Martha Arruda*
Joab era cão vira-lata, mas seu amor a Cacilda era ilimitado. Onde quer que ela fosse, ia atrás.
Cacylda era terna e acariciava a cabeça do seu cão, que em resposta lambia-lhe as mãos. Todas as tardes, ela preparava um
panelão de comida: ossos, carne de segunda, arroz e um pouco de verdura. Joab comia e labia o focinho. Entre os dois havia
forte empatia.
Em visita ao dentista, Joab ficou abanando o rabo a sua espera. Ao mexer com um dos dentes da paciente tocou em um nervo e
Cacylda gritou. O cão agarrou a mão de Dr. Chiquito e não chegou a morder, porque ela mandou que sossegasse. "Joab, quieto!
Não machuque o doutor!" Ainda com raiva, seu rabo mais parecia um ventilador. Girava...girava...
Ai de que se aproximasse dela e não fosse de seu agrado. Avançava e mordia.
Até um tio que em brincadeira deu-lhe uma palmada, não foi poupado pelo cão que lhe deu uma mordida leve no braço.
Quando Cacylda preparava os bolos para os filhos venderem nas casas cuiabanas, Joab seguia os garotos. Era como um guarda-
costa. Um rapaz abusado avançou no cesto e roubou um bolo. Pobre rapaz! Levou uma mordida na perna e foi encaminhado ao
Pronto Socorro.
Cachorro tem alma! - repetia Cacylda. Quando tinha 12 anos, Cacylda leu uma frase que marcou sua vida. "Se você pega um
cachorro faminto e o torna próspero, ele não morderá você. Esta é a principal diferença entre um cachorro e um homem." É de
autoria de Mark Twain.
Foi o que aconteceu com Joab que, numa Semana Santa andava a esmo pela Rua dos Porcos, sem saber para onde ir. Ela o pegou e
colocou em seu colo, levou para casa, deu-lhe caprichoso banho, secou, deu comida e a partir daquele dia tornaram-se
amigos. Nas horas em que se aborrecia com alguma coisa, Joab lambia as lágrimas que derramava. Nos momentos de alegria,
Joaba repetia aus..aus.aus... Não era um au-au comum, mas parecia uma melodia. Era um cão extraoordinário, fora do comum
Outro pensador de nome Josh Billibg destacou: "Um cão é a única coisa na terra que o ama mais do que ama a sí mesmo."
Era verdade, porque Joab vigiava as horas vividas por Cacylda.
Mãe de muitos filhos, Cacylda ainda arrumava tempo para dar banho, dar de comer e acariciar os pelos do seu cão.
Como tudo tem um porém, um dia Cacylda deu a luz e não superou a hemorragia. Fechou os olhos para sempre!
Na hora do enterro, além do viúvo, o mais triste era Joab, que chorave feito um menino. Uivava até os confins!
Após o enterro, todos voltaram para casa, mas Joab ficou deitado sobre a sepultura. Dia seguinte, umm dos filhos veio
buscar o cão, mas quem disse que ele foi. Que nada! Olavo trouxe comida, mas recusou. Deu-lhe água fresca, e não bebeu. Dentro
de uma semana, Oder, filho de Cacylda, foi ao cemitério e encontrou Joab morto.
Gente, porque não baixar a cabeça e reconhecer que não somos os únicos filhos de Deus? Deus criou o animais e, certamente
possuem alma. Temos que ter a humildade de reconhecer que os cães podem ser mais humanos que muitos de nós. Vamos lutar por um
animal abandonado. Há bandidos em todos os lados, porque presenciei o fato de uma família ir viajar e abandonar seu cão à
própria sorte. Ficou à deriva, até que uma Santa Alma cuidou dele.
Ezequiel Siqueira foi um sábio cuiabano que enlouqueceu de tanto estudar, mas vivia entre seus muitos cães. Era a sua
felicidade! No dia em que Ezequiel fechou os olhos, o uivar de seus cães chamou atenção do bairro e muitos vieram fechar-
lhe os olhos, vesti-lo e fazer seu funeral. Os cinco cães permaneceram junto dele no cemitério. Uma cristã diariamente
levava-lhes comida e água. Viveram mais alguns anos, mas jamais abandonaram a última morada de Ezequiel.
Precisamos abaixar muito a nossa “crista” e reconhecer que não somos os únicos a fazer parte da criação divina. Devemos
ter a hombridade de lutar pelo não sofrimento dos animais, pois ainda virá o dia em que, boquiabertos, assistiremos novas
realidades comprovando a existência da Alma Animal.
Vinícius de Moraes, famoso boêmio, poeta, cantor e compositor, disse um dia: "O uísque é o melhor amigo do homem. É o cachorro engarrafado."
Martha de Arruda é jornalista e escritora. Ela é uma cuibana que ama o Rio de Janeiro, mas adora a vida de Florianópolis, onde mora.