quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012 - Episódio da Casa da Moeda mostra que o loteamento de cargos reflete um sistema de governo degenerado
Pedro Porfírio em seu blog
“Eu aceitei a indicação. Eu não conhecia esta pessoa, nunca tinha visto antes.” (Ministro Guido Mantega sobre o presidente da Casa da Moeda, demitido por pressão dos próprios padrinhos.)
É duro ter que admitir que no regime militar havia mais escrúpulo na escolha de gestores públicos do que nesta democracia em que o recato é carta fora do baralho. É duro, deprimente e desanimador.
Essa comparação me atormentou o cérebro nesse episódio da demissão do presidente da Casa da Moeda, Luiz Felipe Denucci Martins, um espertinho que fez seu pé de meia em paraísos fiscais só com as propinas dos fornecedores, segundo reportagens documentadas do conhecimento público.
E que só teria caído em desgraça porque seus padrinhos do PTB estavam inconformados com seu estilo de meter a mão e não servir-lhes o quinhão correspondente. Se ele tivesse sido menos ganancioso e reconhecesse que toda indicação política tem sua contrapartida (muitas vezes pecuniária), provavelmente permaneceria lépido e fagueiro, literalmente com a mão na massa – a fabricação de nossa moeda, na casa onde, felizmente, existe um pessoal técnico altamente crítico e consciencioso.
Dizem que, de fato, esse senhor saiu do bolso do colete do próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega. E ele havia sugerido ao líder do PTB, deputado Jovair Arantes, que o chancelasse, condição sem a qual seria difícil consumar o ato de nomeação.
O deputado, que não é diferente dos apadrinhadores nos governos loteados, não iria pôr seu jamegão no papelucho a troco de um caloroso muito obrigado. O muito obrigado que acontece nessas tratativas tem o endosso da moeda sonante, mormente em se tratando logo do manuseio a vivo e a cores do próprio papel moeda.
Foi um ex-deputado de esquerda, militar cassado, quem fez a comparação. Naqueles tempos em que nos habituamos a só lembrar as mazelas, as estatais eram menos susceptíveis ao assalto de prepostos de terceiros, embora, provavelmente, sofressem outro tipo de pressão e servissem de forma mais discreta para acomodar interesses de alguns bolsões influentes.
Nos regimes ditos democráticos, esperaríamos mais transparência e mais critérios no trato da máquina pública.
Os governos coligados são composições que presumem a divisão de responsabilidade entre os partidos aliados. Mas uma coisa é dividir responsabilidade, outra coisa, bem oposta, é consolidar irresponsabilidades, através da entrega de nichos do poder a quem não tem nada a ver com o peixe.
A sustentabilidade de um governo que depende de composições no Legislativo não podia chegar ao fundo do poço em maus hábitos descaradamente eivados de má fé. Maus hábitos que se cristalizaram na filosofia “é dando que se recebe” popularizada por um deputado de direita, Roberto Cardoso Alves, que, embora tenha se notabilizado na tropa de choque do regime militar, acabou indo ser ministro da Indústria no últimos dois anos do governo Sarney, aquele que sempre esteve por cima da carne seca - seja como presidente da ARENA pró-ditadura, seja como conselheiros dos governos pós-ditadura, nos quais manteve a capitania hereditária do Maranhão, indo ganhar o mandato de senador pelo Amapá, estado que nunca vira mais gordo antes de fraudar seu domicílio eleitoral.
É claro que nem só os políticos praticam o esporte das indicações de cartas marcadas. É público e notório que o Ministério das Comunicações sempre foi feudo do todo poderoso Roberto Marinho e seus herdeiros. Tanto que ao nomear Miro Teixeira para lá, em seu primeiro governo, o Sr. Luiz Inácio surpreendeu o próprio Brizola, chefe do partido que entraria no governo por essa janela.
As alianças partidárias, como já disse, presumem parcerias no governo, mas em função de um programa comum de gestão e metas. E não um loteamento de “porteiras fechadas”.
Essa parceeria só seria correta se limitada aos cargos eminentemente políticos, nunca a diretoria de estatais ou a fundações e órgãos em áreas típicas de especialistas e funcionários de carreira, como nas estatais, na educação, saúde e segurança pública.
Mais uma vez vejo-me na obrigação de reconhecer melhores hábitos entre os militares, inclusive nos dias de hoje. Se o Ministério da Defesa é entregue a um civil por opção política, suponho que os cargos nas Forças Armadas, inclusive em seus comandos respeitem critérios de mérito – no mínimo considere carreiras e hierarquias.
A partidarização sem limites da administração pública está na raiz da desmoralização do Estado e na disseminação dos discursos privatizantes. Falo com conhecimento de causa, pois já ocupei cargos no primeiro escalão da Prefeitura do Rio de Janeiro.
E lembro que tive de demitir um “líder comunitário” logo no início da minha segunda passagem pela Secretaria de Desenvolvimento Social porque ele se achava acima do bem e do mal, em função de sua relação pessoal com o prefeito. E olha que, a bem da verdade, tive toda a liberdade de formar a equipe, aproveitando pessoas capazes de filiações diferentes e sem filiação nenhuma.
Além desse caso da Casa da Moeda, que é por si um péssimo indício de escolhas destituídas de compromissos institucionais com o Estado, há uma corrida de apadrinhados para alguns cargos na Petrobrás, a maior empresa brasileira, com um orçamento igual ao do Estado de São Paulo, o mais rico da federação, que está trocando de presidente. Até uma diretoria nova foi criada para acomodar um antigo dirigente do PT que, por sinal, já foi presidente da estatal.
Ao ver essa corrida, lembro-me do pleito do deputado Severino Cavalcanti, aquele que perdeu a presidência da Câmara por ter recebido propina do dono do restaurante terceirizado. À época, com o comando dos deputados como trunfo, indicou o apadrinhado Djalma Rodrigues para a “diretoria que fura poços”.
Essa é a mais gorda fatia da estatal: sozinha, soma dois terços do seu orçamento, tem 16 mil empregos diretos, outros 130 mil indiretos e investim
entos previstos de US$ 5 bilhões ao ano no período de 2005 a 2015. Por sinal, está ganhando novo diretor, com a aposentadoria de Guilherme Estrella.
As experiências desgastantes no seu primeiro ano de governo, em que a mídia deitou e rolou, conseguindo derrubar quem tinha e quem não tinha culpa no cartório, devem ter servido de lição. É hora da presidenta de livrar-se de más companhias.
Assim como propus que repensássemos as cidades com honestidade, carinho e afeto, aproveito o ensejo para fazer a mesma exortação em relação à administração pública. O pior que pode acontecer, como efeito colateral, é sair repetindo a receita desmascarada das privatizações, como no caso dos aeroportos, objeto dos mais cálidos desejos de grupos econômicos interessados em negócios sem concorrência, sobre os quais recorram a todos os expedientes para engordar suas carteiras. Mas essa é outra história sobre a qual falarei ainda.