12/01/2014 - Elaine Tavares em seu blogue Palavras Insurgentes
Ao se completarem dez meses da morte de Hugo Chávez, o panorama que se vislumbra na América Latina é desanimador.

O Equador se rende as mineradoras e aos ditames do Banco Mundial.
O Brasil, que nunca chegou a trilhar os caminhos do socialismo, cada vez mais mergulha no pragmatismo do negócio.
Países da América Central que estavam inclinados a uma parceria com a Venezuela também se desviam.

O Uruguai, que tem sido a estrela da vez, avança em reformas que muito pouco mudam a estrutura do sistema de governo.
Ao que parece, a era das transformações está encerrada e o caminho para o socialismo, que era uma promessa do líder venezuelano, está, por hora, interrompido.

Na América Latina apenas Cuba seguia resistindo, e o presidente venezuelano entrou no cenário com um discurso duro contra o imperialismo e o capital.
No princípio foi tratado como um anacronismo, uma falha na matrix que logo seria extirpada. Mas, no tecido social completamente roto da Venezuela a proposta de Chávez cresceu, tomou corpo e se encarnou na maioria da população desde sempre empobrecida.
Ele prometia uma revolução bolivariana, amarrada ao ideário do famoso conterrâneo que liderou as grandes guerras de independência da parte norte e leste da América Latina: Bolívar.
E o que é o bolivarianismo?
Um sistema de governo que tem como plataforma a educação gratuita para todos, soberania, fim do colonialismo político, econômico e cultural, unidade dos países latino-americanos, fim da dependência.
E foi esse sendero que o governo de Chávez foi abrindo por entre as veias da América Latina.
Seu discurso forte, seu carisma e, fundamentalmente suas ações, guinaram a Venezuela à esquerda e, com ela, começaram a girar também outros países.
O Equador, depois de fortes rebeliões indígenas, foi buscando um caminho soberano.
A Bolívia, igualmente derrubou presidentes, ardeu em rebelião e apontou novos horizontes, inauditos.
Veio uma nova Constituição na Venezuela, participativa, desde baixo. Outro duro golpe no pensamento neoliberal, no modelo ocidental, burguês.
Institucionaliza-se o poder popular, coisa inédita nestes confins.
Anunciam-se revoluções bolivarianas, cidadãs, culturais.

Chávez voltou fortalecido, passou por novas eleições, sempre vencendo. Dia a dia ele falava com seu povo, lia livros, editava outros tantos, orientava estudos.
Não era um bravateiro sem estofo. Sabia o que dizia e o que estava fazendo. Não era ainda o socialismo. No máximo, um capitalismo de estado, mas prometia avançar para além. E caminhava.
Na esteira das mudanças venezuelanas a Bolívia também mudou.

O Equador seguiu o mesmo diapasão.
Nova Constituição, outorgou direitos à natureza, estado pluricultural.

A América Latina entrou no novo milênio ardendo em novidade e transformação.
Quando alguém fraquejava, lá vinha o Chávez com sua voz de trovão, puxando o timão mais à esquerda.

E, assim, esses três países em especial (Venezuela, Bolívia e Equador) começaram a realizar algumas mudanças que finalmente mexiam nas estruturas.
Outros, como o Brasil, a Argentina, a Nicarágua, Honduras, Paraguai, Uruguai, principiaram a realizar reformas e a amparar pelo menos alguns pontos do bolivarianismo, como a ideia de soberania e união latino-americana.
Quando, no mês de março de 2013, o câncer venceu o comandante, as coisas já não andavam bem.

Apesar de todos os esforços empreendidos, o rentismo petroleiro ainda era o carro chefe da economia do país. A produção - de comida e de outros produtos de uso corrente - não deslanchou.
Continuava mais vantajoso ao empresariado nacional seguir com a importação, especulando com o dólar, criando um perigoso mercado paralelo para a moeda estadunidense.

Projetos grandiosos com construtoras estrangeiras (brasileiras) e o crescente conflito com as comunidades indígenas.
No Equador, Rafael Correa [foto abaixo] foi mordido pela mosca azul e abraçou-se às mineradoras e as grandes empresas do petróleo.

