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terça-feira, 4 de outubro de 2011

Moradores da Maré dizem que o muro foi construído para isolá-los do restante da cidade

COBERTURA ESPECIAL – Seminário “A cidade dos e para os megaeventos esportivos: muros, remoções e maquiagem urbana”

Pesquisadores defendem que o projeto não passa de “maquiagem urbana” para a recepção de turistas e comitivas governamentais e empresariais na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos.
 
Agência Notisa – Pouco mais de um ano após a construção do muro que separa o Complexo de Favelas da Maré das Linhas Vermelha e Amarela, o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Favelas e Espaços Populares (Nepef) das Redes de Desenvolvimento da Maré realizou uma pesquisa para saber a opinião dos moradores da comunidade e dos usuários das vias expressas sobre esse projeto. O estudo foi realizado em parceria com o Observatório de Favelas e a ONG ActionAid. O relatório final da pesquisa ainda não está pronto, mas alguns resultados foram apresentados durante o seminário “A cidade dos e para os megaeventos esportivos: muros, remoções e maquiagem urbana”, ocorrido sexta-feira passada (30), no Complexo de Favelas da Maré (RJ).
Segundo Marcelo Matheus de Medeiros, um dos coordenadores da pesquisa “Os muros do invisível”, os argumentos do governo para a construção da barreira foram: proteção dos usuários das vias contra tiros vindos das comunidades; barreira acústica; aumento da sensação de segurança; melhoramento estético da paisagem e impedir moradores nas vias, evitando atropelamentos.
Para o pesquisador, o tempo mostrou que esses argumentos não se sustentam. “Os pressupostos colocados para a construção do muro caem por terra porque o muro não é blindado, não impede o trânsito de pessoas nem de animais nas vias e não tem nenhum efeito de beleza. O que resta como justificativa plausível se chama ‘maquiagem urbana’”, afirmou Marcelo.
“O poder público alega que é uma barreira acústica construída em benefício da população e da segurança de todos, mas sabemos que é uma intervenção estética para ‘maquiar a cidade’ e esconder a favela da vista de quem passa pela Linha Vermelha, uma das vias mais movimentadas da cidade e acesso ao Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), por onde passarão as comitivas dos países que participarão dos megaeventos. Além disso, existem outros fatores que estão sendo deixados de lado, como a transparência dos gastos públicos e a participação da população”, acrescentou Renata Neder, coordenadora de projetos da ONG ActionAid.
O estudo revelou que a maioria dos moradores da Maré (73%) é contra o projeto. Para os pesquisadores, o muro foi construído para esconder e isolar ainda mais a comunidade do restante da cidade, não tendo sido, portanto, idealizado para beneficiar essa população, mas sim os usuários das vias. Eles também entendem que a forma como o processo se deu não foi adequada. “Os moradores esperavam e ainda querem o diálogo”, disse Marcelo.
Contudo, alguns moradores acabaram aprovando sua construção, principalmente os que moram na beira da pista. Segundo esses moradores, a barreira diminuiu a poeira e o barulho vindos das vias, os protegem de gestos obscenos e de objetos jogados em suas casas por pessoas que circulam nas vias, e traz mais privacidade, porque em engarrafamentos, os motoristas ficam olhando para dentro de suas casas.
Segundo os organizadores da pesquisa, esses dados trazem à tona uma reflexão: “Os usuários das vias são alvo da comunidade ou a comunidade é alvo dos usuários?”.
Jorge Barbosa, professor de geografia da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Observatório de Favelas, afirmou que o estudo mostra as contradições de uma política que não prega pela cidadania, ao contrário, “esconde e separa parte da sociedade e entende que a favela não é modelo de cidade e, portanto, deve acabar”.
“Nós defendemos as favelas. Não achamos que elas devam acabar. Mas defender a favela não significa defender a carência, a precariedade. Defender a favela é defender que seus moradores tenham dignidade. Precisamos superar a ideia de que a favela precisa ser integrada à cidade. Pelo contrário, a cidade que precisa ser integrada à favela, ou seja, todos os direitos que estão presentes na cidade têm que estar presentes na favela”, destacou o pesquisador.
Agência Notisa (science journalism – jornalismo científico)