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sexta-feira, 10 de junho de 2011

Debate da UFF: "Escherichia coli: o surto mortal europeu"

COBERTURA ESPECIAL – Debate da UFF: "Escherichia coli: o surto mortal europeu"
Diferentemente de outros tipos bacterianos de E. coli, forma responsável por surto europeu atinge principalmente adultos

Cepa também é responsável por mais casos de síndrome hemolítico-urêmica.


Agência Notisa – Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, divulgados hoje pela manhã,9/06/2011, na Alemanha já foram registrados 2.086 casos de infecção pela bactéria Escherichia coli e 722 casos de síndrome hemolítico-urêmica (SHU). Sessenta e nove por cento das vítimas são mulheres e 88% adultos. De acordo com Aloysio de Mello Figueiredo, professor do Laboratório de Enteropatógenos da Universidade Federal Fluminense (UFF), o que chama a atenção nesse surto europeu é justamente a alta proporção de casos que evoluem para a síndrome hemolítico-urêmica e a predominância em adultos. "Víamos até então que cerca de 10% dos infectados por E. coli apresentavam SHU, porém neste surto 30% estão desenvolvendo a síndrome. Da mesma forma, a infecção que antes era predominante em crianças e idosos, agora atinge principalmente adultos jovens", afirmou o biomédico.
Devido à gravidade da situação, Aloysio e colegas participaram do debate " ‘Escherichia coli’: o surto mortal europeu", realizado na tarde de hoje no Instituto Biomédico da UFF. No evento, os pesquisadores abordaram aspectos microbiológicos, alimentares e clínicos da infecção. O encontro contou com a participação, por meio de transmissão on-line, de Alfredo Torres, professor associado da Universidad de Texas e coordenador da Rede Latino-americana de Investigação em Escherichia coli.
Embora a E. coli seja conhecida há algumas décadas e oito patotipos da bactéria já estejam bem caracterizados, os casos que começaram a se multiplicar na Alemanha em maio deste ano são causados por um novo patotipo. Segundo Aloysio, após sequenciar o genoma bacteriano, pesquisadores observaram que esse microorganismo é uma forma originalmente enteroagregativa, porém que adquiriu a capacidade de liberar toxinas (do tipo Shiga). O novo patotipo combina, portanto, dois perfis que antes eram vistos isolados.
Com isso, essa bactéria, que é comensal do intestino de mamíferos e aves, provoca lesões complexas que levam à perda das microvilosidades intestinais, resultando em diarreia crônica e também, segundo o professor, a toxina liberada é absorvida pela mucosa intestinal e atinge a corrente sanguínea, inibindo a síntese protéica celular e levando, consequentemente, à morte da célula. "No homem, as células edoteliais, que compõem o revestimento interno dos vasos sanguíneos, são as mais suscetíveis a essa ação", lembrou Aloysio. "Todo esse mecanismo leva ao principal sintoma da infecção: colite hemorrágica: uma diarreia muito intensa com sangue", explicou.
Segundo Aloysio, outra característica desse novo patotipo é que por ser produtora de biofilme, a bactéria possui uma alta taxa de colonização. Além disso, libera volumes muito grandes de toxina.
O nefrologista Jorge Reis, do Hospital Antônio Pedro da UFF, lembrou que normalmente os pacientes passam por três estágios: (1) aquisição do microorganismo; (2) infecção caracterizada pela diarreia crônica e (3) SHU. "O paciente geralmente é internado por causa da diarreia sanguinolenta e 1/3 deles desenvolvem a síndrome hemolítico-urêmica no hospital", disse.
A síndrome, que se caracteriza por anemia hemolítica; trombocitopenia e insuficiência renal, segundo Jorge, acomete primeiro a microcirculação e leva a formação de trombos. "Podemos observar então alguns sinais que indicam que o paciente está evoluindo para a SHU, por exemplo, queda do nível de plaquetas; presença de hemácias com formas alteradas; aumento da bilirrubina, além de aumento de uréia e potássio", esclareceu.
Embora estudos com E. coli mostrem que o uso de antibióticos não é eficaz no tratamento da doença e podem, até mesmo, piorar o quadro, de acordo com Jorge, alguns especialistas têm questionado se haveria indicação dessa terapia para a nova cepa. Segundo Aloysio, teoricamente, a morte da bactéria pode levar à liberação aumentada de toxina na corrente sanguínea do paciente e também de fagos – vírus que infectam a bactéria, portanto, antibióticos talvez sejam benéficos em casos de severidade extrema.
Transmissão e prevenção Márcia Soares Pinheiro, do Laboratório de Enteropatógenos e Microbiologia de Alimentos da UFF explicou que as principais fontes de infecção da E. coli são os reservatórios: gado bovino e ruminantes. "A transmissão pode ocorrer através do consumo de carne moída crua ou mal cozida; leite cru; água contaminada por material fecal de animais; contaminação cruzada –superfícies e utensílios que estiveram em contato com carne contaminada que podem contaminar outros alimentos – e contato pessoal (oral-fecal)", afirmou.
Um dos principais problemas relacionados a essa bactéria é que ela pode sobreviver por meses em fezes, no solo e na água. Segundo Márcia, a temperatura de crescimento desse micro-organismo varia de 7 a 50ºC, além disso, pode crescer em meios ácidos (pH 4,4). Por outro lado, ela pode ser destruída através do cozimento adequado (maior ou igual a 70ºC).
A OMS, disse a pesquisadora, recomenda que a prevenção e o controle sejam feitos em todos os estágios da cadeia produtiva de alimentos. Também recomenda o rastreamento de animais antes do abate, boas práticas de fabricação, treinamento e educação de trabalhadores em abatedouros e fazendas de leite, implementação de políticas de rastreamento do micro-organismo em produtos cárneos, tratamento de alimentos com técnicas bactericidas e tratamento da água.
A organização também disponibiliza dados para uma alimentação mais saudável que prega a higiene adequada, fundamental para a prevenção da doença.
Atualmente, ainda não se sabe exatamente qual produto foi a fonte inicial de transmissão da doença na Europa. Há suspeitas quanto a três alimentos, em especial: pepinos, tomates e alface.
Márcia lembrou que a Anvisa, por meio de nota de esclarecimento, informou que, no momento, não seriam adotadas medidas restritivas no Brasil e que não há motivos para maior preocupação entre a população.
O nefrologista Jorge, entretanto, lembrou que a síndrome hemolítica-urêmica é um caso muito grave e que, portanto, é importante que diversos setores da saúde permaneçam trabalhando para melhorar o conhecimento sobre a doença. Segundo os dados da OMS mais atuais, na Alemanha ocorreram 18 mortes causadas pela infecção por E. coli. Porém, o médico alertou que os óbitos não são maiores, pois esse país dispõe de um sistema de saúde com infraestrutura capaz de realizar, por exemplo, muitas hemodiálises.
"Se acontecesse um surto semelhante em um lugar como o Brasil, que não possui essas condições, seria uma verdadeira catástrofe", concluiu.
Agência Notisa (science journalism – jornalismo científico)