O modelo é o mesmo do Brasil. Reforma sem vestígios de revolução.
A morte de Chávez de certa forma liberou os aliados para uma virada de timão, mais ao estilo do Brasil.
Aquilo que Lula não conseguiu, já que era frequentemente ofuscado por Chávez, Dilma logrou. Não tanto pela ação dela, mas porque agora os mandatários vizinhos estavam mais livres para fugir da rota socialista.
Daí que se configura inegável o papel de liderança que o presidente venezuelano exercia em todo o continente.
Tanto que as proposta de uma aliança com o Caribe e a construção da Unasur foram constituídas a partir de suas investidas.
A união das repúblicas latino-americanas era um sul determinado por ele e, num período de crise na região europeia assim como nos Estados Unidos, foi e continua sendo uma alternativa muito conveniente para os países da América Latina.
Mas, apesar de essas propostas seguirem vivas e atuantes, é fato que perderam força política.

A última reunião da Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América (Alba) foi um bom exemplo. Realizada em Caracas no último dia 17 de dezembro, não mereceu sequer uma nota nos jornais.
Falta a grandiloquência de um projeto totalizante de combate ao capitalismo.
O professor Nildo Ouriques, do Instituto de Estudos Latino-Americanos, analisa a Venezuela hoje, sob o comando de Nicolás Maduro [foto abaixo], e não tem dúvidas de que o processo revolucionário, por agora, se esgotou.

Maduro não tem a força de Chávez para mudar o rumo dos acontecimentos e talvez nem mesmo Chávez pudesse fazê-lo.
Pode até ser que o bolivarianismo siga no poder por algum tempo – e é bom que siga - mas não haverá mais mudanças radicais e o povo ficará cada vez mais fora do poder de decisão”.

O empresariado local não tem interesse na produção, está lucrando de forma astronômica com o dólar.
E, sem produção, o país segue dependente.
É um círculo vicioso e sem saída.
A menos que houvesse uma virada de curso. Mas isso não se vislumbra.
Nos demais países, a falta de um discurso forte acerca do caminho para o socialismo ou qualquer outra forma diferente de organizar a vida, coloca todo mundo - em maior ou menor grau - na posição de "humanizar" o capitalismo.
No Brasil, algumas políticas públicas asseguram renda aos mais pobres, o programa Mais Médicos surge como um importante paliativo de saúde para os fundões do país.

Vive-se uma investida anti-indígena só comparada a caminhada para o norte no início do século XX.

Na Bolívia, na última quarta-feira (18.12), chegou-se ao extremo de reprimir, com gás e força policial, uma manifestação de crianças, que marchavam por um código do menor.

Na verdade, toda a proposta de soberania e anti-colonialismo contida no bolivarianismo parece se esvair.
Os mandatários ditos “progressistas” não conseguem sair da roda da dependência. Preferem o acordo com o capital especulativo e com as mega empresas transnacionais, para tentar algum respiro do que chamam “desenvolvimento”.
Aplicam políticas compensatórias que até são importantes, a considerar a extrema pobreza que vivem as maiorias, mas que não parecem capazes de romper com o ciclo de uma quase perpétua subserviência.

Para os protagonistas de lutas importantes contra o capital, como é o caso dos bolivianos que viveram as guerras da água e do gás, esses governos, mascarados de esquerda, acabam prestando um desserviço à luta anticapitalista.
"Eles domesticam o movimento social, seguram os movimentos de luta, cooptam lideranças, disseminam uma mensagem falsa sobre as possibilidades de melhorias dentro do sistema.
Assim, retrocedemos décadas. É uma tragédia", afirma Oscar Olivera, uma das mais importantes lideranças da Guerra da Água, em Cochabamba.

Mas, ainda assim, a falta de uma alternativa também abre caminho para a construção de outro ciclo, talvez um pachakuti (o mundo de patas para cima, uma viração), como dizem os povos andinos.
Algum novo giro, uma nova tendência, uma surpresa, como foi Chávez e seu sonho bolivariano. No final dos anos 90 essa novidade veio de onde ninguém esperava.
Agora, enquanto o mundo mergulha no frisson das novas tecnologias, da inserção internética, no reino das sensações, talvez, em algum lugar não sabido, completamente inaudito, esteja brotando o que virá. As lutas não acabam, seguem seu caminho.
Os movimentos continuam protagonizando resistência e, afinal, os povos sempre aprendem quando vivenciam experiências alvissareiras, como as que afloraram na última década.
Algo novo há de aparecer.
Assim, seguimos!...
Fonte:
http://eteia.blogspot.com.br/2014/01/america-latina-fim-de-um-ciclo.html
Leituras afins:
- O fim de uma era - Fernando Brito- Uma nova geração que resgata Marx - Michelle Goldberg
- Burguesias nacionais? Não existem mais - Rodrigo Mendes
Nota:
A inserção das imagens, quase todas capturadas do Google Images, são de nossa responsabilidade, pois inexistem no texto original.