Cristovam Buarque*
O assassinato brutal de 12 crianças em uma escola em Realengo não
afetará o PIB de 2011. Por isso, corremos o risco de um fato tão grave
ser esquecido dentro de pouco tempo, como aconteceu com o assassinato
de seis crianças em Luziânia, Goiás, em 2010. Isso porque ainda
estamos presos à economia e ao imediatismo. Quando ocorre um crime
como o de Realengo, a busca pela segurança prevalece sobre a ideia da
paz. Desde essa tragédia, surgiram várias propostas para evitar a
violência nas escolas: muros, detectores de metal. Mas não são solução
para formar as futuras gerações que governarão o País. Mesmo para
garantir a segurança imediata é preciso ter a perspectiva da paz, no
médio e longo prazo. E para isso, devemos entender melhor o problema
da violência nas escolas.
A sociedade brasileira é violenta, e é difícil imaginar uma escola em
paz cercada pelo tráfico, pelo assassinato de crianças, por lares
violentos. Existe ainda a violência da miséria convivendo com a
riqueza, ainda mais em uma sociedade permissiva e que não pune a
violência que se espalha diariamente.
É preciso lembrar que nos últimos cinco anos foram assassinadas mais
de 10 mil crianças, que muitos outros milhares morreram por falta de
cuidados. E que há uma violência aceita com naturalidade: o vandalismo
na escola, das cadeiras quebradas, dos prédios degradados por atos de
alunos ou pela omissão de governantes; o desrespeito ao professor; o
bullying generalizado. A construção da paz depende de uma mudança
cultural, mas também de leis que estimulem o respeito pela escola e a
punição de todos os crimes: dos assassinos em massa aos vândalos.
Um dos passos é criar no MEC um setor educacional dedicado à
segurança, sob a ótica da paz. Para construir um pacto dentro da sala
de aula, envolvendo professores, alunos, pais e servidores, e proteger
os arredores da escola, usando a capacidade e a competência dos
policiais. A escola passa a ser pacífica por dentro, e protegida de
forma invisível por fora. Projeto nesse sentido está no Senado desde
2008, é o PLS 191.
Isso não basta, pois a violência não existe apenas na escola, afeta
milhões de crianças que não têm um setor público federal que tome
conta delas: uma Agência (Secretaria Presidencial) Nacional de
Proteção à Criança e ao Adolescente. Como já existem para jovens,
afro-descendentes, mulheres, índios. Um Projeto de Lei nesse sentido
foi apresentado ao Senado há quase seis anos. Cinco dias depois da
tragédia de Realengo, a Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados
mandou arquivar, porque ele envolvia algum custo. Foi aprovada a
criação de um ministério para cuidar das pequenas e médias empresas,
mas falta dinheiro para cuidar dos pequenos e médios brasileiros.
Também está tramitando no Senado o PLS 518/2009, que propõe concentrar
a ação do MEC na educação de base. Nem é preciso criar um novo
ministério, as universidades podem ser bem cuidadas pelo Ministério de
Ciência e Tecnologia.
Ajudaria a trazer paz às escolas o PLS 480/2007, pelo qual seria falta
de decoro um político eleito proteger seus filhos em escolas privadas,
abandonando as públicas para os filhos dos seus eleitores. Esse também
está engavetado na Comissão de Constituição e Justiça.
Cabe lembrar que a paz na escola só virá se tivermos escolas com
qualidade. Só temos um caminho: criar uma carreira nacional do
magistério básico e um programa federal de qualidade escolar em
horário integral. Projeto para ambos tramita no Senado desde 2008.
Finalmente, é preciso implantar o cartão federal de acompanhamento de
toda criança, desde o nascimento, ou mesmo antes, desde a gestação,
como o MEC iniciou os estudos em 2003.
Depois de assistirmos a tantas mortes, de sabermos que nossas escolas
são depredadas e violentadas diariamente, esperemos que a
monstruosidade cometida em Realengo desperte a população para a
importância de ir além da segurança e construir a paz de que todas as
escolas precisam.
Cristovam Buarque é Professor da Universidade de Brasília e Senador pelo PDT/DF
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