para desindexar a economia brasileira.
Por que seria possível essa redução de tarifas?
É preciso considerar que todos os investimentos feitos pelas empresas geradoras de energia, as usinas hidrelétricas, já foram completamente pagos na concessão anterior. Ou seja, os gastos já foram amortizados e agora a produção de energia é um setor lucrativo. Estando nas mãos do Estado tem um papel social, passando para as mãos dos empresários privados passará a ser uma fonte de lucro e, consequentemente, significará mais tarifas sobre o consumidor final.
O Brasil precisa desta energia, precisa crescer, mas não será com a entrega do setor aos empresários privados que isto irá acontecer.
Já imaginaram se o setor elétrico nacional começar a apresentar os mesmos problemas da telefonia? Com a Light tivemos bueiros explodindo. Se privatizar a geração o que poderá acontecer com nossas usinas?
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*Ernesto Germano Parés- Jornalista, escritor, consultor sindical e assessor político