Rumba Gabriel*
Era o ano de 1982, trabalhava no Jornal do Brasil quando achei que já estava na hora de casar.
Lenita Holtz uma companheira do JB, artista plástica do setor de publicidade, foi solidária ao oferecer-me a preço de custo, uma casa para morar. Local – Santa Teresa, ela sabia que eu era poeta, compositor e amigo de Drumond de Andrade. Feliz proclamou: - Você vai completar nosso time. Não pensei duas vezes e subi a ladeira de Bonde. Já estava acostumado com os sobe e desce do Jacarezinho.
Lenita Holtz uma companheira do JB, artista plástica do setor de publicidade, foi solidária ao oferecer-me a preço de custo, uma casa para morar. Local – Santa Teresa, ela sabia que eu era poeta, compositor e amigo de Drumond de Andrade. Feliz proclamou: - Você vai completar nosso time. Não pensei duas vezes e subi a ladeira de Bonde. Já estava acostumado com os sobe e desce do Jacarezinho.
Santa Teresa é uma espécie de capital cultural da cidade do Rio de Janeiro, naquela terra plantando arte, tudo dá. Só para se ter uma ideia, são cinco Museus. Peguei minha esposa e levei toda minha jeringonça para lá.
No doce Bondinho, jamais sentava em seus bancos. Não havia graça. Bom mesmo era navegar em seus estribos. Mas gostoso ainda era atravessar os Arcos da Lapa sobre eles. Os turistas pensavam que iríamos cair. Era uma chinfra só... ( onda na gíria da favela).
Saudades do Juarez do Bonde – motorneiro e compositor, fazíamos sambas juntos com Davi do Bonde – cobrador. No carnaval, estávamos todos misturados no Bloco Escorrega Nos Trilhos. Juarez, malandro ao completar o seu tempo de serviço, me confidenciou: - Rumba, vou- me embora, esses bondes estão perigosos – a manutenção é precária. Davi, o cobrador, também se foi e os trilhos de Santa Teresa nunca mais foram os mesmos. A nostalgia chegou e logo parti. Os Bondes não se modernizaram.
Alguns anos depois voltei, a fim de matar a saudade trazendo comigo a minha esposa. Fomos no Arnaldo comer uma carne de sol. O Bonde número 10 passou e o motorneiro ainda era o Nelson. Nos cumprimentamos com acenos, ele no Bonde , eu no Arnaldo. O Bonde passou... Só não passou por uma manutenção séria.
Ao assistir pela televisão a tragédia anunciada, o mesmo Bonde número 10, estraçalhado, não resisti e chorei, o Nelson motorneiro ainda estava conduzindo aquele bonde suicida.
Nem precisei esperar pelos resultados dos peritos burocratas-jagunços, parceiros daqueles que ao encontrar o corpo do menino Juan, disseram que era um corpo de menina. Mas ele havia sido assassinado pela tropa de execução do Estado. O Bonde do Nelson foi literalmente atropelado pela hipocrisia do Estado. No relatório do presidente da Comissão Especial, criada para debater o trânsito no bairro, o vereador Paulo Messina (PV), denunciou a falta de peças de reposição. “ Os mecânicos tiram peças de outros bondes, o que acarretará gradativa degradação dos novos”, disse.
O secretário estadual de transportes, Júlio Lopes, no entanto, afirmou que o bonde estava com a sua manutenção em dia. “ Todas as sapatas dos freios foram trocadas no mês de agosto. O cabeçote do compressor foi substituído no dia 15, e a última manutenção do veículo, concluída no dia 25 de agosto”, garantiu Lopes, que disse ainda não ter ‘responsabilidade direta’ pelo acidente: “Tenho convicção de que a segurança não foi negligenciada”.
Foi desmentido pelo presidente da TTrans, empresa contratada para reformar os 14 bondes. Massino Bianchi afirmou que o veículo não foi reformado.
A nossa revolta se deu quando assistimos o Lopes afirmando em uma coletiva, que o acidente só aconteceu porque houve uma falha do nosso querido Nelson do Bonde. Como morto não fala, vai valer mais uma vez a voz do repressor. A ditadura ainda está viva. Por favor abram os arquivos, aproveitem a Comissão da Verdade em formação, precisamos ressuscitar a honra do Nelson do Bonde. Porque se não o Bonde vai descer e não será carnaval nos trilhos de Santa Teresa!
Rumba Gabriel
Fonte: Rede Democrática